Etelra Juliana Aparecida Nogueira x Banco Mercantil Do Brasil Sa
ID: 311786161
Tribunal: TJMG
Órgão: 2ª Vara Cível da Comarca de São Sebastião do Paraíso
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 5001636-72.2023.8.13.0647
Data de Disponibilização:
01/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
KENIA MIRIAN NUNES RIBEIRO BRAGA
OAB/MG XXXXXX
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JOSE IBIO LOVO JUNIOR
OAB/MG XXXXXX
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GUSTAVO FRANCISCO REZENDE ROSA
OAB/MG XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE MINAS GERAIS Justiça de Primeira Instância Comarca de São Sebastião Do Paraíso / 2ª Vara Cível da Comarca de São Sebastião do Paraíso Avenida Doutor José de Oliveira Bra…
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE MINAS GERAIS Justiça de Primeira Instância Comarca de São Sebastião Do Paraíso / 2ª Vara Cível da Comarca de São Sebastião do Paraíso Avenida Doutor José de Oliveira Brandão Filho, 300, Jardim Mediterrannée, São Sebastião Do Paraíso - MG - CEP: 37950-000 PROCESSO Nº: 5001636-72.2023.8.13.0647 CLASSE: [CÍVEL] PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) ASSUNTO: [Indenização por Dano Moral, Indenização por Dano Material, Empréstimo consignado] AUTOR: ETELRA JULIANA APARECIDA NOGUEIRA CPF: 056.084.606-18 RÉU: BANCO MERCANTIL DO BRASIL SA CPF: 17.184.037/0001-10 SENTENÇA Vistos. I – RELATÓRIO Etelra Juliana Aparecida Nogueira, já qualificada nos autos, ajuizou em face do Banco Mercantil do Brasil S.A. a presente Ação Declaratória de Inexistência de Débito c/c Repetição de Indébito e Indenização por Danos Morais, com Pedido de Tutela de Urgência. Alega ser portadora de paralisia cerebral e transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (CID G80 F9) e que em agosto de 2010 começou a receber benefício social à pessoa portadora de deficiência. Aduz que está com enorme dificuldade financeira, pois seu benefício BPC/LOAS está totalmente comprometido, sendo verificado em seu histórico de crédito a presença de empréstimos consignados, referente ao contrato nº. 806014784, a ser pago em 84 parcelas no montante de R$142,64 e referente ao contrato nº. 805115171, a ser pago em 74 parcelas de R$111,16, excluído em 27.01.2023 Assevera a existência também de três contratos de empréstimo pessoal, sob nº. 46961, no valor e R$136,62, sob nº. 62076, com parcela no valor de R$317,03 e o de nº. 054277, com parcela no valor de R$59,60. A parte autora nega ter realizado referidos negócios jurídicos. Ante o exposto, requer a concessão dos efeitos da tutela antecipada para que sejam cessados os descontos nos seus proventos; a concessão dos benefícios da justiça gratuita; que seja declarada a inexistência dos negócios jurídicos supracitados e a condenação da parte ré ao pagamento pelos danos morais e danos materiais que alega ter sofrido. Anexou documentos. Indeferido o pedido de tutela urgência. Deferido o pedido de justiça gratuita à parte autora (ID nº. 9757779536). Manifestação da parte ré informando a interposição de agravo de instrumento em face da decisão que indeferiu o pedido de tutela de urgência (ID nº. 9761309755 e ID nº. 9761292525). Citada, a parte ré apresentou contestação (ID nº. 9790460622). No mérito, alega que a própria parte autora firmou os contratos debatidos, por meio de terminal eletrônico de atendimento do Banco réu mediante apresentação de cartão magnético e digitação de senha eletrônica de uso e conhecimento exclusivo da parte autora. Pontua que a parte autora fez uso dos empréstimos, conforme extratos anexos. Frisa que a apresentação do cartão magnético e a digitação da senha eletrônica, de uso e conhecimento exclusivo da parte autora, representa a sua inequívoca anuência com o negócio jurídico contratado com o Banco réu. Por fim, alega serem inexistentes os danos morais e danos materiais requeridos pela parte autora. Ante o exposto, requer a improcedência dos pedidos iniciais. Juntada de decisão referente ao agravo de instrumento interposto pela parte autora (ID nº. 9794341045). Deferida parcialmente a antecipação da tutela recursal pretendida para seja determinada a suspensão dos descontos referente ao empréstimo sob nº. 806014784. Réplica à contestação veio aos autos (ID nº. 9798905703). Aplicado o Código de Defesa do Consumidor e definido o ônus da prova como estático (ID nº. 9863914259). Instadas as partes acerca das provas que pretendem produzir, a parte autora requereu a produção de perícia grafotécnica e perícia médica (ID nº. 9864575800). A parte ré informou não haver mais provas a serem produzidas, requerendo pelo julgamento antecipado da lide (ID nº. 9889997124). Juntada de acórdão (ID nº. 10110353103). Dado parcial provimento ao recurso para reformar a decisão agravada e deferir parcialmente a tutela provisória de urgência para determinar que a parte ré se abstenha de promover os descontos no benefício previdenciário da parte autora, referente ao contrato sob nº. 806014784. Determinada a intimação da parte autora para que esclareça o pedido de produção de provas, considerando que os contratos discutidos nos autos se trata de documentos digitais, relativos a empréstimos realizados em boca de caixa. Ademais, foi determinado que ela esclareça a necessidade e os pontos a serem discutidos com a realização de perícia médica, uma vez que alega ser pessoa com deficiência, fato que pode ser comprovado documentalmente, uma vez que a própria parte autora afirma receber benefício do INSS exatamente por essa razão (ID nº. 10212456253). Manifestação da parte autora informando a desistência da perícia médica e reiterando o pedido para realização de perícia digital (ID nº. 10222089625). Determinada a intimação do patrono da parte autora para que esclareça sobre a incapacidade que alega ter a postulante, uma vez que, conforme se vê no documento de ID nº. 9753343904, outorgou poderes para propositura da ação (ID nº. 10262550422). Manifestação da parte autora informando que não pretende mais a realização da perícia médica e a produção de prova oral, bem como desiste também da perícia grafotécnica digital. Ante o exposto, requer o julgamento antecipado da lide (ID nº. 10292901053). Reiterada a intimação do patrono da parte autora para que esclareça sobre a incapacidade que alega ter a postulante (ID nº. 10302206303). Manifestação da parte autora requerendo prova emprestada dos autos nº. 5001617-66.2023.8.13.0647. Informa que naqueles autos foi realizada perícia digital e perícia médica psiquiatra, onde a médica perita informou que a requerente possui capacidade plena para gerir sua pessoa e bens, apesar da deficiência, mostrando-se apta para os atos da vida civil. Ante o exposto, requer pelo julgamento antecipado da lide, bem como reitera suas alegações finais de forma remissiva (ID nº. 10327341961, ID nº. 10327367064 e ID nº. 10327352738). Determinada a intimação da parte requerida para que se manifeste acerca da prova emprestada nos anexos do ID nº. 10327341961. Na mesma oportunidade, considerando que a parte autora já apresentou memoriais finais remissivos, foi determinada a intimação da parte ré para que também apresente seus memoriais finais (ID nº. 10367417839). Manifestação da parte ré informando a ciência quanto aos esclarecimentos prestados, reiterando o pedido para que sejam julgados improcedentes os pedidos iniciais (ID nº. 10389261373). Convertido o julgamento em diligência (ID nº. 10416073523), determinado que a parte autora esclareça a correspondência entre os códigos lançados no extrato e os contratos questionados na inicial, com o objetivo de verificar a legitimidade passiva da parte ré e delimitar adequadamente os pedidos. Manifestação da parte autora reafirmando que os referidos códigos correspondem a débitos identificados como sendo de responsabilidade do Banco Mercantil, conforme os lançamentos constantes em seus extratos bancários. Esclarece que não tem acesso aos números integrais dos contratos justamente por não os ter contratado. Tudo visto e examinado. Decido. II – FUNDAMENTAÇÃO DO MÉRITO DA ANÁLISE DA CAPACIDADE CIVIL DA AUTORA E DISCERNIMENTO Referente a capacidade civil, cabe asseverar que o Código Civil reconhece a todo ser humano a capacidade de ser titular de relações jurídicas - possuir direitos e deveres. Todavia a capacidade de direito é medida pela capacidade de fato, que é a aptidão para praticar, pessoalmente, atos válidos e com efeitos jurídicos reconhecidos pela lei civil, que pode ser restrita por condições biológicas e legais. O Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/15), por sua vez, produziu mudanças sensíveis na compreensão do direito civil, principalmente, quando inseriu entre os relativamente incapazes, aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade (art. 4º, III, do CC), presumindo-se nas demais hipóteses de deficiência a capacidade civil. Dessa forma, o Estatuto da Pessoa com Deficiência, em conformidade com os ditames da Convenção Sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, promulgada pelo Decreto nº 6.949/2009, com status equivalente ao de emenda constitucional, nos termos do art. 5º, §3º, CF, limitou a hipótese de incapacidade civil absoluta apenas aos menores de 16 anos, ou seja, ao critério etário, afastando as situações de deficiência. Na esteira deste entendimento, Flávio Tartuce (2015, p. 01) ensina que: Em suma, não existe mais, no sistema privado brasileiro, pessoa absolutamente incapaz que seja maior de idade. Como consequência, não há que se falar mais em ação de interdição absoluta no nosso sistema civil, pois os menores não são interditados (…) Por outro lado, alguns doutrinadores defendem, com razão, que a Lei nº. 13.146/2015 não aniquilou a teoria das incapacidades do Código Civil, mas a mitigou, adequando-a à Constituição Federal e à Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, o que não implica abandono e desamparo à pessoa que não possa exprimir validamente a sua vontade, por exemplo as pessoas em coma ou grave comprometimento mental. Assim, é possível concluir que com o advento do Estatuto da Pessoa com Deficiência, o instituto da curatela passou a ser visto como medida excepcional e proporcional às necessidades e circunstâncias de cada caso particular, que deve versar, em princípio, sobre atos relacionados aos direitos patrimoniais. Neste sentido, é a jurisprudência: EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INTERDIÇÃO. INCAPACIDADE RELATIVA. COMPROVAÇÃO. CURATELA. HIPÓTESE LEGAL. LIMITAÇÃO DOS PODERES DO CURADOR. SENTENÇA REFORMADA EM PARTE. - Com o advento da Lei Federal nº 13.146/2015, que instituiu a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência - o Estatuto da Pessoa com Deficiência -, as definições de capacidade civil foram reconstruídas para dissociar a deficiência da incapacidade. - A curatela é medida extraordinária e restrita a atos de conteúdo patrimonial ou econômico, desaparecendo a figura da interdição completa e do curador com poderes ilimitados, na hipótese de reconhecimento de incapacidade relativa. (TJMG - Apelação Cível 1.0000.21.185991-3/001, Relator(a): Des.(a) Moacyr Lobato , 5ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 16/12/2021, publicação da súmula em 16/12/2021). Para mais, tem-se que o ato praticado por absolutamente incapaz, em que pese estar estruturado no plano da existência, é inválido no mundo jurídico, sendo nulo de pleno direito, nos termos dos artigos 104, inciso I e 166, inciso I, todos do Código Civil: Art. 104. A validade do negócio jurídico requer: I - agente capaz; Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando: I - celebrado por pessoa absolutamente incapaz; Nesse sentido, lecionam Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho: Sim, o ato nulo produz efeitos, embora limitados à seara das relações fáticas! Com efeito, não há como negar que o ato realmente existiu, embora se reconheça que esteja eivado de vícios que impossibilitem o reconhecimento de sua validade jurídica. Pois bem. Pontuadas as normatizações cabíveis e teorização de renomados juristas acerca da temática, passo a analisar as provas carreadas nos autos. O cerne da presente demanda, conforme inicialmente articulado pela própria autora, reside na sua suposta falta de discernimento para os atos da vida civil, em virtude de paralisia cerebral e transtorno de déficit de atenção e hiperatividade. Essa alegação inicial, se comprovada, teria o condão de afetar a validade dos negócios jurídicos por ela celebrados, nos termos do Código Civil, que exige agente capaz para a validade do ato jurídico. Entretanto, durante a fase de instrução processual, e em atenção à determinação deste Juízo para que a autora esclarecesse sua alegada incapacidade e regularizasse sua representação processual, a própria parte autora apresentou, como prova emprestada de outro processo em que figurava como parte, um laudo de perícia médica psiquiátrica (ID nº. 10327367064). Este documento, elaborado por médica especialista, em 08 de agosto de 2024, contém conclusões categóricas que contradizem frontalmente as alegações iniciais da autora quanto à sua incapacidade para os atos da vida civil. Conforme se extrai do mencionado laudo pericial (ID nº. 10327367064, páginas 5 e 6), a periciada "apresenta limitação física moderada, sem prejuízo cognitivo. Mostra-se apta para atos da vida civil." O exame mental revelou que a autora se encontra "orientada auto e alopsiquicamente", com "memória remota e recente preservadas", "atenção e concentração normovigilância", "pensamento: curso, forma e velocidade sem alteração", "capacidade intelectual compatível com o nível educacional e sociocultural" e "juízo crítico da realidade preservado". Questionada expressamente se necessitaria de cuidados de terceiros ou se possuía capacidade plena para gerir sua pessoa e bens, a perita foi enfática ao responder: "Capacidade plena de gerir sua pessoa e bens." De igual modo, ao ser indagada se a autora sofreria de restrições na capacidade de gerir e administrar seus bens e interesses, a resposta foi "Não". Diante de tal prova, produzida e apresentada pela própria autora aos autos, resta claramente descaracterizada a alegada incapacidade para os atos da vida civil. O Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015), em seus artigos 3º e 4º, de forma expressa e inequívoca, estabelece que a deficiência, por si só, não afeta a plena capacidade civil da pessoa. A limitação física ou mesmo a condição de transtorno de déficit de atenção, conforme o laudo pericial comprova, não compromete o discernimento da autora para compreender a natureza e os efeitos dos atos jurídicos que pratica. Nesse sentido, é o entendimento do Tribunal de Justiça de Minas Gerais: EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - CUMPRIMENTO DE SENTENÇA - ACORDO EXTRAJUDICIAL - CAPACIDADE CIVIL PRESUMIDA - ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA - INCAPACIDADE - DECLARAÇÃO JUDICIAL - EXPEDIÇÃO DE ALVARÁ - POSSIBILIDADE. I. Conforme art. 1º do Código Civil, a capacidade para o exercício pessoal de direitos e deveres na ordem civil é presumida. II. A caracterização de deficiência mental não induz, automaticamente, a incapacidade civil, certo que sua configuração depende de declaração judicial, por meio de curatela. III. Verificando-se a inexistência, nos autos, de elementos que comprovem a incapacidade civil, deve ser reformada a decisão que indeferiu a expedição de alvará ao autor sob essa justificativa. (TJMG - Agravo de Instrumento-Cv 1.0000.18.099317-2/003, Relator(a): Des.(a) Fabiano Rubinger de Queiroz , 10ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 21/11/2023, publicação da súmula em 27/11/2023) (grifo nosso). EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE DOAÇÃO - INCAPACIDADE CIVIL ABSOLUTA DA DOADORA - NÃO COMPROVAÇÃO - AUSÊNCIA DE INTERDIÇÃO - NEGÓCIO JURÍDICO REGULAR. Ocorrida a doação antes da vigência da Lei nº 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), que alterou o sistema de incapacidades do Código Civil, a análise da capacidade civil da doadora deve ser realizada com base na redação original do art. 3º do Código Civil, segundo a qual eram absolutamente incapazes "os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a pratica desses atos". O reconhecimento da incapacidade absoluta por doença ou deficiência mental depende de procedimento judicial de interdição, com realização de perícia médica. Ausente a prova da incapacidade civil absoluta da doadora anterior ou posterior à doação, e não tendo sido realizado procedimento judicial de interdição, não é possível a declaração de nulidade do negócio jurídico por ausência de capacidade do agente, com base no art. 104, I, do Código Civil. (TJMG - Apelação Cível 1.0000.24.489054-7/001, Relator(a): Des.(a) Marcelo Pereira da Silva , 11ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 05/02/2025, publicação da súmula em 07/02/2025) (grifo nosso). EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - PRETENSÃO ANULATÓRIA DE CONTRATO, INEGIBILIDADE DE DÉBITO E DANO MORAL - EMPRÉSTIMO CONSIGNADO - ANALFABETISMO DO CONTRATANTE - NÃO COMPROVADO -DEFICIÊNCIA AUDITIVA - INCAPACIDADE RELATIVA - EXCEÇÃO NÃO DEMONSTRADA - ERRO SUBSTANCIAL - INEXISTÊNCIA - VALIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO. 1. Ausente a comprovação do analfabetismo, a contratação realizada não exige forma especial, dispensando-se a necessidade de instrumento público ou de assinatura a rogo por terceiro, conforme dispõe o art. 107 do Código Civil. 2. A capacidade plena é a regra, e, consequentemente, a incapacidade é a exceção. Eventual patologia, por si só, não afasta a regra, pelo que deve haver prova hábil a demonstrar que os seus possíveis efeitos suprimiram ou reduziram a capacidade do agente. 3. Não provada a exceção, conclui-se pela capacidade plena do agente no momento da contratação. 4. Considerando que o contrato, assinado pela parte, expôs, com clareza, a natureza do negócio jurídico, a quantia disponibilizada, bem como a quantidade e o valor de cada parcela, não há que se falar em falsa percepção da realidade pelo agente a ensejar anulação do negócio jurídico (TJMG - Apelação Cível 1.0000.23.331752-8/001, Relator(a): Des.(a) Marcelo de Oliveira Milagres , 18ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 06/02/2024, publicação da súmula em 07/02/2024) (grifo nosso). EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - PRETENSÃO ANULATÓRIA DE CONTRATO, INEGIBILIDADE DE DÉBITO E DANO MORAL - EMPRÉSTIMO CONSIGNADO - ANALFABETISMO DO CONTRATANTE - NÃO COMPROVADO -DEFICIÊNCIA AUDITIVA - INCAPACIDADE RELATIVA - EXCEÇÃO NÃO DEMONSTRADA - ERRO SUBSTANCIAL - INEXISTÊNCIA - VALIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO. 1. Ausente a comprovação do analfabetismo, a contratação realizada não exige forma especial, dispensando-se a necessidade de instrumento público ou de assinatura a rogo por terceiro, conforme dispõe o art. 107 do Código Civil. 2. A capacidade plena é a regra, e, consequentemente, a incapacidade é a exceção. Eventual patologia, por si só, não afasta a regra, pelo que deve haver prova hábil a demonstrar que os seus possíveis efeitos suprimiram ou reduziram a capacidade do agente. 3. Não provada a exceção, conclui-se pela capacidade plena do agente no momento da contratação. 4. Considerando que o contrato, assinado pela parte, expôs, com clareza, a natureza do negócio jurídico, a quantia disponibilizada, bem como a quantidade e o valor de cada parcela, não há que se falar em falsa percepção da realidade pelo agente a ensejar anulação do negócio jurídico (TJMG - Apelação Cível 1.0000.23.331752-8/001, Relator(a): Des.(a) Marcelo de Oliveira Milagres , 18ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 06/02/2024, publicação da súmula em 07/02/2024) (grifo nosso). A capacidade jurídica é pressuposto de validade do negócio jurídico, e a prova pericial nos autos é conclusiva quanto à sua presença na pessoa da autora. Não há, portanto, que se falar em nulidade dos contratos sob o argumento de incapacidade da agente. DA VALIDADE DAS CONTRATAÇÕES E DA INEXISTÊNCIA DE ATO ILÍCITO Comprovada a plena capacidade civil da autora para os atos da vida civil, a validade dos negócios jurídicos deve ser analisada sob a ótica dos demais requisitos do artigo 104 do Código Civil. O Banco réu, em sua contestação, apresentou os comprovantes de contratação dos empréstimos consignados (ID nº. 9790459315, ID nº. 9790468505, ID nº. 9790469154 e ID nº. 9790469150) e dos empréstimos pessoais (ID nº. 9790457225, ID nº. 9790457374, ID nº. 9790460885, ID nº. 9790462623, ID nº. 9790467616 e ID nº. 9790462624), bem como extratos bancários (ID nº. 9790454948, ID nº. 9790461069, ID nº. 9790467614, ID nº. 9790462395 e ID nº. 9790457936) que demonstram o crédito dos valores correspondentes nas contas da autora e a subsequente movimentação desses valores. A controvérsia se limitou à sua alegada falta de compreensão sobre a natureza das operações. A contratação de empréstimos por meio de terminais eletrônicos, mediante a utilização de cartão magnético e senha pessoal, é uma prática consolidada no mercado financeiro e, por si só, presume a ciência e a anuência do correntista. Sobre o exposto, referente aos contratos colacionados pela parta ré, observa-se que tais documentos contêm informações detalhadas sobre as operações, incluindo datas, valores, taxas de juros, número de parcelas e, crucialmente, a expressa declaração de que a contratação foi aceita "MEDIANTE SENHA (ASSINATURA ELETRÔNICA)" ou "MEDIANTE A DIGITAÇÃO DA MINHA SENHA (ASSINATURA ELETRÔNICA)” e “POR MEIO ELETRÔNICO, MEDIANTE A UTILIZAÇÃO DA MINHA ASSINATURA ELETRÔNICA, AUTENTICADA PELO MEU CARTÃO E POR MINHA SENHA OU PELA BIOMETRIA”. A utilização de senha pessoal ou biometria em terminais eletrônicos confere presunção de legitimidade às transações, uma vez que a senha é de uso exclusivo e intransferível do titular da conta. Ressalta-se que nos documentos mencionados encontram-se especificados os termos da contratação realizada, que se apresentam claros, precisos e inteligíveis, identificando de maneira inequívoca seu objeto, razão pela qual foi bem observado o dever de informação previsto do Código de Defesa do Consumidor. Pontua-se que referida contratação não ostenta a assinatura da parte autora, uma vez que realizada por autoatendimento, através de utilização de cartão e senha pessoal. Ademais, mencionados comprovantes demonstram o meio utilizado, o dia e o horário da formalização do negócio jurídico entabulado entre as partes. Juntou também “pesquisa de log” (ID nº. 9790468505, ID nº. 9790469150, ID nº. 9790457374, ID nº. 9790462623, ID nº. 9790462624). Destaca-se que o log de dados, que demonstra a regularidade do negócio jurídico, é um arquivo gerado por software para descrever eventos sobre o seu funcionamento, utilização por usuários ou interação com outros sistemas. Esse log gerado é alimentado ao longo do tempo com informações que permitem diagnosticar anormalidades em relação ao propósito do sistema e questões de segurança e acessibilidade, atuando como uma fonte de informações sobre usuários de um sistema. Outrossim, é fato que as contratações realizadas através do terminal de autoatendimento e por meio digital, como no caso dos autos, ocorrem mediante utilização de dados e de senha eletrônica pessoais, intransferíveis do cliente, motivo pelo qual se conclui que a parte requerida satisfatoriamente comprovou a contratação dos serviços pela autora. Salienta-se que em tais casos não há assinatura de próprio punho do contratante no comprovante de solicitação de contrato de empréstimo em razão das operações se concretizarem mediante verificação de assinatura digital, materializada na senha e nos dados pessoais cuja guarda cabe ao titular da conta. Nesse aspecto, pontua-se que em se tratando de contrato eletrônico, exige-se a utilização do cartão do cliente e da senha pessoal, que devem estar sob seus cuidados, e, no caso, não há qualquer notícia de que o cartão e/ou a senha da parte autora tenham sido subtraídos, de modo a concluir que a parte autora efetuou a contratação questionada. E é importante destacar que é obrigação da correntista, ora parte autora, zelar pela guarda do cartão e sigilo da senha de acesso à sua conta, restado caracterizada a culpa exclusiva da vítima, que constitui causa excludente da responsabilidade civil objetiva do réu, de modo que, uma vez configurada, inviabiliza eventual indenização a qualquer título. Nesse sentido: EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C.C. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - SAQUES EM CONTA CORRENTE - OPERAÇÃO REALIZADA MEDIANTE SENHA PESSOAL - DEVER DE GUARDA - RESPONSABILIDADE DO CORRENTISTA - AUSÊNCIA DE FALHA NO SERVIÇO BANCÁRIO. O correntista é responsável por qualquer operação realizada em sua conta, até comunicação de possível fraude, tendo em vista que é sua obrigação contratual a manutenção do cartão em sua posse e a comunicação imediata de qualquer fato que possa comprometer o negócio jurídico realizado entre as partes. (TJMG - Apelação Cível 1.0000.21.029606-7/001, Relator(a): Des.(a) Rogério Medeiros , 13ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 01/07/2021, publicação da súmula em 01/07/2021) (grifo nosso). Nesse mesmo aspecto: EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE NEGÓCIO JURÍDICO CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS - NULIDADE DA SENTENÇA POR AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO - PRELIMINAR REJEITADA - CONTRATO DE EMPRÉSTIMO BANCÁRIO - OPERAÇÃO REALIZADA EM TERMINAL ELETRÔNICO ATRAVÉS DO CARTÃO E DIGITAÇÃO DA SENHA PESSOAL DO CORRENTISTA - AUSÊNCIA DE FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO PELA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA - VALIDADE DA CONTRATAÇÃO - IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO 1. Demonstradas as razões de fato e de direito pelas quais se chegou à decisão final, ainda que de forma sucinta e contrária aos interesses da parte, não há que se cogitar de nulidade da sentença por ausência de fundamentação. 2. Verificando-se que a contratação de empréstimo bancário ocorreu em terminal de autoatendimento, através do cartão magnético e digitação da senha pessoal e intransferível do titular da conta corrente, ausente furto do plástico ou defeito no dever de segurança da instituição financeira, não há que se cogitar de falha na prestação do serviço bancário a ensejar a declaração da inexistência do negócio e o dever de reparação. 3. Apelação desprovida. (TJMG - Apelação Cível 1.0273.17.001311-7/001, Relator(a): Des.(a) Fausto Bawden de Castro Silva (JD Convocado) , 9ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 22/11/2022, publicação da súmula em 29/11/2022) (grifo nosso). Ainda que a autora alegue ser pessoa humilde, de baixo grau escolar e que se vale da ajuda de prepostos para manusear o terminal eletrônico, tal fato, por si só, não é suficiente para invalidar as transações. Destaca-se, a responsabilidade pela guarda e sigilo da senha pessoal é do correntista, e a instituição financeira não pode ser responsabilizada por eventual compartilhamento de informações ou por falhas na compreensão do cliente, desde que as informações contratuais e as condições das operações tenham sido disponibilizadas de forma clara, como se depreende dos comprovantes que remetem ao contrato geral disponível no site do Banco. A autora não logrou êxito em demonstrar qualquer vício de consentimento, fraude ou coação que pudesse macular as operações. Destaca-se que a complexidade de uma operação não a torna impossível de ser realizada eletronicamente, e a existência de contratos físicos não exclui a possibilidade de contratações digitais, especialmente quando há registro de aceitação por meio de credenciais pessoais e movimentação financeira correspondente. Nesse aspecto, embora a autora tenha suscitado uma suposta falta de clareza nas explicações dos funcionários e a não validação da assinatura eletrônica, tais aspectos, por si sós, não têm o condão de anular os contratos sob o argumento de incapacidade da agente, que, conforme exaustivamente demonstrado pela própria prova por ela produzida, é plenamente capaz. No mais, cabe ressaltar que a impugnação apresentada pela parte autora é genérica, incapaz de elidir a força probatória da documentação trazida pelo Banco. Ressalta-se que não há nos autos prova de que tenha sido a parte autora induzida a erro ou que sua manifestação de vontade fora por qualquer forma contaminada, sendo, portanto, os pleitos declaratórios de inexistência e/ou de invalidação do(s) respectivo(s) negócio(s) jurídico(s) celebrados entre as partes improcedentes. Nesse sentido, é o entendimento do Tribunal de Justiça de Minas Gerais: EMENTA: APELAÇÃO - ANULATÓRIA DE NEGÓCIO JURÍDICO - VÍCIO DE CONSENTIMENTO - ÔNUS DA PROVA. De conformidade com o disposto no art. 14, Código de Defesa do Consumidor, o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação de danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, só se eximindo da responsabilidade, nos termos do § 3º, se for comprovada a inexistência do defeito, ou a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. Incumbe ao autor o ônus probandi quanto aos fatos constitutivos de seu direito, conforme prescreve o art. 373 do CPC/15. O vício de vontade deve ser cabalmente demonstrado pela parte que o alega, que deve comprovar que, embora tenha agido de determinada forma, assim o fez sob coação, ou por dolo, erro ou ignorância, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores, nos termos dos artigos 138 e seguintes do Código Civil.V.V.Se o consumidor não nega completamente a contratação e disponibilização de valores, a sua dívida não pode ser apenas completamente afastada mediante anulação da avença. Nas hipóteses em que a taxa de juros remuneratórios aplicada no contrato diverge drasticamente da taxa média de mercado, pode-se, excepcionalmente, reduzir aquela. (TJMG - Apelação Cível 1.0115.18.001125-2/001, Relator(a): Des.(a) Evangelina Castilho Duarte , 14ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 18/03/2021, publicação da súmula em 23/03/2021) (grifo nosso). No mesmo sentido: EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. INDEFERIMENTO. VÍCIOS DE CONSENTIMENTO NO NEGÓCIO JURÍDICO. EXIGÊNCIA DE PROVA ROBUSTA. REQUISITOS DO ART. 273 DO CPC. NÃO COMPROVAÇÃO. PRESUNÇÃO DE BOA-FÉ E CAPACIDADE DAS PESSOAS NATURAIS. IMPROVIMENTO DO RECURSO. - O debate acerca da higidez da declaração de vontade e da repercussão dos vícios do consentimento na validade dos negócios jurídicos exige prova robusta, diante das presunções de boa-fé e de capacidade das pessoas naturais. - Não se vislumbra que apenas a circunstância de uma idosa contratar sozinha - considerando que não há declaração prévia de sua incapacidade - revele a ocorrência de vício de consentimento. Entender-se de tal forma seria duvidar da lucidez de todos aqueles que, mesmo em idade avançada, exprimem validamente a vontade e expressam sua dignidade. - Não comprovados os requisitos do art. 273 do CPC, impõe-se o indeferimento da antecipação de tutela. AGRAVO DE INSTRUMENTO CV Nº 1.0024.13.419006-5/001 - COMARCA DE BELO HORIZONTE - AGRAVANTE(S): OLGA MARIA FERREIRA DA COSTA VAL - AGRAVADO(A)(S): BANCO DO BRASIL S/A (TJMG - Agravo de Instrumento-Cv 1.0024.13.419006-5/001, Relator(a): Des.(a) José Marcos Vieira , 16ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 28/08/2014, publicação da súmula em 08/09/2014) (grifo nosso). Portanto, tendo a parte ré demonstrado a existência do fato ensejador das operações impugnadas pela parte autora, apresentando nos autos comprovação capaz de atestar que os serviços discutidos foram regularmente contratados pela requerente, de rigor a improcedência dos pedidos iniciais. Deste modo, deve ser reputada válida a contratação. Nesse sentido, é o entendimento do Tribunal de Minas Gerais: EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA - TÍTULO DE CAPITALIZAÇÃO E SEGURO - CONTRATAÇÃO MEDIANTE TERMINAL DE AUTOATENDIMENTO COM DIGITAÇÃO DE SENHA PESSOAL - LEGALIDADE. - A utilização de senha eletrônica pessoal e intransferível substitui a assinatura, sendo meio válido de manifestação de vontade já que somente seu titular dela tem conhecimento, motivo pelo qual não há que se falar em nulidade de contratação de seguro de cartão realizada em terminal de autoatendimento. - Restando comprovado nos autos todos os pressupostos de existência e validade do negócio jurídico entabulado entre as partes, outra conclusão não há senão pela própria improcedência dos pedidos iniciais no que tange ao pedido de repetição e indenização por danos morais. (TJMG - Apelação Cível 1.0000.21.067972-6/001, Relator(a): Des.(a) Adriano de Mesquita Carneiro , 11ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 16/06/2021, publicação da súmula em 16/06/2021) (grifo nosso). Dessa forma, o Banco réu se desincumbiu do ônus de provar a existência e a regularidade dos negócios jurídicos questionados, nos termos do artigo 373, inciso II, do Código de Processo Civil, e do artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor. A prova documental apresentada, aliada à ausência de elementos concretos que demonstrem fraude ou vício de consentimento, leva à conclusão de que as operações foram válidas e regularmente contratadas. Nesse contexto, considerando os elementos constantes dos autos e tendo em vista a comprovação da contratação eletrônica, não há que se falar em declaração de inexistência dos contratos mencionados. Assim, não estando comprovada a incapacidade da autora para os atos da vida civil, e estando demonstradas a existência das contratações e a fruição dos valores pela própria demandante, não prospera a tese de inexistência dos débitos por vício de capacidade do agente. DO DANO MORAL O dano moral indenizável é aquele que pressupõe dor física ou moral e se configura sempre que alguém aflige a outrem injustamente, em seu íntimo, causando-lhe dor e constrangimento, incômodo, tristeza e angústia, sem com isto provocar prejuízo patrimonial. Alcança valores prevalentemente ideais, embora simultaneamente possam estar acompanhados de danos materiais, quando se acumulam. Segundo a definição do mestre Wilson Mello da Silva, autor de um dos melhores trabalhos sobre o assunto na literatura jurídica brasileira, danos morais: (…) são lesões sofridas pelo sujeito físico ou pessoa natural de direito em seu patrimônio ideal, entendendo-se por patrimônio ideal, em contraposição a patrimônio material, o conjunto de tudo aquilo que não seja suscetível de valor econômico"(in O Dano Moral e Sua Reparação - 2ª ed., Forense - p. 13). E continua afirmando que: (…) o patrimônio moral decorre dos bens da alma e os danos que dele se originam seriam, singelamente, danos da alma, para usar da expressão do evangelista São Mateus, lembrada por Fischer e reproduzida por Aguiar Dias. Assim, em se tratando de dano moral, o conceito de ressarcimento abrange duas forças: uma de caráter punitivo, visando castigar o causador do dano pela ofensa que praticou; outra de caráter compensatório, que proporcionará à vítima algum bem em contrapartida ao mal sofrido. Postas tais diretrizes teóricas, concluiu-se que no caso dos autos inexiste ato praticado pela parte requerida capaz de ensejar os alegados danos morais. Sobre o exposto, conforme fundamentado exaustivamente, a alegação central de incapacidade da autora para os atos da vida civil foi desconstituída pela própria prova pericial por ela produzida. A existência e a validade dos contratos foram demonstradas pelo réu. Embora a autora tenha alegado falta de clareza nas informações e suposta má-fé de funcionários do Banco, não houve prova cabal de que tais condutas, por si só, anularam a manifestação de vontade de uma pessoa declarada civilmente capaz pela perícia médica. Não havendo, pois, prova de ato ilícito praticado pelo Banco Mercantil do Brasil S.A. que configure a nulidade dos contratos por incapacidade da autora, e não se configurando uma cobrança indevida de débito inexistente ou já quitado, não há fundamento para a condenação do réu à restituição de valores, sobretudo quando os valores foram efetivamente creditados e usufruídos pela parte. Consequentemente, se não há ato ilícito ou falha na prestação do serviço que justifique a anulação dos contratos com base na incapacidade da autora, não há também que se falar em condenação por danos morais. O aborrecimento decorrente de uma disputa contratual, desacompanhado de ofensa a direitos da personalidade que extrapole o mero dissabor do cotidiano, não é passível de indenização. A prova dos autos demonstra que a autora é plenamente capaz e que os valores foram recebidos e movimentados por ela, afastando a tese de dano decorrente de contratação nula por incapacidade. Assim, ante a configuração da ausência de responsabilidade da parte requerida pelos fatos vivenciados pela parte autora, não há o que se falar em conduta lesiva aos seus direitos personalíssimos. Inclusive, como cediço, o dano moral deve ser visto como um consectário da violação de um ou mais dos direitos da personalidade. Não há, portanto, dano moral indenizável se não houver ofensa aos direitos. Frisa-se que o ato praticado deve atingir bens personalíssimos da parte autora, já que o mero dissabor ou desconforto não são aptos a ensejar o dever de indenizar. Conforme adverte Sérgio Cavalieri Filho: “Nessa linha de princípio, só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exagerada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia-a-dia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo. Se assim não se entender, acabaremos por banalizar o dano moral, ensejando ações judiciais em busca de indenizações pelos mais triviais aborrecimentos” (Programa de Responsabilidade Civil, 7ª edição, Atlas, p. 80). Nesse sentido, confiram-se os seguintes precedentes jurisprudenciais do STJ: “A descrição dos fatos para justificar o pedido de danos morais está no âmbito de dissabores, sem abalo à honra e ausente situação que produza no consumidor humilhação ou sofrimento na esfera de sua dignidade, o dano moral não é pertinente” (Resp 554.876-RJ, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. em 17.2.2004, v.u). Além disso, permitir que qualquer evento que traga desgosto seja capaz de atrair a reparação de cunho moral é banalizar o instituto e fomentar a indústria da indenização moral. Nesse sentido, é o entendimento do Tribunal de Justiça de Minas Gerais: Nesse sentido, é o entendimento do Tribunal de Justiça de Minas Gerais: EMENTA: APELAÇÃO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE NEGÓCIO JURÍDICO C/C INDENIZAÇÃO. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. CONTRATO DIGITAL. ASSINATURA POR BIOMETRIA FACIAL. GEOLOCALIZAÇÃO COMPATÍVEL COM ENDEREÇO DA AUTORA. NEGÓCIO JURÍDICO COMPROVADO. AUSÊNCIA DE ATO ILÍCITO. DANO MORAL. NÃO CONFIGURADO. RECURSO DESPROVIDO. - Deve ser reconhecida a validade do contrato de empréstimo consignado, devidamente assinado pelo contratante por meio de biometria facial, redigido com informações claras e precisas sobre as características do negócio jurídico. - Comprovada a existência de relação jurídica, são legítimos os descontos feitos nos proventos da aposentadoria da autora, inexistindo ato ilícito a ensejar reparação por danos morais. V.v. - Não havendo o Réu se desincumbido do seu ônus probatório de demonstrar as contratações, os ajustes que embasam as subtrações na aposentadoria da Autora se revelam irregulares. - As amortizações de quantias manifestamente indevidas, desprovidas de lastro negocial válido, autorizam a restituição dos valores em dobro, bem como a condenação do Requerido ao pagamento de indenização por danos morais. - Não podem ser desconsideradas as singularidades da pessoa em litígio, com destaque para as restrições inerentes às condições de hipervulnerável da Demandante, por aposentada por invalidez, assim como para a limitação de sua renda aos proventos, de valor manifestamente não elevado, fatos que contribuem para o agravamento da lesão extrapatrimonial sofrida pela Suplicante. - Segundo os critérios de proporcionalidade e razoabilidade, o valor reparatório não pode servir como fonte de enriquecimento do ofendido, nem consubstanciar incentivo à reincidência do responsável pela prática do ilícito. A indenização por danos morais também deve ser arbitrada de acordo com os parâmetros consolidados pela Jurisprudência e com observância aos conteúdos dos arts. 141 e 492, ambos do CPC. - "É preciso repensar o processo à luz dos mais basilares cânones do próprio direito, não para frustrar o regular exercício dos direitos fundamentais pelo litigante sério e probo, mas para refrear aqueles que abusam dos direitos fundamentais por mero capricho, por espírito emulativo, por dolo ou que, em ações ou incidentes temerários, veiculem pretensões ou defesas frívolas, aptas a tornar o processo um simulacro de processo" (STJ - Recurso Especial nº 1.817.845). - Por força das condutas identificadas nos autos, envolvendo "demanda de massa" e aparente crime contra as relações de consumo, impõe-se a expedição de Ofícios informativos ao Ministério Público do Estado de Minas Gerais e ao Departamento de Relacionamento Institucional e Assuntos Parlamentares (ASPAR), do Banco Central do Brasil - BACEN, acerca da existência desta Ação, para que sejam tomadas as providências que entenderem necessárias. (TJMG - Apelação Cível 1.0000.24.474797-8/001, Relator(a): Des.(a) Aparecida Grossi , 17ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 04/06/2025, publicação da súmula em 05/06/2025) (grifo nosso). EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C REPETIÇÃO DO INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - PRELIMINAR - CERCEAMENTO DE DEFESA - REJEIÇÃO - CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO - FORMALIZAÇÃO EM CAIXA ELETRÔNICO - USO DE CARTÃO DE CRÉDITO E SENHA PESSOAL - CONTRATAÇÃO REGULAR - DESCONTO EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO - EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO. - Para que seja reconhecido o cerceamento de defesa, bem como configure ofensa aos princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, é necessário que a prova almejada e que deixou de ser produzida caracterize como relevante e imprescindível para a solução da lide. - É lícita a contratação de serviços bancários em terminal eletrônico por meio de uso de cartão e senha pessoal. - Evidenciada a contratação do cartão de crédito consignado, configura-se exercício regular de direito os descontos em benefício previdenciário, ensejando rejeição da pretensão de indenização por danos morais e a restituição dos valores descontados. - Embora seja ampla a proteção ao consumidor, esta não é infinita, suporta limites da própria lei que o ampara. - O consumidor que altera a verdade dos fatos, ao negar intencionalmente a existência de relação jurídica com a instituição financeira, com o intuito de auferir indenização, age de má-fé. - Para que a multa por litigância de má fé seja fixada acima do mínimo legal o sentenciante tem que fundamentar a motivação. V.V.: A ocorrência de litigância de má-fé não se presume, exigindo-se a prova do intento de praticar as condutas reprimidas pelo art. 80, CPC, ou, ao menos, a culpa grave no seu cometimento. (TJMG - Apelação Cível 1.0000.25.033319-2/001, Relator(a): Des.(a) Cavalcante Motta , 10ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 22/04/2025, publicação da súmula em 25/04/2025) (grifo nosso). EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO ANULATÓRIA C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS - CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO - CAIXA ELETRÔNICO COM USO DE CARTÃO E SENHA PESSOAL - CONTRATAÇÃO DEMONSTRADA - DESCONTO DEVIDO - EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO. 1- O fato de a pessoa ser analfabeta não a torna incapaz para a prática dos atos da vida civil, podendo celebrar contratos normalmente. 2- É lícita a contratação de serviços bancários em terminal eletrônico por meio de uso de cartão e senha pessoal. 3- Comprovada a existência de relação jurídica entre as partes e depositado o montante contratado em conta bancária de titularidade da autora, com a utilização do recurso por esta, configura-se exercício regular de direito os descontos em benefício previdenciário, sendo indevida a indenização por danos morais e a restituição dos valores descontados. (TJMG - Apelação Cível 1.0000.24.449744-2/001, Relator(a): Des.(a) Claret de Moraes , 10ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 19/11/2024, publicação da súmula em 26/11/2024) (grifo nosso). Assim, como do contexto dos autos não se infere que a parte requerente tenha sofrido constrangimentos aptos a gerar-lhe abalo moral a justificar o recebimento da indenização pleiteada, impõe-se a improcedência do pleito indenizatório. DO DANO MATERIAL/DA REPETIÇÃO DO INDÉBITO Em relação ao dano material consistente na repetição do indébito, a parte autora não faz jus a devolução dos valores descontados. Comprovado o negócio jurídico celebrado entre as partes, com a utilização dos serviços postos à disposição do consumidor, se revela regular e legítima a cobrança refutada, não se podendo cogitar de repetição de indébito, porquanto lícitos os descontos dos valores reclamados. Nesse sentido: EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA - INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA C/C DANOS MORAIS - EMPRÉSTIMOS CONSIGNADOS- RENEGOCIAÇÕES - FATO NEGATIVO - ÔNUS PROBATÓRIO DA PARTE RÉ - TELAS SISTÊMICAS- VIABILIDADE DE NEGÓCIO JURÍDICO NO ÂMBITO DIGITAL- EXISTÊNCIA DO NEGÓCIO JURÍDICO - EXERCÍCIO REGULAR DO DIREITO - SENTENÇA REFORMADA. - Tratando-se de ação declaratória de inexistência de relação jurídica cumulada com indenização por danos morais é ônus do réu, pretenso credor, provar a existência de vínculo contratual apto a justificar os descontos promovidos no benefício previdenciário do autor. - Comprovada a regularidade dos empréstimos realizados de forma virtual, mediante autoatendimento em caixa-eletrônico e uso de cartão e senha, elementos que corroboram tese do réu, não há que se falar em irregularidade na contração. - Reconhecida a legitimidade da contratação, não prosperam os pedidos referentes à inexistência do contrato, tampouco, o pleito de condenação do réu à restituição das quantias descontadas e pagamento de indenização por dano moral. - Recurso ao qual se dá provimento. (TJMG - Apelação Cível 1.0000.24.341847-2/001, Relator(a): Des.(a) Lílian Maciel , 20ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 06/11/2024, publicação da súmula em 07/11/2024) (grifo nosso). EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE NEGÓCIO JURÍDICO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - CONTRATO DE SEGURO - RELAÇÃO DE CONSUMO - PRELIMINAR - ILEGITIMIDADE PASSIVA - REJEIÇÃO - RESPONSABILIDADE OBJETIVA E SOLIDÁRIA DAS FORNECEDORAS - DESCONTO DEVIDO - EXISTÊNCIA DE CONTRATAÇÃO - MANIFESTAÇÃO DE VONTADE - LIGAÇÃO TELEFÔNICA - ACEITE VERBAL - RESTITUIÇÃO EM DOBRO INDEVIDA - DANO MORAL NÃO CONFIGURADO - DEMONSTRAÇÃO DA MÁ-FÉ - ALTERAÇÃO DA VERDADE DOS FATOS - MULTA DEVIDA. I. É solidária a responsabilidade entre os fornecedores integrantes da mesma cadeia de produtos ou serviços, de modo que não há ilegitimidade passiva. II. A comprovação por parte da instituição financeira, da contratação do seguro pelo consumidor torna devidos os descontos promovidos, não havendo de se falar em repetição do indébito por valor respectivo ao contratado. III. Para que se caracterize o dever de indenizar devem se configurar o ato ilícito, o nexo causal e o dano, nos termos dos arts. 927, 186 e 187 do CC/02. IV. Verificando-se que a parte autora tentou alterar a verdade dos fatos mesmo após apresentação de documentação quanto à existência da relação jurídica originária e/ou legitimidade do débito cobrado, impõe-se aplicação da penalidade de multa por litigância de má-fé. (TJMG - Apelação Cível 1.0000.22.255724-1/001, Relator(a): Des.(a) Fabiano Rubinger de Queiroz , 10ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 15/12/2022, publicação da súmula em 24/01/2023) (grifo nosso). Assim, referido pedido não comportar juízo de procedência. O processo não merece maiores digressões. III – DISPOSITIVO Ante o exposto, revogo a tutela antecipada de ID nº. 10110353103 e JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados na inicial, extinguindo o processo com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil. Nos termos do artigo 85, §2º, do Código de Processo Civil, condeno a parte autora ao pagamento das custas e despesas processuais, além de honorários advocatícios, que fixo em 10% do valor da causa. No entanto, a exigibilidade do débito está suspensa, nos termos do art. 98, §3º, do CPC. Transitada em julgado esta sentença, dê-se baixa e arquivem-se os autos, com as anotações e cautelas de praxe. Publique-se. Intimem-se. São Sebastião Do Paraíso, data da assinatura eletrônica. ELISANDRA ALICE DOS SANTOS CAMILO Juiz(íza) de Direito 2ª Vara Cível da Comarca de São Sebastião do Paraíso
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