Processo nº 5078026-04.2025.4.03.9999
ID: 329880828
Tribunal: TRF3
Órgão: Gab. 35 - DES. FED. JOÃO CONSOLIM
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 5078026-04.2025.4.03.9999
Data de Disponibilização:
21/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
VALMIR DOS SANTOS
OAB/SP XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 10ª Turma APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5078026-04.2025.4.03.9999 RELATOR: Gab. 35 - DES. FED. JOÃO CONSOLIM APELANTE: GELSON FERREIRA DOS SANTOS Adv…
PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 10ª Turma APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5078026-04.2025.4.03.9999 RELATOR: Gab. 35 - DES. FED. JOÃO CONSOLIM APELANTE: GELSON FERREIRA DOS SANTOS Advogado do(a) APELANTE: VALMIR DOS SANTOS - SP247281-N APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP D E C I S Ã O Trata-se de recurso de apelação da parte autora, GELSON FERREIRA DOS SANTOS, contra a sentença (Id 325253439) proferida em 4.12.2024, nos autos n. 1002504-21.2023.8.26.0627, pelo Juízo da Vara Única da Comarca de Teodoro Sampaio, que, em razão da ausência de preenchimento do requisito subjetivo, julgou improcedente o pedido formulado em ação de concessão de benefício assistencial. Em razão da sucumbência, a parte autora foi condenada ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa. Em suas razões (Id 325253453), a parte autora alega, preliminarmente, a nulidade do laudo pericial, asseverando que o fato de a perícia não ter sido realizada por médico especialista acarretou o cerceamento de defesa. Alega ser portador de divertículo do esôfago adquirido e divertículo de zenker, doenças que são incapacitantes e impedem o exercício de suas atividades laborativas de lavrador. Aduz a necessidade de análise dos aspectos pessoais e sociais, afirmando que a condição de pessoa simples, de 63 anos de idade, viabiliza o seu enquadramento no conceito de "invalidez social". Assevera que o magistrado não está adstrito às conclusões do laudo pericial, razão pela qual requer o seu afastamento e o reconhecimento do direito ao benefício assistencial. Parecer do Ministério Público Federal opinando pelo não provimento do recurso de apelação, em razão da ausência de preenchimento do requisito da deficiência (Id 328688149). Concedidos os benefícios da gratuidade da justiça para a parte autora (Id 325253301). Os autos subiram a este Tribunal sem que fossem apresentadas as contrarrazões ao recurso. É o relatório. Decido. Do cabimento do julgamento monocrático A interpretação sistemática das normas fundamentais do processo civil inseridas no Código de Processo Civil de 2015 (artigos 1º ao 12), especialmente as contidas nos artigos 4º e 6º, reforçam a necessária celeridade e efetividade da prestação jurisdicional. Outrossim, as razões ensejadoras da Súmula n. 568 do Superior Tribunal de Justiça podem ser observadas por este órgão julgador quanto ao entendimento dominante desta Corte, à vista do princípio da simetria. Anoto, ademais, que o julgamento monocrático atende aos princípios da celeridade processual e possibilita a observância de precedentes judiciais, sendo passível de controle por meio de agravo interno (artigo 1.021 do CPC), cumprindo o princípio da colegialidade. Além disso, o CPC em seu artigo 926 traz a necessidade de o tribunal fixar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente. Assim sendo, a decisão monocrática, criteriosamente calcada em jurisprudência pacífica deste Tribunal Regional Federal da 3ª Região, garante a prestação jurisdicional eficiente. Conforme trecho do voto da eminente Desembargadora Federal Inês Virgínia nos autos n. 5022270-51.2022.4.03.6301, “Tal linha intelectiva é seguida pelas outras três Turmas componentes da E. Terceira Seção desta Casa, as quais entendem ser viável o julgamento monocrático nas apelações previdenciárias nas quais se discute matéria de fato, com o reconhecimento de períodos de trabalho especial, comum ou rural.” No referido voto, ela ainda fez referência a diversos julgados que embasam a conclusão anterior: TRF 3ª Região, 8ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5002408-61.2017.4.03.6110, Rel. Desembargador Federal LUIZ DE LIMA STEFANINI, julgado em 11/11/2021, DJEN DATA: 16/11/2021; TRF 3ª Região, 9ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5000299- 21.2020.4.03.6126, Rel. Desembargador Federal GILBERTO RODRIGUES JORDAN, julgado em 01/07/2021, Intimação via sistema DATA: 08/07/2021; TRF 3ª Região, 10ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5000643-23.2020.4.03.6119, Rel. Desembargador Federal SERGIO DO NASCIMENTO, julgado em 01/06/2022, DJEN DATA: 06/06/2022; TRF 3ª Região, 10ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5032414-48.2022.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal LEILA PAIVA MORRISON, julgado em 28/06/2022, DJEN DATA: 04/07/2022; TRF 3ª Região, 8ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 0002606- 98.2017.4.03.6106, Rel. Desembargador Federal DAVID DINIZ DANTAS, julgado em 12/07/2022, DJEN DATA: 14/07/2022; TRF 3ª Região, 8ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5003541- 10.2018.4.03.6109, Rel. Desembargador Federal NEWTON DE LUCCA, julgado em 28/06/2022, DJEN DATA: 01/07/2022; TRF 3ª Região, 9ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5153736-69.2021.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal DALDICE MARIA SANTANA DE ALMEIDA, julgado em 16/02/2022, DJEN DATA: 22/02/2022. Dessa forma, não há impedimento na utilização de decisão monocrática para julgamento de recursos cujos temas devolvidos já se encontram pacificados nesta Corte ou nos Tribunais Superiores. Da tempestividade do recurso Não se vislumbra, no caso em tela, hipótese de intempestividade recursal. Do benefício de prestação continuada O benefício assistencial (ou benefício de prestação continuada – BPC), previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição da República e regulamentado pelo artigo 20 da Lei de Organização da Assistência Social (Lei n. 8.742/1993), foi instituído com o escopo de prestar amparo aos idosos maiores de 65 (sessenta e cinco) anos e pessoas com deficiência que, em razão da hipossuficiência, não possuam meios de prover a própria subsistência ou de tê-la provida por suas respectivas famílias: Constituição da República "Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social e tem por objetivos: (...) V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria subsistência ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei." Lei n. 8.742/1993 "Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. § 1º Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. § 2º Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. § 3º Observados os demais critérios de elegibilidade definidos nesta Lei, terão direito ao benefício financeiro de que trata o caput deste artigo a pessoa com deficiência ou a pessoa idosa com renda familiar mensal per capita igual ou inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo." É cediço que o § 3º do artigo 20 da Lei n. 8.742/1993 foi objeto de controle de constitucionalidade (ADI 1.232-1), momento em que teve a sua constitucionalidade reconhecida. Entretanto, cumpre asseverar que o plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Reclamação n. 4374/PE, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, reapreciou o dispositivo, declarando a sua inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade. Veja-se: "Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da Constituição da República, estabeleceu critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo fosse concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovassem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2. Art. 20, §3º da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que "considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo". O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Reclamação como instrumento de (re)interpretação da decisão proferida em controle de constitucionalidade abstrato. Preliminarmente, arguido o prejuízo da reclamação, em virtude do prévio julgamento dos recursos extraordinários 580.963 e 567.985, o Tribunal, por maioria de votos, conheceu da reclamação. O STF, no exercício da competência geral de fiscalizar a compatibilidade formal e material de qualquer ato normativo com a Constituição, pode declarar a inconstitucionalidade, incidentalmente, de normas tidas como fundamento da decisão ou do ato que é impugnado na reclamação. Isso decorre da própria competência atribuída ao STF para exercer o denominado controle difuso da constitucionalidade das leis e dos atos normativos. A oportunidade de reapreciação das decisões tomadas em sede de controle abstrato de normas tende a surgir com mais naturalidade e de forma mais recorrente no âmbito das reclamações. É no juízo hermenêutico típico da reclamação - no "balançar de olhos" entre objeto e parâmetro da reclamação - que surgirá com maior nitidez a oportunidade para evolução interpretativa no controle de constitucionalidade. Com base na alegação de afronta a determinada decisão do STF, o Tribunal poderá reapreciar e redefinir o conteúdo e o alcance de sua própria decisão. E, inclusive, poderá ir além, superando total ou parcialmente a decisão-parâmetro da reclamação, se entender que, em virtude de evolução hermenêutica, tal decisão não se coaduna mais com a interpretação atual da Constituição. 4. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 5. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993. 6. Reclamação constitucional julgada improcedente.” (STF, RCL 4374/PE, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJE 04.09.2013) Assim, o entendimento que vem sendo aplicado também pelo Superior Tribunal de Justiça é o de que a renda per capita familiar de 1/4 do salário mínimo configuraria presunção absoluta de miserabilidade, dispensando outras provas. Nos casos em que superado tal limite, a comprovação de miserabilidade poderia ser feita por outros meios de prova que não a renda per capita familiar, conforme o seguinte julgado: "PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ASSISTÊNCIA SOCIAL. PREVISÃO CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO RECEBIDO POR PARENTE DO AUTOR. CÔMPUTO DO VALOR PARA VERIFICAÇÃO DE MISERABILIDADE. IMPOSSIBILIDADE. ART. 34 DA LEI Nº 10.741/2003. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA AO BPC. ART. 20, § 3º, DA LEI Nº 8.742/93. POSSIBILIDADE DE AFERIÇÃO DA MISERABILIDADE POR OUTROS MEIOS. PRECEDENTES. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. O benefício de prestação continuada é uma garantia constitucional, de caráter assistencial, previsto no art. 203, inciso V, da Constituição Federal, e regulamentado pelo art. 20 da Lei nº 8.742/93, que consiste no pagamento de um salário mínimo mensal aos portadores de deficiência ou idosos que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida pelo núcleo familiar. 2. O art. 34 da Lei nº 10.741/2003 veda o cômputo do valor do benefício de prestação continuada percebido por qualquer membro da família no cálculo da renda per capita mensal. 3. A Terceira Seção deste Superior Tribunal consolidou o entendimento de que o critério de aferição da renda mensal previsto no § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93 deve ser tido como um limite mínimo, um quantum considerado insatisfatório à subsistência da pessoa portadora de deficiência ou idosa, não impedindo, contudo, que o julgador faça uso de outros elementos probatórios, desde que aptos a comprovar a condição de miserabilidade da parte e de sua família. 4. Recurso especial a que se dá provimento." (STJ, RESP 841.060, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, 6ª T., j. 12.06.2007, DJ 25.06.2007). É de se concluir, portanto, que o artigo 20, § 3º, da Lei de Organização da Assistência Social estabelece apenas um, dentre os diversos critérios existentes para aferir a miserabilidade do idoso maior de 65 anos e da pessoa com deficiência. Frise-se, ademais, que o § 11-A do artigo 20 da Lei n. 8.742/1993 possibilita, para fins de aferição do critério de miserabilidade, a ampliação do limite da renda per capita familiar para até 1/2 (meio) salário-mínimo, desde que observados os requisitos previstos no artigo 20-B da referida lei, incluídos pela Lei n. 14.176/2021, que dispõe: "Art. 20-B. Na avaliação de outros elementos probatórios da condição de miserabilidade e da situação de vulnerabilidade de que trata o § 11 do art. 20 desta Lei, serão considerados os seguintes aspectos para ampliação do critério de aferição da renda familiar mensal per capita de que trata o § 11-A do referido artigo: I – o grau da deficiência; II – a dependência de terceiros para o desempenho de atividades básicas da vida diária; e III – o comprometimento do orçamento do núcleo familiar de que trata o § 3º do art. 20 desta Lei exclusivamente com gastos médicos, com tratamentos de saúde, com fraldas, com alimentos especiais e com medicamentos do idoso ou da pessoa com deficiência não disponibilizados gratuitamente pelo SUS, ou com serviços não prestados pelo Suas, desde que comprovadamente necessários à preservação da saúde e da vida. § 1º A ampliação de que trata o caput deste artigo ocorrerá na forma de escalas graduais, definidas em regulamento § 2º Aplicam-se à pessoa com deficiência os elementos constantes dos incisos I e III do caput deste artigo, e à pessoa idosa os constantes dos incisos II e III do caput deste artigo. § 3º O grau da deficiência de que trata o inciso I do caput deste artigo será aferido por meio de instrumento de avaliação biopsicossocial, observados os termos dos §§ 1º e 2º do art. 2º da Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), e do § 6º do art. 20 e do art. 40-B desta Lei. § 4º O valor referente ao comprometimento do orçamento do núcleo familiar com gastos de que trata o inciso III do caput deste artigo será definido em ato conjunto do Ministério da Cidadania, da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia e do INSS, a partir de valores médios dos gastos realizados pelas famílias exclusivamente com essas finalidades, facultada ao interessado a possibilidade de comprovação, conforme critérios definidos em regulamento, de que os gastos efetivos ultrapassam os valores médios." No que diz respeito, especificamente, ao benefício assistencial concedido à pessoa idosa, há que se observar, também, a existência de dispositivo na Lei n. 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), que, ao tratar acerca da assistência social, estabelece: "Art. 33. A assistência social às pessoas idosas será prestada, de forma articulada, conforme os princípios e diretrizes previstos na Lei Orgânica da Assistência Social (Loas), na Política Nacional da Pessoa Idosa, no SUS e nas demais normas pertinentes Art. 34. Às pessoas idosas, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal de 1 (um) salário mínimo, nos termos da Loas. Parágrafo único. O benefício já concedido a qualquer membro da família nos termos do caput não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a Loas." Em relação ao previsto no parágrafo único da Lei n. 10.741/2003, o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou no sentido de que também não deverá ser considerado, no cálculo da renda familiar, o benefício previdenciário no valor de um salário mínimo recebido por idoso ou pessoa com deficiência que componha o núcleo da família. Nesse sentido: "PREVIDENCIÁRIO. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL PREVISTO NA LEI N. 8.742/93 A PESSOA COM DEFICIÊNCIA. AFERIÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA DO NÚCLEO FAMILIAR. RENDA PER CAPITA. IMPOSSIBILIDADE DE SE COMPUTAR PARA ESSE FIM O BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, NO VALOR DE UM SALÁRIO MÍNIMO, RECEBIDO POR IDOSO. 1. Recurso especial no qual se discute se o benefício previdenciário, recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, deve compor a renda familiar para fins de concessão ou não do benefício de prestação mensal continuada a pessoa deficiente. 2. Com a finalidade para a qual é destinado o recurso especial submetido a julgamento pelo rito do artigo 543-C do CPC, define-se: Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93. 3. Recurso especial provido. Acórdão submetido à sistemática do § 7º do art. 543-C do Código de Processo Civil e dos arts. 5º, II, e 6º, da Resolução STJ n. 08/2008.” (1ª Seção, REsp nº 1.355.052/SP, j. 25/02/2015, DJe 05/11/2015, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES). Ressalte-se, por oportuno, que os diplomas legais acima citados foram regulamentados pelo Decreto n. 6.214/2007, merecendo destaque os artigos 4.º, inciso VI, e 19, caput e parágrafo único, in verbis: Art. 4º Para fins do reconhecimento do direito ao benefício, considera-se: (...) VI - renda mensal bruta familiar: a soma dos rendimentos brutos auferidos mensalmente pelos membros da família composta por salários, proventos, pensões, pensões alimentícias, benefícios de previdência pública ou privada, seguro-desemprego, comissões, pro-labore, outros rendimentos do trabalho não assalariado, rendimentos do mercado informal ou autônomo, rendimentos auferidos do patrimônio, Renda Mensal Vitalícia e Benefício de Prestação Continuada, ressalvado o disposto no parágrafo único do art. 19. Art. 19. O Benefício de Prestação Continuada será devido a mais de um membro da mesma família enquanto atendidos os requisitos exigidos neste Regulamento. Parágrafo único. O valor do Benefício de Prestação Continuada concedido a idoso não será computado no cálculo da renda mensal bruta familiar a que se refere o inciso VI do art. 4º, para fins de concessão do Benefício de Prestação Continuada a outro idoso da mesma família. Da ausência de cerceamento de defesa em perícia realizada por médico não especialista Em relação às causas que versem sobre benefício por incapacidade, cumpre asseverar que apesar de o magistrado não estar adstrito às conclusões da prova pericial, ela é essencial à análise da capacidade laborativa do segurado. Isso porque, a partir da qualificação técnica e dos conhecimentos médicos do perito, torna-se um instrumento que favorece o alcance da verdade processual. Cumpre destacar que o laudo pericial deve ser elaborado por médico que possua regular registro no Conselho Regional de Medicina, não havendo obrigatoriedade legal de que a perícia seja realizada por especialista na área de cada enfermidade que acomete a pessoa periciada. A ausência de especialidade, portanto, não implica, necessariamente, a conclusão de que o expert não possui condições de avaliar, de modo adequado, a capacidade laborativa do segurado. Nesse sentido: TRF/3ª Região, ApCiv 5000637-66.2023.4.03.6133, Décima Turma, Relator Desembargador Federal NELSON DE FREITAS PORFIRIO JUNIOR, DJEN 10.5.2024. Sendo assim, pela sua formação, o médico nomeado pelo juízo possui habilitação técnica suficiente para proceder ao exame pericial, de acordo com a legislação em vigência que regulamenta o exercício da medicina. Do mesmo modo, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça “perfilha entendimento no sentido de que a pertinência da especialidade médica, em regra, não consubstancia pressuposto de validade da prova pericial, de forma que o perito médico nomeado é quem deve escusar-se do encargo, caso não se julgue apto à realização do laudo solicitado” (AgInt nos EDcl no AREsp n. 1.696.733/SP, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 15.3.2021, DJe de 18.3.2021). Cabe ressaltar que esta Corte firmou o entendimento de que o laudo pericial que registra elementos suficientes ao deslinde da demanda, elaborado, de forma suficientemente elucidativa, por profissional de confiança do Juízo, dotado de conhecimentos técnicos, afasta a necessidade de realização de nova perícia. Nesse sentido: TRF/3ª Região, ApCiv / SP 5054547-16.2024.4.03.9999, Décima Turma, Relator Desembargador Federal NELSON PORFIRIO, DJEN 29.4.2024. Importante salientar, ademais, que o perito judicial se encontra em posição equidistante das partes, o que presume a sua imparcialidade e faz com que, em regra, o laudo judicial prevaleça sobre outros documentos apresentados nos autos. Dessa forma, a discordância da parte interessada em relação à conclusão da perícia técnica deve estar acompanhada de conjunto probatório vasto, notadamente resultados de exames que atestem a incapacidade. Anota-se que “eventual contradição entre o laudo pericial e os atestados médicos apresentados pela parte não pode motivar a nulidade de um ou outro documento médico” (TRF/3ª Região, ApCiv 5003715-13.2023.4.03.9999, Oitava Turma, Relatora Desembargadora Federal THEREZINHA ASTOLPHI CAZERTA, Intimação via sistema em 17.10.2023). Sendo assim, a mera insurgência da parte não tem o condão de afastar o laudo desfavorável produzido por médico de confiança do juízo, que realizou o exame pericial de forma técnica e respondeu a todos os quesitos formulados, não havendo que se falar, portanto, em cerceamento de defesa decorrente da ausência de especialidade em determinada área da medicina. Do caso dos autos Conforme mencionado anteriormente, a parte autora alega, preliminarmente, a nulidade do laudo pericial, asseverando que o fato de a perícia não ter sido realizada por médico especialista acarretou o cerceamento de defesa. Alega ser portador de divertículo do esôfago adquirido e divertículo de zenker, doenças que são incapacitantes e impedem o exercício de suas atividades laborativas de lavrador. Aduz a necessidade de análise dos aspectos pessoais e sociais, afirmando que a condição de pessoa simples, de 63 anos de idade, viabiliza o seu enquadramento no conceito de "invalidez social". Assevera que o magistrado não está adstrito às conclusões do laudo pericial, razão pela qual requer o seu afastamento e o reconhecimento do direito ao benefício assistencial. Primeiramente, não há que se falar em cerceamento de defesa em razão da ausência de especialidade da perícia médica judicial. Conforme já mencionado em sede de fundamentação, o laudo pericial deve ser elaborado por médico com regular registro no Conselho Regional de Medicina, não havendo obrigatoriedade legal de que a perícia seja realizada por especialista na área de cada enfermidade que acomete a pessoa periciada. A ausência de especialidade, portanto, não implica a conclusão de que o expert não possui condições de avaliar, de modo adequado, o quadro clínico do periciando. As alegações de mérito também não merecem guarida, uma vez que, ao contrário do que afirma em suas razões de recurso, a parte autora não se desincumbiu do ônus de comprovar o preenchimento do requisito subjetivo para a percepção do BPC-LOAS. Frisa-se que, ao proceder a exame médico clínico, a perita do juízo não constatou impedimento de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, apto a configurar a condição de pessoa com deficiência. Nesse sentido, merecem destaque algumas passagens do laudo judicial: "Histórico: Afirma o autor que em 2021 foi diagnosticado com divertículo do esôfago, realizou procedimento cirúrgico (Cirurgia de divertículo de Zenker) no dia 12/03/2024, sem intercorrência. Nega uso diário de medicação. Assintomático no momento. Exame Físico O autor deu entrada caminhando por seus próprios meios e sem o auxílio de aparelhos ou terceiros. Está em um bom estado físico, bom estado de nutrição e aparenta uma idade física compatível com a idade cronológica. Está lúcido, orientado no tempo e no espaço, o pensamento tem forma, curso e conteúdo normal, a memória está presente e preservada, o humor igualmente presente e adequado às situações propostas. O exame físico direcionado demonstrou: - Ausência de assimetrias ou deformidades; ausência de atrofia musculares; força muscular preservada, realiza flexão, extensão, rotação interna e externa, elevação de ombro direito e esquerdo; - Ausência de limitação ao realizar flexão, extensão, rotação para direita e esquerda de coluna cervical; - Ausência de limitação ao realizar a flexão, extensão e rotação para direita e esquerda de coluna lombar; - Força muscular preservada em membros inferiores, simétricos, ausência de limitação." (Id 325253321). Do mesmo modo, o Ministério Público Federal (Id 328688149), ao emitir parecer, opinou pelo não provimento do recurso de apelação, asseverando que a parte autora não logrou êxito em demonstrar restrições que dificultem a participação social em igualdade de condições com as demais pessoais. Salienta-se, outrossim, que, embora o recorrente alegue a necessidade de análise do caso sub judice pelo prisma da invalidez social, a sua idade atual (64 anos) e baixa escolaridade - desacompanhadas de qualquer doença grave e incapacitante -, não são circunstâncias suficientes para enquadrá-lo na condição de pessoa com deficiência. Desse modo, não obstante os documentos acostados aos autos sejam capazes de atestar o diagnóstico de "divertículo de Zenker", não são suficientes para que se entenda pelo preenchimento do requisito subjetivo, uma vez que - ratifica-se-, a perita do juízo não constatou qualquer situação incapacitante apta a configurar o impedimento de longo prazo. Frisa-se, outrossim, que embora o magistrado não esteja adstrito às conclusões do laudo pericial, somente deverá se afastar das constatações do perito nos casos em que existam, no processo, elementos suficientes para fundamentar eventual decisão em sentido contrário, o que não foi o caso dos autos. Em caso de agravamento do quadro de saúde apresentado, poderá a parte autora ingressar com novo pedido de benefício assistencial. Ante o exposto, rejeito a matéria preliminar e nego provimento ao recurso de apelação da parte autora, nos termos da fundamentação. Em razão da sucumbência, mantenho a condenação da parte autora ao pagamento de honorários advocatícios, majorando-os para 12%, em observância ao disposto no artigo 85, § 11, do Código de Processo Civil, mantida a suspensão da exigibilidade em razão dos benefícios da gratuidade da justiça. Após o trânsito em julgado, certifique-se e tornem os autos ao Juízo de origem. Publique-se. Intimem-se. São Paulo, data do sistema. JOÃO CONSOLIM Desembargador Federal Relator
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