Processo nº 0001600-16.2001.8.11.0042
ID: 329946424
Tribunal: TJMT
Órgão: Segunda Câmara Criminal
Classe: APELAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 0001600-16.2001.8.11.0042
Data de Disponibilização:
21/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 0001600-16.2001.8.11.0042 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Homicídio Qualificado] Relator: Des(a). RUI RAMOS RIBE…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 0001600-16.2001.8.11.0042 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Homicídio Qualificado] Relator: Des(a). RUI RAMOS RIBEIRO Turma Julgadora: [DES(A). RUI RAMOS RIBEIRO, DES(A). JORGE LUIZ TADEU RODRIGUES, DES(A). PAULO SERGIO CARREIRA DE SOUZA] Parte(s): [MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (APELADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (REPRESENTANTE), JOADIR MINERVINO DE MAGALHAES (RECORRENTE), JOADIR MINERVINO DE MAGALHAES - CPF: 629.471.841-49 (APELANTE), DEBORA ADRIANA ALVES - CPF: 498.216.102-00 (ADVOGADO), ROBERTO LAGO E SILVA (VÍTIMA), DAVINA MARIA RAMOS (ASSISTENTE), ELZO BRÍGIDO RAMOS (ASSISTENTE), SÉRGIO DO LAGO E SILVA (ASSISTENTE), ADRIANA RODRIGUES FONSECA (ASSISTENTE), HERONIDES CESÁRIO DOS SANTOS (ASSISTENTE), DANIELA GRETER DE OLIVEIRA (ASSISTENTE), MARIA EDEMIR DOS SANTOS MAGALHÃES (ASSISTENTE), DAVINA MARIA RAMOS (ASSISTENTE), ROBERTO LAGO E SILVA (VÍTIMA), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (CUSTOS LEGIS)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). RUI RAMOS RIBEIRO, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO. E M E N T A RECURSO DE APELAÇÃO– HOMICÍDIO QUALIFICADO – RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA [ARTIGO 121, § 2º, INCISO IV, DO CÓDIGO PENAL] – INSURGÊNCIA DA DEFESA – DECISÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS – INOCORRÊNCIA – EXISTÊNCIA DE ELEMENTOS PARA O RECONHECIMENTO DA QUALIFICADORA PELO CONSELHO DE SENTENÇA – SOBERANIA DOS VEREDICTOS – PENA - DOSIMETRIA – CULPABILIDADE E CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME VALORADAS NEGATIVAMENTE COM BASE EM ELEMENTOS CONCRETOS – PRETENDIDA ALTERAÇÃO DO QUANTUM EMPREGADO NA MAJORAÇÃO DA PENA-BASE E NA MINORAÇÃO PELA ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA – DESCABIMENTO – CRITÉRIO DE 1/6 ADOTADO PELO JUÍZO ‘A QUO’ EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA – DISCRICIONARIEDADE REGRADA DO MAGISTRADO – INEXISTÊNCIA DE PARÂMETRO MATEMÁTICO RÍGIDO – PREQUESTIONAMENTO – FUNDAMENTOS INTEGRADOS NO ACÓRDÃO – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO. A decisão do Conselho de Sentença, que reconheceu a qualificadora do recurso que dificultou a defesa da vítima, encontra respaldo nos elementos probatórios existentes nos autos, notadamente pelo modus operandi empregado pelo agente, que premeditou o crime e atacou a vítima desarmada quando esta trafegava de bicicleta, desferindo-lhe múltiplos golpes de faca em diversas regiões do corpo, inclusive no pescoço, provocando seu esgorjamento. Apenas a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos autoriza a cassação do veredicto popular e a realização de novo julgamento, não se caracterizando como tal aquela que meramente opta por uma das versões respaldadas no acervo probatório. A valoração negativa das circunstâncias judiciais da culpabilidade e das circunstâncias do crime mostra-se devidamente fundamentada quando embasada em elementos concretos extraídos dos autos, como a premeditação e a extrema brutalidade da conduta representada pelo excessivo número de golpes de faca, muitos dos quais desferidos em regiões vitais do corpo. Inexiste critério matemático fixo para a exasperação da pena-base por circunstâncias judiciais negativas ou para a redução por atenuantes, cabendo ao magistrado, dentro de sua discricionariedade regrada, estabelecer o quantum adequado ao caso concreto, desde que motivadamente e observados os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. A exasperação em 1/6 da pena para cada circunstância judicial negativa e a redução em 2 anos pela atenuante da confissão espontânea, adotadas pelo Juízo a quo, encontram-se dentro de parâmetros razoáveis e em consonância com a jurisprudência consolidada, não havendo razão para sua modificação. A título de prequestionamento, restam integrados à fundamentação deste aresto os dispositivos legais relacionados às matérias ora debatidas. R E L A T Ó R I O Recurso de apelação interposto por JOADIR MINERVINO DE MAGALHAES contra a sentença prolatada pelo Juízo da 1ª Vara Criminal da Comarca de Cuiabá, que nos autos da ação penal n. 0001600-16.2001.8.11.0042, em consonância com a decisão do Conselho de Sentença, condenou-o pela prática do crime previsto no artigo 121, § 2º, inciso IV, do Código Penal, à pena de 14 (quatorze) anos de reclusão, em regime inicialmente fechado. Inconformado, sustenta, em preliminar, que a decisão dos jurados foi manifestamente contrária à prova dos autos, pugnando pela realização de novo julgamento perante o Tribunal do Júri. Argumenta que inexistem provas ou indícios suficientes para o reconhecimento da qualificadora do recurso que dificultou a defesa da vítima, uma vez que não há comprovação de que a vítima foi atacada de surpresa. Afirma, ainda, que o laudo pericial demonstra que os golpes foram desferidos frontalmente, indicando que agressor e vítima estavam frente a frente. No mérito, aduz que há equívocos na dosimetria da pena. Alega que não há fundamentação idônea para a valoração negativa da culpabilidade e das circunstâncias do crime, pleiteando a fixação da pena-base no mínimo legal. Subsidiariamente, postula a aplicação da fração de 1/8 sobre o intervalo da pena cominada para cada circunstância judicial desfavorável, em vez de 1/6. Por fim, requer o reconhecimento da atenuante da confissão na fração de 1/6 sobre o quantum do intervalo da pena abstratamente cominada ou sobre o quantum da pena-base fixada. Por fim, prequestiona a matéria.(ID. 228163789) Em contrarrazões, o Ministério Público pugnou pelo desprovimento do recurso e pela manutenção integral da sentença.(ID.228163791) Nesta instância, a douta Procuradoria Geral de Justiça, no parecer subscrito pelo(a) i. Procurador(a) de Justiça – Dr(a). Silvana Correa Vianna manifestou-se pelo desprovimento do recurso, na ementa assim sintetizada: (Id. 239671157) “...Conforme demonstrado, o apelante premeditou o crime e atacou a vítima enquanto trafegava de bicicleta e, ao contrário do alegado pela defesa, há múltiplas lesões em ambos lados do corpo da vítima, como evidenciado pelo laudo pericial (Id. 154533897). Embora a defesa dos recorrentes não concorde com o entendimento adotado pelo Conselho de Sentença em relação ao resultado do julgamento, é imperioso assinalar que o conjunto probatório reunido neste caderno processual é robusto o suficiente para respaldar a decisão dos jurados que, diante das provas que lhes foram expostas, optaram pela versão trazida pela acusação, visto que reconheceram a existência da qualificadora, motivo pelo qual não absolveu o recorrente. Ademais, cumpre salientar, que a reforma da decisão do Conselho de Sentença somente é cabível na hipótese de manifesta contrariedade à prova dos autos, isto é, quando em total dissonância dos elementos probatórios coligidos ao feito, consoante art. 593, inciso III, alínea “d”, do CPP, sob pena de violação ao princípio constitucional da Soberania dos Veredictos (Art. 5º, XXXVIII, alínea “c”, da CF/88).[...]Como se sabe, a exasperação da pena-base com a análise de cada circunstância judicial, é matéria afeta ao poder discricionário do julgador, o que, porém, deve ser feita de forma fundamentada aos fatos concretos apurados, em observância ao disposto no art. 93, IX, da Constituição Federal, além de atender aos princípios da proporcionalidade, razoabilidade, necessidade e suficiência à reprovação e prevenção do crime.[...]Destarte, no presente caso, ficou cabalmente evidenciado que o apelante premeditou a ação criminosa, ao se ausentar do local dos fatos e retornar com o propósito inequívoco de consumar o homicídio. Tal conduta, portanto, justifica a atribuição de valoração negativa à culpabilidade, impondo-se um juízo de reprovação mais gravoso.[...] O aumento da pena mostra-se devidamente justificado pela extrema brutalidade do crime, circunstância que foi destacada pela magistrada (Id. 228163777) e reiterada nas contrarrazões apresentadas pelo Ministério Público[...]Salienta-se que o poder discricionário do magistrado na fixação da pena possibilita a consideração das particularidades de cada caso, desde que respeitados os limites legais. A imposição de critérios rígidos, como pretende o apelante, restringiria a capacidade do juiz de aplicar a sanção de forma justa e proporcional ao crime, portanto, não há fundamento para a alteração da fração de redução, uma vez que o quantum fixado se encontra dentro dos parâmetros discricionários autorizados. Diante de todo o exposto, o parecer desta Procuradoria de Justiça é pelo conhecimento do recurso interposto, eis que preenche os requisitos objetivos e subjetivos de admissibilidade e, no mérito, manifesta-se pelo seu DESPROVIMENTO, mantendo-se incólume a sentença vergastada.” Registo que foi interposto o recurso em sentido estrito desprovido em 15/08/2023 (ID. 179211170) É o relatório. V O T O R E L A T O R Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso manejado. Como relatado, trata-se de recurso de apelação criminal interposto por JOADIR MINERVINO DE MAGALHÃES contra a sentença que o condenou pela prática do crime de homicídio qualificado pelo recurso que dificultou a defesa da vítima (art. 121, §2º, IV, do CP). A defesa, de início, requer a anulação do julgamento realizado pelo Tribunal do Júri, argumentando que a decisão dos jurados é manifestamente contrária à prova dos autos, porquanto reconheceram, de forma errônea, a qualificadora do recurso que dificultou a defesa da vítima. Em razão disso, postula-se a realização de uma nova sessão plenária. Com efeito, extrai-se da denúncia: “Na noite de 11 de outubro de 1998, por volta das 22:00 horas, no bairro Cidade Verde, nesta capital, o indiciado JOADIR MINERVINO DE MAGALHÃES utilizando-se de uma arma branca, tipo faca, objeto do auto de apreensão de fls. 08, desferiu vários golpes contra a vítima ROBERTO LAGO E SILVA (brasileiro, solteiro, natural de Pedra Preta/MT, nascido aos 22/01/81, filho de Benedito do Lago Silva e Avelina Germana da Silva, que residia na rua Viela 90, n°34, bairro Santa Izabel, nesta capital), causando-lhe a morte em decorrência de choque hipovolêmico produzido por instrumento perfuro cortante, conforme evidencia o laudo de exame de necropsia de fls. 42/45. Consta dos autos que o indiciado, acompanhado de esposa, Adriana Rodrigues Fonseca, e filhos, se encontrava no estabelecimento comercial denominado "Bar do Prezado", situado no bairro Santa Izabel, ocasião em que os presentes bebiam bebida alcóolica e praticavam disputas de "queda de braço". O indiciado foi derrotado nas disputas que participou e em face disto os presentes gozaram dele, inclusive sua própria esposa o chamou de "frouxo e bunda-mole", gerando uma pequena discussão entre a esposa do indiciado e a vítima ROBERTO, que se encontrava presente no referido Bar e simplesmente assistia aos acontecimentos. Sossegados os ânimos, o indiciado ausentou-se do Bar, levou sua esposa e filhos para casa e, momentos após, retornou ao estabelecimento e ali permaneceu por alguns instantes aguardando o momento oportuno para consumar o crime. Assim, quando a vítima conduzia sua bicicleta pela Rua central, s/n°, próximo a Igreja Assembleia de Deus, em meio a um depósito de lixo, no bairro Santa lzabel, o indiciado a atacou de forma inesperada e lhe desferiu os golpes antes mencionados, causando-lhe a morte. Assim agindo, o indiciado incorreu nas penas do artigo 121, § 2°, inciso IV (recurso que dificultou a defesa da vítima), do Código Penal.” Da alegada decisão manifestamente contrária à prova dos autos Inicialmente, sustenta o apelante que a decisão dos jurados foi manifestamente contrária à prova dos autos, ao reconhecerem a qualificadora do recurso que dificultou a defesa da vítima (art. 121, §2º, IV, do CP), pugnando pela anulação do julgamento e submissão do réu a novo júri. Argumenta que inexistem provas quanto à qualificadora do recurso surpresa, pois, segundo o laudo pericial, os golpes foram desferidos na região frontal do corpo da vítima, o que indicaria que agressor e vítima estavam frente a frente, afastando a surpresa e, consequentemente, a qualificadora em questão. Contudo, após detida análise dos autos, verifico que não assiste razão ao recorrente. Como cediço, a cassação do veredicto dos jurados, com fulcro no art. 593, III, "d", do Código de Processo Penal, somente é admissível quando a decisão for manifestamente contrária à prova dos autos, ou seja, quando não encontrar nenhum respaldo no conjunto probatório, revelando-se arbitrária e divorciada dos elementos de convicção produzidos durante a persecução penal. Não se configura tal hipótese, entretanto, quando o Conselho de Sentença, no exercício de sua soberania constitucionalmente assegurada (art. 5º, XXXVIII, "c", da CF), opta por uma das versões apresentadas em plenário e amparadas pelo conjunto probatório, ainda que outra solução pudesse ser igualmente plausível. No caso em apreço, contrariamente ao sustentado pelo recorrente, há elementos probatórios suficientes nos autos que respaldam o reconhecimento da qualificadora do recurso que dificultou a defesa da vítima, consubstanciada no recurso surpresa. Conforme se extrai da narrativa constante na denúncia e corroborada ao longo da instrução processual, o réu, após um desentendimento ocorrido em um bar onde os ânimos já haviam serenado, ausentou-se do local levando sua família para casa, porém, posteriormente, retornou ao estabelecimento onde permaneceu aguardando o momento oportuno para a prática do crime. Quando a vítima conduzia sua bicicleta pela via pública, o acusado a atacou de forma inesperada, desferindo-lhe múltiplos golpes de faca. Tal narrativa demonstra claramente o elemento surpresa, essencial para a caracterização da qualificadora em questão. O fato de o réu ter esperado que a vítima estivesse desatenta, transitando em uma bicicleta pela via pública, para então desferir-lhe os golpes, configura nitidamente o emprego de recurso que dificultou sua defesa. A vítima, não tinha como antever o ataque, sobretudo, considerando que os ânimos já haviam se acalmado após o desentendimento ocorrido anteriormente. Ademais, o argumento do apelante de que os golpes foram desferidos apenas na região frontal do corpo da vítima é facilmente refutado pela análise do laudo pericial de necropsia juntado aos autos. Conforme destacado pelo Ministério Público em suas contrarrazões de apelação, o mapa topográfico para localização de lesões revela que a vítima foi atingida com diversos golpes de faca tanto na região frontal como na região posterior do corpo (ID 55594906, págs. 50/54). Especificamente, o laudo indica lesões nas regiões "cervical posterior, deltoidiana esquerda, dorsal esquerda em número de duas, dorsal direita, lombar esquerda, terço superior do antebraço esquerdo face posterior", o que evidencia que a vítima foi atacada também pelas costas, reforçando o elemento surpresa. A propósito: Aliás, o depoimento da testemunha Sérgio do Lago e Silva, irmão da vítima, corrobora a brutalidade do ataque, ao afirmar que a vítima teve o pescoço parcialmente "degolado", situação que demonstra a impossibilidade de defesa eficaz diante da violência e surpresa do golpe. Nesse cenário, é evidente que a decisão dos jurados encontra amparo no acervo probatório constante dos autos, não havendo que se falar em manifesta contrariedade à prova. Como bem pontuou o Ministério Público em suas contrarrazões: "A decisão dos jurados foi baseada no livre convencimento da prova colhida, ou seja, optaram pela versão que julgaram ser a mais verossímil, não sendo admissível falar em decisão manifestamente contrária à prova dos autos e, por consequência, na realização de novo júri." Corroborando esse entendimento, o incidente de uniformização de jurisprudência nº 101532/2015 deste Tribunal estabeleceu que: "Não se caracteriza como manifestamente contrária à prova dos autos a decisão que, optando por uma das versões trazidas a plenário do Tribunal do Júri, não se encontra inteiramente divorciada do conjunto fático-probatório existente no processo." (INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA Nº 101532/2015 – Disponibilizado no DJE Edição nº 9998, de 11/04/2017, publicado em 12/04/2017). Assim, tendo o Conselho de Sentença optado pela versão que reconhece a presença da qualificadora do recurso que dificultou a defesa da vítima, versão esta que encontra respaldo nos elementos probatórios dos autos, não há como acolher a pretensão recursal de anulação do julgamento. A soberania dos veredictos, princípio constitucional insculpido no art. 5º, XXXVIII, alínea "c", da Constituição Federal, impede a substituição da decisão dos jurados pela valoração probatória feita pelo Tribunal ad quem, salvo quando a decisão for manifestamente divorciada do conjunto probatório, o que, como demonstrado, não é o caso dos autos. Portanto, rejeito a preliminar de nulidade do julgamento por decisão manifestamente contrária à prova dos autos. Superada a questão preliminar, passo à análise da insurgência do apelante quanto à dosimetria da pena. DA DOSIMETRIA DA PENA Inicialmente, o recorrente questiona a valoração negativa das circunstâncias judiciais da culpabilidade e das circunstâncias do crime, alegando ausência de fundamentação idônea. Para a melhor analise, transcrevo a sentença: SENTENÇA “Vistos... O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO ofereceu denúncia contra JOADIR MINERVINO DE MAGALHÃES, qualificado nos autos, imputando-lhe a prática do delito tipificado no artigo 121, § 2°, inciso IV, do Código Penal. Narra à denúncia, em síntese, que no dia 11 de outubro de 1998, por volta das 22h, no bairro Cidade Verde, o acusado, utilizando-se de uma arma branca (faca), desferiu golpes contra a vítima ROBERTO LAGO E SILVA, causando-lhe as lesões descritas no Laudo de Necropsia n° 01-01-000679-01/98, que foram a causa da sua morte. A denúncia foi recebida em 15 de fevereiro de 2002 (fls. 130). Infrutíferas as tentativas de localização do réu para sua citação pessoal e interrogatório, realizou-se a citação ficta (fl. 158 – id. 55594906) e, tendo o acusado deixado de comparecer ao interrogatório então designado, foi decretada sua revelia e declarada a suspensão do processo e do curso do prazo prescricional. Na mesma decisão, designada audiência para produção antecipada de prova consistente na oitiva das testemunhas arroladas pela acusação, assim como decretada a prisão preventiva do acusado (fls. 160/161 – id. 55594906). Durante a produção antecipada de provas, para a qual foi nomeado Defensor Público para patrocinar a defesa do denunciado, foram colhidos os depoimentos das testemunhas: Davina Maria Ramos, Elzo Brigido Ramos, Sérgio do Lago Silva e Daniela Greter de Oliveira (fls. 173/177 – id. 55594906). Cumprido o mandado de prisão no dia 29 de agosto de 2018, na Comarca de Jataí - GO (fls. 187), ocasião em que o acusado constituiu advogado e pugnou pela revogação da prisão, cujo pleito foi deferido (fls. 275/276). Citado pessoalmente em 22 de novembro de 2018, ocasião em que foi cumprido o alvará de soltura do acusado (fls. 288). Colheu-se o interrogatório do acusado. (Id. 81331208). Em Memoriais Finais requereu o Ministério Público a pronúncia do acusado, nos termos de denúncia (Id. 81645033). A Defesa, por sua vez, requereu a impronuncia e, subsidiariamente, a exclusão da qualificadora (Id. 83490748). O acusado foi pronunciado nas sanções do artigo 121, § 2º, inciso IV, do Código Penal (Id. 91123509). Inconformada, a Defesa interpôs recurso em sentido estrito, o qual foi desprovido (Id. 130382595). Transitada em julgado a decisão no dia 28 de setembro de 2023 (Id. 130382600). Em decorrência, hoje o acusado foi submetido a julgamento popular. Considerando que o Conselho de Sentença, ao votar o 1º e 2º quesitos, reconheceu a materialidade e a autoria delitiva, respectivamente; Considerando que o Conselho de Sentença não absolveu o acusado; Considerando que o Conselho de Sentença reconheceu que o crime foi cometido mediante recurso que dificultou a defesa da vítima; Atenta à soberana decisão do nobre Conselho de sentença, a qual estou vinculada, CONDENADO o réu JOADIR MINERVINO DE MAGALHÃES, qualificado nos autos, nas sanções do artigo 121, § 2º, inciso IV, do Código Penal. Diante do princípio constitucional da individualização da pena e considerando as circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, passo a fixá-la, nos seguintes termos: Revela a dinâmica dos fatos versados maior gravidade da conduta do réu, notadamente diante da premeditação empregada na execução do delito. Malgrado o delito tenha sido precedido de entrevero entre os protagonistas, no momento da consumação do homicídio os ânimos já estavam serenados. Não obstante, o réu deixou o bar na companhia da sua família, foi até sua residência buscar uma faca e retornou ao encontro da vítima, ocasião em que passou a golpeá-la em plena via pública. O réu não registra antecedentes criminais. Quanto à sua personalidade e conduta social, em consonância com o entendimento jurisprudencial consolidado, a análise demanda estudo psicológico e social aprofundados, por profissionais especializados, que não foram realizados nos autos, obstando qualquer valoração nesse particular (TJMT, Ap nº 72331/2015); O motivo do crime decorreu de um desentendimento havido entre o réu e a vítima em um bar. Em que pese o desentendimento pretérito havido entre o réu e a vítima, nada justifica conduta tão grave por parte daquele, consistente na eliminação de uma vida. Assim, resta evidente que o comportamento da vítima não influiu para ocorrência do crime. As circunstâncias do crime são desfavoráveis. Revela o Laudo de exame de Necropsia que a vítima foi atingida por múltiplos golpes de faca, nas seguintes regiões: “peri-orbitária esquerda, malar esquerda, geniana esquerda e direita, mentoniana, cervical anterior em número de duas, infra-clavicular esquerda, hemitorax direito e esquerdo, região mamária esquerda e duas infra mamária esquerda, terço inferior do braço direito face anterior, hipocondrio esquerdo, inguinal esquerda, terço superior da coxa esquerda face anterior, cervical posterior, deltoidiana esquerda, dorsal esquerda em número de duas, dorsal direita, lombar esquerda, terço superior do antebraço esquerdo face posterior, as quais foram mais acentuadas na região cervical e tórax”. De acordo com o depoimento da testemunha Sérgio do Lago e Silva, a vítima teve o pescoço parcialmente “degolado”. Fato é que ela foi esgorjada pelo réu. O excessivo número de golpes de faca efetuados contra a vítima, a maioria em região letal (cervical e tórax), exige o recrudescimento da pena-base. Nesse sentido é o entendimento esposado pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso, vejamos: APELAÇÃO CRIMINAL - TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO [MOTIVO TORPE, MEIO CRUEL E EMPREGO DE RECURSO QUE DIFICULTOU DEFESA DA VÍTIMA] ESTUPRO DE VULNERÁVEL E FURTO - VEREDITO CONDENATÓRIO - NULIDADE DO RECONHECIMENTO PESSOAL, DECISÃO DOS JURADOS CONTRARIA À PROVA DOS AUTOS E ELEVAÇÃO DAS PENAS-BASE SEM FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA - PEDIDO DE ANULAÇÃO DO RECONHECIMENTO PESSOAL E NOVO JULGAMENTO OU REDUÇÃO DAS PENAS - PRELIMINAR - NULIDADE DO RECONHECIMENTO PESSOAL APTA A DESCONSTITUIR A PROVA NÃO VERIFICADA - CONDENAÇÃO FUNDAMENTADA EM PROVAS JUDICIALIZADAS - REJEITADA - MÉRITO - FERIMENTOS DESCRITOS NO LAUDO DE EXAME DE LESÕES CORPORAIS - INÍCIO A EXECUÇÃO DE UM CRIME DE HOMICÍDIO QUE NÃO SE CONSUMOU POR CIRCUNSTÂNCIAS ALHEIAS A SUA VONTADE - CONJUNÇÃO CARNAL OU OUTRO ATO LIBIDINOSO - VÍTIMA DESACORDADA - LESÃO CORPORAL DE NATUREZA GRAVE - SUBTRAÇÃO DE COISA ALHEIA MÓVEL - APELANTE NÃO ABSOLVIDO PELO CONSELHO DE SENTENÇA - CONCLUSÃO DOS JURADOS - SUPORTE NOS DEPOIMENTOS DA VITIMA E TESTEMUNHAS - LAUDOS PERICIAIS - OPÇÃO POR UMA DAS CORRENTES DE INTERPRETAÇÃO DA PROVA - LIÇÃO DOUTRINARIA - ENUNCIADO CRIMINAL 13 DO TJMT - PENA-BASE, CULPABILIDADE, ANTECEDENTES, CIRCUNSTÂNCIAS E CONSEQUÊNCIAS DO CRIME - DEPRECIAÇÕES - FUNDAMENTAÇÕES IDÔNEAS - FRAÇÃO DE 1/6 (UM SEXTO) PROPORCIONAL - TENTATIVA – ITER CRIMINIS PERCORRIDO – FRAÇÃO D E1/3 (UM TERÇO) - PENA IMPOSTA SUPERIOR A 8 (OITO) ANOS DE RECLUSÃO - REGIME INICIAL FECHADO - JULGADOS DO TJ E TJMT - RECURSO PROVIDO PARCIALMENTE PARA READEQUAR A PENA DE MULTA. (...) A depreciação das circunstâncias do crime está motivada em elementos concretos [“multiplicidade de golpes desferidos contra a vítima, notadamente na região da face, os quais lhe causaram intenso sofrimento”], os quais não se afiguram inerentes ao tipo penal, de modo a autorizar o aumento da pena-base (STJ, HC nº 353.551/RS). (...) A existência de 4 (quatro) circunstâncias judiciais desfavoráveis justifica a exasperação da pena-base, em 2 (dois) anos para cada uma delas, sobretudo porque o c. STJ tem entendido proporcional a fração de 1/6 (um sexto) para cada vetor negativo (HC 505.435/SP).(N.U 0036428-13.2016.8.11.0042, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, MARCOS MACHADO, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 19/03/2024, Publicado no DJE 26/03/2024) As consequências do crime integram o próprio tipo penal. Assim, e tendo em vista a pena prevista para o crime de homicídio qualificado – de 12 (doze) a 30 (trinta) anos de reclusão – entendo necessário e adequado estabelecer a pena-base em 16 (dezesseis) anos de reclusão. Anoto, por oportuno, que o acréscimo acima aplicado está de acordo com o entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso, no sentido de que deve obedecer à fração máxima de 1/6 (um sexto) para cada circunstância judicial negativa, que no caso concreto foram duas (culpabilidade e circunstâncias desfavoráveis). Vejamos: APELAÇÃO CRIMINAL. TRIBUNAL DO JÚRI. HOMICÍDIO QUALIFICADO PELO MOTIVO FÚTIL E PELO EMPREGO DE MEIO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA. 1. AVENTADA NULIDADE DA DECISÃO DO JÚRI POR SER MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DESTES AUTOS. IMPOSSIBILIDADE. QUALIFICADORAS EVIDENCIADAS PELO ELENCO PROBATÓRIO PRODUZIDO. OPÇÃO POR UMA DAS VERSÕES APRESENTADAS EM PLENÁRIO. PRINCÍPIO DA LIVRE CONVICÇÃO DOS JURADOS. SOBERANIA DOSVEREDITOS. 2. PRETENDIDA A MODIFICAÇÃO DA FRAÇÃO UTILIZADA PARA A CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL NEGATIVADA NA PRIMEIRA FASE DA DOSIMETRIA. NÃO ACOLHIMENTO. EXASPERAÇÃO EM FRAÇÃO RAZOÁVEL E PROPORCIONAL. 3. ALMEJADA REDUÇÃO DA PENA EM FORMAÇÃO PARA AQUÉM DO MÍNIMO LEGAL PELA INCIDÊNCIA DAS ATENUANTES DE CONFISSÃO ESPONTÂNEA E DA MENORIDADE RELATIVA. IMPOSSIBILIDADE. INTELIGÊNCIA DA SÚMULA N. 231 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E PRECEDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO A PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. 4. RECURSO DESPROVIDO. (...). A ponderação das circunstâncias judiciais, portanto, não constitui mera operação aritmética, em que se atribui pesos absolutos a cada uma delas, mas, sim, exercício de discricionariedade vinculada do magistrado. Na hipótese, o magistrado, adotou a fração de 1/6 (um sexto) sobre a pena mínima para a circunstância judicial negativada do crime de homicídio qualificado, motivo pelo qual a pena-base fixada está em consonância com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade e com a jurisprudência aplicável à espécie, não merecendo, por isso, qualquer retificação por este órgão revisor. (...) (N.U 1012535-63.2022.8.11.0042, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, LUIZ FERREIRA DA SILVA, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 15/05/2024, Publicado no DJE 16/05/2024). Não há agravante a ser considerada. Uma vez que o réu confessou a autoria do delito, reconheço a atenuante prevista no artigo 65, inciso III, alínea d, e diminuo a pena em 02 (dois) anos, redimensionando-a para 14 (quatorze) anos de reclusão. Não há causa de aumento ou diminuição da pena. Assim sendo, torno a reprimenda definitiva em 14 (quatorze) anos de reclusão. Do regime de cumprimento de pena: Nos moldes do artigo 33, parágrafo segundo, alínea “a”, do Código Penal, fixo ao réu o regime inicial fechado para o cumprimento da pena. A detração antecipada tratada pelo artigo 387, § 2º do CPP, com a redação dada pela Lei nº 12.736/2012, não beneficia o réu que permaneceu segregado por aproximadamente 03 meses. Outrossim, sem olvidar a gravidade do crime contra a vida imputado ao réu, não verifico a presença dos elementos ensejadores da segregação preventiva, estampados no artigo 312, do Código de Processo Penal. Em que pese o réu tenha se ausentado do distrito da culpa por longo período, desde que foi colocado em liberdade tem comparecido a todos os atos para os quais foi intimado, inclusive para o julgamento nesta data, sendo evidente que faz jus ao direito de recorrer em liberdade. Ademais, não há notícia de que o réu tenha obstado a instrução processual ou lesando a ordem pública ou a ordem econômica, sendo insuficiente a gravidade abstrata da conduta para a decretação da segregação cautelar. Cabe pontuar que o réu não registra outras passagens criminais, sendo este ilícito fato isolado em sua vida. Deste modo, a falta de contemporaneidade do delito imputado ao réu (passados mais de 25 anos) e a inocorrência de fatos novos que justifiquem, nesse momento, a necessidade de segregação, garante ao sentenciado o direito de aguardar o julgamento de eventual recurso em liberdade. Assim sendo, concedo-lhe o apelo em liberdade. DISPOSITIVO: Pelo exposto e considerando a vontade soberana do Conselho de Sentença, CONDENO o réu JOADIR MINERVINO DE MAGALHÃES, qualificado nos autos, como incurso nas sanções do artigo 121, § 2º, inciso IV, do Código Penal, com as implicações da Lei nº 8072/90, à pena privativa de liberdade de 14 (quatorze) anos de reclusão, no regime inicialmente fechado.” (Negritado no original) A legislação pátria adotou o método trifásico de cálculo da pena, no qual o magistrado de forma fundamentada, fixa a pena visando a suficiência para a reprovação do delito e prevenção da conduta típica, conforme disposto no artigo 68 do Código Penal, em síntese: “A pena-base será fixada atendendo-se ao critério do art. 59 deste Código; em seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as causas de diminuição e de aumento”. Dispõe a obra de Fernando da Costa Tourinho Filho, in Processo Penal, Editora Saraiva, vol.4, pág. 175: “(...) a sentença é uma declaração de vontade emitida pelo Juiz e, também, o resultado de uma atividade mental (cf. Derecho procesal civil, p.300) [...] A sentença, desse modo, não é apenas um ato de inteligência, um lavor intelectual, mas, também, um ato de vontade, porquanto ela exprime uma ordem que nada mais é senão aquela mesma ordem genérica, abstrata e hipotética, prevista na lei, que se transmuda em concreta.” E continua o jurista, as fls.176: “(...)A função da sentença é declarar o direito. Quando o Juiz procede a subsunção do fato à norma, aplicando o direito à espécie concreta, ele nada mais faz senão, por meio daquele procedimento de coordenação “já existente na dialética socrático-platônica e na lógica de Aristóteles” declarar o direito preexistente” De acordo com o exposto, assim é o entendimento do STF: “O Código Penal não estabelece rígidos esquemas matemáticos ou regras absolutamente objetivas para a fixação da pena. Cabe às circunstâncias ordinárias, mais próximas dos fatos e das provas, fixas as penas” (STF, HC, 139.717/AgR/SC, rel. Min. Dias Toffoli, 2ª Turma, j. em 30/05/2017). Cumpre ressaltar que a lei não fixa parâmetros aritméticos para a exasperação da pena-base ou para a aplicação de atenuantes e de agravantes, cabendo ao magistrado, utilizando-se da discricionariedade motivada e dos critérios de razoabilidade e proporcionalidade, fixar o patamar que melhor se amolde à espécie. No mesmo sentido é o Col. Superior Tribunal de Justiça - STJ: "a dosimetria da pena configura matéria restrita ao âmbito de certa discricionariedade do magistrado e é regulada pelos critérios da razoabilidade e da proporcionalidade, de modo que, não evidenciada nenhuma discrepância ou arbitrariedade na exasperação efetivada na primeira fase da dosimetria, deve ser mantida inalterada a pena-base aplicada" (AgRg no HC 343.128/MS, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 19/05/2016, DJe 31/05/2016). No caso dos autos, no tocante à culpabilidade, argumenta que a premeditação não pode ser utilizada para aumentar a pena a título de culpabilidade, por tratar-se da fase interna do iter criminis (cogitação). Quanto às circunstâncias do crime, alega que a decisão carece de fundamentação objetiva, concreta e vinculada. Contudo, após minuciosa análise da sentença recorrida, verifico que a valoração negativa de ambas as circunstâncias judiciais encontra-se devidamente fundamentada. Quanto à culpabilidade, a magistrada sentenciante assim fundamentou sua valoração negativa: "Revela a dinâmica dos fatos versados maior gravidade da conduta do réu, notadamente diante da premeditação empregada na execução do delito. Malgrado o delito tenha sido precedido de entrevero entre os protagonistas, no momento da consumação do homicídio os ânimos já estavam serenados. Não obstante, o réu deixou o bar na companhia da sua família, foi até sua residência buscar uma faca e retornou ao encontro da vítima, ocasião em que passou a golpeá-la em plena via pública." Ao contrário do que sustenta o apelante, a premeditação do crime pode sim ser considerada para a valoração negativa da culpabilidade, desde que demonstre maior censurabilidade da conduta do agente, o que ocorreu no caso em tela. O fato de o réu, após um desentendimento no qual os ânimos já haviam se acalmado, ter se retirado do local, ido até sua residência buscar uma arma, e retornado especificamente para ceifar a vida da vítima, revela maior reprovabilidade da conduta, justificando a exasperação da pena-base. A premeditação, nesses moldes, deixa de ser mera cogitação e passa a integrar um contexto de maior censurabilidade da conduta, que reflete diretamente na culpabilidade do agente. Trata-se de elemento concreto que evidencia o dolo direto, intenso e previamente formulado, demonstrando frieza e determinação na execução do crime. Nesse sentido é o entendimento deste Tribunal: "APELAÇÃO CRIMINAL – AMEAÇA E TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO [...] O planejamento prévio do crime demonstra a maior reprovabilidade da conduta e a prática das lesões e ameaças na frente dos filhos menores do casal são fundamentos idôneos a autorizar a avaliação desfavorável da culpabilidade e das circunstâncias do delito." (N.U 1003869-72.2022.8.11.0010, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, ORLANDO DE ALMEIDA PERRI, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 13/08/2024, Publicado no DJE 16/08/2024) Quanto às circunstâncias do crime, a fundamentação apresentada pela magistrada também se mostra idônea e concreta: "As circunstâncias do crime são desfavoráveis. Revela o Laudo de exame de Necropsia que a vítima foi atingida por múltiplos golpes de faca, nas seguintes regiões: 'peri-orbitária esquerda, malar esquerda, geniana esquerda e direita, mentoniana, cervical anterior em número de duas, infra-clavicular esquerda, hemitorax direito e esquerdo, região mamária esquerda e duas infra mamária esquerda, terço inferior do braço direito face anterior, hipocondrio esquerdo, inguinal esquerda, terço superior da coxa esquerda face anterior, cervical posterior, deltoidiana esquerda, dorsal esquerda em número de duas, dorsal direita, lombar esquerda, terço superior do antebraço esquerdo face posterior, as quais foram mais acentuadas na região cervical e tórax'. De acordo com o depoimento da testemunha Sérgio do Lago e Silva, a vítima teve o pescoço parcialmente 'degolado'. Fato é que ela foi esgorjada pelo réu. O excessivo número de golpes de faca efetuados contra a vítima, a maioria em região letal (cervical e tórax), exige o recrudescimento da pena-base." Destarte, é inquestionável que a extrema brutalidade empregada na execução do crime, caracterizada pelo excessivo número de golpes de faca desferidos contra a vítima, muitos dos quais em regiões vitais como o pescoço e o tórax, a ponto de provocar o seu esgorjamento, representa circunstância que extrapola a normalidade do tipo penal de homicídio e justifica a valoração negativa deste vetor. Como bem ressaltou a Ilustre Procuradora de Justiça em seu parecer: "O aumento da pena mostra-se devidamente justificado pela extrema brutalidade do crime, circunstância que foi destacada pela magistrada (Id. 228163777) e reiterada nas contrarrazões apresentadas pelo Ministério Público (Id. 228163791), logo, a fundamentação negativa dessa circunstância na dosimetria da pena-base apoia-se em elementos concretos, que demonstram a gravidade peculiar das ações cometidas pelo apelante." Este também é o entendimento jurisprudencial dominante: "A depreciação das circunstâncias do crime está motivada em elementos concretos ['multiplicidade de golpes desferidos contra a vítima, notadamente na região da face, os quais lhe causaram intenso sofrimento'], os quais não se afiguram inerentes ao tipo penal, de modo a autorizar o aumento da pena-base (STJ, HC nº 353.551/RS)." (N.U 0036428-13.2016.8.11.0042, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, MARCOS MACHADO, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 19/03/2024, Publicado no DJE 26/03/2024) Portanto, concluo que a valoração negativa da culpabilidade e das circunstâncias do crime encontra-se devidamente fundamentada em elementos concretos dos autos, que demonstram maior reprovabilidade da conduta e extrapolam a normalidade do tipo penal, justificando a exasperação da pena-base. Da fração utilizada para majoração da pena-base e redução pela atenuante da confissão espontânea Por fim, sustenta o apelante que, em caso de reconhecimento das circunstâncias judiciais negativas, deve ser aplicada a fração de 1/8 para cada vetor negativo, e não 1/6 como utilizado pela magistrada. Pugna, ainda, pelo reconhecimento da atenuante da confissão na fração de 1/6 sobre o quantum do intervalo da pena abstratamente cominada ou sobre o quantum da pena-base fixada. Entretanto, tais pleitos não comportam acolhimento. Como é sabido, não existe no ordenamento jurídico pátrio critério matemático fixo para a exasperação da pena-base em razão de circunstâncias judiciais negativas ou para o cálculo da redução decorrente de atenuantes. A determinação do quantum de aumento ou redução insere-se no âmbito da discricionariedade regrada do magistrado, desde que devidamente motivada e pautada pelos princípios da proporcionalidade e razoabilidade. Nesse sentido é o Enunciado n.º 39 da Turma de Câmaras Criminais Reunidas deste Tribunal: "Inexiste critério estritamente aritmético aplicável para fixação da pena-base, de modo que cada circunstância judicial pode ser valorada e quantificada de maneira distinta, por meio de juízo de discricionariedade, observando-se os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade." (TJMT, INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA Nº 101532/2015, Disponibilizado no DJE Edição nº 9998, de 11/04/2017, publicado em 12/04/2017). No mesmo sentido é a jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça: "O magistrado não está obrigado a seguir um critério matemático rígido, de modo que não há direito subjetivo do réu à adoção de alguma fração específica para cada circunstância judicial, seja ela de 1/6 sobre a pena-base, 1/8 do intervalo entre as penas mínima e máxima ou mesmo outro valor. Tais frações são parâmetros aceitos pela jurisprudência do STJ, mas não se revestem de caráter obrigatório, exigindo-se apenas que seja proporcional e devidamente justificado o critério utilizado pelas instâncias ordinárias." (STJ, AgRg nos EDcl no AREsp n. 2.436.138/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 21/11/2023, DJe de 27/11/2023) No caso em tela, a magistrada sentenciante, ao fixar a pena-base em 16 anos de reclusão (aumento de 4 anos em relação ao mínimo legal de 12 anos), considerou duas circunstâncias judiciais desfavoráveis (culpabilidade e circunstâncias do crime), aplicando, portanto, o acréscimo de 2 anos para cada vetor negativo. Esse critério revela-se razoável e proporcional, encontrando respaldo na jurisprudência deste Tribunal: "A existência de 4 (quatro) circunstâncias judiciais desfavoráveis justifica a exasperação da pena-base, em 2 (dois) anos para cada uma delas, sobretudo porque o c. STJ tem entendido proporcional a fração de 1/6 (um sexto) para cada vetor negativo (HC 505.435/SP)." (N.U 0036428-13.2016.8.11.0042, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, MARCOS MACHADO, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 19/03/2024, Publicado no DJE 26/03/2024) Da mesma forma, quanto à atenuante da confissão espontânea, a magistrada reconheceu sua incidência e reduziu a pena em 2 anos, fixando a pena intermediária em 14 anos de reclusão. Essa diminuição, embora não corresponda exatamente à fração pretendida pelo apelante, revela-se proporcional e adequada, não havendo motivos para sua modificação. Como bem observou o Ministério Público em suas contrarrazões: "Ora, é importante esclarecer que o juiz tem poder discricionário para fixar pena dentro da razoabilidade, respeitando os limites mínimo e máximo. Engessar o magistrado com parâmetros preestabelecidos, conforme pleiteia o apelante, é tirar do juiz o poder de individualizar a pena e aplicá-la de maneira justa ao delito praticado." A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça corrobora esse entendimento: "A dosimetria da pena está inserida no âmbito de discricionariedade do julgador, devendo estar atrelada ao caso concreto e às particularidades subjetivas do agente, só podendo ser revista em situações excepcionais." (STJ – AgRg no HC 620232/RS, Relator Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, Quinta Turma, julgado em 23/03/2021, DJe 05/04/2021) Portanto, não há razão para a modificação das frações utilizadas pela magistrada sentenciante, seja para a exasperação da pena-base, seja para a redução decorrente da atenuante da confissão espontânea, uma vez que os critérios adotados encontram-se dentro dos parâmetros de razoabilidade e em consonância com a jurisprudência consolidada. DO PREQUESTIONAMENTO Por fim, cumpre apreciar o pedido de prequestionamento formulado pela defesa para eventual interposição de recursos às instâncias superiores, especificamente quanto aos arts. 59, 65, 121, §2°, IV, todos do Código Penal, e art. 593, III, "c" e "d", do Código de Processo Penal. Considero devidamente prequestionados os referidos dispositivos legais, tendo em vista que a matéria foi suficientemente debatida no presente acórdão, com análise expressa acerca da qualificadora do recurso que dificultou a defesa da vítima (art. 121, §2°, IV, do CP), da valoração das circunstâncias judiciais na dosimetria da pena (art. 59 do CP), da incidência da atenuante da confissão espontânea (art. 65, III, "d", do CP) e dos limites do recurso de apelação contra decisão do Tribunal do Júri (art. 593, III, "c" e "d", do CPP). Ante o exposto, em consonância com o parecer ministerial, DESPROVEJO o recurso de apelação de Joadir Minervino de Magalhães, mantendo inalterada a sentença condenatória em todos os seus termos. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 15/07/2025
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