Processo nº 1009487-23.2025.8.11.0000
ID: 308879902
Tribunal: TJMT
Órgão: Terceira Câmara Criminal
Classe: HABEAS CORPUS CRIMINAL
Nº Processo: 1009487-23.2025.8.11.0000
Data de Disponibilização:
26/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1009487-23.2025.8.11.0000 Classe: HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Assunto: [Associação para a Produção e Tráfico e Condutas …
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1009487-23.2025.8.11.0000 Classe: HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Assunto: [Associação para a Produção e Tráfico e Condutas Afins] Relator: Des(a). CHRISTIANE DA COSTA MARQUES NEVES Turma Julgadora: [DES(A). CHRISTIANE DA COSTA MARQUES NEVES, DES(A). GILBERTO GIRALDELLI, DES(A). JUANITA CRUZ DA SILVA CLAIT DUARTE] Parte(s): [ALEX SANDRO VALANDRO - CPF: 035.843.881-04 (ADVOGADO), JAELINE SANTOS COIMBRA - CPF: 082.309.751-08 (PACIENTE), 1º Juízo Criminal da Comarca de Paranatinga-MT (IMPETRADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (TERCEIRO INTERESSADO), ALEX SANDRO VALANDRO - CPF: 035.843.881-04 (IMPETRANTE), JUÍZO DA 1ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE PARANATINGA (IMPETRADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). GILBERTO GIRALDELLI, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DENEGOU A ORDEM. E M E N T A Ementa. Direito processual penal. Habeas corpus. Prisão preventiva. Ausência de fundamentação. Prisão domiciliar. Mãe de criança menor de 12 anos. Indícios de reiteração delitiva e envolvimento com organização criminosa. Ordem denegada. I. Caso em exame 1. Habeas corpus impetrado em favor de mulher presa preventivamente por tráfico de drogas, requerendo a revogação de sua prisão preventiva por ausência de fundamentação idônea ou, subsidiariamente, a substituição da custódia por prisão domiciliar, com fundamento no art. 318, V, do CPP. A paciente é mãe de criança de três anos, sendo alegada sua imprescindibilidade nos cuidados maternos, diante da prisão do genitor. II. Questões em discussão 2. Há duas questões em discussão: (i) verificar se a decisão que decretou a prisão preventiva carece de fundamentação idônea, em violação ao art. 93, IX, da CF/1988; e (ii) determinar se estão presentes os requisitos legais para concessão de prisão domiciliar à mulher com filho menor de 12 anos. III. Razões de decidir 3. A decisão de primeiro grau apresenta fundamentação suficiente, com base em elementos concretos constantes dos autos, não se verificando nulidade por afronta ao art. 93, IX, da CF/1988. 4. A manutenção da prisão preventiva justifica-se pela gravidade concreta da conduta, evidenciada pela apreensão de drogas, laudo pericial e depoimentos policiais, bem como pela existência de outras ações penais em curso por crimes da mesma natureza. 5. Há indícios de que a paciente integra organização criminosa, conforme informações constantes da operação “Intolerance II”, o que demonstra risco de reiteração delitiva e reforça o periculum libertatis. 6. A concessão de prisão domiciliar exige demonstração de necessidade e adequação da medida, o que não se verifica no caso concreto, especialmente pela gravidade concreta da conduta e pela ausência de prova da convivência da criança com a mãe antes da prisão e pela possibilidade de cuidados por terceiros. 7. Ainda que se considere verdadeira a premissa de que a criança de tenra idade resida com a genitora, é certo que os fatos ocorreram nas dependências da residência da própria paciente, de modo que o contato com o narcotráfico pode sinalizar indícios de inserção do infante em potencial ambiente nocivo ao desenvolvimento de sua personalidade. IV. Dispositivo e tese 8. Ordem denegada. Tese de julgamento: "A substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar à mulher com filho menor de 12 anos requer prova idônea de sua necessidade e adequação. A reiteração delitiva e o envolvimento em organização criminosa justificam a manutenção da custódia preventiva. A mera existência de filhos menores de 12 anos não torna obrigatória a concessão de prisão domiciliar." _____________ Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 93, IX; CPP, arts. 282, § 6º, 310, 312, 313, I e II, e 318, V. Jurisprudências relevantes citadas: STF, HC 143.641, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, j. 20.02.2018; STJ, HC 351.494-SP, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, Sexta Turma, j. 10.03.2016; STJ, AgRg no RHC n. 207.620/PR, Rel. Min. Og Fernandes, Sexta Turma, j. 05/03/2025; TJMT, N.U 1019478-62.2021.8.11.0000, Rel. Des. Rui Ramos Ribeiro, Segunda Câmara Criminal, j. 08.12.2021; TJMT, N.U 0004270-63.2019.8.11.0020, Rel. Des. Gilberto Giraldelli, Terceira Câmara Criminal, J. 26/01/2022. R E L A T Ó R I O EXMA. DRA. CHRISTIANE DA COSTA MARQUES NEVES: Ilustres membros da Terceira Câmara Criminal: Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado pelo advogado Alex Sandro Valandro em favor de Jaeline Santos Coimbra, apontando como autoridade coatora o Juízo da 1ª Vara da Comarca de Paranatinga/MT. Colhe-se desta impetração que a paciente foi presa em flagrante no dia 19 de março de 2025, cuja custódia foi convertida em preventiva em razão da suposta prática do crime de tráfico de drogas (art. 33, caput, da Lei n. 11.343/06), conforme se infere do Auto de Prisão em Flagrante n. 1000683-31.2025.8.11.0044. Sustenta, o impetrante, que a paciente é mãe de uma criança de 3 (três) anos de idade, conforme certidão de nascimento anexada; destacando, ainda, que é a única responsável pelos cuidados de seu filho menor, uma vez que o pai da criança se encontra preso cautelarmente nos autos do processo n. 1000681-61.2025.8.11.0044. Com base nessas razões, requer, liminarmente, a revogação da prisão preventiva da paciente, com a expedição em seu favor de alvará de soltura; ou, subsidiariamente, a substituição da sua prisão cautelar por prisão domiciliar. E, no mérito, a convolação da medida de urgência, porventura deferida, em definitiva. O pedido de urgência foi indeferido por intermédio das razões encontradiças no ID 277944364, tendo sido dispensadas as informações do juízo de primeiro grau. Nesta instância revisora, a Procuradoria-Geral de Justiça, com fulcro no parecer juntado no ID 286581852, opinou pela denegação da ordem. É o relatório. V O T O R E L A T O R É importante transcrever os fundamentos adotados pelo juízo de primeiro grau para indeferir o pedido de substituição da prisão preventiva da paciente pela domiciliar, vazados nos seguintes termos: [...] Na sequência, examinando os artigos 310 e seguintes do CPP, denoto que há representação da autoridade policial pela decretação da prisão preventiva da investigada, pedido endossado pela representante do Ministério Público. Entendo que é o caso de conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva, uma vez presentes os requisitos autorizadores da medida excepcional, a uma porque há pedido da autoridade policial, endossado pela representante do Ministério Público, a duas porque cuida-se de delito com pena privativa de liberdade máxima superior a 04 (quatro) anos. Ademais, verifico que há demonstração da prova da materialidade e indícios suficientes de autoria delitiva que recai sobre a custodiada, consoante demonstrado pelo laudo pericial preliminar de constatação de entorpecente e depoimento prestado pelos policiais que realizaram sua prisão, assim como destacado no boletim de ocorrência acima, configurando, portanto, o primeiro pressuposto da prisão preventiva, qual seja, o fumus comissi delicti. Quanto ao periculum libertatis, salienta-se que a prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal (art. 312, CPP). Nesse ponto, é possível verificar que a custodiada é contumaz na prática delitiva, uma vez que responde a outros dois processos criminais por envolvimento com tráfico de drogas, um na 2ª Vara desta comarca e outro na 7ª Vara Criminal de Cuiabá, especializada em organização criminosa. Além disso, há informações da autoridade policial, nos autos desta prisão em flagrante, que a custodiada foi alvo da operação Intolerance II, deflagrada neste Município, para desmantelar a rede de membros da facção criminosa Comando Vermelho, havendo indícios da participação da autuada nesta organização criminosa. Desta forma, encontrando-se presente um dos requisitos previstos no art. 312 do Código de Processo Penal, indiscutível e totalmente justificada a ordem de convolação da prisão em flagrante em preventiva, como meio de assegurar a ordem pública, na medida em que entendo não ser o caso de aplicar a suspeita qualquer das medidas cautelares diversas da prisão elencadas no art. 319 do CPP, eis que se demonstram insuficientes e inadequadas, para coibir a sua recidiva criminosa e, consequentemente, preservar a ordem pública. Por fim, não obstante a informação de que a custodiada possui um filho de 3 anos, não se ignora a previsão de concessão de prisão domiciliar nestes casos. Contudo, também não se ignora a existência de decisões do STJ e do STF que autorizam a imposição de prisão preventiva, desde que haja fundamentação idônea nos casos de mulheres gestantes ou mães de crianças de 12 anos. No caso de Jaeline, não obstante sua tenra idade, viu-se envolvida em três situações criminosas da mesma natureza. Assim, sabendo-se de sua condição de mãe e da sua importância nos cuidados com seu filho de 3 anos, não levou isso em consideração ao se envolver neste novo episódio. Ante o exposto, acolho o pedido do Ministério Público e CONVERTO A PRISÃO EM FLAGRANTE de JAELINE SANTOS COIMBRA em PRISÃO PREVENTIVA para garantir a ordem pública, nos termos dos artigos 310, II c/c arts. 312 e 313, incisos I e II, todos do CPP. [...] Destacamos Vê-se, pois, que o prolator da decisão reprochada expôs suficientemente os motivos da manutenção da prisão cautelar da paciente, em observância ao art. 93, IX, da Constituição Federal, afastando, assim, qualquer alegação de ausência de fundamentação idônea, porque a renitência da paciente, que responde a duas outras ações penais por crimes da mesma natureza [1001434-52.2024.8.11.0044, tráfico de drogas e 1002847-72.2025.8.11.0042, tráfico de drogas, lavagem de capital e organização criminosa], além da que se discute nesta ordem mandamental, aliada ao fato de que a paciente foi alvo da operação “Intolerance II”, que objetiva desmantelar a operação da rede de membros do "Comando Vermelho", havendo, portanto, indícios de sua participação na referida organização criminosa, justificam plenamente manutenção da sua prisão ambulatorial. Aliás, acerca damanutenção da prisão provisória para evitar a reiteração delitiva do agente, a Turma de Câmaras Criminais Reunidas deste Tribunal de Justiça aprovou o Enunciado Orientativo n. 6, com a seguinte redação: O risco de reiteração delitiva, fator concreto que justifica a manutenção da custódia cautelar para a garantia da ordem pública, pode ser deduzido da existência de inquéritos policiais e de ações penais por infrações dolosas em curso, sem qualquer afronta ao princípio da presunção de inocência. Motivo pelo qual não é demais repetir que agiu corretamente o juízo de primeiro grau, porque, em se tratando de custódia cautelar, a regra disposta no art. 312 do Código de Processo Penal, estabelece os seguintes requisitos para sua decretação: Art. 312: A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria. Destacamos Destarte, embora não se possa esquecer que o ordenamento jurídico pátrio reconheça a liberdade como regra, tem-se que o carcer ad cautelam imposto à paciente deve ser mantido, por estarem configurados, na hipótese, tanto o fumus comissi delicti, externado pela existência da materialidade e pelos indícios suficientes da autoria delitiva quanto periculum libertatis, decorrente da necessidade da medida extrema para garantir a ordem pública, diante da sua reiteração delitiva. Além do mais, deve ser registrado que a Lei n. 12.403/11 – que modificou a redação do art. 282, § 6º, do Código de Processo Penal –, estabeleceu de forma clara e insofismável que: A prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar (art. 319). Logo, por disposição legal, a medida extrema deverá ser decretada quando realmente se mostrar necessária e adequada às circunstâncias em que cometido o delito e às condições pessoais do agente. E, no caso em tela, tal como asserido linhas volvidas, a paciente possui histórico de reiteração delitiva, além de haver, em tese, indícios de seu envolvimento com o Comando Vermelho, circunstância que revela a sua periculosidade. Diante disso, na espécie, não se mostra suficiente a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão elencadas no art. 319 do Código de Processo Penal, porque as circunstâncias do delito, em tese, praticado pela paciente revelaram que providência menos gravosa do que a custódia provisória não seria suficiente para a garantia da ordem pública. Por outro lado, o impetrante assevera que a paciente faz jus à substituição da sua prisão preventiva por domiciliar, nos termos do art. 318, V, do Código de Processo Penal, uma vez que é mãe de uma criança de três anos de idade, cujo pai está preso em razão de outra ação penal. Como se sabe, a Lei n. 12.257/2016 estabelece um conjunto de ações prioritárias que devem ser observadas na primeira infância, mediante emprego de “princípios e diretrizes para a formulação e implementação de políticas públicas para a primeira infância em atenção à especificidade e à relevância dos primeiros anos de vida no desenvolvimento infantil e no desenvolvimento do ser humano” (art. 1º), em consonância com o Estatuto da Criança e do Adolescente. Depreende-se, portanto, que a mencionada Lei trouxe mecanismos para consolidar os direitos da criança já previstos no Estatuto Menorista, como por exemplo: a prioridade absoluta, proteção integral, prevalência dos seus interesses e convivência familiar, a serem garantidos não só por parte do Estado, mas também pela família e sociedade, trazendo, dentre outras mudanças, alterações significativas no Código de Processo Penal, v.g., a modificação da redação do art. 318, incluindo os incisos IV, V e VI assim redigidos: Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for: (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011). I - maior de 80 (oitenta) anos; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011). II - extremamente debilitado por motivo de doença grave; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011). III - imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011). IV - gestante; (Redação dada pela Lei nº 13.257, de 2016) V - mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos; (Incluído pela Lei nº 13.257, de 2016) VI - homem, caso seja o único responsável pelos cuidados do filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos. (Incluído pela Lei nº 13.257, de 2016) Parágrafo único. Para a substituição, o juiz exigirá prova idônea dos requisitos estabelecidos neste artigo. (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011). Destacamos No entanto, na hipótese, a conversão da prisão preventiva da paciente em domiciliar, encontra óbice, não só na gravidade concreta da conduta por ela, em tese, praticada, como também e principalmente, porque, conquanto o impetrante tenha afirmado que ela é necessária para os cuidados de seu filho, nenhuma prova nesse sentido foi colacionada a este writ, uma vez que não existe comprovação de que a criança residia com a mãe antes da sua prisão, porquanto foram juntadas apenas a certidão de nascimento do menor, um certificado de que Jaeline concluiu um curso de sobrancelhas e um comprovante de endereço da paciente. Além disso, impende-se ressaltar que a alteração legislativa em referência, que acresceu os incisos IV, V e VI ao art. 318 do Código de Processo Penal, contemplando, dentre outras possibilidades, a concessão de prisão domiciliar à mulher com filho de até 12 anos de idade incompletos, não tem o condão de, diante da existência de prole até tal idade, tornar obrigatória a adoção tal providência. Isso porque, não obstante tenha havido a subtração da expressão imprescindível aos cuidados especiais, contida na regra posta no inciso III do art. 318 do Código de Processo Penal, claro está que, em casos como o que ora se examina, embora não se exija, de fato, a comprovação da imprescindibilidade a cuidados especiais, não torna inexigível a demonstração da necessidade e adequação da adoção da medida. Entendimento contrário, tendo-se presente a presunção de necessidade do acompanhamento da mãe para todo e qualquer caso, levaria à obrigatoriedade da colocação em prisão domiciliar de todas as presas que tenham filho com menos de 12 anos de idade, conclusão, essa, que, por óbvio, não resulta da vontade do legislador ao elaborar a norma legal em questão, uma vez que se estaria dando “carta branca” para que qualquer mulher com filho menor de 12 anos pratique crimes com a garantia da impunidade. A propósito, em situação análoga à discutida nesta impetração, o Ministro Rogério Schietti Cruz, do Superior Tribunal de Justiça prolatou decisão monocrática no dia 10 de março de 2016, nos autos do Habeas Corpus n. 351.494 -SP, se manifestando no sentido de que a conversão da prisão preventiva em domiciliar da acusada que tenha filho menor de 12 anos deve ser analisada caso a caso, tal como se infere deste fragmento daquele ato decisório: [...] A despeito da benfazeja legislação, que se harmoniza com diversos tratados e convenções internacionais, vale o registro, com o mesmo raciocínio que imprimi ao relatar o HC n. 291.439/SP (DJe 11/6/2014), de que o uso do verbo "poderá", no caput do art. 318 do CPP, não deve ser interpretado com a semântica que lhe dão certos setores da doutrina, para os quais seria "dever" do juiz determinar o cumprimento da prisão preventiva em prisão domiciliar ante a verificação das condições objetivas previstas em lei. Reafirmo que semelhante interpretação acabaria por gerar uma vedação legal ao emprego da cautela máxima em casos nos quais se mostre ser ela a única hipótese a tutelar, com eficiência, situação de evidente e imperiosa necessidade da prisão. Outrossim, importaria em assegurar a praticamente toda pessoa com prole na idade indicada no texto legal o direito do agente transpareça límpido e despido de qualquer incerteza, o que, como visto, não é a permanecer sob a cautela alternativa, mesmo se identificada a incontornável urgência da medida extrema. (STJ – HC 351.494-SP. Rel. Ministro Rogério Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 14/03/2016). Destacamos Por sua vez, este Tribunal de Justiça, na mesma linha adotado pelo Tribunal da Cidadania, e, acerca do tema, possui o entendimento no sentido de que a conversão da prisão preventiva em domiciliar da acusada que tenha filho menor de 12 anos deve ser analisada caso a caso, conforme se infere dos julgados abaixo ementados: HABEAS CORPUS – PRISÃO EM FLAGRANTE CONVERTIDA EM PREVENTIVA – TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES – PRETENDIDA REVOGAÇÃO – ALEGADA NEGATIVA DE AUTORIA – NÃO TINHA CONHECIMENTO QUE O COACUSADO ESTARIA MANTENDO EM DEPÓSITO SUBSTÂNCIAS ENTORPECENTES – NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA – INVIABILIDADE DE ANÁLISE NA VIA ELEITA – INDICATIVOS DA NARCOTRAFICÂNCIA – FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA NO DECRETO PRISIONAL – IMPROCEDÊNCIA – DECISÃO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA – PRISÃO NECESSÁRIA PARA SALVAGUARDAR A ORDEM PÚBLICA – GRAVIDADE CONCRETA – APREENSÃO DE PETRECHOS INDICADORES DE MERCANCIA ILEGAL – PACIENTE REGISTRA ATOS INFRACIONAIS POR ROUBO E TRÁFICO – ORIENTAÇÃO DO STJ (STJ, HC Nº 597.057/SP) – MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO – ART. 319 DO CPP – INAPLICABILIDADE – INCOMPATIBILIDADE COM OS PRESSUPOSTOS DA PRISÃO PREVENTIVA PRESENTES – ART. 282, § 6º, DO CPP – PRISÃO DOMICILIAR – EXIGE PROVA CABAL DE QUE A PRESA É A ÚNICA RESPONSÁVEL PELOS CUIDADOS DOS FILHOS MENORES DE 12 (DOZE) ANOS – INFANTE QUE ESTÁ SOB O CUIDADO DA AVÓ – CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS – IRRELEVÂNCIA – ENUNCIADO CRIMINAL 43 DO TJMT – CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CONSTATADO – ORDEM DENEGADA. A via de cognição célere e sumária do habeas corpus não admite dilação de provas, de modo a impedir o exame aprofundado da tese de ausência do fumus comissi delicti, notadamente se as circunstâncias fáticas revelam a possibilidade de a paciente estar envolvida com o crime a si imputado. Na hipótese, as circunstâncias do flagrante indicam, a priori, o delito de tráfico ilícito de entorpecentes na figura de manter em depósito. Não há que se falar em ilegalidade da prisão preventiva, se demonstrados os requisitos autorizadores previstos no art. 312, do CPP, sendo a custódia necessária para a garantia da ordem pública, evidenciada no modus operandi utilizado, com a apreensão de petrechos indicadores de mercancia ilícita, além da reiteração delitiva do agente, são elementos concretos que autorizam a conclusão de que solto representa um sério risco à ordem pública, ante a elevada probabilidade de reiteração delitiva. A possibilidade concreta de reiteração delitiva pode ser evidenciada através de atos infracionais pretéritos, como no caso dos autos, os quais denotam a contumácia delitiva e, por via de consequência, a periculosidade da paciente. As anotações de atos infracionais constituem “elemento capaz de demonstrar o risco de reiteração delituosa” (STJ, HC nº 597.057/SP). Estando a decisão constritiva devidamente fundamentada, não há que se falar em ofensa ao disposto no artigo 93, inciso IX da Constituição Federal. A substituição da prisão preventiva por domiciliar, nos termos do art. 318, do CPP, somente é admitida diante da prova cabal de que a encarcerada é a única responsável pelos cuidados da filha menor de 12 (doze) anos, o que não ocorre na hipótese versada, uma vez que existem informações de que a menor já se encontrava sob a guarda da avó materna antes mesmo da segregação da paciente. Incabível a aplicação de cautelares diversas previstas no art. 319 do Código de Processo Penal quando a segregação se encontra justificada para acautelar o meio social. Diante de sua natureza processual, a prisão preventiva não guarda vínculo algum com o provimento final da ação penal correlata, sendo admitida sempre que satisfeitos os requisitos e pressupostos normativos, previstos nos arts. 312 e 313 do CPP, como ocorre in casu. Predicados pessoais do paciente não têm o condão de, isoladamente, avalizar o direito à revogação ou relaxamento do seu decreto preventivo, eis que presente um dos requisitos autorizadores da custódia cautelar, ou seja: a garantia da ordem pública. (TJMT, N.U 1019478-62.2021.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, RUI RAMOS RIBEIRO, Segunda Câmara Criminal, Julgado em 08/12/2021, Publicado no DJE 17/12/2021). Destacamos RECURSOS DE APELAÇÃO CRIMINAL – TRÁFICO DE DROGAS – SENTENÇA CONDENATÓRIA – IRRESIGNAÇÃO DOS RÉUS –1. PLEITO ABSOLUTÓRIO POR INSUFICIÊNCIA DE PROVAS FORMULADO EM PROL DA APELANTE E PEDIDO DE DESCLASSIFICAÇÃO PARA O DELITO DE POSSE DE ENTORPECENTES PARA CONSUMO PESSOAL DO RECORRENTE – IMPROCEDÊNCIA – MATERIALIDADE E AUTORIAS SUFICIENTEMENTE DEMONSTRADAS – CIRCUNSTÂNCIAS DAS PRISÕES E DA APREENSÃO DO ENTORPECENTE, CORROBORADAS PELOS TESTEMUNHOS DOS POLICIAIS CIVIS EM JUÍZO – COMPROVAÇÃO DA DESTINAÇÃO MERCANTIL DO ENTORPECENTE APREENDIDO – 2. REDUÇÃO DA PENA-BASE EM BENEFÍCIO DO RÉU – CABIMENTO – RECRUDESCIMENTO DA SANÇÃO BASILAR DESPROPORCIONAL FACE A PRESENÇA DE MAUS ANTECEDENTES – PENA REAJUSTADA – 3. REQUERIDO O ABRANDAMENTO DO REGIME PRISIONAL [RÉU] – IMPROCEDÊNCIA – PENA SUPERIOR A OITO ANOS DE RECLUSÃO, RÉU REINCIDENTE E PORTADOR DE MAUS ANTECEDENTES – 4. INDEFERIMENTO DO DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE [RÉU] – RENOVAÇÃO DOS FUNDAMENTOS QUE SUSTENTAM O CÁRCERE EM SEDE DE JULGAMENTO DA APELAÇÃO – NECESSIDADE DA PRISÃO PARA GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA, ANTE O FUNDADO RECEIO DE REITERAÇÃO DELITIVA – 5 – REQUISITOS DA PRISÃO DOMICILIAR NÃO EVIDENCIADOS [ACUSADA] – DESPROVIMENTO DO APELO DA DENUNCIADA E PARCIAL PROVIMENTO DO RECURSO DO CORRÉU. 1. É insustentável a almejada absolvição por insuficiência de provas e, com mais razão, a desclassificação do tipo penal do tráfico de drogas (art. 33, caput, da Lei n.º 11. 343/06) para aquele do art. 28 da Lei n.º 11.343/06, se as circunstâncias das prisões, bem como da apreensão dos entorpecentes, aliados aos depoimentos judiciais dos policiais civis que diligenciaram no ocorrido e no cumprimento do mandado de busca e apreensão expedido em desfavor do casal, revelam a prática da mercancia espúria de narcóticos; 2. A valoração desfavorável das circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, com a consequente elevação da pena-base além do mínimo legal, exige fundamentação idônea. Na hipótese, evidenciada a carga negativa imposta aos antecedentes criminais, contudo, imperiosa a readequação do quantum exasperado em decorrência do vetor desfavorável, haja vista que, in casu, não foram observados os parâmetros da razoabilidade e da proporcionalidade; 3. Se o agente é reincidente e possui circunstâncias desfavoráveis – maus antecedentes –, deve ser mantido o regime inicial fechado para o cumprimento da pena, por ser mais justo e adequado à finalidade de repressão e prevenção do crime; 4. Revela-se impositiva a manutenção da custódia cautelar quando confirmada em segundo grau a condenação do apelante, a robustecer o fumus comissi delicti, sobretudo se ele permaneceu preso preventivamente durante toda a instrução, remanescendo incólume o motivo concreto que ensejou a conclusão pelo periculum libertatis, a saber, a necessidade da prisão para garantia da ordem pública ante a real possibilidade de reiteração delitiva, aferida pela existência de condenações anteriores pelo mesmo crime de narcotráfico; 5. A concessão da prisão domiciliar sob o argumento da existência de filho menor, não é condição suficiente para a concessão dessa benesse, aliás, exige-se a demonstração inequívoca dos cuidados especiais e imprescindíveis ao infante; Apelo da acusada desprovido e provido parcialmente o recurso do corréu. (TJMT, N.U 0004270-63.2019.8.11.0020, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, GILBERTO GIRALDELLI, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 26/01/2022, Publicado no DJE 02/02/2022). Destacamos Destarte, em atenção às peculiaridades que permeiam o caso em apreciação, demonstra-se incabível a substituição da prisão preventiva da paciente por custódia domiciliar, devendo, por conseguinte, a medida constritiva invectivada, ser mantida sem que tal circunstância configure ofensa aos direitos da criança já previstos na Constituição Federal, no Estatuto da Criança e do Adolescente e no Estatuto da Primeira Infância (Lei n. 12.257/2016). De outra banda, não se desconhece que o Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, nos autos do Habeas Corpus n. 143.641, concedeu a ordem “para determinar a substituição da prisão preventiva pela domiciliar - sem prejuízo da aplicação concomitante das medidas alternativas previstas no art. 319 do CPP - de todas as mulheres presas, gestantes, puérperas ou mães de crianças e deficientes, nos termos do art. 2º do ECA e da Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiências (Decreto Legislativo 186/2008 e Lei 13.146/2015), relacionadas neste processo pelo DEPEN e outras autoridades estaduais, enquanto perdurar tal condição”, estendendo, outrossim, a referida decisão “às demais as mulheres presas, gestantes, puérperas ou mães de crianças e de pessoas com deficiência, bem assim às adolescentes sujeitas a medidas socioeducativas em idêntica situação no território nacional”. Contudo, na ação constitucional coletiva mencionada no parágrafo anterior, foram “excetuados os casos de crimes praticados por elas [mulheres presas, gestantes, puérperas ou mães de crianças e de pessoas com deficiência] mediante violência ou grave ameaça, contra seus descendentes ou, ainda, em situações excepcionalíssimas, as quais deverão ser devidamente fundamentadas pelos juízes que denegarem o benefício”. Destacamos No caso vertente, não há dúvidas de que se trata de situação excepcionalíssima, a atrair a exceção prevista no writ acima referido, em razão de todas as particularidades já demonstradas anteriormente, sobretudo porque a paciente, ao menos em tese, é contumaz no envolvimento com o tráfico de drogas; aparentemente integra a facção criminosa Comando Vermelho; responde a outras ações penais por condutas, supostamente, praticadas após o nascimento de seu filho; e porque não existem elementos que demonstrem que a criança residia com ela quando foi presa ou que, atualmente, esteja desassistida ou em situação de risco. Ainda que se considere como verdadeira a premissa de que a criança reside com a paciente, é certo que no caso em apreço há evidências de que ela realizava o tráfico de drogas no interior da própria residência, expondo a perigo de contaminação o próprio filho, de tenra idade, de modo que a exceção da concessão da prisão domiciliar nesta determinada situação excepcionalíssima ganha ainda mais relevância, como forma de permitir um controle maior de condutas criminosas que, embora não alcançadas pelas duas exceções legais descritas no art. 318-A, do Código de Processo Penal, revestem-se de gravidade objetiva, ao menos nesse plano da prisão processual, evidenciando um risco concreto de violação aos direitos da criança, ou uma ameaça acentuada à ordem pública. O eminente Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, do c. Superior Tribunal de Justiça, em brilhante voto-vista lançado durante o julgamento do AgRg no HC 426.526/RJ, relator Min. Joel Ilan Parcionik, j. 05/02/2019, bem explicitou as balizas pelas quais tais e tantas exceções excepcionalíssimas a serem avaliadas pelo julgador, devem impedir a concessão do beneplácito em questão para além daquelas vedações que já constam do texto do art. 318-A do CPP, a saber: Nesse sentido, temos muitos precedentes apontando como situações excepcionalíssimas, dentre as quais se destacam: (i) praticar o tráfico de drogas na residência, com a presença ou mesmo participação das crianças; (ii) reincidir em crimes graves, onde mesmo após prisões anteriores ou cumprimento de penas, não abandonaram o mundo do crime; (iii) integrar perigosas organizações criminosas, profundamente envolvidas com a criminalidade, notadamente quando exercem papel relevante, com ligações com facções perigosas, criando um ambiente de constante risco e insegurança que afeta toda a família, apenas para exemplificar. Nessas hipóteses, percebe-se que a presença física da mãe ou responsável pode caracterizar violação de direitos que atinge diretamente as crianças menores ou dependentes. A Constituição Federal prescreve que é dever do Estado assegurar a proteção integral e prioritária da criança (art. 227 da CF). E aqui, o olhar é para aqueles que sofrem injustamente as consequências dos atos praticados por mães que se encontram encarceradas, na medida em que seus filhos ou as pessoas sob sua dependência sofrem diretamente efeitos da condenação, com a separação física da genitora. Assim, o propósito da lei não é conferir um salvo-conduto às mulheres que cometem crime sem violência ou grave ameaça, independente do risco que a sua liberdade possa oferecer aos filhos, à pessoa com deficiência pela qual é responsável, ou mesmo à sociedade. Ao contrário, "o principal objetivo da novel lei, editada após a decisão do Supremo Tribunal Federal que reconheceu às custodiadas mães de filhos menores de 12 anos de idade o direito à prisão domiciliar, é a proteção da criança.", como declarou o e. Ministro Presidente desta Corte, no período de férias forense, em decisão liminar em que examinou a aplicação do novo art. 318-A do CPP (HABEAS CORPUS Nº 491.003 – PB, de 30/1/2019, MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, publicado em 4/2/2019). De fato, ainda durante a discussão do projeto de lei no âmbito legislativo, concluiu a Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado, ao tratar das limitações propostas à substituição da prisão preventiva por domiciliar, previstas nos incisos I e II do novel art. 318-A do CPC, que “tal medida é acertada, pois não se pode olvidar que a criança deve ser resguardada de toda e qualquer presença que possa prejudicar a formação de sua personalidade e a construção de seus valores, em razão da sua condição de pessoa em desenvolvimento”. Nessa direção, impossível ignorar que em determinadas situações – frise-se, excepcionalíssimas, criminalmente concretas, e que deverão ser devidamente demonstradas – a mãe pode, até mais do que nas hipóteses expressamente previstas, ser presença que possa prejudicar a formação de sua personalidade e a construção de seus valores. Em tais casos, entendo que a proteção do menor deve prevalecer sobre o direito legalmente conferido a tais mulheres. Repita-se: o foco de tais disposições deve fixar-se no menor ou, nos termos da novidade legal, no deficiente. Por isso, penso que a normatização de apenas duas das exceções já previstas no habeas corpus coletivo não afasta a efetividade do que foi decidido pelo Supremo nos pontos não alcançados pela norma. O fato de o legislador não ter inserido outras exceções na lei, não significa que o Magistrado esteja proibido de negar o benefício quando se deparar com casos excepcionais. Tenho que deve prevalecer a interpretação teleológica da lei, assim como a proteção aos valores mais vulneráveis. Com efeito, naquilo que a lei não regulou, o precedente da Suprema Corte deve continuar sendo aplicado, pois uma interpretação restritiva da norma pode representar, em determinados casos, efetivo risco direto e indireto à criança cuja proteção deve ser integral e prioritária, como determina a Constituição no art. 227, bem como à pessoa deficiente. Nesse sentido destaco uma breve análise disponível no site “Dizer o Direito”, de 21/12/2018: A exceção 3 ainda é possível? O juiz poderá deixar de aplicar a prisão domiciliar em outras situações excepcionalíssimas? Aqui temos o ponto mais polêmico da novidade legislativa. Teria sido um silêncio eloquente do legislador com o objetivo de superar, neste ponto, o entendimento do STF sobre o tema ou representaria uma simples omissão? Particularmente, penso que a terceira exceção continua existindo. Isso porque ela foi fixada pelo STF não por conta da interpretação da lei, mas sim com base em uma verdadeira construção (criação) jurisprudencial. As três exceções não eram previstas em nenhum lugar. Logo, parece-me que o fato de o legislador não ter encampado expressamente essa terceira exceção não significa que ela não exista. O legislador não tem condições de prever todas as hipóteses excepcionais, sendo justificável que o magistrado, diante de um caso concreto, identifique que a concessão da prisão domiciliar ameaçará a garantia da ordem pública/econômica, a conveniência da instrução criminal ou que irá colocar em risco a aplicação da lei penal. Contudo, como já dito, trata-se de tema que gerará debates e certamente haverá posições em sentido contrário. (Comentários à Lei 13.769/2018: prisão domiciliar e progressão especial para gestante e mulher que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência, 21/12/2018 – https://www.dizerodireito.com.br/2018/12/comentarios-lei-137692019-pri sao.html) É bom lembrar que a norma não consegue regular a realidade social (fática) em toda a sua extensão. Portanto, é certo que as exceções previstas nos dois incisos do art. 318-A do CPP não comportam todas as soluções dos casos concretos submetidos ao Poder Judiciário. Nesse sentido são também as primeiras impressões sobre a nova lei escritas pelo Juiz de Direito do Distrito Federal, Fernando Barbagalo, acerca desse assunto: É louvável o desiderato da nova lei na efetivação de princípios constitucionais de proteção à maternidade (art. 6º) e à infância (art. 227), seguindo também a linha estabelecida em orientações internacionais sobre o tema (Regras de Bangkok). Inobstante, certamente existirão casos em que essa automatização da prisão domiciliar causará perplexidade. Relevante notar que a formulação do dispositivo anterior, art. 318, (“Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar”) permite margem interpretativa, afastando a substituição em casos excepcionais. Esta permissão não existe no novo dispositivo (art. 318-A). Mesmo o acórdão no habeas coletivo autorizava a manutenção da prisão preventiva nas “situações excepcionalíssimas” devidamente fundamentas. E essas situações, infelizmente, acontecem. Apenas para ilustrar, em nossa triste realidade existem casos de mães de crianças e de gestantes reincidentes que obtiveram a liberdade e pouco depois foram presas vendendo drogas ou armazenando drogas nos locais em que residiam com seus pequenos. Neste sentido, citando apenas um de muitos precedentes, foi negada a substituição da prisão preventiva em domiciliar em razão da “considerável quantidade de drogas apreendida” (mais de 661g de cocaína; 45g de maconha; 122g de crack), com outros objetos (incluindo éter etílico e frascos de anestésicos) no interior da residência em que a mulher vivia com a filha. Compreendeu-se como excepcional a situação e a prisão preventiva mantida. (LEI 13.769/2.018: PRIMEIRAS IMPRESSÕES - JUIZ FERNANDO BARBAGALO HTTPS://WWW.TJDFT.JUS.BR/INSTITUCIONAL/IMPRENSA/AR TIGOS/LEI-13-769-2-018-PRIMEIRAS-IMPRESSOES-JUIZ-FERNA NDO-BARBAGALO) Destaco ainda de outra publicação – "Breves comentários às Leis 13.769/18 prisão domiciliar), 13.771/18 (feminicídio) e 13.772/18 (registro não autorizado de nudez ou ato sexual)" - produzida por especialistas na área, sob a coordenação científica do Prof. Rogério Sanches Cunha, e disponibilizada na internet: A nosso ver, não andou bem o legislador. Acabou desconsiderando o cometimento de crimes graves como o já mencionado tráfico de drogas, a participação em associações e organizações criminosas voltadas à prática do próprio tráfico, fraudes de grande vulto e até mesmo determinadas figuras tipificadas na Lei 13.260/16, que trata do terrorismo. A prisão domiciliar é, em si, uma medida de natureza cautelar e deve ser analisada sob as diretrizes estabelecidas no art. 292 do Código de Processo Penal, o qual dispõe que as medidas previstas no Título IX devem ser aplicadas de acordo com a necessidade e com adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado. Ora, como apresentado, o novo dispositivo (art. 318-A) opõe-se abertamente às regras gerais para a concessão de cautelares, ignorando as circunstâncias do crime cometido, se a substituição é adequada e suficiente para impedir a reiteração delitiva e para garantir a aplicação da lei penal, a investigação ou a instrução criminal. A substituição automática também acaba por violar o disposto no art. 5º da Constituição Federal, que garante a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. Diante do plexo de direitos e garantias explicitados na Constituição, tem o legislador (e o juiz) a obrigação de proteger os bens jurídicos de forma suficiente. Em outras palavras: é tão indesejado o excesso quanto a insuficiência da resposta do Estado punitivo. A obrigação de que o juiz substitua a prisão preventiva pela domiciliar torna evidentemente falha a proteção de que se incumbe o Estado. Por fim, ainda que se admita a existência de um direito subjetivo da presa à concessão do favor legal, sempre haverá algum espaço para que o magistrado formule um conceito de ordem subjetiva. Assim, por exemplo, há que se analisar se a criança, filha da presa vive efetivamente sob sua companhia, pois é comum que se encontre sob a guarda de fato ou de direito de uma avó ou mesmo do pai. Em relação à pessoa portadora de deficiência, ela pode, eventualmente, encontrar-se internada em uma clínica, quando, então, os cuidados da detenta serão dispensáveis. Não se pode ignorar, também, o cabimento da preventiva como sanção processual para o caso de descumprimento injustificado do benefício legal. (Breves comentários às Leis 13.769/18 (prisão domiciliar), 13.771/18 (feminicídio) e 13.772/18 (registro não autorizado de nudez ou ato sexual) https://s3.meusitejuridico.com.br/2018/12/9c20f715-breves-comentariosas-leis-13769-18-prisao-domiciliar-13771-18-feminicidio-e-13772-18.pdf) Ainda, não se pode esquecer que, se por um lado nos deparamos com a proibição de excessos contra direitos das crianças e dos deficientes, por outro, o Estado não pode se omitir de promover a assegurar adequadamente a proteção dessas pessoas, quando concretamente ameaçadas. E aqui que não se pode perder de vista os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, que orientam a aplicação das medidas cautelares em todo o espectro de opções previstas na norma processual penal – variando do total cerceamento da liberdade a alternativas mais brandas de controle social. Assim, o risco que se busca afastar com a prisão preventiva (garantia da ordem pública, preservação da instrução criminal e assegurar a aplicação da lei penal), substituindo-a pela domiciliar, precisa ser cuidadosamente avaliado pelo Magistrado, na medida em que são flexibilizados os controle/vigilância do Estado sobre a pessoa presa. Entendo que esse equilíbrio desejado está presente na decisão da Suprema Corte, quando formulou um terceiro parâmetro para comportar as situações que chamou de excepcionalíssimas. Em seu voto, o e. Ministro Ricardo Lewandovski avaliou especificamente os casos de reincidentes. Sua excelência faz a seguinte recomendação: “Quando a detida for tecnicamente reincidente, o juiz deverá proceder em atenção às circunstâncias do caso concreto, mas sempre tendo por norte os princípios e as regras acima enunciadas, observando, ademais, a diretriz de excepcionalidade da prisão.”. Logo em seguida, aponta como uma das soluções, fazendo uso do termo poderá, a aplicação de medidas cautelares, “Se o juiz entender que a prisão domiciliar se mostra inviável ou inadequada em determinadas situações”. Vale enfatizar que o indeferimento excepcional do benefício não prescinde de uma análise aprofundada dos casos concretos, à luz do interesse prioritário do menor ou do deficiente, em decisões que “deverão ser devidamente fundamentadas pelos juízes que denegarem o benefício”, como consignado no voto do Relator. Ainda sobre esse ponto, vale lembrar que o Eminente Ministro do Supremo Tribunal Federal Celso de Mello, em 4/4/2016, ao decidir o HC n. 134.734/SP, advertiu que é preciso analisar também a conduta e a personalidade da presa e, sobretudo, a conveniência e o atendimento ao superior interesse do menor, concluindo: “Todas essas circunstâncias devem constituir objeto de adequada ponderação, em ordem a que a adoção da medida excepcional da prisão domiciliar efetivamente satisfaça o princípio da proporcionalidade e respeite o interesse maior da criança. Esses vetores, por isso mesmo, hão de orientar o magistrado na concessão da prisão domiciliar”. Nessa mesma linha de raciocínio, manifestou-se o e. Ministro Sebastião Reis, ao apreciar a liminar em que se questiona a aplicação da nova Lei n. 13.769/2018, grifei): Ressalta-se que, mesmo atendido o requisito de ser mãe de criança com deficiência, o benefício pode ser afastado quando, fundamentadamente, o órgão julgador, ante dados concretos, demonstre situação em que se revele inadequada a prisão domiciliar (periculum libertatis), sob pena de se conferir uma carta de indenidade absoluta a todas as mulheres gestantes ou mães de crianças com deficiência. (HABEAS CORPUS Nº 479.584 – PR, Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, de 1º/2/2018, publicada em 08/02/2019) Em conclusão: as situações excepcionais ainda subsistem e carecem de solução jurídica adequada, sempre à luz da força impositiva da nova norma, mas sem violar direitos e garantias dos menores ou deficientes envolvidos. Por essas razões é que entendo que permanece válida a terceira exceção prevista no acórdão do habeas corpus coletivo, com aplicação já sedimentada na jurisprudência desta Corte. Registre-se, no ponto, mais uma vez, que tais exceções são EXCEPCIONALÍSSIMAS, pois a regra é o deferimento da prisão domiciliar. Destacamos Nesse contexto, não parece nada razoável, sobretudo levando em conta o interesse da criança, deferir-se a prisão domiciliar à paciente, pois geraria o risco de inserir o infante em potencial ambiente nocivo ao desenvolvimento de sua personalidade. Aliás, em situação análoga à discutida nesta impetração, foi proferido recente entendimento pelo Superior Tribunal de Justiça: PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO HABEAS CORPUS. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. PRISÃO PREVENTIVA DECORRENTE DO MODUS OPERANDI E PARA EVITAR REITERAÇÃO DELITIVA. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. PRISÃO DOMICILIAR. MÃE DE FILHO MENOR DE 12 ANOS. SITUAÇÃO EXCEPCIONALÍSSIMA QUE IMPEDE O BENEFÍCIO. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. 1. A prisão preventiva pode ser decretada antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, desde que estejam presentes os requisitos previstos no art. 312 do CPP. 2. Foram constatados elementos concretos aptos a justificar a privação cautelar da liberdade, uma vez que a agravante exerce função de destaque em organização criminosa, notadamente na esfera financeira, tratando-se de uma organização constituída para a prática do tráfico de drogas, especialmente de cocaína, cuja comercialização se efetua por meio de aplicativo de mensagens, tendo como público-alvo os caminhoneiros. 3. A custódia cautelar se mostra devidamente embasada para evitar reiteração delitiva, pois a agravante ostenta outras condenações. 4. Situação dos autos que demonstra o envolvimento da agravante em organização criminosa que comercializa grande quantidade de drogas, sendo situação excepcionalíssima que não permite a prisão domiciliar. 5. Agravo regimental improvido. (AgRg no RHC n. 207.620/PR, relator Ministro Og Fernandes, Sexta Turma, julgado em 5/3/2025, DJEN de 12/3/2025.) Destacamos Posto isso, em sintonia com o parecer ministerial, julgo improcedentes os pedidos deduzidos em favor de Jaeline Santos Coimbra; por consequência, denego a ordem de habeas corpus almejada. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 25/06/2025
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