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Processo nº 1002753-06.2020.8.11.0041

ID: 333914861

Tribunal: TJMT Órgão: 4ª VARA ESP. FAMÍLIA E SUCESSÕES DE CUIABÁ Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL Nº Processo: 1002753-06.2020.8.11.0041

Data de Disponibilização: 24/07/2025

Polo Ativo:

JACOB CORREA FERRAZ

Polo Passivo:

Sentença

Advogados:

JUCIEL FERREIRA MIRANDA

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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO 4ª VARA ESP. FAMÍLIA E SUCESSÕES DE CUIABÁ SENTENÇA Processo: 1002753-06.2020.8.11.0041. AUTOR(A): JACOB CORREA FERRAZ REU: KENNYDY GOMES CORREA FERRAZ, JENYFFE… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO 4ª VARA ESP. FAMÍLIA E SUCESSÕES DE CUIABÁ SENTENÇA Processo: 1002753-06.2020.8.11.0041. AUTOR(A): JACOB CORREA FERRAZ REU: KENNYDY GOMES CORREA FERRAZ, JENYFFER GOMES CORREA FERRAZ Trata-se de AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE FILIAÇÃO LEGÍTIMA CUMULADA COM ANULAÇÃO DE REGISTRO CIVIL ajuizada por JACOB CORREA FERRAZ em face de JENYFFER GOMES CORREA FERRAZ e do espólio de KENNYDY GOMES CORREA FERRAZ, este representado por sua genitora, a Sra. ALESSANDRA GOMES DE ARRUDA, todos devidamente qualificados nos autos. Narra a petição inicial (ID 28330097) que o autor, embora conste como pai registral dos réus, não possui com eles qualquer vínculo de natureza biológica ou socioafetiva. Para corroborar a inexistência do liame genético, o autor instruiu a exordial com laudos de exames de DNA, realizados de forma particular (IDs 28330794 e 28330795), os quais teriam concluído pela exclusão de sua paternidade em relação a ambos os requeridos. Sustenta que o registro de nascimento dos filhos decorreu de erro substancial, uma vez que foi induzido a acreditar na paternidade que agora se revela inexistente. Alega a completa ausência de vínculo socioafetivo, afirmando que jamais existiu convivência ou laços de afeto capazes de caracterizar a posse do estado de filho. Com base nesses fundamentos, e invocando o artigo 1.604 do Código Civil, pugna pela procedência da ação para que seja declarada a inexistência da relação de filiação, com a consequente anulação dos registros civis dos réus, determinando-se a exclusão de seu nome e dos nomes dos avós paternos dos respectivos assentos de nascimento. Requereu os benefícios da justiça gratuita, que foram deferidos (ID 30989616). Após diversas tentativas frustradas de citação pessoal da parte ré, o que se evidencia pelas certidões negativas dos oficiais de justiça e pelas várias petições do autor indicando novos endereços (IDs 51382781, 51383617, 60171468), foi determinada a citação por edital (ID 62915420), a qual se efetivou conforme certidão de ID 68156731. Decorrido o prazo sem manifestação, foi nomeada curadora especial aos réus, na pessoa de membro da Defensoria Pública do Estado, que apresentou contestação por negativa geral (ID 70330093), controvertendo os fatos narrados na inicial e afastando os efeitos da revelia. Posteriormente, com a localização e comparecimento da genitora dos réus, Sra. Alessandra Gomes de Arruda, a Defensoria Pública apresentou nova peça de contestação (ID 161769749), desta vez com impugnação específica dos fatos. Na nova defesa, sustenta-se a existência de um consolidado vínculo de socioafetividade. Narra que a genitora e o autor iniciaram um relacionamento em 1998, quando ela já estava grávida da ré Jenyffer, fato de pleno conhecimento do autor, que teria aceitado a situação e, voluntariamente, após o nascimento, registrado a criança como sua filha. Alega que o autor exerceu plenamente a paternidade durante os primeiros anos de vida de Jenyffer. Em relação ao filho Kennydy, a defesa admite que foi concebido durante um período de separação do casal, fruto de outro relacionamento da genitora. Contudo, afirma que, após a reconciliação, o autor, ciente das dúvidas sobre a paternidade biológica, também o registrou voluntariamente como filho, assumindo integralmente as responsabilidades paternas. Argumenta que, mesmo após a separação definitiva, o autor manteve contato e acesso aos filhos, e que a presente ação, ajuizada após quase vinte e cinco anos, desconsidera toda a história de convivência e afeto construída, configurando uma tentativa de desconstituição de uma paternidade socioafetiva já estabelecida. Juntou fotografia (ID 161769751) como prova do vínculo. Em impugnação à contestação (ID 161814117), o autor rechaçou a tese de socioafetividade. Afirmou que ambos os filhos foram fruto de traições conjugais por parte da genitora e que, após a separação definitiva, há mais de vinte anos, não manteve qualquer contato com os réus, o que descaracterizaria a existência de um vínculo afetivo contínuo. Argumentou ainda que a figura paterna na vida dos réus foi exercida pelo atual companheiro da Sra. Alessandra, com quem conviveram pela maior parte de suas vidas. Reiterou ter sido induzido a erro e que a verdade biológica, atestada pelos exames de DNA, deve prevalecer. Deferida a produção de prova oral e psicossocial, foi juntado aos autos o Relatório de Estudo Psicológico (ID 188936522). Do referido estudo, extraem-se as versões das partes. O autor, Sr. Jacob, relatou que o relacionamento com a genitora foi conturbado, com diversos rompimentos, e que registrou as crianças mesmo tendo dúvidas sobre a paternidade, cedendo à pressão. Afirmou que, após obter o resultado negativo do exame de DNA, cessou todo e qualquer contato e auxílio, não tendo comparecido sequer ao velório do filho Kennydy, e que não vê a ré Jenyffer desde que ela tinha três anos de idade, não nutrindo por ela qualquer afeto. A genitora, Sra. Alessandra, confirmou as traições e que o autor sabia da possibilidade de não ser o pai biológico, mas que, ainda assim, os registrou e foi um bom pai no início. Confirmou também que, após a realização do DNA, ele "nunca mais procurou saber dos filhos". Por fim, a ré Jenyffer declarou lembrar-se do autor como figura paterna durante sua infância, mas que o contato foi rompido quando ela tinha cerca de onze anos. Manifestou profundo sofrimento com a ação, um sentimento de rejeição e o desejo de manter o nome do autor em seu registro, inclusive em razão de seus próprios filhos, que o têm como avô. A equipe técnica sugeriu acompanhamento psicoterápico para a ré Jenyffer, caso o pedido seja julgado procedente, em razão do potencial dano emocional. As partes apresentaram alegações finais, o autor por meio da petição de ID 187401436, reiterando seus argumentos pela prevalência da verdade biológica e ausência de socioafetividade, e a parte ré, por sua defensora, por meio de manifestação (ID 194329537), na qual reforça o impacto emocional da demanda e o vínculo afetivo subjetivo que ainda nutre pelo autor. O Ministério Público, em diversas manifestações, opinou pela não intervenção no feito, por não vislumbrar interesse de incapazes (IDs 43131484 e 148685437). Os autos vieram conclusos para sentença. É o necessário a relatar. Decido. O cerne da controvérsia reside em verificar a possibilidade de desconstituição da paternidade registral do autor em relação aos réus, diante da comprovada inexistência de vínculo biológico e da alegação de ausência de vínculo socioafetivo. A questão demanda uma análise cuidadosa da prevalência da verdade biológica em face da paternidade socioafetiva, considerando as particularidades do caso concreto. Da Inexistência do Vínculo Biológico A ausência de vínculo genético entre o autor e os réus, Jenyffer Gomes Correa Ferraz e o falecido Kennydy Gomes Correa Ferraz, é fato incontroverso e cabalmente demonstrado nos autos. O autor apresentou, juntamente com a petição inicial, laudos de exames de DNA (IDs 28330794 e 28330795) que excluem, com a certeza científica inerente a tal prova, a sua paternidade biológica. A parte ré, em sua defesa material, não impugnou a validade ou o resultado dos referidos exames, centrando sua argumentação na tese da paternidade socioafetiva. Portanto, sob o prisma estritamente biológico, assiste plena razão ao autor, restando superada a questão da ancestralidade genética. A prova pericial produzida, ainda que extrajudicialmente, é robusta e suficiente para firmar o convencimento deste juízo de que o autor não é o pai biológico dos requeridos. Da Análise do Vínculo Socioafetivo e do Vício de Consentimento Superada a questão biológica, a análise deve se debruçar sobre a existência e a persistência de um vínculo socioafetivo que seja juridicamente relevante a ponto de se sobrepor à verdade biológica e manter o estado de filiação. O ordenamento jurídico pátrio, em especial após a Constituição Federal de 1988, passou a valorizar a paternidade para além dos laços de sangue, reconhecendo a filiação socioafetiva como uma das modalidades de parentesco civil, fundamentada no afeto e na convivência familiar duradoura, exteriorizada pela posse do estado de filho. No caso dos autos, a defesa sustenta que tal vínculo foi solidamente construído ao longo dos anos. A ré Jenyffer e sua genitora relatam que o autor, mesmo ciente da possibilidade de não ser o pai biológico, assumiu voluntariamente a paternidade e desempenhou esse papel durante a infância dos filhos. Contudo, para que a socioafetividade prevaleça, não basta que ela tenha existido em algum momento do passado; é preciso que ela se revele sólida, contínua e presente, ou, se rompida, que o rompimento não decorra da descoberta de um erro essencial que viciou o ato de reconhecimento originário. A prova produzida nos autos, em especial o detalhado Relatório de Estudo Psicológico (ID 188936522), revela uma realidade complexa, mas que, em seu conjunto, aponta para a desconstituição do vínculo jurídico. Embora tenha havido um período de convivência e de exercício da paternidade pelo autor, este mesmo laço foi drasticamente rompido. O próprio autor afirma, e a genitora e a ré Jenyffer confirmam, que o afastamento foi total e definitivo após a realização do exame de DNA. Jenyffer relata não ver o autor desde os seus onze anos de idade. Trata-se de um hiato de mais de uma década, durante o qual não houve qualquer tipo de assistência, seja material, moral ou afetiva. A posse do estado de filho, que se caracteriza pelo tratamento (tractatus), pela reputação social (fama) e pelo uso do nome (nomen), deixou de existir há muito tempo na sua dimensão fática e afetiva. O autor não mais tratava os réus como filhos, e a comunidade em que viviam certamente não mais os via dessa forma. Adicionalmente, a causa para o reconhecimento da paternidade está maculada pelo vício de consentimento, na modalidade de erro essencial, conforme previsto no artigo 1.604 do Código Civil. O autor foi levado a registrar como seus filhos biológicos crianças que, comprovadamente, não o eram. A própria genitora, Sra. Alessandra, admite em sua entrevista à psicóloga que manteve outros relacionamentos e que as traições eram de "ambas as partes", o que corrobora a tese do autor de que foi induzido a erro sobre a origem da prole. O reconhecimento da paternidade, neste contexto, não se deu como um ato de adoção ou de assunção de uma paternidade socioafetiva com clareza sobre a ausência do vínculo de sangue, mas sim como um ato praticado sob a falsa crença de um liame biológico. A descoberta da verdade, por meio do exame de DNA, desfez o suporte fático e psicológico que fundamentou o ato registral. A manifestação de dor e o sentimento de rejeição expressados pela ré Jenyffer são compreensíveis e merecem a sensibilidade do Poder Judiciário. É inegável o profundo abalo emocional que a situação lhe causa, conforme bem pontuado pela equipe psicossocial. Contudo, a manutenção de um vínculo jurídico de filiação não pode ser imposta ao pai registral que foi induzido a erro e que, após a descoberta da verdade, não mais manteve a relação de afeto, rompendo-a de forma definitiva há longos anos. Manter o registro seria perpetuar uma ficção jurídica em detrimento da verdade real, tanto biológica quanto afetiva, e impor ao autor um estado familiar que ele inequivocamente rejeita e para o qual não contribuiu de forma livre e consciente. O direito à identidade genética e ao conhecimento da verdade sobre a própria origem é uma via de mão dupla, assistindo também ao pai que busca se desvincular de uma paternidade que não é sua. Assim, considerando a prova inequívoca da inexistência de vínculo biológico, o vício de consentimento que maculou o ato de registro e a efetiva e prolongada ruptura do vínculo socioafetivo, a procedência do pedido é a medida que se impõe, a fim de que a verdade real prevaleça e o registro civil passe a espelhar a realidade fática das relações familiares. Ante o exposto, com fundamento no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado na inicial para: a) DECLARAR a inexistência de relação jurídico-parental de filiação entre o autor JACOB CORREA FERRAZ e os réus JENYFFER GOMES CORREA FERRAZ e o espólio de KENNYDY GOMES CORREA FERRAZ. b) DETERMINAR, por consequência, a retificação dos assentos de nascimento dos réus, para que deles sejam excluídos o nome do autor do campo "filiação", bem como os nomes dos avós paternos, passando a constar apenas a filiação materna. Expeça-se o competente Mandado de retificação ao Cartório de Registro Civil competente para o cumprimento desta decisão, com as anotações de praxe, consignando-se que as partes são beneficiárias da justiça gratuita. Condeno a parte ré ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, os quais fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, nos termos do artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil. Contudo, suspendo a exigibilidade de tais verbas, nos termos do artigo 98, § 3º, do mesmo diploma legal, em razão da gratuidade de justiça que ora defiro à parte ré, considerando a atuação da Defensoria Pública em seu favor. Com o trânsito em julgado, cumpridas as formalidades legais, arquivem-se os autos com as devidas baixas. Intimem-se. Cuiabá/MT, 23 de julho de 2025. Ricardo Alexandre Riccielli Sobrinho Juiz(a) de Direito

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Del Moro & Del Moro Ltda e outros x Del Moro & Del Moro Ltda e outros

ID: 291594747

Tribunal: TJMT Órgão: Segunda Câmara de Direito Privado Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 1002753-74.2021.8.11.0007

Data de Disponibilização: 06/06/2025

Polo Ativo:

DEL MORO & DEL MORO LTDA ROBERTO CARLOS DA SILVA SILVANA LOPES CAMARGO

Polo Passivo:

DEL MORO & DEL MORO LTDA ROBERTO CARLOS DA SILVA SILVANA LOPES CAMARGO

Acórdão

Advogados:

PEDRO AUGUSTO GRIGGIO RODRIGUES

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FELIPE DEL MORO

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MARCIO RODE

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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1002753-74.2021.8.11.0007 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Acidente de Trânsito, Acidente de Trânsito] Rel… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1002753-74.2021.8.11.0007 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Acidente de Trânsito, Acidente de Trânsito] Relator: Des(a). TATIANE COLOMBO Turma Julgadora: [DES(A). TATIANE COLOMBO, DES(A). MARCOS REGENOLD FERNANDES, DES(A). MARILSEN ANDRADE ADDARIO] Parte(s): [FELIPE DEL MORO - CPF: 008.082.071-99 (ADVOGADO), MARCIO RODE - CPF: 763.378.391-53 (ADVOGADO), ROBERTO CARLOS DA SILVA - CPF: 557.468.451-91 (APELADO), SILVANA LOPES CAMARGO - CPF: 013.062.441-10 (APELADO), DEL MORO & DEL MORO LTDA - CNPJ: 00.877.761/0002-07 (APELANTE), FELIPE DEL MORO - CPF: 008.082.071-99 (ADVOGADO), JOSE CIRSON BOM FIM - CPF: 556.582.298-04 (APELANTE), PEDRO AUGUSTO GRIGGIO RODRIGUES - CPF: 079.076.049-58 (ADVOGADO), ROBERTO CARLOS DA SILVA - CPF: 557.468.451-91 (APELANTE), MARCIO RODE - CPF: 763.378.391-53 (ADVOGADO), DANIELA BATISTA DE MELLO - CPF: 058.978.121-95 (ADVOGADO), SILVANA LOPES CAMARGO - CPF: 013.062.441-10 (APELANTE), DEL MORO & DEL MORO LTDA - CNPJ: 00.877.761/0002-07 (APELADO), PEDRO AUGUSTO GRIGGIO RODRIGUES - CPF: 079.076.049-58 (ADVOGADO), JOSE VALNIR TEXEIRA - CPF: 307.588.820-68 (ADVOGADO), JOSE CIRSON BOM FIM - CPF: 556.582.298-04 (APELADO), MICAEL SILVA MAXIMO DA CRUZ - CPF: 046.838.301-83 (ASSISTENTE), ALEXANDRO DE AMORIM SILVA - CPF: 018.155.831-93 (ASSISTENTE), WELLINGTON DOS SANTOS PEREIRA - CPF: 016.737.171-10 (ASSISTENTE)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). MARILSEN ANDRADE ADDARIO, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: À UNANIMIDADE, RECURSO DOS AUTORES DESPROVIDO E RECURSO DO REQUERIDO PROVIDO, NOS TERMOS DO VOTO DA RELATORA. E M E N T A RECURSOS DE APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO EX DELICTO. ACIDENTE DE TRÂNSITO COM MORTE. DANO MORAL POR RICOCCHETE. RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA. LEGITIMIDADE PASSIVA. REVISÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. RECURSO DA PARTE AUTORA DESPROVIDO. RECURSO DA EMPRESA RÉ PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Recursos de Apelação interpostos por ambas as partes em Ação de Indenização por Danos Morais e Materiais ajuizada por genitores de vítima fatal de acidente de trânsito contra empresa proprietária formal do veículo e o condutor envolvido no sinistro. A sentença julgou parcialmente procedente o pedido inicial, condenando os requeridos solidariamente ao pagamento de R$ 100.000,00 por danos morais e pensão mensal aos autores. Os autores apelaram requerendo majoração da indenização por danos morais e dos honorários advocatícios. A empresa ré apelou alegando ilegitimidade passiva, ausência de culpa do condutor, inexistência de vínculo de preposição e culpa exclusiva de terceiro. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há três questões em discussão: (i) definir se a empresa ré, antiga proprietária formal do veículo, possui legitimidade passiva para responder civilmente pelos danos decorrentes do acidente; (ii) verificar a configuração dos pressupostos da responsabilidade civil subjetiva do condutor do veículo; (iii) avaliar a adequação do quantum indenizatório fixado a título de dano moral. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A configuração da responsabilidade civil por acidente de trânsito exige a demonstração de culpa, dano e nexo causal, conforme os arts. 186 e 927 do Código Civil, elementos presentes no caso concreto quanto ao condutor do caminhão, cuja imprudência restou demonstrada em inquérito policial que apontou manobra perigosa e invasão de pista contrária. 4. O dano moral por ricochete é reconhecido como direito personalíssimo e autônomo dos genitores da vítima, com presunção de sofrimento decorrente da morte do filho, nos termos da jurisprudência consolidada do STJ, não sendo exigível prova específica da dor. 5. A alegação de culpa exclusiva de terceiro não restou comprovada, não havendo nos autos elementos probatórios que rompam o nexo causal entre a conduta do condutor e o dano resultante. 6. A responsabilidade da empresa Del Moro & Del Moro Ltda. não se sustenta, pois foi comprovada a transferência da posse e domínio do veículo antes do acidente, afastando a responsabilidade objetiva do alienante conforme a Súmula 132 do STJ. 7. Ausente prova de vínculo empregatício ou de preposição entre o condutor do veículo e a empresa ré, inexiste fundamento para responsabilização com base no art. 932, III, do Código Civil. 8. O valor arbitrado a título de dano moral (R$ 100.000,00) observa os princípios da razoabilidade e proporcionalidade diante da gravidade do fato, da capacidade econômica das partes e da finalidade compensatória e pedagógica da indenização. IV. DISPOSITIVO E TESE Recurso da parte autora desprovido. Recurso da parte ré provido. Tese de julgamento: 1. A configuração do dano moral por ricochete independe de prova específica da dor, sendo presumida a angústia decorrente da morte de filho. 2. A responsabilidade civil subjetiva do condutor é caracterizada por conduta imprudente, dano e nexo causal devidamente comprovados. 3. A ausência de registro da transferência do veículo não gera responsabilidade do alienante quando demonstrada a tradição anterior ao evento danoso. 4. Inexiste responsabilidade civil da empresa proprietária formal do veículo quando ausente vínculo de preposição com o condutor e comprovada a alienação do bem antes do acidente. R E L A T Ó R I O Egrégia Câmara. Tratam-se de Recursos de Apelação Cível interpostos por: DEL MORO & DEL MORO LTDA e ROBERTO CARLOS DA SILVA e SILVANA LOPES CAMARGO, contra sentença proferida na “Ação de Indenização por Danos Morais e Materiais”, que tramita perante a 1ª Vara de Alta Floresta - MT. O magistrado a quo, em sentença, (ID. 262392212 - ID de origem 166226325), julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais nos seguintes termos: “JULGO PROCEDENTES os pedidos na inicial, por restarem configurados os requisitos da sua responsabilidade civil, bem como o consequente dever de reparação dos danos causados. Posto isso, CONDENO solidariamente os requeridos ao pagamento de: I) R$ 100.000,00 (cem mil reais), a título de danos morais, devidamente corrigidos desde o arbitramento (Súmula 362, STJ) e acrescidos de juros moratórios desde o evento danoso – 12/10/2020 (art. 398, CC e Súmula 54, STJ); II) Pensão mensal aos autores, a título de danos patrimoniais - prestação de alimentos, desde a data do falecimento da vítima - 12/10/2020, no valor de 2/3 do salário-mínimo até a data em que completaria 25 (vinte e cinco) anos, reduzida a 1/3 do salário-mínimo até a data em que completaria 75 anos (expectativa de vida no Brasil de acordo com o IBGE), ou até o falecimento dos requerentes, o que vier primeiro. Em consonância com o princípio da sucumbência, CONDENO os requeridos ao pagamento das custas e honorários advocatícios, os quais fixo em 10% sobre o valor da condenação, na forma do art. 85, § 2º, do CPC. Entretanto, SUSPENDO a exigibilidade com relação ao réu José Cirson Bom Fim, uma vez que lhe concedo os benefícios da justiça gratuita.”. Os autores, ROBERTO CARLOS DA SILVA e SILVANA LOPES CAMARGO, interpuseram apelo (ID. 262392225 - ID de origem 171908027), e alegam em suas razões que o valor fixado a título de danos morais, partilhado entre ambos, é irrisório diante da gravidade do dano experimentado com a morte trágica do filho, requerendo sua majoração. Defendem que a indenização deve refletir não apenas a gravidade do fato e a dor ocasionada, mas também possuir caráter punitivo e pedagógico, proporcional à capacidade econômica da empresa apelada, requerendo a readequação do quantum indenizatório nesse sentido. Ressaltam que são pessoas de baixa renda, dependentes economicamente do filho falecido, e que a jurisprudência do STJ admite a majoração do valor indenizatório com base na presunção de dependência econômica, pleiteando que tal condição seja considerada para fins de fixação do valor. Por fim, requerem a majoração dos honorários sucumbenciais arbitrados na sentença, em conformidade com os critérios legais e jurisprudenciais aplicáveis pelo Tribunal. A parte ré DEL MORO & DEL MORO LTDA, interpôs apelo, (ID. 262392230 - ID de origem 172671230), e alega em suas razões sua ilegitimidade passiva, pois o veículo envolvido no acidente havia sido regularmente vendido antes da ocorrência, sendo a ausência de transferência junto ao Detran/MT responsabilidade exclusiva do comprador. Sustenta a inexistência de vínculo de preposição entre a empresa e o condutor do veículo, inexistindo subordinação, controle ou benefício econômico que configure relação funcional. Argumenta que não há nos autos prova suficiente da culpa do condutor pelo acidente, sendo inconclusivo o laudo pericial e ausentes testemunhos seguros, configurando excludente de responsabilidade por ausência de culpa. Alega a existência de culpa exclusiva de terceiro, condutor do veículo que trafegava à frente e que teria causado a frenagem abrupta do caminhão. Requer o reconhecimento da excludente de nexo causal e consequente improcedência dos pedidos. Requer o reconhecimento da ilegitimidade passiva. Subsidiariamente, caso mantida a condenação, defende a redução do valor indenizatório de base moral e material fixado. Contrarrazões sob ID. 269184256 e ID. 262392233. É o relatório. V O T O R E L A T O R Na origem trata-se de Ação Ex Delicto proposta por ROBERTO CARLOS DA SILVA e SILVANA LOPES CAMARGO contra DEL MORO & DEL MORO LTDA e JOSÉ CIRSON BOM FIM. A presente demanda tem origem no acidente de trânsito ocorrido em 12/10/2020, no qual Fabrício Lopes da Silva, filho dos autores, faleceu após colisão entre a motocicleta que conduzia e um caminhão dirigido pelo réu José Cirson, que, segundo alegado, teria invadido a pista contrária de forma imprudente e ilícita, razão pela qual os autores pleiteiam indenização por danos morais e o pagamento de pensão mensal a título de danos materiais. Na sentença, o juízo reconheceu a responsabilidade civil dos requeridos e os condenou, solidariamente, ao pagamento de R$ 100.000,00 por danos morais e pensão mensal aos autores, a título de danos patrimoniais, fixada em 2/3 do salário-mínimo desde o falecimento da vítima (12/10/2020) até a data em que completaria 25 anos. A parte autora interpôs Recurso de Apelação fundamentando sua tese na afirmação de que o valor fixado a título de danos morais é desproporcional à gravidade do fato, pleiteando sua majoração. Os réus interpuseram Recurso de Apelação fundamentando sua tese na preliminar de ilegitimidade passiva, com base na venda anterior do veículo e na aplicação da Súmula 132 do STJ. No mérito, nega vínculo de preposição com o condutor, sustenta a inexistência de culpa e aponta culpa exclusiva de terceiro como excludente de nexo causal. Adentrando ao mérito, o presente feito se apresenta sob a modalidade de Ação Ex Delicto, que constitui espécie de ação indenizatória, fundada na prática de infração penal que resulta em dano à vítima. Trata-se de ação de natureza civil, proposta perante a jurisdição cível, com o objetivo de reparar os prejuízos sofridos pela parte lesada em razão de fato típico, antijurídico e culpável previsto na legislação penal. Nos termos do Código Civil: “Art. 935. A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal.” Na definição exposta pelo doutrinador Tourinho Filho, temos que: “Chama-se actio civilis ex delicto, o prejuízo (dano) sofrido pelo indivíduo através de um ilícito penal e não civil, desta forma, é a actio que o lesado pode entremear, visando à satisfação do prejuízo, uma vez que a causa pretendi, a razão em que existe o pedido é o fato criminoso. Isto é, a justificativa para ingressar com a Ação Civil ex delicto é a consequência trazida pelo ato ilícito descrito no Código Penal, a qual cria a responsabilidade pelo fato, oriunda do Direito Civil tendo como escopo “a satisfação do dano produzido pela infração”. (TOURINHO, 2009, p. 258.) Assim, embora a responsabilidade civil decorrente do delito seja autônoma, eventual sentença penal condenatória transitada em julgado faz coisa julgada no juízo cível quanto à existência do fato e à autoria. A Ação Ex Delicto, como modalidade de responsabilização civil fundada na prática de infração penal, pode ter por objeto não apenas a reparação dos danos diretos sofridos pela vítima principal do delito, mas também os danos reflexos ou indiretos, comumente denominados de danos morais por ricochete. O dano moral por ricochete configura-se quando terceiros, que não foram diretamente atingidos pelo ato ilícito penal, sofrem repercussões lesivas decorrentes da infração. É o caso típico de familiares próximos que experimentam intenso sofrimento emocional em razão das consequências do crime cometido contra a vítima direta, especialmente quando este resulta em morte, lesões graves ou profunda degradação da dignidade. A doutrina, no que tange a este modo de indenização dispõe que: “Reconhece-se a legitimidade ativa para a ação de dano moral, via de regra, a aquele a quem se impôs um sofrimento, um constrangimento ou humilhação. Não obstante, existem situações em que pessoas outras sofrem, por via reflexa, os efeitos do dano padecido pela vítima imediata, amargando prejuízos, por estarem a elas vinculadas por laços afetivos, denominados na doutrina como prejudicados indiretos.” ( CAHALI, Yussef Said. Dano Moral, 4ª ed. rev., atual. e ampl., 2ª tiragem, Editora Revista dos Tribunais Ltda., 2014, p. 54). (g.n). Dessa forma, entende-se que o dano moral reflexo, também denominado por ricochete, decorre da violação ao direito de personalidade de uma pessoa, repercutindo sobre o direito personalíssimo de um terceiro, em virtude do vínculo afetivo existente com a vítima direta do ato lesivo, sendo, portanto, possível a sua indenização. Segundo a doutrina contemporânea, a presente ação decorre de direito personalíssimo e autônomo à indenização pelo sofrimento próprio decorrente do ato ilícito: “[...] o dano por ricochete ou préjudice d’ affection constitui direito personalíssimo dos referidos autores, e autônomo, conferindo-lhes direito à indenização por dano reflexo, por terem sido atingidos, também, em sua esfera de sofrimento. (...). Trata-se de hipótese de danos morais reflexos, ou seja, embora o ato tenha sito praticado diretamente contra determinada pessoa, seus efeitos acabam por atingir, indiretamente, a integridade moral de terceiros. É o chamado dano moral por ricochete ou préjudice d”affection, cuja reparação constitui direito personalíssimo e autônomo dos referidos autores” [...] (GONÇALVES, 2015, p.29-30 - GONÇALVES, Tiago Moreira. O dano reflexo e a sua legitimidade ativa. 1°ed. Florianópolis: Empório do Direito, 2015). Com efeito, a morte violenta de um ente familiar, sobretudo quando envolve filho, constitui hipótese emblemática do chamado dano moral em ricochete, e, por óbvio legitimada a propor a presente ação. Embora os direitos da personalidade - conforme o artigo 11 do Código Civil - sejam, em regra, intransmissíveis e irrenunciáveis, admite-se, em hipóteses excepcionais, que pessoas próximas e diretamente atingidas por um evento danoso, como a morte de um familiar, possam pleitear indenização autônoma, por força da repercussão subjetiva sofrida. Nesse viés, cumpre destacar que o vínculo existente entre genitores e sua prole, por sua própria natureza, é presumidamente revestido de proximidade, afetividade, de modo que, nos termos da jurisprudência consolidada do Eg. Superior Tribunal de Justiça revela-se desnecessária prova específica da dor em casos de lesão morte de filho em decorrência de crime, para fins de configuração do dano moral reflexo. Dessa forma: “AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ACIDENTE DE TRÂNSITO. MUTILAÇÃO DE BRAÇO DA VÍTIMA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. PEDIDO FORMULADO PELOS GENITORES E IRMÃOS DA VÍTIMA. LEGITIMIDADE ATIVA. DANO MORAL REFLEXO. PRECEDENTES DO STJ . AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. O dano moral reflexo, indireto ou por ricochete é aquele que, originado necessariamente do ato causador de prejuízo a uma pessoa, venha a atingir, de forma mediata, o direito personalíssimo de terceiro que mantenha com o lesado um vínculo direto. 2. Segundo a jurisprudência desta Corte Superior, o vinculo presente no núcleo familiar, e que interliga a vítima de acidente com seus irmãos e pais, é presumidamente estreito no tocante ao vínculo de afeto e amor, presumindo-se que desse laço se origina, com o acidente de um, a dor, o sofrimento, a angústia etc. nos genitores e irmãos, o que os legitima para a propositura de ação objetivando a percepção de indenização por dano moral reflexo. 3. No presente caso, observa-se que o acórdão da Corte estadual, ao reformar a sentença, que julgou extinto prematuramente o feito por suposta ilegitimidade ativa dos genitores e irmãos da vítima, a fim de que seja completada a fase de instrução, encontra-se em harmonia com a jurisprudência sedimentada no Superior Tribunal de Justiça . 4. Agravo interno não provido. (STJ - AgInt no AREsp: 1099667 SP 2017/0108619-0, Relator.: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 24/04/2018, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 02/05/2018). (g.n). À luz da jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, dispensa-se a exigência de prova específica da dor experimentada em casos de morte de filho decorrente de crime, para fins de configuração do dano moral reflexo. Em especial, por força da própria natureza da relação em voga, que possui, em regra, uma densidade afetiva presumida ex natura rerum, ou seja, inerente à própria essência das coisas. Tal presunção, conquanto relativa, desloca o ônus da prova à parte adversa, a quem incumbe demonstrar eventual ruptura, inexistência ou atipicidade desse vínculo. Ainda que não se cuide, no caso, de dano moral na modalidade in re ipsa, porquanto ausente sua configuração objetiva ou automática, é, a meu ver, inafastável a conclusão de que, a morte de um filho projeta sobre a esfera psíquica e emocional familiar um abalo que ultrapassa os lindes do desgosto comezinho, implicando sofrimento profundo e presumido. Destarte, competia à parte adversa a demonstração de eventual ausência de convivência ou de vínculo afetivo relevante, porquanto milita em favor dos genitores a presunção natural da existência de laços íntimos e legítimos com o filho falecido. Quanto a dinâmica do acidente automobilístico em debate, consta nos autos o inquérito policial n.º 55.3.2020.15694, (ID. 262392012 – ID de origem 54697888), da Delegacia de Alta Floresta/MT, que o caminhoneiro e réu José Cirson Bom Fim, ao retornar de Paranaíta, freou bruscamente para evitar colisão com uma F-4000 que o precedia, perdeu o controle e invadiu a contramão, colidindo frontalmente com uma motocicleta. O relatório elaborado pelos investigadores da Polícia Judiciária Civil descreve que o acidente ocorreu na rodovia MT-208, nas proximidades do frigorífico JBS, onde foram localizados um caminhão azul, modelo Mercedes Benz/712 C, fora da pista, e uma motocicleta Honda Titan de cor verde posicionada sob o caminhão, evidenciando colisão frontal. Nas imediações, encontravam-se os corpos das vítimas, um homem e uma mulher jovens, ambos com sinais visíveis de politraumatismo, como fraturas múltiplas, afundamento de crânio e desfiguração facial. A cena foi isolada pela Polícia Militar e periciada pela equipe da Politec, que constatou a existência de marcas de frenagem sobre faixa contínua no asfalto, sugerindo tentativa de manobra brusca em local de ultrapassagem proibida. Do ponto de vista da responsabilidade penal, a autoridade policial entendeu que a conduta do motorista caracterizou imprudência, nos termos do artigo 302 do Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9.503/97), por não manter controle do veículo e invadir faixa contrária de tráfego em trecho com faixa contínua. O inquérito policial é bem fundamentado ao analisar a dinâmica do acidente, concluindo que houve imprudência por parte do condutor do caminhão. Mesmo admitindo-se a versão de que uma caminhonete freou à sua frente, forçando uma manobra de desvio, o inquérito pontua com clareza que a velocidade e a reação do condutor do caminhão foram inadequadas às condições da via, o que por si só configura culpa. O estudo técnico realizado pela Politec possui presunção de veracidade iuris tantum, ou seja, admite prova em contrário, mas não foi desconstituído por nenhum elemento técnico ou probatório idôneo, motivo pelo qual sua conclusão deve ser mantida. Além disso, as evidências deixadas pela colisão são circunstanciais e perecíveis, não sendo possível sua reconstituição após o recolhimento dos veículos e destroços, o que reforça a importância e a confiabilidade do laudo pericial elaborado. A análise dos autos confirma a correção da decisão judicial ao reconhecer a culpa do réu José Cirson Bom Fim pela ocorrência do acidente de trânsito que resultou no óbito do filho dos autores. De outra sorte, apesar das suposições realizadas pela recorrente em seu petitório, inexistem provas em contrário que possam determinar que a conclusão ou método utilizado no laudo pericial foram inadequados ou capazes de anular a aferição realizada. O STJ já se manifestou acerca de matéria análoga: “AUSÊNCIA DE RAZÕES PARA DESCONSTITUIÇÃO DA PROVA PERICIAL. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. Não havendo razões para desconstituição da perícia ou qualquer nulidade no julgamento, mantém-se a sentença.” (STJ - AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL AREsp 1098265 MG 2017/0105725-0 (STJ) - Data de publicação: 30/06/2017). Compete à apelante comprovar a veracidade de suas alegações, a fim de demonstrar que constituem fatos extintivos do direito, nos termos do art. 373, inciso II, do Código de Processo Civil. Assim, não tendo logrado êxito em infirmar os fundamentos da r. sentença, impõe-se a sua manutenção. A versão apresentada, de que o acidente teria ocorrido em razão de freada brusca provocada por terceiro, não foi acompanhada de qualquer prova concreta que sustentasse a alegação de culpa exclusiva de outrem ou de caso fortuito. Nesse sentido, a ausência de testemunhas, registros oficiais ou qualquer elemento que demonstrasse outra causa eficiente rompe o nexo causal alegado pela defesa, prevalecendo a responsabilidade direta do condutor. Comprovada, assim, a prática de ato negligente e imprudente — elementos subjetivos da culpa —, resta plenamente configurado o dever de indenizar, nos termos dos artigos 186 e 927 do Código Civil. A conduta culposa foi a causa direta e imediata do dano, qual seja, a morte da vítima, evidenciando o nexo causal necessário à responsabilização civil. A jurisprudência pátria converge: “APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA EM RAZÃO DE ACIDENTE DE TRÂNSITO. COLISÃO FRONTAL ENTRE VEÍCULOS EM RODOVIA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. RECURSO INTERPOSTO PELO DEMANDADO . RESPONSABILIDADE PELO ACIDENTE. INVASÃO DA PISTA CONTRÁRIA PELO RÉU COMPROVADA POR BOLETIM DE OCORRÊNCIA. PRESUNÇÃO DE LEGALIDADE E VERACIDADE DO DOCUMENTO PÚBLICO. CROQUI AUXILIAR ELABORADO NO LOCAL DO ACIDENTE COM BASE EM DADOS TÉCNICOS. ACÚMULO DE ÁGUA NA PISTA E AQUAPLANAGEM QUE NÃO AFASTAM A RESPONSABILIDADE CIVIL. DEVER DE MANTER O DOMÍNIO DO VEÍCULO. ART. 28 DO CTB. INVASÃO DA PISTA CONTRÁRIA QUE FOI A CAUSA PRIMÁRIA DO ACIDENTE DE TRÂNSITO. EXCESSO DE VELOCIDADE DO VEÍCULO DA VÍTIMA NÃO DEMONSTRADO. CULPA EXCLUSIVA DO REQUERIDO PELO SINISTRO. DEVER DE INDENIZAR MANTIDO. FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS RECURSAIS.APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E DESPROVIDA.” (TJPR - 10ª C. Cível - 0006992-94.2015.8.16.0174 - União da Vitória - Rel.: DESEMBARGADOR GUILHERME FREIRE DE BARROS TEIXEIRA - J. 04.02.2022) (TJ-PR - APL: 00069929420158160174 União da Vitória 0006992-94.2015.8.16.0174 (Acórdão), Relator: Guilherme Freire de Barros Teixeira, Data de Julgamento: 04/02/2022, 10ª Câmara Cível, Data de Publicação: 04/02/2022) (g.n). Em continuidade, compete averiguar quanto a legitimidade passiva da empresa ré Del Moro & Del Moro Ltda por suposto vínculo com o causador de acidente automobilístico, o qual conduzia veículo anteriormente de sua propriedade. A tese de responsabilização repousa na alegada condição de preposto do condutor à época do evento, bem como na propriedade registral do veículo, ainda em nome da empresa requerida no momento do sinistro. Contudo, tais argumentos não resistem à análise jurídica sistemática da matéria, à luz da legislação vigente e da jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça. Inicialmente, cumpre assentar que, conforme se extrai do documento de ID 262392057 – ID. de origem 64018901), restou demonstrado que, em 28/02/2020, houve a celebração de contrato de compra e venda do veículo em questão, com reconhecimento da referida data firma, entre a empresa ré e o condutor do veículo envolvido no acidente, enquanto o acidente de trânsito ocorreu em 12/10/2020. A esse respeito, importa observar que, embora o artigo 123, §1º, do Código de Trânsito Brasileiro determine a obrigatoriedade do registro da transferência no prazo de trinta dias, a omissão nesse dever não produz, por si só, a responsabilização objetiva do alienante por danos causados após a alienação, sobretudo quando a transferência da posse é efetiva e inequívoca. É esse o entendimento sumulado do Superior Tribunal de Justiça: “A ausência de registro da transferência não implica a responsabilidade do antigo proprietário por dano resultante de acidente que envolva o veículo alienado.” (SÚMULA 132, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 26/04/1995, DJ 05/05/1995, p. 12000). Assim, ainda que a empresa ré figurasse formalmente como proprietária perante o DETRAN, tal condição registral não prevalece sobre a realidade da transferência de posse e domínio do bem, devidamente comprovada nos autos. Este sodalício trilha no mesmo caminho: “APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO INDENIZATÓRIA – ACIDENTE DE TRÂNSITO – CAMINHÃO E MOTOCICLETA – VEÍCULO MAIOR QUE CONVERGE À ESQUERDA E INTERCEPTA A TRAJETÓRIA DO MOTOCICLISTA – CULPA EXCLUSIVA DO MOTORISTA DO CAMINHÃO – VIOLAÇÃO DOS ARTIGOS 34 E 38, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CTB – RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DA EMPREGADORA – VEÍCULO ALIENADO ANTES DO ACIDENTE – TRADIÇÃO – AUSÊNCIA DE REGISTRO QUE NÃO ENSEJA A RESPONSABILIZAÇÃO DO ANTIGO PROPRIETÁRIO – SÚMULA N. º 132 DO STJ – DANOS MATERIAIS E MORAIS COMPROVADOS – VALOR INDENIZATÓRIO MANTIDO – RECURSO DA PRIMEIRA RÉ NÃO PROVIDO – RECURSO DA SEGUNDA RÉ PROVIDO I – O motorista que converge à esquerda sem se atentar ao fluxo da faixa contrária e, por não finalizar a manobra a tempo, intercepta a trajetória de motociclista que detinha preferência, age imprudentemente e deve ser responsabilizado pelos danos decorrentes do acidente. Art. 34 e 38, parágrafo único, do CTB . II – O empregador responde solidariamente pelos danos causados pelo empregado, no exercício do trabalho ou em razão dele. Art. 932, III, CC. III – A ausência de registro da transferência não implica a responsabilidade do antigo proprietário por dano resultante de acidente que envolva o veículo alienado . Súmula nº 132 do STJ.” (TJ-MT - AC: 10115758620178110041, Relator.: SERLY MARCONDES ALVES, Data de Julgamento: 08/11/2023, Quarta Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 10/11/2023) (g.n). No tocante à alegação de que o condutor estaria prestando serviços como preposto da empresa ré, verifica-se total ausência de provas nos autos que corroborem a existência de vínculo de subordinação, habitualidade ou prestação de serviços em nome da pessoa jurídica. Em matéria de responsabilidade por ato de preposto, o artigo 932, inciso III, do Código Civil impõe ao empregador ou comitente a responsabilidade pelos atos de seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele. Contudo, para que se configure a responsabilidade do comitente, é necessária a comprovação de vinculo empregatício, mesmo que informal, o que não restou demonstrado no caso concreto. A ausência de provas que demonstrem a existência de vínculo empregatício ou de qualquer relação de preposição entre o condutor do veículo e a empresa ré inviabiliza o reconhecimento de responsabilidade com fundamento no art. 932, III, do Código Civil. Ademais, o Documento Único de Transferência (DUT) juntado aos autos (ID 262392058 – origem 64018905) comprova que o reconhecimento de firma das partes no recibo de transferência do veículo ocorreu em 06/03/2020, data anterior ao acidente, o que reforça a verossimilhança da tese de que a empresa ré já havia efetivamente alienado o bem, e realizado a tradição, afastando sua responsabilidade civil pelo evento danoso. Dessa forma, não havendo comprovação da existência de vínculo entre o condutor do veículo e a empresa ré no momento do acidente, e estando demonstrada a transferência anterior da posse do veículo ao corréu, não subsiste fundamento jurídico para a responsabilização da empresa por fato que não guarda qualquer relação com qualquer ato de seus prepostos ou empregados. Conclui-se, pois, que, à luz da legislação aplicável, e da jurisprudência pacificada do STJ, inexiste responsabilidade civil da empresa Del Moro & Del Moro Ltda. pelos danos decorrentes do acidente em questão, seja na condição de proprietária do veículo, seja como comitente ou empregadora do condutor. Com o reconhecimento da ilegitimidade passiva da empresa Del Moro & Del Moro Ltda. e sua exclusão do polo passivo da demanda, resta prejudicado o pedido recursal formulado por essa parte quanto à revisão do valor da pensão mensal fixada a título de danos materiais, por ausência superveniente de interesse recursal, uma vez que a empresa não mais integra a relação processual como responsável solidária pela obrigação. No que tange ao quantum indenizatório, cumpre ressaltar que para a fixação do dano moral, à vista da inexistência de critérios legais e pré-estabelecidos para o seu arbitramento, incumbe ao juiz, por seu prudente arbítrio, estimar, atento às peculiaridades de cada caso concreto, um valor justo a título de indenização, tendo-se em mente os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Nessa trilha leciona SÉRGIO CAVALIERI FILHO: “Razoável é aquilo que é sensato, comedido, moderado; que guarda uma certa proporcionalidade. Importa dizer que o juiz, ao valorar o dano moral, deve arbitrar uma quantia que, de acordo com o seu prudente arbítrio, seja compatível com a reprovabilidade da conduta ilícita, a intensidade e duração do sofrimento experimentado pela vítima, a capacidade econômica do causador do dano, as condições sociais do ofendido, e outras circunstâncias mais que se fizerem presentes” (in Programa de Responsabilidade Civil, 2.ª edição, 2001 p. 81/82). Com efeito, a indenização por dano moral deve representar para a vítima uma satisfação capaz de amenizar de alguma forma o sofrimento impingido. A eficácia da contrapartida pecuniária está na aptidão para proporcionar tal satisfação em justa medida, de modo que não signifique um enriquecimento sem causa para a vítima e produza impacto bastante no causador do mal a fim de dissuadi-lo a praticar novo atentado. Diante do reconhecimento da ilegitimidade passiva da empresa Del Moro & Del Moro Ltda., com a consequente manutenção exclusiva do Sr. José Cirson Bom Fim no polo passivo da demanda, representado pela Defensoria Pública e, portanto, presumivelmente hipossuficiente, entende-se que o valor arbitrado a título de danos morais deve ser mantido. É necessário reconhecer a extrema gravidade dos acontecimentos, com a morte trágica do filho dos autores, por isso descabida a minoração do montante, por sua vez, a majoração da indenização com base na capacidade financeira do requerido revela-se descabida no presente caso, uma vez que não há nos autos elementos que demonstrem condição econômica do réu que justifique a fixação de valor superior. Sopesando tais orientações e ponderando as circunstâncias do caso, e revendo as razões e provas juntadas, verifico que o valor da indenização de cunho moral arbitrado em instância primeira, condiz com o dano experimentado pela parte autora, motivo pelo qual deve ser mantida. Com essas considerações, CONHEÇO dos RECURSOS; NEGO PROVIMENTO ao recurso das partes demandantes, e, DOU PROVIMENTO ao recurso da parte demandada reconhecer sua ilegitimidade passiva. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 04/06/2025

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ID: 291594769

Tribunal: TJMT Órgão: Segunda Câmara de Direito Privado Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 1002753-74.2021.8.11.0007

Data de Disponibilização: 06/06/2025

Polo Ativo:

DEL MORO & DEL MORO LTDA ROBERTO CARLOS DA SILVA SILVANA LOPES CAMARGO

Polo Passivo:

DEL MORO & DEL MORO LTDA ROBERTO CARLOS DA SILVA SILVANA LOPES CAMARGO

Acórdão

Advogados:

PEDRO AUGUSTO GRIGGIO RODRIGUES

OAB/PR XXXXXX Desbloquear

FELIPE DEL MORO

OAB/SP XXXXXX Desbloquear

MARCIO RODE

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1002753-74.2021.8.11.0007 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Acidente de Trânsito, Acidente de Trânsito] Rel… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1002753-74.2021.8.11.0007 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Acidente de Trânsito, Acidente de Trânsito] Relator: Des(a). TATIANE COLOMBO Turma Julgadora: [DES(A). TATIANE COLOMBO, DES(A). MARCOS REGENOLD FERNANDES, DES(A). MARILSEN ANDRADE ADDARIO] Parte(s): [FELIPE DEL MORO - CPF: 008.082.071-99 (ADVOGADO), MARCIO RODE - CPF: 763.378.391-53 (ADVOGADO), ROBERTO CARLOS DA SILVA - CPF: 557.468.451-91 (APELADO), SILVANA LOPES CAMARGO - CPF: 013.062.441-10 (APELADO), DEL MORO & DEL MORO LTDA - CNPJ: 00.877.761/0002-07 (APELANTE), FELIPE DEL MORO - CPF: 008.082.071-99 (ADVOGADO), JOSE CIRSON BOM FIM - CPF: 556.582.298-04 (APELANTE), PEDRO AUGUSTO GRIGGIO RODRIGUES - CPF: 079.076.049-58 (ADVOGADO), ROBERTO CARLOS DA SILVA - CPF: 557.468.451-91 (APELANTE), MARCIO RODE - CPF: 763.378.391-53 (ADVOGADO), DANIELA BATISTA DE MELLO - CPF: 058.978.121-95 (ADVOGADO), SILVANA LOPES CAMARGO - CPF: 013.062.441-10 (APELANTE), DEL MORO & DEL MORO LTDA - CNPJ: 00.877.761/0002-07 (APELADO), PEDRO AUGUSTO GRIGGIO RODRIGUES - CPF: 079.076.049-58 (ADVOGADO), JOSE VALNIR TEXEIRA - CPF: 307.588.820-68 (ADVOGADO), JOSE CIRSON BOM FIM - CPF: 556.582.298-04 (APELADO), MICAEL SILVA MAXIMO DA CRUZ - CPF: 046.838.301-83 (ASSISTENTE), ALEXANDRO DE AMORIM SILVA - CPF: 018.155.831-93 (ASSISTENTE), WELLINGTON DOS SANTOS PEREIRA - CPF: 016.737.171-10 (ASSISTENTE)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). MARILSEN ANDRADE ADDARIO, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: À UNANIMIDADE, RECURSO DOS AUTORES DESPROVIDO E RECURSO DO REQUERIDO PROVIDO, NOS TERMOS DO VOTO DA RELATORA. E M E N T A RECURSOS DE APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO EX DELICTO. ACIDENTE DE TRÂNSITO COM MORTE. DANO MORAL POR RICOCCHETE. RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA. LEGITIMIDADE PASSIVA. REVISÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. RECURSO DA PARTE AUTORA DESPROVIDO. RECURSO DA EMPRESA RÉ PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Recursos de Apelação interpostos por ambas as partes em Ação de Indenização por Danos Morais e Materiais ajuizada por genitores de vítima fatal de acidente de trânsito contra empresa proprietária formal do veículo e o condutor envolvido no sinistro. A sentença julgou parcialmente procedente o pedido inicial, condenando os requeridos solidariamente ao pagamento de R$ 100.000,00 por danos morais e pensão mensal aos autores. Os autores apelaram requerendo majoração da indenização por danos morais e dos honorários advocatícios. A empresa ré apelou alegando ilegitimidade passiva, ausência de culpa do condutor, inexistência de vínculo de preposição e culpa exclusiva de terceiro. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há três questões em discussão: (i) definir se a empresa ré, antiga proprietária formal do veículo, possui legitimidade passiva para responder civilmente pelos danos decorrentes do acidente; (ii) verificar a configuração dos pressupostos da responsabilidade civil subjetiva do condutor do veículo; (iii) avaliar a adequação do quantum indenizatório fixado a título de dano moral. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A configuração da responsabilidade civil por acidente de trânsito exige a demonstração de culpa, dano e nexo causal, conforme os arts. 186 e 927 do Código Civil, elementos presentes no caso concreto quanto ao condutor do caminhão, cuja imprudência restou demonstrada em inquérito policial que apontou manobra perigosa e invasão de pista contrária. 4. O dano moral por ricochete é reconhecido como direito personalíssimo e autônomo dos genitores da vítima, com presunção de sofrimento decorrente da morte do filho, nos termos da jurisprudência consolidada do STJ, não sendo exigível prova específica da dor. 5. A alegação de culpa exclusiva de terceiro não restou comprovada, não havendo nos autos elementos probatórios que rompam o nexo causal entre a conduta do condutor e o dano resultante. 6. A responsabilidade da empresa Del Moro & Del Moro Ltda. não se sustenta, pois foi comprovada a transferência da posse e domínio do veículo antes do acidente, afastando a responsabilidade objetiva do alienante conforme a Súmula 132 do STJ. 7. Ausente prova de vínculo empregatício ou de preposição entre o condutor do veículo e a empresa ré, inexiste fundamento para responsabilização com base no art. 932, III, do Código Civil. 8. O valor arbitrado a título de dano moral (R$ 100.000,00) observa os princípios da razoabilidade e proporcionalidade diante da gravidade do fato, da capacidade econômica das partes e da finalidade compensatória e pedagógica da indenização. IV. DISPOSITIVO E TESE Recurso da parte autora desprovido. Recurso da parte ré provido. Tese de julgamento: 1. A configuração do dano moral por ricochete independe de prova específica da dor, sendo presumida a angústia decorrente da morte de filho. 2. A responsabilidade civil subjetiva do condutor é caracterizada por conduta imprudente, dano e nexo causal devidamente comprovados. 3. A ausência de registro da transferência do veículo não gera responsabilidade do alienante quando demonstrada a tradição anterior ao evento danoso. 4. Inexiste responsabilidade civil da empresa proprietária formal do veículo quando ausente vínculo de preposição com o condutor e comprovada a alienação do bem antes do acidente. R E L A T Ó R I O Egrégia Câmara. Tratam-se de Recursos de Apelação Cível interpostos por: DEL MORO & DEL MORO LTDA e ROBERTO CARLOS DA SILVA e SILVANA LOPES CAMARGO, contra sentença proferida na “Ação de Indenização por Danos Morais e Materiais”, que tramita perante a 1ª Vara de Alta Floresta - MT. O magistrado a quo, em sentença, (ID. 262392212 - ID de origem 166226325), julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais nos seguintes termos: “JULGO PROCEDENTES os pedidos na inicial, por restarem configurados os requisitos da sua responsabilidade civil, bem como o consequente dever de reparação dos danos causados. Posto isso, CONDENO solidariamente os requeridos ao pagamento de: I) R$ 100.000,00 (cem mil reais), a título de danos morais, devidamente corrigidos desde o arbitramento (Súmula 362, STJ) e acrescidos de juros moratórios desde o evento danoso – 12/10/2020 (art. 398, CC e Súmula 54, STJ); II) Pensão mensal aos autores, a título de danos patrimoniais - prestação de alimentos, desde a data do falecimento da vítima - 12/10/2020, no valor de 2/3 do salário-mínimo até a data em que completaria 25 (vinte e cinco) anos, reduzida a 1/3 do salário-mínimo até a data em que completaria 75 anos (expectativa de vida no Brasil de acordo com o IBGE), ou até o falecimento dos requerentes, o que vier primeiro. Em consonância com o princípio da sucumbência, CONDENO os requeridos ao pagamento das custas e honorários advocatícios, os quais fixo em 10% sobre o valor da condenação, na forma do art. 85, § 2º, do CPC. Entretanto, SUSPENDO a exigibilidade com relação ao réu José Cirson Bom Fim, uma vez que lhe concedo os benefícios da justiça gratuita.”. Os autores, ROBERTO CARLOS DA SILVA e SILVANA LOPES CAMARGO, interpuseram apelo (ID. 262392225 - ID de origem 171908027), e alegam em suas razões que o valor fixado a título de danos morais, partilhado entre ambos, é irrisório diante da gravidade do dano experimentado com a morte trágica do filho, requerendo sua majoração. Defendem que a indenização deve refletir não apenas a gravidade do fato e a dor ocasionada, mas também possuir caráter punitivo e pedagógico, proporcional à capacidade econômica da empresa apelada, requerendo a readequação do quantum indenizatório nesse sentido. Ressaltam que são pessoas de baixa renda, dependentes economicamente do filho falecido, e que a jurisprudência do STJ admite a majoração do valor indenizatório com base na presunção de dependência econômica, pleiteando que tal condição seja considerada para fins de fixação do valor. Por fim, requerem a majoração dos honorários sucumbenciais arbitrados na sentença, em conformidade com os critérios legais e jurisprudenciais aplicáveis pelo Tribunal. A parte ré DEL MORO & DEL MORO LTDA, interpôs apelo, (ID. 262392230 - ID de origem 172671230), e alega em suas razões sua ilegitimidade passiva, pois o veículo envolvido no acidente havia sido regularmente vendido antes da ocorrência, sendo a ausência de transferência junto ao Detran/MT responsabilidade exclusiva do comprador. Sustenta a inexistência de vínculo de preposição entre a empresa e o condutor do veículo, inexistindo subordinação, controle ou benefício econômico que configure relação funcional. Argumenta que não há nos autos prova suficiente da culpa do condutor pelo acidente, sendo inconclusivo o laudo pericial e ausentes testemunhos seguros, configurando excludente de responsabilidade por ausência de culpa. Alega a existência de culpa exclusiva de terceiro, condutor do veículo que trafegava à frente e que teria causado a frenagem abrupta do caminhão. Requer o reconhecimento da excludente de nexo causal e consequente improcedência dos pedidos. Requer o reconhecimento da ilegitimidade passiva. Subsidiariamente, caso mantida a condenação, defende a redução do valor indenizatório de base moral e material fixado. Contrarrazões sob ID. 269184256 e ID. 262392233. É o relatório. V O T O R E L A T O R Na origem trata-se de Ação Ex Delicto proposta por ROBERTO CARLOS DA SILVA e SILVANA LOPES CAMARGO contra DEL MORO & DEL MORO LTDA e JOSÉ CIRSON BOM FIM. A presente demanda tem origem no acidente de trânsito ocorrido em 12/10/2020, no qual Fabrício Lopes da Silva, filho dos autores, faleceu após colisão entre a motocicleta que conduzia e um caminhão dirigido pelo réu José Cirson, que, segundo alegado, teria invadido a pista contrária de forma imprudente e ilícita, razão pela qual os autores pleiteiam indenização por danos morais e o pagamento de pensão mensal a título de danos materiais. Na sentença, o juízo reconheceu a responsabilidade civil dos requeridos e os condenou, solidariamente, ao pagamento de R$ 100.000,00 por danos morais e pensão mensal aos autores, a título de danos patrimoniais, fixada em 2/3 do salário-mínimo desde o falecimento da vítima (12/10/2020) até a data em que completaria 25 anos. A parte autora interpôs Recurso de Apelação fundamentando sua tese na afirmação de que o valor fixado a título de danos morais é desproporcional à gravidade do fato, pleiteando sua majoração. Os réus interpuseram Recurso de Apelação fundamentando sua tese na preliminar de ilegitimidade passiva, com base na venda anterior do veículo e na aplicação da Súmula 132 do STJ. No mérito, nega vínculo de preposição com o condutor, sustenta a inexistência de culpa e aponta culpa exclusiva de terceiro como excludente de nexo causal. Adentrando ao mérito, o presente feito se apresenta sob a modalidade de Ação Ex Delicto, que constitui espécie de ação indenizatória, fundada na prática de infração penal que resulta em dano à vítima. Trata-se de ação de natureza civil, proposta perante a jurisdição cível, com o objetivo de reparar os prejuízos sofridos pela parte lesada em razão de fato típico, antijurídico e culpável previsto na legislação penal. Nos termos do Código Civil: “Art. 935. A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal.” Na definição exposta pelo doutrinador Tourinho Filho, temos que: “Chama-se actio civilis ex delicto, o prejuízo (dano) sofrido pelo indivíduo através de um ilícito penal e não civil, desta forma, é a actio que o lesado pode entremear, visando à satisfação do prejuízo, uma vez que a causa pretendi, a razão em que existe o pedido é o fato criminoso. Isto é, a justificativa para ingressar com a Ação Civil ex delicto é a consequência trazida pelo ato ilícito descrito no Código Penal, a qual cria a responsabilidade pelo fato, oriunda do Direito Civil tendo como escopo “a satisfação do dano produzido pela infração”. (TOURINHO, 2009, p. 258.) Assim, embora a responsabilidade civil decorrente do delito seja autônoma, eventual sentença penal condenatória transitada em julgado faz coisa julgada no juízo cível quanto à existência do fato e à autoria. A Ação Ex Delicto, como modalidade de responsabilização civil fundada na prática de infração penal, pode ter por objeto não apenas a reparação dos danos diretos sofridos pela vítima principal do delito, mas também os danos reflexos ou indiretos, comumente denominados de danos morais por ricochete. O dano moral por ricochete configura-se quando terceiros, que não foram diretamente atingidos pelo ato ilícito penal, sofrem repercussões lesivas decorrentes da infração. É o caso típico de familiares próximos que experimentam intenso sofrimento emocional em razão das consequências do crime cometido contra a vítima direta, especialmente quando este resulta em morte, lesões graves ou profunda degradação da dignidade. A doutrina, no que tange a este modo de indenização dispõe que: “Reconhece-se a legitimidade ativa para a ação de dano moral, via de regra, a aquele a quem se impôs um sofrimento, um constrangimento ou humilhação. Não obstante, existem situações em que pessoas outras sofrem, por via reflexa, os efeitos do dano padecido pela vítima imediata, amargando prejuízos, por estarem a elas vinculadas por laços afetivos, denominados na doutrina como prejudicados indiretos.” ( CAHALI, Yussef Said. Dano Moral, 4ª ed. rev., atual. e ampl., 2ª tiragem, Editora Revista dos Tribunais Ltda., 2014, p. 54). (g.n). Dessa forma, entende-se que o dano moral reflexo, também denominado por ricochete, decorre da violação ao direito de personalidade de uma pessoa, repercutindo sobre o direito personalíssimo de um terceiro, em virtude do vínculo afetivo existente com a vítima direta do ato lesivo, sendo, portanto, possível a sua indenização. Segundo a doutrina contemporânea, a presente ação decorre de direito personalíssimo e autônomo à indenização pelo sofrimento próprio decorrente do ato ilícito: “[...] o dano por ricochete ou préjudice d’ affection constitui direito personalíssimo dos referidos autores, e autônomo, conferindo-lhes direito à indenização por dano reflexo, por terem sido atingidos, também, em sua esfera de sofrimento. (...). Trata-se de hipótese de danos morais reflexos, ou seja, embora o ato tenha sito praticado diretamente contra determinada pessoa, seus efeitos acabam por atingir, indiretamente, a integridade moral de terceiros. É o chamado dano moral por ricochete ou préjudice d”affection, cuja reparação constitui direito personalíssimo e autônomo dos referidos autores” [...] (GONÇALVES, 2015, p.29-30 - GONÇALVES, Tiago Moreira. O dano reflexo e a sua legitimidade ativa. 1°ed. Florianópolis: Empório do Direito, 2015). Com efeito, a morte violenta de um ente familiar, sobretudo quando envolve filho, constitui hipótese emblemática do chamado dano moral em ricochete, e, por óbvio legitimada a propor a presente ação. Embora os direitos da personalidade - conforme o artigo 11 do Código Civil - sejam, em regra, intransmissíveis e irrenunciáveis, admite-se, em hipóteses excepcionais, que pessoas próximas e diretamente atingidas por um evento danoso, como a morte de um familiar, possam pleitear indenização autônoma, por força da repercussão subjetiva sofrida. Nesse viés, cumpre destacar que o vínculo existente entre genitores e sua prole, por sua própria natureza, é presumidamente revestido de proximidade, afetividade, de modo que, nos termos da jurisprudência consolidada do Eg. Superior Tribunal de Justiça revela-se desnecessária prova específica da dor em casos de lesão morte de filho em decorrência de crime, para fins de configuração do dano moral reflexo. Dessa forma: “AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ACIDENTE DE TRÂNSITO. MUTILAÇÃO DE BRAÇO DA VÍTIMA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. PEDIDO FORMULADO PELOS GENITORES E IRMÃOS DA VÍTIMA. LEGITIMIDADE ATIVA. DANO MORAL REFLEXO. PRECEDENTES DO STJ . AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. O dano moral reflexo, indireto ou por ricochete é aquele que, originado necessariamente do ato causador de prejuízo a uma pessoa, venha a atingir, de forma mediata, o direito personalíssimo de terceiro que mantenha com o lesado um vínculo direto. 2. Segundo a jurisprudência desta Corte Superior, o vinculo presente no núcleo familiar, e que interliga a vítima de acidente com seus irmãos e pais, é presumidamente estreito no tocante ao vínculo de afeto e amor, presumindo-se que desse laço se origina, com o acidente de um, a dor, o sofrimento, a angústia etc. nos genitores e irmãos, o que os legitima para a propositura de ação objetivando a percepção de indenização por dano moral reflexo. 3. No presente caso, observa-se que o acórdão da Corte estadual, ao reformar a sentença, que julgou extinto prematuramente o feito por suposta ilegitimidade ativa dos genitores e irmãos da vítima, a fim de que seja completada a fase de instrução, encontra-se em harmonia com a jurisprudência sedimentada no Superior Tribunal de Justiça . 4. Agravo interno não provido. (STJ - AgInt no AREsp: 1099667 SP 2017/0108619-0, Relator.: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 24/04/2018, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 02/05/2018). (g.n). À luz da jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, dispensa-se a exigência de prova específica da dor experimentada em casos de morte de filho decorrente de crime, para fins de configuração do dano moral reflexo. Em especial, por força da própria natureza da relação em voga, que possui, em regra, uma densidade afetiva presumida ex natura rerum, ou seja, inerente à própria essência das coisas. Tal presunção, conquanto relativa, desloca o ônus da prova à parte adversa, a quem incumbe demonstrar eventual ruptura, inexistência ou atipicidade desse vínculo. Ainda que não se cuide, no caso, de dano moral na modalidade in re ipsa, porquanto ausente sua configuração objetiva ou automática, é, a meu ver, inafastável a conclusão de que, a morte de um filho projeta sobre a esfera psíquica e emocional familiar um abalo que ultrapassa os lindes do desgosto comezinho, implicando sofrimento profundo e presumido. Destarte, competia à parte adversa a demonstração de eventual ausência de convivência ou de vínculo afetivo relevante, porquanto milita em favor dos genitores a presunção natural da existência de laços íntimos e legítimos com o filho falecido. Quanto a dinâmica do acidente automobilístico em debate, consta nos autos o inquérito policial n.º 55.3.2020.15694, (ID. 262392012 – ID de origem 54697888), da Delegacia de Alta Floresta/MT, que o caminhoneiro e réu José Cirson Bom Fim, ao retornar de Paranaíta, freou bruscamente para evitar colisão com uma F-4000 que o precedia, perdeu o controle e invadiu a contramão, colidindo frontalmente com uma motocicleta. O relatório elaborado pelos investigadores da Polícia Judiciária Civil descreve que o acidente ocorreu na rodovia MT-208, nas proximidades do frigorífico JBS, onde foram localizados um caminhão azul, modelo Mercedes Benz/712 C, fora da pista, e uma motocicleta Honda Titan de cor verde posicionada sob o caminhão, evidenciando colisão frontal. Nas imediações, encontravam-se os corpos das vítimas, um homem e uma mulher jovens, ambos com sinais visíveis de politraumatismo, como fraturas múltiplas, afundamento de crânio e desfiguração facial. A cena foi isolada pela Polícia Militar e periciada pela equipe da Politec, que constatou a existência de marcas de frenagem sobre faixa contínua no asfalto, sugerindo tentativa de manobra brusca em local de ultrapassagem proibida. Do ponto de vista da responsabilidade penal, a autoridade policial entendeu que a conduta do motorista caracterizou imprudência, nos termos do artigo 302 do Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9.503/97), por não manter controle do veículo e invadir faixa contrária de tráfego em trecho com faixa contínua. O inquérito policial é bem fundamentado ao analisar a dinâmica do acidente, concluindo que houve imprudência por parte do condutor do caminhão. Mesmo admitindo-se a versão de que uma caminhonete freou à sua frente, forçando uma manobra de desvio, o inquérito pontua com clareza que a velocidade e a reação do condutor do caminhão foram inadequadas às condições da via, o que por si só configura culpa. O estudo técnico realizado pela Politec possui presunção de veracidade iuris tantum, ou seja, admite prova em contrário, mas não foi desconstituído por nenhum elemento técnico ou probatório idôneo, motivo pelo qual sua conclusão deve ser mantida. Além disso, as evidências deixadas pela colisão são circunstanciais e perecíveis, não sendo possível sua reconstituição após o recolhimento dos veículos e destroços, o que reforça a importância e a confiabilidade do laudo pericial elaborado. A análise dos autos confirma a correção da decisão judicial ao reconhecer a culpa do réu José Cirson Bom Fim pela ocorrência do acidente de trânsito que resultou no óbito do filho dos autores. De outra sorte, apesar das suposições realizadas pela recorrente em seu petitório, inexistem provas em contrário que possam determinar que a conclusão ou método utilizado no laudo pericial foram inadequados ou capazes de anular a aferição realizada. O STJ já se manifestou acerca de matéria análoga: “AUSÊNCIA DE RAZÕES PARA DESCONSTITUIÇÃO DA PROVA PERICIAL. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. Não havendo razões para desconstituição da perícia ou qualquer nulidade no julgamento, mantém-se a sentença.” (STJ - AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL AREsp 1098265 MG 2017/0105725-0 (STJ) - Data de publicação: 30/06/2017). Compete à apelante comprovar a veracidade de suas alegações, a fim de demonstrar que constituem fatos extintivos do direito, nos termos do art. 373, inciso II, do Código de Processo Civil. Assim, não tendo logrado êxito em infirmar os fundamentos da r. sentença, impõe-se a sua manutenção. A versão apresentada, de que o acidente teria ocorrido em razão de freada brusca provocada por terceiro, não foi acompanhada de qualquer prova concreta que sustentasse a alegação de culpa exclusiva de outrem ou de caso fortuito. Nesse sentido, a ausência de testemunhas, registros oficiais ou qualquer elemento que demonstrasse outra causa eficiente rompe o nexo causal alegado pela defesa, prevalecendo a responsabilidade direta do condutor. Comprovada, assim, a prática de ato negligente e imprudente — elementos subjetivos da culpa —, resta plenamente configurado o dever de indenizar, nos termos dos artigos 186 e 927 do Código Civil. A conduta culposa foi a causa direta e imediata do dano, qual seja, a morte da vítima, evidenciando o nexo causal necessário à responsabilização civil. A jurisprudência pátria converge: “APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA EM RAZÃO DE ACIDENTE DE TRÂNSITO. COLISÃO FRONTAL ENTRE VEÍCULOS EM RODOVIA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. RECURSO INTERPOSTO PELO DEMANDADO . RESPONSABILIDADE PELO ACIDENTE. INVASÃO DA PISTA CONTRÁRIA PELO RÉU COMPROVADA POR BOLETIM DE OCORRÊNCIA. PRESUNÇÃO DE LEGALIDADE E VERACIDADE DO DOCUMENTO PÚBLICO. CROQUI AUXILIAR ELABORADO NO LOCAL DO ACIDENTE COM BASE EM DADOS TÉCNICOS. ACÚMULO DE ÁGUA NA PISTA E AQUAPLANAGEM QUE NÃO AFASTAM A RESPONSABILIDADE CIVIL. DEVER DE MANTER O DOMÍNIO DO VEÍCULO. ART. 28 DO CTB. INVASÃO DA PISTA CONTRÁRIA QUE FOI A CAUSA PRIMÁRIA DO ACIDENTE DE TRÂNSITO. EXCESSO DE VELOCIDADE DO VEÍCULO DA VÍTIMA NÃO DEMONSTRADO. CULPA EXCLUSIVA DO REQUERIDO PELO SINISTRO. DEVER DE INDENIZAR MANTIDO. FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS RECURSAIS.APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E DESPROVIDA.” (TJPR - 10ª C. Cível - 0006992-94.2015.8.16.0174 - União da Vitória - Rel.: DESEMBARGADOR GUILHERME FREIRE DE BARROS TEIXEIRA - J. 04.02.2022) (TJ-PR - APL: 00069929420158160174 União da Vitória 0006992-94.2015.8.16.0174 (Acórdão), Relator: Guilherme Freire de Barros Teixeira, Data de Julgamento: 04/02/2022, 10ª Câmara Cível, Data de Publicação: 04/02/2022) (g.n). Em continuidade, compete averiguar quanto a legitimidade passiva da empresa ré Del Moro & Del Moro Ltda por suposto vínculo com o causador de acidente automobilístico, o qual conduzia veículo anteriormente de sua propriedade. A tese de responsabilização repousa na alegada condição de preposto do condutor à época do evento, bem como na propriedade registral do veículo, ainda em nome da empresa requerida no momento do sinistro. Contudo, tais argumentos não resistem à análise jurídica sistemática da matéria, à luz da legislação vigente e da jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça. Inicialmente, cumpre assentar que, conforme se extrai do documento de ID 262392057 – ID. de origem 64018901), restou demonstrado que, em 28/02/2020, houve a celebração de contrato de compra e venda do veículo em questão, com reconhecimento da referida data firma, entre a empresa ré e o condutor do veículo envolvido no acidente, enquanto o acidente de trânsito ocorreu em 12/10/2020. A esse respeito, importa observar que, embora o artigo 123, §1º, do Código de Trânsito Brasileiro determine a obrigatoriedade do registro da transferência no prazo de trinta dias, a omissão nesse dever não produz, por si só, a responsabilização objetiva do alienante por danos causados após a alienação, sobretudo quando a transferência da posse é efetiva e inequívoca. É esse o entendimento sumulado do Superior Tribunal de Justiça: “A ausência de registro da transferência não implica a responsabilidade do antigo proprietário por dano resultante de acidente que envolva o veículo alienado.” (SÚMULA 132, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 26/04/1995, DJ 05/05/1995, p. 12000). Assim, ainda que a empresa ré figurasse formalmente como proprietária perante o DETRAN, tal condição registral não prevalece sobre a realidade da transferência de posse e domínio do bem, devidamente comprovada nos autos. Este sodalício trilha no mesmo caminho: “APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO INDENIZATÓRIA – ACIDENTE DE TRÂNSITO – CAMINHÃO E MOTOCICLETA – VEÍCULO MAIOR QUE CONVERGE À ESQUERDA E INTERCEPTA A TRAJETÓRIA DO MOTOCICLISTA – CULPA EXCLUSIVA DO MOTORISTA DO CAMINHÃO – VIOLAÇÃO DOS ARTIGOS 34 E 38, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CTB – RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DA EMPREGADORA – VEÍCULO ALIENADO ANTES DO ACIDENTE – TRADIÇÃO – AUSÊNCIA DE REGISTRO QUE NÃO ENSEJA A RESPONSABILIZAÇÃO DO ANTIGO PROPRIETÁRIO – SÚMULA N. º 132 DO STJ – DANOS MATERIAIS E MORAIS COMPROVADOS – VALOR INDENIZATÓRIO MANTIDO – RECURSO DA PRIMEIRA RÉ NÃO PROVIDO – RECURSO DA SEGUNDA RÉ PROVIDO I – O motorista que converge à esquerda sem se atentar ao fluxo da faixa contrária e, por não finalizar a manobra a tempo, intercepta a trajetória de motociclista que detinha preferência, age imprudentemente e deve ser responsabilizado pelos danos decorrentes do acidente. Art. 34 e 38, parágrafo único, do CTB . II – O empregador responde solidariamente pelos danos causados pelo empregado, no exercício do trabalho ou em razão dele. Art. 932, III, CC. III – A ausência de registro da transferência não implica a responsabilidade do antigo proprietário por dano resultante de acidente que envolva o veículo alienado . Súmula nº 132 do STJ.” (TJ-MT - AC: 10115758620178110041, Relator.: SERLY MARCONDES ALVES, Data de Julgamento: 08/11/2023, Quarta Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 10/11/2023) (g.n). No tocante à alegação de que o condutor estaria prestando serviços como preposto da empresa ré, verifica-se total ausência de provas nos autos que corroborem a existência de vínculo de subordinação, habitualidade ou prestação de serviços em nome da pessoa jurídica. Em matéria de responsabilidade por ato de preposto, o artigo 932, inciso III, do Código Civil impõe ao empregador ou comitente a responsabilidade pelos atos de seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele. Contudo, para que se configure a responsabilidade do comitente, é necessária a comprovação de vinculo empregatício, mesmo que informal, o que não restou demonstrado no caso concreto. A ausência de provas que demonstrem a existência de vínculo empregatício ou de qualquer relação de preposição entre o condutor do veículo e a empresa ré inviabiliza o reconhecimento de responsabilidade com fundamento no art. 932, III, do Código Civil. Ademais, o Documento Único de Transferência (DUT) juntado aos autos (ID 262392058 – origem 64018905) comprova que o reconhecimento de firma das partes no recibo de transferência do veículo ocorreu em 06/03/2020, data anterior ao acidente, o que reforça a verossimilhança da tese de que a empresa ré já havia efetivamente alienado o bem, e realizado a tradição, afastando sua responsabilidade civil pelo evento danoso. Dessa forma, não havendo comprovação da existência de vínculo entre o condutor do veículo e a empresa ré no momento do acidente, e estando demonstrada a transferência anterior da posse do veículo ao corréu, não subsiste fundamento jurídico para a responsabilização da empresa por fato que não guarda qualquer relação com qualquer ato de seus prepostos ou empregados. Conclui-se, pois, que, à luz da legislação aplicável, e da jurisprudência pacificada do STJ, inexiste responsabilidade civil da empresa Del Moro & Del Moro Ltda. pelos danos decorrentes do acidente em questão, seja na condição de proprietária do veículo, seja como comitente ou empregadora do condutor. Com o reconhecimento da ilegitimidade passiva da empresa Del Moro & Del Moro Ltda. e sua exclusão do polo passivo da demanda, resta prejudicado o pedido recursal formulado por essa parte quanto à revisão do valor da pensão mensal fixada a título de danos materiais, por ausência superveniente de interesse recursal, uma vez que a empresa não mais integra a relação processual como responsável solidária pela obrigação. No que tange ao quantum indenizatório, cumpre ressaltar que para a fixação do dano moral, à vista da inexistência de critérios legais e pré-estabelecidos para o seu arbitramento, incumbe ao juiz, por seu prudente arbítrio, estimar, atento às peculiaridades de cada caso concreto, um valor justo a título de indenização, tendo-se em mente os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Nessa trilha leciona SÉRGIO CAVALIERI FILHO: “Razoável é aquilo que é sensato, comedido, moderado; que guarda uma certa proporcionalidade. Importa dizer que o juiz, ao valorar o dano moral, deve arbitrar uma quantia que, de acordo com o seu prudente arbítrio, seja compatível com a reprovabilidade da conduta ilícita, a intensidade e duração do sofrimento experimentado pela vítima, a capacidade econômica do causador do dano, as condições sociais do ofendido, e outras circunstâncias mais que se fizerem presentes” (in Programa de Responsabilidade Civil, 2.ª edição, 2001 p. 81/82). Com efeito, a indenização por dano moral deve representar para a vítima uma satisfação capaz de amenizar de alguma forma o sofrimento impingido. A eficácia da contrapartida pecuniária está na aptidão para proporcionar tal satisfação em justa medida, de modo que não signifique um enriquecimento sem causa para a vítima e produza impacto bastante no causador do mal a fim de dissuadi-lo a praticar novo atentado. Diante do reconhecimento da ilegitimidade passiva da empresa Del Moro & Del Moro Ltda., com a consequente manutenção exclusiva do Sr. José Cirson Bom Fim no polo passivo da demanda, representado pela Defensoria Pública e, portanto, presumivelmente hipossuficiente, entende-se que o valor arbitrado a título de danos morais deve ser mantido. É necessário reconhecer a extrema gravidade dos acontecimentos, com a morte trágica do filho dos autores, por isso descabida a minoração do montante, por sua vez, a majoração da indenização com base na capacidade financeira do requerido revela-se descabida no presente caso, uma vez que não há nos autos elementos que demonstrem condição econômica do réu que justifique a fixação de valor superior. Sopesando tais orientações e ponderando as circunstâncias do caso, e revendo as razões e provas juntadas, verifico que o valor da indenização de cunho moral arbitrado em instância primeira, condiz com o dano experimentado pela parte autora, motivo pelo qual deve ser mantida. Com essas considerações, CONHEÇO dos RECURSOS; NEGO PROVIMENTO ao recurso das partes demandantes, e, DOU PROVIMENTO ao recurso da parte demandada reconhecer sua ilegitimidade passiva. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 04/06/2025

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