Processo nº 5341455-29.2024.8.09.0158
ID: 304153424
Tribunal: TJGO
Órgão: 5ª Câmara Cível
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 5341455-29.2024.8.09.0158
Data de Disponibilização:
23/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
REJANE RODRIGUES PACIFICO
OAB/DF XXXXXX
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Tribunal de Justiça do Estado de Goiás
Gabinete do Desembargador Guilherme Gutemberg Isac Pinto
APELAÇÃO CÍVEL Nº. 5341455-29.2024.8.09.0158
5ª CÂMARA CÍVEL
COMARCA DE SANTO ANTÔNIO DO DESCOBERTO…
Tribunal de Justiça do Estado de Goiás
Gabinete do Desembargador Guilherme Gutemberg Isac Pinto
APELAÇÃO CÍVEL Nº. 5341455-29.2024.8.09.0158
5ª CÂMARA CÍVEL
COMARCA DE SANTO ANTÔNIO DO DESCOBERTO-GO
APELANTE : MUNICÍPIO DE SANTO ANTÔNIO DO DESCOBERTO-GO
APELADA : LUCIENE SILVA SANTOS
RELATOR : DES. GUILHERME GUTEMBERG ISAC PINTO
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. APELAÇÃO CÍVEL. PISO SALARIAL NACIONAL DO MAGISTÉRIO. ADEQUAÇÃO DO VENCIMENTO BÁSICO. INEXISTÊNCIA DE INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DA VARA DA FAZENDA PÚBLICA. AUSÊNCIA DE SUSPENSÃO DO PROCESSO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA.
I. CASO EM EXAME
1. Apelação cível interposta contra sentença que julgou procedentes os pedidos iniciais, determinando a adequação do salário-base de servidora pública municipal ao piso nacional do magistério e condenando o ente público ao pagamento das diferenças salariais retroativas, acrescidas de correção pela taxa SELIC e honorários advocatícios fixados em 20% sobre o valor da condenação.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
2. Há três questões em discussão: (i) saber se há incompetência absoluta da Vara da Fazenda Pública Municipal para processar e julgar a demanda, em razão do valor da causa e da previsão legal de competência do Juizado Especial da Fazenda Pública; (ii) saber se o processo deveria ser suspenso até o julgamento de ação judicial em trâmite na Justiça Federal que discute a validade da Portaria do Ministério da Educação que atualizou o piso nacional do magistério; e (iii) saber se é devido o pagamento das diferenças salariais para adequação ao piso nacional do magistério, com base na legislação federal e precedentes jurisprudenciais.
III. RAZÕES DE DECIDIR
3. A inexistência de Juizado Especial da Fazenda Pública na comarca justifica a tramitação da demanda na Vara da Fazenda Pública, nos termos da Resolução nº 07/2013 do TJGO e da Súmula nº 73 do TJGO.
4. Não há determinação nacional de suspensão de ações envolvendo o piso nacional do magistério, inexistindo fundamento para a suspensão do processo com base em ações judiciais em trâmite na Justiça Federal.
5. A Lei nº 11.738/2008, considerada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal (ADI 4.167/DF), assegura o pagamento do piso salarial nacional aos profissionais do magistério da educação básica, com base no vencimento básico.
6. O Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Tema Repetitivo nº 911, fixou entendimento de que o piso salarial deve incidir sobre o vencimento inicial da carreira, não havendo exigência de repercussão automática em toda a carreira.
7. O Tribunal de Justiça de Goiás, por meio da Súmula nº 71 e do IRDR nº 5174796-58.2020.8.09.0000, reforçou o direito ao piso para todos os profissionais do magistério que preencham os requisitos legais.
8. Restando comprovado nos autos que a servidora exerce função de magistério e recebe vencimento inferior ao piso nacional, é devida a adequação salarial e o pagamento das diferenças retroativas.
IV. DISPOSITIVO E TESE
9. Recurso conhecido, mas desprovido.
Teses de julgamento:
"1. A inexistência de Juizado Especial da Fazenda Pública na comarca autoriza a tramitação da demanda na Vara da Fazenda Pública, nos termos da Resolução nº 07/2013 do TJGO e da Súmula nº 73 do TJGO. 2. Não há suspensão obrigatória de processos que discutem o piso nacional do magistério em virtude de ações judiciais em trâmite na Justiça Federal. 3. É devido o pagamento do piso salarial nacional aos profissionais do magistério da educação básica que preencham os requisitos legais, conforme a Lei nº 11.738/2008, a jurisprudência do STF e o entendimento firmado no Tema 911 do STJ."
DECISÃO UNIPESSOAL
Trata-se de APELAÇÃO CÍVEL interposta pelo MUNICÍPIO DE SANTO ANTÔNIO DO DESCOBERTO-GO – movimento nº. 40 – em face da sentença prolatada no movimento nº. 36 dos autos da presente “Ação de Obrigação de Fazer com Pedido de Tutela de Urgência c/c Pagamentos Retroativos [e Indenização por] Dano Moral”, ajuizada por LUCIENE SILVA SANTOS, ora Apelada, em desfavor do ora Apelante.
Por oportuno, empós traslado da parte dispositiva do referido ato jurisdicional, de lavra da Juíza de Direito da 2ª Vara Cível, Fazendas Públicas, Registros Públicos e Ambiental da comarca de Santo Antônio do Descoberto-GO, Dra. Patricia de Morais Costa Velasco, ad litteris et verbis:
“III – DISPOSITIVO
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTES os pedidos iniciais e DETERMINO que o requerido proceda a adequação do salário-base da autora, ao piso nacional do Magistério, nos termos da fundamentação supra.
De igual modo, CONDENO o Município de Santo Antônio do Descoberto ao pagamento retroativo da diferença do valor pago e o valor estabelecido como piso de 2022 e 2023, no montante de R$ 28.323,16 (vinte e oito mil trezentos e vinte e três reais e dezesseis centavos).
A verba deverá ser corrigida pela taxa SELIC, a partir da data da citação.
Condeno o requerido ao pagamento dos honorários advocatícios, os quais fixo em 20% (vinte por cento) do proveito econômico obtido nos autos.
Deixo de condenar o requerido nas custas processuais, por força do art. 4º, I, da Lei nº 9.289/96.
Sentença não sujeita ao reexame necessário.”
Em suas razões, o Apelante mostrou-se convicto de que há vício de incompetência absoluta da Vara de Fazenda Pública Municipal para julgamento da demanda, uma vez que o valor da causa (R$ 14.200,00) está dentro do limite de 60 salários mínimos, o que atrairia a competência absoluta do Juizado Especial da Fazenda Pública, nos termos do art. 2º, §4º, da Lei nº. 12.153/2009.
Ato contínuo, argumentou que a sentença deve ser reformada também no mérito, pois a questão relativa à validade da Portaria nº. 067/2022 do Ministério da Educação, que atualiza o piso nacional do magistério, está sendo discutida na Ação nº. 1006321-67.2022.4.01.3502, em trâmite na Justiça Federal (TRF1 - Anápolis/GO).
Sob tal perspectiva, sustentou que o processo deveria estar suspenso, conforme previsão do art. 313, V, “a”, do CPC, até o deslinde da referida ação federal.
Defendeu que a determinação judicial que impõe o pagamento do piso nacional do magistério desconsidera a realidade orçamentária do Município, que já se encontra acima dos limites da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), com comprometimento de 55,26% da Receita Corrente Líquida (RCL) em despesas de pessoal, acima do limite máximo de 54% fixado pela LRF (art. 20, III, “b”).
Deblaterou que o cumprimento da sentença impugnada poderá elevar os gastos com pessoal para até 67% da RCL, o que poderia provocar um colapso financeiro, inviabilizando a continuidade dos serviços públicos essenciais, além de gerar a necessidade de adoção de medidas drásticas, como demissão de servidores estáveis, nos termos do art. 23 da LRF.
Por derradeiro, aduziu que a decisão de primeiro grau desconsiderou que a própria aplicação do piso nacional deve observar a legislação local, a realidade financeira do ente federativo e os limites impostos pela Constituição Federal, que assegura autonomia administrativa e financeira aos Municípios.
Fundada em tais argumentos, então requestou o conhecimento e provimento de seu recurso, visando à “cassação da sentença por vício de incompetência absoluta, nos moldes do artigo 932, III, do CPC e a remessa dos autos ao Juizado Especial da Fazenda Pública competente, para processamento segundo o rito adequado”.
Subsidiariamente, vindicou a reforma da sentença, a fim de que “seja afastada a [sua] condenação à adequação do salário base da parte Apelada ao piso nacional do magistério, [...] condena[ndo-a] em honorários sucumbenciais, nos termos do artigo 85 do CPC”.
Preparo não efetivado, haja vista a isenção prevista no art. 1.007, §1º, do Código de Processo Civil.
Devidamente intimada a apresentar contrarrazões no movimento nº. 42, a Apelada o fez no movimento nº. 43, oportunidade em que postulou o desprovimento do Apelo e a majoração dos honorários advocatícios fixados na origem.
Remetidos os autos a este egrégio Tribunal de Justiça no movimento nº. 45, o Apelante foi instado a manifestar-se acerca da inadmissibilidade parcial de seu recurso, por via do despacho exarado no movimento nº. 49.
Não obstante, a aludida parte quedou-se inerte, como faz prova a certidão exarada no movimento nº. 52.
No movimento nº. 53 vieram-me os autos conclusos.
Em síntese, é o relatório.
Com supedâneo no art. 932, III e IV, “a”, do Código de Processo Civil, bem como na súmula nº. 71 desta Corte de Justiça, passo a decidir unipessoalmente.
Conforme relatado, por intermédio da APELAÇÃO CÍVEL interposta no movimento nº. 40, o MUNICÍPIO DE SANTO ANTÔNIO DO DESCOBERTO-GO insurgiu-se contra a sentença prolatada no movimento nº. 36, por via da qual a Juíza de Direito da 2ª Vara Cível, Fazendas Públicas, Registros Públicos e Ambiental da comarca de Santo Antônio do Descoberto-GO, Dra. Patricia de Morais Costa Velasco, julgou procedentes os pedidos aviados na petição inicial da presente “Ação de Obrigação de Fazer com Pedido de Tutela de Urgência c/c Pagamentos Retroativos [e Indenização por] Dano Moral” - em cujo polo ativo figura LUCIENE SILVA SANTOS.
Em suma, nesta via recursal, o Apelante pretende obter “a cassação da sentença por vício de incompetência absoluta, nos moldes do artigo 932, III, do CPC e a remessa dos autos ao Juizado Especial da Fazenda Pública competente, para processamento segundo o rito adequado”.
Subsidiariamente, intenta a reforma do ato jurisdicional em questão, a fim de que “seja afastada a [sua] condenação à adequação do salário base da parte Apelada ao piso nacional do magistério, [...] condena[ndo-a] em honorários sucumbenciais, nos termos do artigo 85 do CPC”.
A par do panorama processual, descarto a hipótese de inadmissibilidade parcial, cogitada por esta Relatoria no movimento nº 49, tendo em vista que, muito embora não suscitada em sede contestatória, a alegação de “incompetência absoluta da Vara de Fazenda Pública Municipal” versa sobre matéria de ordem pública, sendo, portanto, passível de apreciação a qualquer tempo e grau de jurisdição.
À vista disso, e da presença dos pressupostos de admissibilidade, conheço do presente recurso e, sem delongas, reporto-me ao exame da sobredita preliminar.
Pois bem. Em sua defesa, o Requerido/Apelante suscita a incompetência da Vara da Fazenda Pública Municipal para processar e julgar o presente recurso, sob o argumento de que, compete aos Juizados Especiais da Fazenda Pública o julgamento de causas que não ultrapassem 60 (sessenta) salários mínimos, como é o caso dos presentes autos, de modo que deve ser reconhecido o aludido vício.
Contudo, sem razão a alegação do Apelante.
No caso, embora absoluta a competência do Juizado Especial da Fazenda Pública, tem-se a inexistência de Juizado desta natureza na Comarca de Santo Antônio do Descoberto, ficando assim, a critério da parte Autora/Apelada, propor na Vara da Fazenda Pública, como ocorreu na espécie.
Nessa linha de raciocínio, a Resolução nº. 07/2013, da Corte Especial deste Tribunal de Justiça, que estabelece que as comarcas em que não houver Juizado Especial da Fazenda Pública instalado, os feitos de sua competência tramitarão perante a Vara das Fazendas Públicas, observado o procedimento da Lei nº. 12.153, de 22/12/2009.
Vejamos:
Art. 1º, Resolução nº. 07/13 - “Na comarca em que não houver Juizado Especial da Fazenda Pública, os feitos da sua competência tramitarão perante o Juiz de Direito titular da vara que tiver competência para os processos da Fazenda Pública, observado o procedimento da Lei nº 12.153, de 22 de dezembro de 2009.”
Sobre o tema, foi editada a súmula nº. 73 pelo Órgão Especial desta Casa, que assim preconiza:
Súmula nº. 73, TJGO - “Nos moldes da Resolução nº 07/2013 do Órgão Especial deste Tribunal de Justiça, na comarca onde não houver Juizado Especial da Fazenda Pública, os feitos de sua competência tramitarão perante o Juízo da Vara da Fazenda Pública, contudo, a competência para o julgamento dos recursos somente será da Turma Recursal dos Juizados Especiais quando o dirigente do feito tiver aplicado o procedimento da Lei nº 12.153/2009, sendo a competência recursal das Câmaras Cíveis do Tribunal de Justiça nos demais casos.”
Dessa forma, considerando que na comarca em estudo não foi instalado o Juizado Especial da Fazenda Pública, a referida causa deveria ser processada e julgada na Vara das Fazendas Públicas, sob o rito sumário, previsto na Lei nº. 12.153/2009.
Assim, rejeito a preliminar suscitada, haja vista a ausência de Juizado Especial da Fazenda Pública na Comarca de Santo Antônio do Descoberto.
Antes de imiscuir-me no punctum saliens da controvérsia, afasto, desde logo, a possibilidade de suspensão do processo até a resolução da controvérsia estatuída no bojo nos autos nº. 1006321-67 e 1002359-02, que tramitam no TRF 1ª Região, haja vista que até então não há ordem nacional de sobrestamento de ações que versem sobre o mesmo tema.
Em escólio ao tema:
“RECURSO INOMINADO. JUIZADO ESPECIAL DA FAZENDA PÚBLICA. AÇÃO DE COBRANÇA. PISO NACIONAL DO MAGISTÉRIO. LEI Nº 11.738/2008. CONSTITUCIONALIDADE. ADI nº 4.167/DF. OBSERVÂNCIA DA CARGA HORÁRIA. DIFERENÇAS DEVIDAS. ALEGAÇÃO DE LIMITAÇÃO ORÇAMENTÁRIA. LEI DA RESPONSABILIDADE FISCAL. IMPOSSIBILIDADE. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. [...] 10. Outrossim, descabido o pedido de suspensão do feito até a resolução da controvérsia dos autos n.º 1006321-67, que tramita no TRF 1ª Região, ao passo que não houve determinação nacional de suspensão de ações. […].” (TJGO, PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Recursos -> Recurso Inominado Cível 5781663-87.2024.8.09.0158, Rel. Rozemberg Vilela Da Fonseca, 3ª Turma Recursal dos Juizados Especiais, DJe de 30/01/2025)
Prosseguindo, tenho que o ponto central da discussão gira em torno da interpretação e da aplicação conjunta das normas contidas: (i) na Constituição Federal e (ii) na lei que instituiu o piso salarial nacional para os profissionais do magistério público (Lei Federal n°. 11.738/2008).
Naquilo que se relaciona ao caso, eis a redação dos respectivos atos normativos:
Art. 37, X, CF - “A remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4º do art. 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices.”
Art. 5º, Lei nº. 11.738/08 - “O piso salarial profissional nacional do magistério público da educação básica será atualizado, anualmente, no mês de janeiro, a partir do ano de 2009.
Parágrafo único. A atualização de que trata o caput deste artigo será calculada utilizando-se o mesmo percentual de crescimento do valor anual mínimo por aluno referente aos anos iniciais do ensino fundamental urbano, definido nacionalmente, nos termos da Lei no 11.494, de 20 de junho de 2007.”
A Lei nº. 11.738/2008 regulamentou o art. 206, VIII, da Constituição Federal e o art. 60, III, “e”, do ADCT, para instituir o valor referente ao piso salarial profissional nacional para o magistério público da educação básica. Em seu art. 2º, restou assim disposto:
Art. 2º, Lei nº. 11.738/08 - “O piso salarial profissional nacional para os profissionais do magistério público da educação básica será de R$ 950,00 (novecentos e cinquenta reais) mensais, para a formação em nível médio, na modalidade Normal, prevista no art. 62 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional.
[…]
§ 2º – Por profissionais do magistério público da educação básica entendem-se aqueles que desempenham as atividades de docência ou as de suporte pedagógico à docência, isto é, direção ou administração, planejamento, inspeção, supervisão, orientação e coordenação educacionais, exercidas no âmbito das unidades escolares de educação básica, em suas diversas etapas e modalidades, com a formação mínima determinada pela legislação federal de diretrizes e bases da educação nacional.”
A Excelsa Corte, por ocasião do julgamento da ADI nº. 4.167/DF, realizado em 27 de abril de 2011, reconheceu a constitucionalidade da Lei nº. 11.738/2008, que fixou o piso salarial nacional dos profissionais da educação básica, a incidir sobre o vencimento base dos servidores, e não sobre a remuneração global (STF, ADI 4167 ED, Relator Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 27/02/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-199 DIVULG 08-10-2013 PUBLIC 09-10-2013).
Quando da sua edição, a Lei n°. 11.738/2008 fixou o piso salarial no patamar de R$950,00 e determinou que tal valor fosse atualizado anualmente a partir de 2009, utilizando-se o mesmo percentual de crescimento do valor anual mínimo por aluno referente aos anos iniciais do ensino fundamental urbano, definido nacionalmente pelo Ministério da Educação – MEC (arts. 2° e 5°).
Sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp nº. 1.426.210/RS, fixou o seguinte entendimento pela sistemática de recursos repetitivos, cuja tese está descrita no Tema nº. 911:
“A Lei n. 11.738/2008, em seu art. 2°, § 1º, ordena que o vencimento inicial das carreiras do magistério público da educação básica deve corresponder ao piso salarial profissional nacional, sendo vedada a fixação do vencimento básico em valor inferior, não havendo determinação de incidência automática em toda a carreira e reflexo imediato sobre as demais vantagens e gratificações, o que somente ocorrerá se estas determinações estiverem previstas nas legislações locais.”
Por pertinente, eis a ementa referente ao Tema Repetitivo nº. 911 do STJ:
“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. PISO SALARIAL NACIONAL PARA OS PROFESSORES DA EDUCAÇÃO BÁSICA. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC/1973. INOCORRÊNCIA. VENCIMENTO BÁSICO. REFLEXO SOBRE GRATIFICAÇÕES E DEMAIS VANTAGENS. INCIDÊNCIA SOBRE TODA A CARREIRA. TEMAS A SEREM DISCIPLINADOS NA LEGISLAÇÃO LOCAL. MATÉRIAS CONSTITUCIONAIS. ANÁLISE EM SEDE DE RECURSO ESPECIAL. IMPOSSIBILIDADE. 1. Não viola o art. 535 do CPC/1973 o acórdão que contém fundamentação suficiente para responder às teses defendidas pelas partes, pois não há como confundir o resultado desfavorável ao litigante com a falta de fundamentação. 2. A Lei n. 11.738/2008, regulamentando um dos princípios de ensino no País, estabelecido no art. 206, VIII, da Constituição Federal e no art. 60, III, 'e', do ADCT, estabeleceu o piso salarial profissional nacional para o magistério público da educação básica, sendo esse o valor mínimo a ser observado pela União, pelos Estados, o Distrito Federal e os Municípios quando da fixação do vencimento inicial das carreiras. 3. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 4167/DF, declarou que os dispositivos da Lei n. 11.738/2008 questionados estavam em conformidade com a Constituição Federal, registrando que a expressão 'piso' não poderia ser interpretada como 'remuneração global', mas como 'vencimento básico inicial', não compreendendo vantagens pecuniárias pagas a qualquer outro título. Consignou, ainda, a Suprema Corte que o pagamento do referido piso como vencimento básico inicial da carreira passaria a ser aplicável a partir de 27/04/2011, data do julgamento do mérito da ação. 4. Não há que se falar em reflexo imediato sobre as vantagens temporais, adicionais e gratificações ou em reajuste geral para toda a carreira do magistério, visto que não há nenhuma determinação na Lei Federal de incidência escalonada com aplicação dos mesmos índices utilizados para a classe inicial da carreira. 5. Nos termos da Súmula 280 do STF, é defesa a análise de lei local em sede de recurso especial, de modo que, uma vez determinado pela Lei n. 11.738/2008 que os entes federados devem fixar o vencimento básico das carreiras no mesmo valor do piso salarial profissional, compete exclusivamente aos Tribunais de origem, mediante a análise das legislações locais, verificar a ocorrência de eventuais reflexos nas gratificações e demais vantagens, bem como na carreira do magistério. 6. Hipótese em que o Tribunal de Justiça estadual limitou-se a consignar que a determinação constante na Lei n. 11.738/2008 repercute nas vantagens, gratificações e no plano de carreira, olvidando-se de analisar especificamente a situação dos profissionais do magistério do Estado do Rio Grande do Sul. 7. Considerações acerca dos limites impostos pela Constituição Federal - autonomia legislativa dos entes federados, iniciativa de cada chefe do poder executivo para propor leis sobre organização das carreiras e aumento de remuneração de servidores, e necessidade de prévia previsão orçamentária -, bem como sobre a necessidade de edição de lei específica, nos moldes do art. 37, X, da Constituição Federal, além de já terem sido analisadas pelo STF no julgamento da ADI, refogem dos limites do recurso especial. 8. Para o fim preconizado no art. 1.039 do CPC/2015, firma-se a seguinte tese: 'A Lei n. 11.738/2008, em seu art. 2º, § 1º, ordena que o vencimento inicial das carreiras do magistério público da educação básica deve corresponder ao piso salarial profissional nacional, sendo vedada a fixação do vencimento básico em valor inferior, não havendo determinação de incidência automática em toda a carreira e reflexo imediato sobre as demais vantagens e gratificações, o que somente ocorrerá se estas determinações estiverem previstas nas legislações locais.' 9. Recurso especial parcialmente provido para cassar o acórdão a quo e determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem, a fim de que reaprecie as questões referentes à incidência automática da adoção do piso salarial profissional nacional em toda a carreira do magistério e ao reflexo imediato sobre as demais vantagens e gratificações, de acordo com o determinado pela lei local. Julgamento proferido pelo rito dos recursos repetitivos (art. 1.039 do CPC/2015).” (STJ, REsp n. 1.426.210/RS, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Seção, julgado em 23/11/2016, DJe de 9/12/2016)
Nosso egrégio Tribunal de Justiça, seguindo a linha de raciocínio, editou a súmula de nº. 71, cuja transcrição segue, ipsis verbis:
“O piso salarial nacional dos professores deverá corresponder à remuneração global daqueles trabalhadores desde a entrada em vigor da Lei Federal n. 11.738/2008, em 1º de janeiro de 2009, até a data de julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.167-3/DF, pelo STF (27/04/2011)”. Outrossim, a partir de maio de 2011 tais parâmetros, devem corresponder ao montante do vencimento básico do servidor, que só terá direito ao recebimento de eventuais diferenças quando constatada, no caso concreto, a não observância de tais parâmetros, sendo corrigido todos os anos, de conformidade com os índices constantes de Tabela expedida pelo MEC, apurados de acordo com os comandos da Lei n. 11.494/2007 (FUNDEB), observada a carga horária do servidor. Não existe direito ao reajustamento/escalonamento proporcional ao piso nacional às demais classes e/ou níveis da carreira, mas apenas segurança de que nenhum professor receba um vencimento menor do que o padrão mínimo.”
Noutro enfoque, a Lei nº. 9.394/1996 - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional -, dispõe, em seus arts. 61 e 67, §2º:
Art. 61, LDBEN - “Consideram-se profissionais da educação escolar básica os que, nela estando em efetivo exercício e tendo sido formados em cursos reconhecidos, são: I – professores habilitados em nível médio ou superior para a docência na educação infantil e nos ensinos fundamental e médio; II – trabalhadores em educação portadores de diploma de pedagogia, com habilitação em administração, planejamento, supervisão, inspeção e orientação educacional, bem como com títulos de mestrado ou doutorado nas mesmas áreas; III – trabalhadores em educação, portadores de diploma de curso técnico ou superior em área pedagógica ou afim.”
Art. 67, §2º, LDBEN – “Para os efeitos do disposto no § 5º do art. 40 e no § 8º do art. 201 da Constituição Federal, são consideradas funções de magistério as exercidas por professores e especialistas em educação no desempenho de atividades educativas, quando exercidas em estabelecimento de educação básica em seus diversos níveis e modalidades, incluídas, além do exercício da docência, as de direção de unidade escolar e as de coordenação e assessoramento pedagógico.”
Nesse escrutínio, para que o profissional da educação básica tenha direito ao recebimento do piso salarial nacional deve satisfazer, simultaneamente, dois pressupostos, quais sejam: a) desempenhar atividades de docência ou de suporte pedagógico à docência (direção, administração, planejamento, inspeção, supervisão, orientação e coordenação educacionais) e b) exercer atividade no âmbito das unidades escolares de educação básica.
Assim, cumpridos os requisitos estabelecidos nas Leis nº. 11.738/2008 e nº. 9.394/1996 e exercida a função de magistério, os servidores possuem direito ao piso salarial nacional, independentemente da denominação dada ao cargo ocupado pelo profissional.
À vista disso, repito, todos os profissionais da educação básica é assegurado o piso salarial profissional, que se consubstancia no valor mínimo a ser fixado para o vencimento inicial das carreiras do magistério público da educação básica, para a jornada de até 40 horas semanais (art. 2º, § 2º, da Lei nº. 11.738/2008).
O piso nacional é fixado para 40 horas. A Portaria do Ministério da Educação nº. 67 de 04 de Fevereiro de 2022, fixou o piso nacional para o ano de 2022, em R$3.845,63 (três mil, oitocentos e quarenta e cinco reais e sessenta e três centavos).
No julgamento do IRDR nº. 5174796.58.2020.8.09.0000, o Tribunal de Justiça estabeleceu a seguinte tese jurídica:
“1.1. Todos os servidores que exercem função de magistério e cumprem os requisitos estabelecidos pelas Leis n. 9.394/96 e Lei n. 11.738/08 possuem direito ao piso salarial, independentemente da denominação dada ao cargo ocupado pelo profissional. 1.2. Dessa forma, possuem direito ao piso salarial profissional nacional instituído pela Lei n. 11.738/08 todos os monitores de creche (assistentes de educação infantil) que desempenham funções de magistério, quais sejam, as atividades de docência ou as de suporte pedagógico à docência, como a direção ou administração, planejamento, inspeção, supervisão, orientação e coordenação educacionais, exercidas no âmbito das unidades escolares de educação básica, e possuam, como formação mínima, aquela oferecida em nível médio, na modalidade normal.” (INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS Nº 5174796-58.2020.8.09.0000)
Com efeito, todos os servidores que exercem função de magistério e cumprem os requisitos estabelecidos pela Lei nº. 9.394/1996 e Lei nº. 11.738/2008, possuem direito ao piso salarial nacional (R$3.845,63), o que inclui a Autora/Apelada, pois é servidora pública municipal efetiva, ocupante do cargo de PROF (A) PEF-III 40 H ROFESSOR - PEF IV 40 HORAS POS-A (contracheques – mov. 1), recebendo um vencimento base inferior ao piso nacional (R$3.319,18).
A propósito:
“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE TUTELA PROVISÓRIA. LEI FEDERAL 11.738/2008. PISO SALARIAL NACIONAL. PROFISSIONAIS DO MAGISTÉRIO PÚBLICO DA EDUCAÇÃO BÁSICA. INTERESSE DE AGIR EVIDENCIADO. REAJUSTE. CONCESSÃO. SENTENÇA MANTIDA. MAJORAÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. 1. A Lei nº 11.738/2008, considerada constitucional pelo STF no julgamento da ADI 4.167-3/DF, instituiu o piso salarial profissional nacional do magistério público, devendo ser aplicada a todos os professores da educação básica, corrigido todos os anos, de conformidade com os índices constantes de tabela expedida pelo MEC, apurados de acordo com os comandos da Lei n. 11.494/2007 (FUNDEB), observada a carga horária do servidor. 2. No caso, não há que se falar em ausência de interesse de agir, pois o piso salarial dos professores teve reajuste em janeiro de 2020, sendo aplicado pelo apelante somente em março de 2021, apenas para uma parte dos servidores no vencimento base. Ademais, o documento anexado pelo requerido não comprova quais servidores tiveram reajuste, pois, incide no vencimento base as progressões, quinquênio, incentivo educacional, ocasionando variações no salário-base de cada servidor. 3. Honorários advocatícios majorados nos termos do artigo 85, § 11, do Código de Processo Civil.” (APELAÇÃO CÍVEL n. 5458591-52.2021.8.09.0158, Rel. Des(a). Fernando Braga Viggiano, 3ª Câmara Cível, julgado em 25/09/2023, DJe de 25/09/2023)
“REMESSA NECESSÁRIA. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA E CONDENATÓRIA. PRELIMINAR DE MÉRITO. JULGAMENTO EXTRA PETITA. MÉRITO. DIFERENÇAS SALARIAIS. PISO SALARIAL. MAGISTÉRIO MUNICIPAL. REVISÃO GERAL ANUAL. AUXÍLIO LOCOMOÇÃO. GRATIFICAÇÃO NATALINA. INTERFERÊNCIA DO PODER JUDICIÁRIO. SENTENÇA MANTIDA. [...] 2. A Lei Federal nº 11.738/2008 que instituiu o piso salarial nacional para os professores da educação básica da rede pública de ensino foi declarada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de controle concentrado, por meio da ADI nº 4.167/DF. 3. A luz do art. 206, Inciso VIII, da Constituição Federal, observando-se ainda os artigos 60, III, e da ADCT, e não se olvidando do piso nacional estabelecido pela Lei Federal n. 11/738/2008, considerando também os vetores estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal quando julgou ADI nº 4.167/DF, a servidora pública, professora municipal, faz jus recebimento das diferenças salariais referentes, tão somente, a matrícula n. 533181-4, uma vez que, referente ao ano de 2018, recebeu menos que o piso salarial para carga de quarenta horas semanais. [...] REMESSA NECESSÁRIA E APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDAS E DESPROVIDAS.” (TJGO, Apelação /Remessa Necessária 5017987-13.2022.8.09.0051, Rel. Des(a). Desclieux Ferreira da Silva Júnior, 1ª Camara Cível, julgado em 04/10/2023, DJe de 04/10/2023)
Por conseguinte, agiu bem a magistrada singular ao julgar procedentes os pedidos iniciais a fim de determinar a adequação do salário-base da Apelada ao piso nacional do Magistério, condenar o Apelante ao pagamento retroativo das diferenças devidas, a serem atualizadas pela taxa SELIC, bem como dos honorários advocatícios.
Por derradeiro, e apenas com o fito de que não pairem dúvidas sobre o tema, vale ressaltar que a decisão de primeiro grau produz efeitos inter partes, não havendo como prosperar a tese recursal no sentido de que a manutenção da sentença poderia ocasionar um efeito cascata, comprometendo a Receita Corrente Líquida do Município e indo de encontro às determinações da Lei de Responsabilidade Fiscal.
É pois que, independentemente do ângulo pelo qual se aprecie a questão posta em apreciação, ressai evidente a prescindibilidade de reforma do édito sentencial, a despeito da argumentação expendida nas razões recursais.
Esgotadas as matérias postas a apreciação desta instância revisora, com a consequente conclusão pelo desprovimento do Apelo, faz-se oportuno gizar que a eventual oposição de Embargos de Declaração manifestamente protelatórios ensejará a aplicação da multa prevista no art. 1.026, §2º, do Código de Processo Civil.
Inclusive, pois, o princípio do livre convencimento motivado consagra ao julgador a liberdade de analisar as questões trazidas à sua apreciação, desde que fundamentado o seu posicionamento, não sendo os embargos de declaração a via adequada para a rediscutir a matéria já abordada no recurso principal.
De igual maneira, despicienda a oposição de aclaratórios com o propósito exclusivo de prequestionamento, pois a apreciação das teses recursais é suficiente para tornar a matéria prequestionada, com fulcro no art. 1.025, também do Código de Ritos (EDcl no REsp nº. 1.610.728/RS, AgInt no REsp nº. 1.656.286/MT).
Ante o exposto, com supedâneo nos arts. 932, III e IV, “a”, do Código de Processo Civil, CONHEÇO, mas DESPROVEJO a Apelação Cível interposta no movimento nº. 40, de modo a manter incólume a sentença exarada no movimento nº. 36 por estes e por seus próprios fundamentos.
Em tempo, deixo de aplicar ao caso o comando inserto no art. 85, §11, do Código de Processo Civil, eis que os honorários advocatícios fixados no primeiro grau de jurisdição o foram em seu grau máximo – 20% (vinte por cento).
Operado o trânsito em julgado, devolvam-se os autos à origem, com as cautelas e baixas de praxe.
Intimem-se. Cumpra-se.
(Datado e assinado em sistema próprio).
DES. GUILHERME GUTEMBERG ISAC PINTO
Relator
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