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Processo nº 0008585-22.2018.8.11.0004

ID: 260834103

Tribunal: TJMT Órgão: Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 0008585-22.2018.8.11.0004

Data de Disponibilização: 25/04/2025

Polo Ativo:

ALESSANDRO MATOS DO NASCIMENTO FRANCISCA MENEZES DA SILVA FREITAS MICHELLY MATOS DO NASCIMENTO POUSADA AGUAS DA SERRA LTDA

Polo Passivo:

Acórdão

Advogados:

DOMINGOS SAVIO DE SOUZA

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

GEICIMAR CAMPOS DUQUES

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO Número Único: 0008585-22.2018.8.11.0004 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Efeitos, Área de Preservação Perman… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO Número Único: 0008585-22.2018.8.11.0004 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Efeitos, Área de Preservação Permanente] Relator: Des(a). JOSE LUIZ LEITE LINDOTE Turma Julgadora: [DES(A). JOSE LUIZ LEITE LINDOTE, DES(A). HELENA MARIA BEZERRA RAMOS, DES(A). RODRIGO ROBERTO CURVO] Parte(s): [MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (APELADO), POUSADA AGUAS DA SERRA LTDA - CNPJ: 19.277.114/0001-01 (APELANTE), DOMINGOS SAVIO DE SOUZA - CPF: 487.816.221-04 (ADVOGADO), GEICIMAR CAMPOS DUQUES - CPF: 043.602.121-86 (ADVOGADO), ALESSANDRO MATOS DO NASCIMENTO - CPF: 570.623.741-72 (APELANTE), Michelly Matos do Nascimento (APELANTE), Francisca Menezes da Silva Freitas (APELANTE), MICHELLY MATOS DO NASCIMENTO - CPF: 024.062.811-08 (APELANTE), FRANCISCA MENEZES DA SILVA FREITAS - CPF: 260.932.941-53 (APELANTE), MUNICIPIO DE BARRA DO GARCAS - CNPJ: 03.439.239/0001-50 (TERCEIRO INTERESSADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (CUSTOS LEGIS)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). MARIA EROTIDES KNEIP, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO. E M E N T A DIREITO AMBIENTAL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONSTRUÇÃO IRREGULAR EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. MARGENS DO RIO ARAGUAIA. PRELIMINAR DE OFENSA AO PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA. REJEIÇÃO. LEGISLAÇÃO MUNICIPAL QUE REDUZ FAIXA DE PROTEÇÃO. INAPLICABILIDADE. PREVALÊNCIA DO CÓDIGO FLORESTAL. DEMOLIÇÃO E RECUPERAÇÃO DA ÁREA DEGRADADA. RECURSO DESPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA. I. Caso Em Exame 1. Apelação Cível interposta por Alessandro Matos do Nascimento, Pousada Águas da Serra Ltda – ME, Michelly Matos do Nascimento e Francisca Menezes da Silva Freitas contra sentença da Vara Especializada do Meio Ambiente da Comarca de Barra do Garças/MT, que julgou parcialmente procedente Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso. A ação visava à responsabilização dos apelantes pela construção irregular de imóvel residencial em Área de Preservação Permanente (APP), às margens do Rio Araguaia, sem autorização ambiental. A sentença condenou os réus à demolição do imóvel, à apresentação de Plano de Recuperação de Área Degradada (PRAD) e ao pagamento de indenização por danos morais coletivos no valor de R$ 212.692,00. II. Questão Em Discussão 2. Há quatro questões em discussão: (i) definir se houve violação ao princípio da congruência em razão da condenação por danos morais coletivos; (ii) estabelecer se a legislação municipal pode reduzir a faixa de preservação permanente em área urbana consolidada em desconformidade com o Código Florestal; (iii) verificar se a Regularização Fundiária Urbana (Reurb) autoriza a ocupação de Área de Preservação Permanente; (iv) avaliar a legalidade da determinação de demolição da construção irregular. III. Razões De Decidir 3. “O provimento judicial está adstrito, não somente ao pedido formulado pela parte na inicial, mas também à causa de pedir, que, segundo a teoria da substanciação, adotada pela nossa legislação processual, é delimitada pelos fatos narrados na petição inicial.” (STJ - REsp: 1169755 RJ 2009/0239120-0). 4. O Código Florestal (Lei nº 12.651/2012) prevalece sobre normas municipais, nos termos do Tema 1010 do STJ, sendo obrigatória a observância do limite de 100 metros de preservação para cursos d'água com largura entre 50 e 200 metros. 5. A regularização fundiária não autoriza a degradação ambiental, e a existência de infraestrutura urbana na área não descaracteriza sua condição de APP nem mitiga as restrições ambientais incidentes sobre ela. 6. O direito à moradia não se sobrepõe ao direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, especialmente em área de preservação permanente. 7. A demolição de edificações construídas ilegalmente em APP é medida necessária para garantir a reparação ambiental, sendo consequência direta do artigo 225 da Constituição Federal e do Código Florestal. Frisa-se que o STJ entende que edificações irregulares em APP devem ser removidas, com a restauração da área degradada. IV. DISPOSITIVO E TESE 8. Preliminar rejeitada. Recurso desprovido. Tese de julgamento: 1. A parte autora delimita o objeto da lide mediante a exposição da causa de pedir e a formulação do pedido. Neste viés, necessário que o magistrado efetue análise lógico-sistemática da petição inicial para identificar a real pretensão deduzida em juízo. 2. O Código Florestal (Lei nº 12.651/2012) prevalece sobre normas municipais na definição da faixa de preservação permanente, inclusive em áreas urbanas consolidadas. 3. O direito à moradia não prevalece sobre a obrigação de preservar áreas ambientalmente protegidas. 4. A demolição de edificações construídas irregularmente em Áreas de Preservação Permanente é medida legítima para garantir a reparação do dano ambiental e evitar a perpetuação da degradação. 5. A Regularização Fundiária Urbana (Reurb) não exclui a incidência das normas de proteção ambiental estabelecidas pelo Código Florestal. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, arts. 6º e 225; Lei nº 12.651/2012 (Código Florestal), art. 4º, I, “c”; Lei nº 13.465/2017, art. 9º; CPC, art. 492. Jurisprudência relevante citada: STJ, Tema 1010, REsp 1770967/SC, Rel. Min. Benedito Gonçalves, j. 28.04.2021; STJ, Enunciado 613 da Súmula; STJ, AgInt no REsp 2080637/SP, Rel. Min. Francisco Falcão, j. 13.11.2023. R E L A T Ó R I O EXMO. SR. DES. JOSÉ LUIZ LEITE LINDOTE Egrégia Câmara: Trata-se de Apelação Cível interposta por Alessandro Matos do Nascimento, Pousada Águas da Serra Ltda – ME, Michelly Matos do Nascimento e Francisca Menezes da Silva Freitas em face da sentença proferida pelo Juízo da Vara Especializada do Meio Ambiente da Comarca de Barra do Garças/MT, que julgou parcialmente procedente a Ação Civil Pública de Obrigação de Fazer, Não Fazer e Pagar c/c Pedido de Tutela Provisória de Urgência, ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso, visando à responsabilização dos Apelantes pela construção irregular de imóvel residencial em Área de Preservação Permanente (APP), às margens do Rio Araguaia, sem a devida autorização ambiental. A sentença recorrida julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais reivindicados pelo Ministério Público, nos termos a seguir transcritos: “[...] DISPOSITIVO Frente a todo exposto e com esteio no artigo 487, I, do CPC, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos iniciais do Ministério Público para: a) CONDENAR os requeridos Alessandro Matos do Nascimento e Francisca Menezes da Silva Freitas, solidariamente, na obrigação de fazer consistente em promover, no prazo de 90 (noventa dias), a demolição e remoção das instalações/edificações no imóvel de matrícula nº 40.990. O descumprimento desta determinação e desrespeito, injustificado, ao prazo, culminará em multa no importe de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), sem prejuízos de ser doravante majorada e adotadas novas medidas executivas; b) CONDENAR os requeridos Alessandro Matos do Nascimento e Francisca Menezes da Silva Freitas, solidariamente, na obrigação de fazer consistente na apresentação do Plano de Recuperação de Área Degrada (PRAD), no prazo de 90 (noventa) dias a partir da materialização da demolição, sob pena de multa diária no importe de R$ 200,00 (duzentos reais); c) CONDENAR os requeridos Alessandro Matos do Nascimento, Francisca Menezes da Silva Freitas, Michelly Matos do Nascimento e Pousada Aguas da Serra, solidariamente, em indenização por danos morais coletivos pelo desmatamento no montante de R$ 212.692,00 (duzentos e doze mil, seiscentos e noventa e dois reais),, corrigido monetariamente pelo INPC da data desta decisão e sobre o qual devem incidir juros de 1% ao mês a contar do evento danoso. Os valores resultantes das condenações deverão ser revertidos às associações cadastradas no Juizado Especial de Barra do Garças, em conformidade com o edital nº 01/2023/GAB (disponível nos autos 1000862-90.2022.8.11.0004).[...]” Irresignados, os Apelantes interpuseram recurso de apelação, sustentando, em suma, que o imóvel em questão foi edificado em área urbana consolidada, devidamente regularizada pelo Município de Barra do Garças, não se caracterizando, portanto, como Área de Preservação Permanente. Alegam, ainda, que a legislação municipal vigente (Lei nº 3.944/2018), respaldada pela Lei Federal nº 13.465/2017, estabelece que, em perímetros urbanos consolidados, a faixa de preservação deve corresponder a 15 metros e não a 100 metros, como dispõe o Código Florestal. Argumentam, ainda, que não houve qualquer dano ambiental, visto que o imóvel foi edificado em área previamente antropizada, dotada de infraestrutura urbana básica, incluindo rede de abastecimento de água, sistema de esgotamento sanitário, pavimentação e iluminação pública. Sustentam que a SEMA/MT autorizou anteriormente a construção de um empreendimento hoteleiro no local, situação comprovada pelas Licenças Prévia e de Instalação nº 306145/2015 e 64874/2015 obra esta com maior potencial de impacto ambiental. Asseveram que a ordem de demolição viola os princípios da razoabilidade, proporcionalidade e legalidade. Descrevem que na residência vivem a família do Apelante, quais sejam: Francisca Menezes da Silva, seu esposo Divino Augusto de Freitas e o filho do casal Wanberdeen Parreira Menezes, pessoa incapaz e submetida à curatela. Invocam o direito fundamental à moradia e a dignidade humana, com base na Declaração Universal dos Direitos do Homem, o art. 6º e 225 da Constituição Federal. Em contramão, o Ministério Público, apresentou contrarrazões pugnando pelo desprovimento do recurso, argumentando que a construção foi realizada em Área de Preservação Permanente, em desconformidade com os limites dispostos no art. 4º do Código Florestal (Lei nº 12.651/2012), que prevê faixa mínima de 100 metros para cursos d’água com largura entre 50 e 200 metros. Ressalta que a edificação foi construída sem as devidas licenças ambientais e que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, por meio do Tema Repetitivo 1.010 e do Enunciado nº 613, veda a aplicação da teoria do fato consumado em matéria ambiental, impedindo a regularização de construções ilegais em áreas especialmente protegidas. A Procuradoria-Geral de Justiça opinou em seu parecer pelo provimento parcial do recurso. Pontou, preliminar de ofensa ao princípio da congruência ou da correlação, requerendo o afastamento, da condenação por danos morais coletivos, por ausência de pedido específico na inicial, em observância ao princípio da congruência processual previsto no art. 492 do CPC. Outrossim, o órgão ministerial considerou que, embora tenha havido construção sem licenças adequadas em área de APP, o local se encontra em zona urbana consolidada, com infraestrutura urbana e diversas outras construções em situação similar, sendo desproporcional a ordem de demolição efetivada. Contudo, manteve a necessidade de apresentação do PRAD (Plano de Regularização de Área Degradada) para toda a extensão da APP, especialmente na faixa de 62,24 m² entre o imóvel e a margem do Rio Araguaia e 100 metros do curso d’água para o restante da residência. Custas e preparo recursal efetivados, conforme Id. 232058171. É o relatório. Desembargador JOSÉ LUIZ LEITE LINDOTE Relator V O T O R E L A T O R Egrégia Câmara: DO JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE Considerando a necessidade de apreciar as questões arguidas preliminarmente antes de adentrar no mérito recursal, postergo, por ora, a análise quanto à admissibilidade da apelação, reservando-me a fazê-la oportunamente, após o enfrentamento das matérias suscitadas. DA PRELIMINAR DE OFENSA AO PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA OU DA CORRELAÇÃO Remetidos os autos à Procuradoria-Geral de Justiça, manifestou-se o órgão ministerial, pelo afastamento da condenação dos Apelantes ao pagamento de danos morais coletivos, porquanto não haveria pedido expresso na petição inicial da Ação Civil Pública, fato que violaria o princípio da congruência previsto no artigo 492 do Código de Processo Civil (Id. 246384651 – pdf. 07). Contudo, tal alegação não merece prosperar. De acordo com o Superior Tribunal de Justiça “[...] O provimento judicial está adstrito, não somente ao pedido formulado pela parte na inicial, mas também à causa de pedir, que, segundo a teoria da substanciação, adotada pela nossa legislação processual, é delimitada pelos fatos narrados na petição inicial .[...]” (STJ - REsp: 1169755 RJ 2009/0239120-0). A análise dos autos demonstra que, embora o pedido de condenação por danos morais coletivos não tenha sido formulado expressamente no rol de pedidos da petição inicial, ele está contido na causa de pedir, na qual o autor, ao longo de 04 (quatro) laudas, expõe os fatos, fundamenta a ocorrência do dano ambiental e sustenta a necessidade de responsabilização dos réus. A seguir transcrevo trecho relevante: “[...] III.4) - DA INDENIZAÇÃO PECUNIÁRIA EM DECORRÊNCIA DOS DANOS CAUSADOS EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE [...] Dessa forma, o STJ reformulou seu posicionamento, inclusive para assentar que a indenização corresponde a um verdadeiro dano moral coletivo, abarcando o dano causado no passado e o tempo exigido para recuperação da área no futuro: ‘Hipótese em que o Tribunal de origem determinou as medidas específicas para reparar e prevenir os danos ambientais, mediante a regularização do loteamento, mas negou provimento ao pedido de ressarcimento de dano moral coletivo A reparação ambiental deve ser plena. A condenação a recuperar a área danificada não afasta o dever de indenizar, alcançando o dano moral coletivo e o dano residual." (STJ - REsp 1410698/MG, Rel. Ministro Humberto Martins, Dl 06/09/2017).’ [...] Portanto, de acordo com a moderna posição do Superior Tribunal de Justiça, "a responsabilidade civil ambiental deve ser compreendida o mais amplamente possível, de modo que a condenação a recuperar a área prejudicada não exclua o dever de indenizar" (Resp na 1198727/MG, Relator Ministro Herman Benjamin). Dessa forma, imperiosa a condenação dos requeridos, de forma solidária (STJ - REsp 771619/RR), ao pagamento de indenização pelos danos causados pela degradação de 2.126,92 m² de área de preservação permanente, cumulada com as demais sanções cabíveis. [...]”. (Id. 230858787 – pdf. 35/37). Oportuno citar precedente deste E. Tribunal: “[...] APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C NULIDADE CONTRATUAL E RESTITUIÇÃO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – JULGAMENTO EXTRA PETITA – NÃO OCORRÊNCIA – INTERPRETAÇÃO LÓGICO-SISTEMÁTICA DA PETIÇÃO INICIAL – RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. Ao julgador compete a interpretação lógico-sistemática do pedido formulado na Exordial a partir de uma análise de todo o seu conteúdo, mas não apenas da parte da petição destinada aos requerimentos finais, bem como analisar as matérias de ordem pública. (TJ-MT - APELAÇÃO CÍVEL: 1030377-25.2023 .8.11.0041, Relator.: NÃO INFORMADO, Data de Julgamento: 28/02/2024, Terceira Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 04/03/2024) [...]” [g.n.] “[...] RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL COM REMESSA NECESSÁRIA – OBRIGAÇÃO DE FAZER – REABERTURA DE INQUÉRITO POLICIAL - RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR OMISSÃO – CUMULAÇÃO DE PEDIDOS - INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL – IRRESIGNAÇÃO RECURSAL PARA PROSSEGUIMENTO DA AÇÃO QUANTO AOS DEMAIS PEDIDOS FORMULADOS - INTERPRETAÇÃO LÓGICO-SISTEMÁTICA DO PEDIDO – IMPOSSIBILIDADE – CONSTRUÇÃO DA CAUSA DE PEDIR TORNANDO EVIDENTE A INTENÇÃO DA AUTORA EM VINCULAR O PEDIDO INDENIZATÓRIO A OBRIGAÇÃO DE FAZER - RECURSO DESPROVIDO - SENTENÇA MANTIDA - 1. Quem define o objeto da lide é a parte autora, por meio do pedido e da causa de pedir. Inobstante, o advento do atual CPC trouxe ao ordenamento jurídico brasileiro a intepretação lógico-sistemática do pedido, demandando ao magistrado que, ao apreciar a petição inicial da ação, considere o conjunto da postulação e dele extraia aquilo que a parte efetivamente pretende obter com a demanda.[...] (N.U 1002364-35.2021.8.11.0025, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO, GRACIEMA RIBEIRO DE CARAVELLAS, Segunda Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 28/02/2023, Publicado no DJE 14/03/2023) [...]” Diante do exposto, não há que se cogitar violação ao princípio da congruência, tampouco a exclusão da condenação imposta, uma vez que a reparação dos danos morais coletivos decorre diretamente dos fatos e fundamentos jurídicos articulados na petição inicial. Diante do exposto, REJEITO a preambular formulada. DO MÉRITO RECURSAL De início, reconheço presentes os pressupostos de admissibilidade, o que justifica o conhecimento do recurso. Conforme relatado, trata-se de Apelação Cível interposta por Alessandro Matos do Nascimento, Pousada Águas da Serra Ltda – ME, Michelly Matos do Nascimento e Francisca Menezes da Silva Freitas em face da sentença proferida pelo Juízo da Vara Especializada do Meio Ambiente da Comarca de Barra do Garças/MT, que julgou parcialmente procedente a Ação Civil Pública de Obrigação de Fazer, Não Fazer e Pagar c/c Pedido de Tutela Provisória de Urgência, ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso, visando à responsabilização dos Apelantes pela construção irregular de imóvel residencial em Área de Preservação Permanente (APP), às margens do Rio Araguaia, sem a devida autorização ambiental. Nas informações prestadas na origem, extrai-se que o Ministério Público (Id. 230858787) mediante prévia instauração de Inquérito Civil n.º 129/2017 com o propósito de investigar a instalação irregular de um empreendimento turístico na área de preservação permanente (APP) situada às margens do Rio Araguaia, no município de Barra do Garças. Relata a parte autora que foi concedida Licença Prévia n.º 306145/2015 e Licença de Instalação n.º 64874/2015, emitidas pela Secretaria do Meio Ambiente (SEMA) autorizando a construção da Pousada Águas da Serra. Outrossim, a Secretaria Municipal de Viação, Obras e Serviços Públicos expediu o Alvará de Licença para Construção n.º 271/2014 em favor dos demandados. No entanto, assinala o órgão ministerial que foi edificado no local um imóvel residencial em desconformidade com o licenciamento concedido, foi erguida uma edificação residencial no local. A sentença recorrida julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais reivindicados pelo Ministério Público, nos termos a seguir transcritos: “[...] DISPOSITIVO Frente a todo exposto e com esteio no artigo 487, I, do CPC, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos iniciais do Ministério Público para: a) CONDENAR os requeridos Alessandro Matos do Nascimento e Francisca Menezes da Silva Freitas, solidariamente, na obrigação de fazer consistente em promover, no prazo de 90 (noventa dias), a demolição e remoção das instalações/edificações no imóvel de matrícula nº 40.990. O descumprimento desta determinação e desrespeito, injustificado, ao prazo, culminará em multa no importe de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), sem prejuízos de ser doravante majorada e adotadas novas medidas executivas; b) CONDENAR os requeridos Alessandro Matos do Nascimento e Francisca Menezes da Silva Freitas, solidariamente, na obrigação de fazer consistente na apresentação do Plano de Recuperação de Área Degrada (PRAD), no prazo de 90 (noventa) dias a partir da materialização da demolição, sob pena de multa diária no importe de R$ 200,00 (duzentos reais); c) CONDENAR os requeridos Alessandro Matos do Nascimento, Francisca Menezes da Silva Freitas, Michelly Matos do Nascimento e Pousada Aguas da Serra, solidariamente, em indenização por danos morais coletivos pelo desmatamento no montante de R$ 212.692,00 (duzentos e doze mil, seiscentos e noventa e dois reais),, corrigido monetariamente pelo INPC da data desta decisão e sobre o qual devem incidir juros de 1% ao mês a contar do evento danoso. Os valores resultantes das condenações deverão ser revertidos às associações cadastradas no Juizado Especial de Barra do Garças, em conformidade com o edital nº 01/2023/GAB (disponível nos autos 1000862-90.2022.8.11.0004).[...]” Inconformados, os recorrentes interpuseram recurso de apelação cível afirmando, em suma, que “[...] o imóvel residencial em comento, objeto do presente feito, foi posteriormente regularizado junto ao Município de Barra do Garças, e isto se deu pelo fato de não ter restado comprovado qualquer dano ambiental na área da construção; até mesmo porque a Lei nº 12.651/12, com alteração dada pela Lei nº 13.465/2017, estabelece que, em caso de Regularização Fundiária, os limites de área não edificável ao longo dos rios ou de qualquer curso d’água é de 15 (quinze) metros de cada lado. (Id. 230860191 – pdf. 08). Pontuam que “[...] a SEMA/MT já havia autorizado [...] a construção de um empreendimento hoteleiro no local. Ou seja, uma obra infinitamente mais gravosa ao meio ambiente já havia sido autorizada pela SEMA/MT [...], conforme se faz prova pelas Licença Prévia e de Instalação nº 306145/2015 e 64874/2015 em anexo, e que já foi apresentado aos autos principais. Ora Excelência, com a devida vênia, se pode construir uma obra que causa alto impacto ambiental, qual a razão de não se poder construir uma simples residência que, conforme se comprova nos autos, não causa impacto algum ao meio ambiente? [...]” (Id. 230860191 – pdf. 12). Requerem a aplicação da legislação municipal que trata das áreas de preservação permanente no entorno de cursos d’água em áreas urbanas consolidadas, alegando que “[...] a Lei Municipal nº 4.376/2022 (em anexo) estabelece que a faixa de APP em área urbana consolidada é de 15 metros, e não mais de 100 metros como preceitua a legislação federal. [...]”. (Id. 230860191 – pdf. 22). Alegam que “[...] Conforme se observa, os referidos laudos demonstram de forma clara que à época (2003) toda a extensão da área em comento já havia sido antropizada, ou seja, resta estreme de dúvida se tratar de área consolidada. [...]”. (Id. 230860191 – pdf. 23). Pois bem. Em análise acurada aos elementos e circunstâncias que envolvem a controvérsia, tenho que o recurso não merece provimento, como passo a pontuar. No tocante as áreas de preservação permanente a legislação vigente impõe ao proprietário, ao possuidor e a qualquer ocupante, independentemente do título que detenham sobre o imóvel, o dever de conservar a vegetação nativa, sob pena de serem compelidos a promover sua recomposição, conforme preceitua o artigo 7º da Lei n.º 12.651/2012. Tal imposição reforça o caráter inderrogável da proteção ambiental, estampada no contexto constitucional em seu art. 225: “[...] Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações. [...]” O Código Florestal, instituído pela Lei n.º 12.651/2012, dispõe expressamente, em seu artigo 4º, inciso I, alínea "c", que são consideradas Áreas de Preservação Permanente as faixas marginais de qualquer curso d’água natural perene ou intermitente, estabelecendo o limite mínimo de 100 metros para cursos d’água com largura entre 50 e 200 metros, in verbis: “[...] Art. 4º Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei: I - as faixas marginais de qualquer curso d’água natural perene e intermitente, excluídos os efêmeros, desde a borda da calha do leito regular, em largura mínima de: [...] c) 100 (cem) metros, para os cursos d’água que tenham de 50 (cinquenta) a 200 (duzentos) metros de largura; [...]” Na esteira do entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça, em seu Tema 1010, “[...] Na vigência do novo Código Florestal (Lei n. 12.651/2012), a extensão não edificável nas Áreas de Preservação Permanente de qualquer curso d'água, perene ou intermitente, em trechos caracterizados como área urbana consolidada, deve respeitar o que disciplinado pelo seu art. 4º, caput, inciso I, alíneas a, b, c, d e e, a fim de assegurar a mais ampla garantia ambiental a esses espaços territoriais especialmente protegidos e, por conseguinte, à coletividade. [...]”. Nesta senda, não merece prosperar a alegação dos Apelantes de que a edificação possuía prévia autorização da Secretaria de Estado do Meio Ambiente (SEMA), uma vez que“[...] devidamente constatada a edificação, em área de preservação permanente, a concessão de licenciamento ambiental, por si só, não afasta a responsabilidade pela reparação do dano causado ao meio ambiente, mormente quando reconhecida a ilegalidade do aludido ato administrativo, como na hipótese.[...]”. (STJ - AgInt nos EDcl no AREsp 359.140/MS, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/12/2017, DJe 15/12/2017). In casu, restou devidamente comprovada a degradação ambiental, consistente na edificação irregular de residência em Área de Preservação Permanente (APP) nas margens do Rio Araguaia, pois considerando que a largura do Rio Araguaia, no trecho objeto da lide, atinge aproximadamente 194 metros (cento e noventa e quatro metros) (fl. 53-v), impõe-se a observância do limite mínimo de 100 (cem) metros de faixa marginal para cursos d’água com largura entre 50 (cinquenta) e 200 (duzentos) metros, conforme expressamente determinado pelo artigo 4º, inciso I, alínea "c", da Lei n.º 12.651/2012. À luz do exposto, revela-se inequívoca a necessidade de aplicação do referido regramento, afastando qualquer pretensão de edificação em desacordo com a norma ambiental vigente. Ademais, quanto a existência de área urbana consolidada no local, tem-se que este fato, por si só, não desqualifica a área como APP "[...] e tampouco mitiga as restrições ambientais incidentes sobre ela. [...]”, neste contexto, "[...] os comandos legais que autorizam a exploração antrópica das Áreas de Preservação Permanente devem ser interpretados restritivamente, sob pena de colocar em risco o equilíbrio ambiental, comprometendo a sobrevivência das presentes e futuras gerações [...]" (STJ - AgInt nos EDcl no AREsp: 2111836 SC 2022/0114346-5; STJ - AgInt no REsp n. 1 .800.773/SC). Superada esta análise passo ao da tese relacionada ao exame da Regularização Fundiária Urbana (Reurb) no caso em comento. Mister ressaltar que tal instituto tem por finalidade a adoção de medidas para incorporar núcleos urbanos informais ao ordenamento legal, bem como estabelecer a titulação aos ocupantes, a teor do que dispõe o art. 9º, “caput”, da Lei Federal nº 13.465/17, in verbis: “[...] Art. 9º Ficam instituídas no território nacional normas gerais e procedimentos aplicáveis à Regularização Fundiária Urbana (Reurb), a qual abrange medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais destinadas à incorporação dos núcleos urbanos informais ao ordenamento territorial urbano e à titulação de seus ocupantes. [...]” Nestes termos, a regularização fundiária consiste, em linhas gerais, conceder a titulação de imóveis irregulares aos seus ocupantes. Desta feita, não há qualquer dúvida acerca da titularidade do imóvel em questão, pois da análise da matrícula de nº 40.990 do Cartório do 1º Ofício de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos de Barra do Garças/MT, é possível concluir que o bem está gravado com alienação fiduciária em nome do devedor/fiduciante Alessandro Matos do Nascimento e de sua esposa Dymilla Francyella Freitas Menezes, havendo como Credora Fiduciária a Caixa Econômica Federal, conforme se infere no Id. 230858790 – pdf. 38/40. Em precedente análogo, este E. Tribunal firmou entendimento idêntico. A seguir, colaciono: “[...] RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL – PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO POR AUSÊNCIA DE PREPARO – REJEIÇÃO – MÉRITO – CONSTRUÇÃO DE IMÓVEL EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE – REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA – IMÓVEL COM TITULARIZAÇÃO CERTA – COMPROVAÇÃO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL E ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE POR MEIO DE PROVA DOCUMENTAL – CONFRONTAÇÃO ENTRE DIREITO SOCIAL À MORADIA E MEIO AMBIENTE – PREVALÊNCIA DO INTERESSE PÚBLICO PRIMÁRIO DO MEIO AMBIENTE – RECURSO DESPROVIDO. 1. Preliminar de não conhecimento do recurso, por ausência de recolhimento de preparo. 2 . A concessão da justiça gratuita compreende, entre outros atos processuais, as taxas judiciais e os depósitos para interposição de recursos, a teor do que dispõe o art. 98, § 1º, I e VIII, do CPC. 3. Sendo os Recorrentes beneficiários de justiça gratuita, não há falar em inadmissibilidade ou deserção recursal por ausência de preparo . 4. Preliminar rejeitada. 5. Mérito . 6. O fato do imóvel objeto de questionamento ser área regularizada é irrelevante para o deslinde da causa, haja vista que a regularização visa (nos termos da lei) a adoção de medidas para incorporar núcleos urbanos informais ao ordenamento legal, bem como estabelecer a titulação aos ocupantes, a teor do que dispõe o art. 9º, “caput”, da Lei Federal nº 13.465/17 . 7. O fato do imóvel encontrar-se regularizado não significa que o possuidor tem o direito de praticar danos ambientais, mormente em se tratando de imóvel localizado em área de preservação permanente. 8. O direito social à moradia, ainda que constitucionalmente previsto, não possui caráter absoluto, especialmente se confrontado com a necessidade de preservação do patrimônio público e do meio ambiente ecologicamente equilibrado, mormente em se tratando de área de preservação permanente, a qual deveria estar intacta, de forma a manter e atender o interesse de toda a coletividade e não somente ao direito individual, ainda que atinja um grupo determinado de pessoas . 9. Recurso desprovido. (TJ-MT - APELAÇÃO CÍVEL: 0000297-84.2014 .8.11.0082, Relator.: MARIA EROTIDES KNEIP, Data de Julgamento: 11/03/2024, Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo, Data de Publicação: 20/03/2024) [...]; . [g.n.] Isto posto, não assiste razão aos Recorrentes quanto a argumentação firmada. Aduzem os Apelantes que “[...] apenas por amor ao debate, mesmo ciente que o caso em tela não se trata de dano ambiental, há que se ponderar o fato de que, no que tange às áreas de APPs localizadas em áreas urbanas, há que prevalecer as regras da Lei nº 6.766/79 – Lei do parcelamento do solo. Ou seja, no caso em tela, por se tratar de área urbana, o limite de APP a se observar no presente caso é de 15 (quinze) metros, e não de 100 (cem) metros, conforme determina o Código Florestal. [...]” (Id. 230860191 – pdf. 23). Cediço o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça acerca do tema, eis que versando sobre Área de Preservação Permanente (APP), deve-se prevalecer a aplicação do Código Florestal (Lei n.º 12.651/2012) em detrimento da Lei de Parcelamento do Solo Urbano (Lei n.º 6.766/1979). Nas palavras do Exmo. Sr. Ministro Benedito Gonçalves: “[...] exsurge inarredável que a norma inserta no novo Código Florestal (art. 4º, caput, inciso I), ao prever medidas mínimas superiores para as faixas marginais de qualquer curso d’água natural perene e intermitente, sendo especial e específica para o caso em face do art. 4º, III, da Lei n. 6.766/1976, é a que deve reger a proteção das APPs ciliares ou ripárias em áreas urbanas consolidadas, espaços territoriais especialmente protegidos (art. 225, III, da CF/1988), que não se condicionam a fronteiras entre o meio rural e urbano.[...]”. (STJ - REsp: 1770967 SC 2018/0263730-5). Pertinente, portanto, a transcrição da ementa do referido julgado: “[...] RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. AMBIENTAL. CONTROVÉRSIA A ESPEITO DA INCIDÊNCIA DO ART. 4º, I, DA LEI N . 12.651/2012 (NOVO CÓDIGO FLORESTAL) OU DO ART. 4º, CAPUT, III, DA LEI N. 6 .766/1979 (LEI DE PARCELAMENTO DO SOLO URBANO). DELIMITAÇÃO DA EXTENSÃO DA FAIXA NÃO EDIFICÁVEL A PARTIR DAS MARGENS DE CURSOS D'ÁGUA NATURAIS EM TRECHOS CARACTERIZADOS COMO ÁREA URBANA CONSOLIDADA. [...] 7. Exsurge inarredável que a norma inserta no novo Código Florestal (art . 4º, caput, inciso I), ao prever medidas mínimas superiores para as faixas marginais de qualquer curso d'água natural perene e intermitente, sendo especial e específica para o caso em face do previsto no art. 4º, III, da Lei n. 6.766/1976, é a que deve reger a proteção das APPs ciliares ou ripárias em áreas urbanas consolidadas, espaços territoriais especialmente protegidos (art . 225, III, da CF/1988), que não se condicionam a fronteiras entre o meio rural e o urbano. 8. A superveniência da Lei n. 13 .913, de 25 de novembro de 2019, que suprimiu a expressão "[...] salvo maiores exigências da legislação específica." do inciso III do art. 4º da Lei n. 6 .766/1976, não afasta a aplicação do art. 4º, caput, e I, da Lei n. 12.651/2012 às áreas urbanas de ocupação consolidada, pois, pelo critério da especialidade, esse normativo do novo Código Florestal é o que garante a mais ampla proteção ao meio ambiente, em áreas urbana e rural, e à coletividade . 9. Tese fixada - Tema 1010/STJ: Na vigência do novo Código Florestal (Lei n. 12.651/2012), a extensão não edificável nas Áreas de Preservação Permanente de qualquer curso d'água, perene ou intermitente, em trechos caracterizados como área urbana consolidada, deve respeitar o que disciplinado pelo seu art . 4º, caput, inciso I, alíneas a, b, c, d e e, a fim de assegurar a mais ampla garantia ambiental a esses espaços territoriais especialmente protegidos e, por conseguinte, à coletividade. 10. Recurso especial conhecido e provido. 11 . Acórdão sujeito ao regime previsto no art. 1.036 e seguintes do CPC/2015. (STJ - REsp: 1770967 SC 2018/0263730-5, Relator.: Ministro BENEDITO GONÇALVES, Data de Julgamento: 28/04/2021, S1 - PRIMEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 10/05/2021). [...]” [g.n.] Com efeito, verifica-se que, em conformidade com o posicionamento firmado pela Corte Superior, não há que se cogitar a incidência da Lei de Parcelamento de Solo Urbano (Lei. 6.766/1979) na espécie. Em adição, pleiteiam os apelantes o afastamento da penalidade de demolição, prevista na legislação ambiental, sob a alegação de que sua imposição configuraria violação aos princípios da legalidade, razoabilidade e proporcionalidade. (Id. 230860191- pdf. 28). No mesmo sentido, alegam que deve prevalecer, no caso em tela, o direito à moradia em detrimento do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (Id. 230860191- pdf. 33). O Superior Tribunal de Justiça elucida que “[...] a edificação promovida em área de preservação permanente é ilegal e deve ser demolida, com a consequente recuperação da área degradada. [...]”. (STJ - AgInt no REsp: 2080637 SP 2023/0213909-8, Relator.: Ministro FRANCISCO FALCÃO, Data de Julgamento: 13/11/2023, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 16/11/2023). Assim, não se deve conceber que o direito à moradia digna possa se sobrepor ao meio ambiente, de modo a se permitir a degradação ambiental. A propósito, cito julgados deste Sodalício: “[...] RECURSO DE APELAÇÃO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL – ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE - DESOCUPAÇÃO E DEMOLIÇÃO DE CONSTRUÇÃO REALIZADA EM DOMÍNIO PÚBLICO - DEGRADAÇÃO AMBIENTAL - CONFIGURAÇÃO - DESAFETAÇÃO DA ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE - ATO ADMINISTRATIVO - IMPOSSIBILIDADE DE INGERÊNCIA DO PODER JUDICIÁRIO NO MÉRITO ADMINISTRATIVO - CONTROLE EXCLUSIVO DE LEGALIDADE - OFENSA AO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE - NÃO CARACTERIZAÇÃO - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO. 1. A desafetação é ato tipicamente político da administração, de forma que, não se revela possível a ingerência judicial quanto aos critérios de conveniência e oportunidade para a implementação de desafetação em área de preservação permanente de domínio público, sob pena de ofensa ao princípio da separação dos poderes. 2. O direito à moradia, particular, não se sobrepõe à garantia de proteção ao meio ambiente, de interesse público. 3. O direito social fundamental à moradia adequada deve ser reconhecido dentro da perspectiva de sustentabilidade ambiental, porquanto para o reconhecimento da dignidade humana, o local da moradia há de ser ecologicamente equilibrado, com condições mínimas de habitabilidade, segurança, saneamento e equipamentos urbanos básicos”. (N.U 0001324-15.2008.8.11.0082, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO, AGAMENON ALCANTARA MORENO JUNIOR, Segunda Câmara de Direito Público e Coletivo, j. em 26/07/2022, Publicado no DJE 06/08/2022) [...]” [g.n] “[...] RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA - OCUPAÇÃO IRREGULAR EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE - PROCEDÊNCIA DO PEDIDO NA ORIGEM - DETERMINAÇÃO DE DESOCUPAÇÃO E DEMOLIÇÃO DAS CONSTRUÇÕES - ADEQUAÇÃO ÁREA OBJETO DE ACORDO JÁ HOMOLOGADO EM OUTRA AÇÃO CIVIL PÚBLICA PARA, DENTRE OUTRAS OBRIGAÇÕES, A RETIRADA DE MORADORES EM AREA DE RISCO - RECURSO DESPROVIDO - DECISÃO MANTIDA. 1. Apurado pelo Poder Público que a construção do imóvel extrapolou os limites edificáveis, invadindo área de preservação permanente, cabível a demolição da edificação irregular para preservar o meio ambiente. 2. O direito à moradia particular não se sobrepõe à garantia de proteção ao meio ambiente, de interesse público. Sem que tenha havido permissão administrativa para que os apelantes utilizassem a área objeto da demanda, não há que se falar em reforma da decisão que determinou a sua desocupação. 3. Recurso de apelação desprovido. (N.U 0000377-09.2018.8.11.0082, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO, MARIA APARECIDA RIBEIRO, Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 11/03/2024, Publicado no DJE 21/03/2024)[...]” [g.n.] Neste prisma, respeitados os limites da devolutividade recursal, impõe-se a manutenção integral do entendimento firmado pelo magistrado primevo, eis que não há motivos racionais ou jurídicos que justifiquem a alteração da sentença. Ante o exposto, 1. REJEITO a preliminar de ofensa ao princípio da congruência ou da correlação; 2. No mérito, NEGO PROVIMENTO ao recurso de apelação cível interposto pelos apelantes, para manter incólume a sentença recorrida. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 16/04/2025

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