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Robson Reis Magalhaes x General Motors Do Brasil e outros

ID: 335875938

Tribunal: TJMT Órgão: 8ª VARA CÍVEL DE CUIABÁ Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL Nº Processo: 1011089-91.2023.8.11.0041

Data de Disponibilização: 28/07/2025

Polo Ativo:

ROBSON REIS MAGALHAES

Polo Passivo:

GENERAL MOTORS DO BRASIL MAISATIVO INTERMEDIACAO DE ATIVOS LTDA

Sentença

Advogados:

FABIO RIVELLI

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

RAFAEL MAZZOLIN MACIEL

OAB/SP XXXXXX Desbloquear

DEBORA BRIZZOLLA FERREIRA DA SILVA

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO 8ª VARA CÍVEL DE CUIABÁ Processo n. 1011089-91.2023.8.11.0041 Vistos e examinados. ROBSON REIS MAGALHAES propôs AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C PEDIDO DE INDENIZ… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO 8ª VARA CÍVEL DE CUIABÁ Processo n. 1011089-91.2023.8.11.0041 Vistos e examinados. ROBSON REIS MAGALHAES propôs AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS E TUTELA DE URGÊNCIA em desfavor de GENERAL MOTORS DO BRASIL e MAISATIVO INTERMEDIACAO DE ATIVOS LTDA, ao argumento, em síntese, de que adquiriu um veículo Onix Plus, Placa EEX1G29, por meio de leilão online na plataforma da Maisativo, embora a documentação do veículo tenha sido extraviada pela aludida empresa, impossibilitando a transferência da propriedade, além do automóvel apresentar vícios ocultos não informados no edital do leilão, motivo pelo qual pleiteia a condenação das empresas demandadas à regularização da documentação, à realização dos reparos necessários e ao pagamento de indenização por danos materiais e morais. Recebida a inicial (ID 115452971), este juízo houve por bem conceder a tutela de urgência pleiteada, designar audiência para tentativa de conciliação e determinar a citação das demandadas. Citada, a General Motors do Brasil LTDA. ofertou resposta (ID 122596180). Preliminarmente, suscita sua ilegitimidade passiva. No mérito, resumidamente, sustenta que o demandante deveria ter realizado uma vistoria prévia, com um mecânico de sua confiança, ante a ausência da garantia de fábrica prevista para o veículo, objeto dos autos; informações constantes do Edital e do Termo de Responsabilidade por ele assinado, ciente, pois, sobre a aquisição no estado em que se encontrava e das condições impostas à arrematação. Destaca a inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor à relação negocial havida. Por fim, refuta a existência de danos material e moral passíveis de reparação. As partes não compuseram amigavelmente solenidade para tentativa de conciliação (ID 122730412). Por sua vez, a Maisativo Intermediação De Ativos LTDA. apresentou contestação (ID 124105339). Meritoriamente, em suma, relata que o negócio realizado vinculou apenas a GENERAL MOTORS DO BRASIL LTDA., a qual recebeu o pagamento do valor devido pela arrematação, por meio de conta digital e, entre os dias 09 e 12/12/2.022, efetuou o saque, de modo que sua responsabilidade está limitada ao regular funcionamento da plataforma eletrônica. Ao final, Diz que o demandante adquiriu o veículo no estado em que se encontrava, inexistindo comprovação de que os supostos danos alegados na presente ação existiam antes da longa viagem que entendeu por bem realizar de São Paulo até Cuiabá, devendo os pedidos serem julgados improcedentes. Réplica no ID 124251818. Instadas a especificarem provas, as partes demonstraram desinteresse na produção de outras além da já existentes nos autos e requereram o julgamento antecipado da lide (IDs 167768711 e 167855850). Decisão de organização e saneamento (ID 184697065). Vieram os autos conclusos. É o que merece registro. DECIDO. 2.1. - Do julgamento antecipado da lide. O Art. 355, inciso I, do Código de Processo Civil dispõe que o juiz julgará antecipadamente o pedido, proferindo sentença com resolução de mérito, quando não houver necessidade de produção de outras provas. Ademais, instadas a especificarem provas, as partes demonstraram desinteresse na produção de outras além da já existentes nos autos (IDs 167768711 e 167855850). Nada obstante, o ordenamento processual vigente, à luz do dever constitucional de motivação dos atos judiciais (Art. 93, inciso IX da CF), adotou o princípio da persuasão racional, segundo o qual o juiz, ao proferir decisão, formará livremente seu convencimento. Assim, em atenção ao processado, passo ao julgamento da demanda posta. 2.1.1. - Da preliminar. 2.1.1.1. - Ilegitimidade passiva arguida por ambas empresas demandadas. A ilegitimidade passiva suscitada se confunde com o mérito da ação, pois identificar se há responsabilidade das demandadas, ou não, pelos danos que lhe são imputados, é o cerne da questão a ser dirimida ao tempo da análise do mérito. DIFIRO, pois, eventual decisão para o momento oportuno. 2.1.2. - Do mérito. Presentes os pressupostos de constituição, validade regular do processo e demais condições da ação e não havendo questões prejudiciais ao regular desfecho, nem nulidades a serem reconhecidas de ofício, e estando o feito devidamente saneado, adentro ao cerne da contenda. A controvérsia reside nas pretensões de obrigação de fazer, inerente a regularização documental do veículo CHEVROLET ONIX PLUS 1.0 T AT PR2, 2019/2020, Placa: EEX1G29, e indenizatórias, por danos experimentados, ante a aquisição do bem em leilão extrajudicial, ocorrido em 01/12/2022, pelo valor total de R$ 77.175,00 (setenta e sete mil, cento e setenta e cinco reais), sem a devida comunicação das avarias. De início, entendo que a questão trazida é regulada pelo Código de Defesa do Consumidor, face à venda promovida em leilão extrajudicial - a alienante General Motors do Brasil LTDA. é fornecedora de produtos e/ou serviços e o arrematante/autor é consumidor. Pois bem. A par do exposto na decisão que concedeu a tutela de urgência, liminarmente, bem como ao inserido no caderno processual, incontroverso que o demandante adquiriu o veículo CHEVROLET ONIX PLUS 1.0 T AT PR2, 2019/2020, Placa: EEX1G29, em 01/12/2022, por meio da modalidade “Leilão Chevrolet”, tendo quitado o valor disponibilizado no procedimento eletrônico, sem que, no prazo devido, o Certificado do Registro do Veículo (CRV) tenha sido entregue, obstaculizando a transferência da titularidade do bem. Cediço que o documento de transferência deve ser entregue juntamente com o veículo, pois o novo proprietário tem o prazo de 30 (trinta) dias para a expedição do Certificado de Registro do Veículo, a teor do que dispõe o Art. 123, §1º do CTB. No caso, restou evidente que a Maisativo Intermediação de Ativos LTDA. e a General Motors do Brasil LTDA. não entregaram a documentação pertinente ao registro e circulação do veículo arrematado em tempo oportuno. Ademais, a própria Maisativo Intermediação de Ativos LTDA. demonstrou conhecimento do extravio documental e da situação irregular do veículo, perante o Departamento de Trânsito, consoante se depreende da troca de mensagens eletrônicas com o demandante por meio do canal oficial: qualidade.posvenda@superbird.net (IDs 113644175, 113644177, 113644178 e 113644179). Destarte, sem maiores delongas, há que ser confirmada a decisão proferida em sede de cognição sumária (ID 115452971). Tocante aos pedidos indenizatórios, notadamente em virtude dos danos verificados quando da retirada e rodagem do veículo, leciona o festejado Paulo Nader, na obra "Curso de direito civil, volume 7: responsabilidade civil./Paulo Nader. – 6. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2016", p. 52/53: “10. NOÇÕES DE REPARAÇÃO E INDENIZAÇÃO De um modo geral a doutrina não distingue as noções de reparação e indenização, aplicando-as como fórmula de satisfação à vítima por danos decorrentes de inadimplemento negocial ou de ato ilícito. Como anota Paulo Luiz Netto Lôbo, reparação é gênero, enquanto indenização é espécie. O Código Civil de 2002, ao tratar da prescrição no art. 206, §3º, refere-se à reparação civil como gênero, fixando o prazo de três anos para a pretensão do ofendido. Igual critério é considerado, entre outras disposições, no caput do art. 932. Reparação, lato sensu, é prestação devida pelo ofensor ao ofendido em decorrência de violação ou descumprimento de obrigação. Apresenta-se sob três modalidades possíveis: a) reparação in natura; b)reparação específica; c) indenização. A primeira – in natura – consiste no modo mais eficaz de satisfação da lesão provocada; é quando o ofensor, às suas expensas, recompõe o quadro fático ao estado em que se encontrava (restitutio in integrum). Se alguém abalroa o veículo de outrem, haverá reparação in natura se o ofensor volve o objeto ao statu quo ante, assumindo as despesas correspondentes. Diz-se específica a reparação prevista pela ordem jurídica como forma substitutiva da satisfação in natura, como a estipulada pela Constituição Federal, art. 5º, inciso V, que dá o direito de resposta ao ofendido em casos de injúria, calúnia ou difamação, sem prejuízo do pleito de indenização por danos materiais e morais. Indenização consiste na reparação mediante pagamento, pelo ofensor ao ofendido ou seus dependentes, estipulado pelo juízo em razão de danos materiais ou morais. O vocábulo provém de indemnis, equivalente à expressão 'que não teve prejuízo'; daí dizer-se que a indenização visa a tornar o ofendido indene, ou seja, sem prejuízo. Teixeira de Freitas denomina indene não o estado decorrente da satisfação de um dano, mas o próprio ofendido que 'por motivo da indenidade, e da indenização, recebe alguma coisa de outrem'. Por indenidade considera o 'que se dá a alguém, para que não sofra algum dano'. A terminologia, porém, não é corrente na literatura jurídica.(…)”. E sobre os danos reparáveis pontua (ob. citada, p. 53/54): "11. DANOS REPARÁVEIS A responsabilidade civil, consoante já assentado, impõe ao ofensor a plena reparação dos danos injustamente impostos à vítima. O cumprimento desta obrigação se faz ressarcindo a pessoa diretamente atingida ou os seus dependentes. Por maior que sejam os prejuízos, estes devem ser arcados pelo responsável, ressalvada a hipótese de excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o prejuízo (art. 944, parágrafo único, do CC). O quantum indenizatório é considerado, para efeito de recurso junto ao Superior Tribunal de Justiça, matéria de direito. Nem todo dano implica a responsabilidade civil, como se verifica, por exemplo, no âmbito das concorrências comerciais ou quando o agente atua em legitima defesa, no exercício regular do seu direito ou para remover perigo iminente." Tocante aos danos material e moral, arremata (ob. citada, p. 120/122): “44. DANOS PATRIMONIAIS Ao expressar a noção de ato ilícito, o art. 186 do Código Civil não faz restrição a qualquer modalidade de prejuízo. Assim, desde que o agente, culposamente, produza dano ao direito alheio, não ocorrendo alguma exclusão de ilicitude, haverá a responsabilidade de reparação. O agente deve ser compelido a recompor a situação fática ao statu quo ante ou, não sendo isto possível, a indenizar a vítima com o valor correspondente à extensão do seu prejuízo. O dano se diz patrimonial quando provoca a diminuição do acervo de bens materiais da vítima ou, então, impede o seu aumento. Materializa-se por danos emergentes, com a diminuição do patrimônio, ou por lucros cessantes, quando a vítima se vê impedida da atividade que lhe traria proveito econômico. A ocorrência do dano patrimonial não requer, necessariamente, que o agente atinja diretamente bens materiais, pois é possível que advenha, reflexamente, de ofensas morais à vítima. Se um órgão de imprensa, levianamente veicula calúnias contra um diretor de estabelecimento de ensino, envolvendo a prática de pedofilia com alunos, a conduta do agente é meio eficaz para provocar danos patrimoniais à vítima, pois inevitavelmente ocorrerá a evasão de alunos e, com ela, os prejuízos, tanto por danos emergentes quanto por lucros cessantes. (…) 45. DANOS MORAIS Os patrimônios individuais são formados por bens materiais e imateriais. Os primeiros se compõem de riquezas suscetíveis de avaliação pecuniária, enquanto os segundos não comportam tal estimativa, como a vida, a honra, a liberdade. Os prejuízos causados aos bens materiais por damnum emergens ou lucrum cessans configuram os danos patrimoniais, enquanto os afetos aos bens imateriais são os danos morais. A indenização por danos morais não visa à reparação, pois não há como a vítima se tornar indene; condena-se com dupla finalidade: a de proporcionar à vítima uma compensação e para se desestimular condutas desta natureza. (…)”. Adiante, ao que se vê das cláusulas do Edital ("EVENTO N. 224732 – Chevrolet - QUADRO RESUMO - Vendedor: GENERAL MOTORS DO BRASIL LTDA.", ID 122596182) e do "Termo de Responsabilidade”, com reconhecimento de firma da assinatura do demandante (ID 122596183), "Os bens serão vendidos NO ESTADO em que se encontram e SEM GARANTIA, exceto quando mencionada na descrição detalhada do lote. Quando houver garantia, para acioná-la o comprador deverá fazer as revisões pendentes do manual (Ex: 10 mil km/1 ano, 20 mil km/2 anos ou a que necessitar)(…)"Salienta-se que os veículos não estão com as revisões em dia, portanto o comprador terá que iniciar o processo de revisão, sendo de sua responsabilidade todos os custos envolvidos, tais como: peças, mão de obra, entre outros. O período de garantia constará na descrição detalhada de cada lote.”, além de tornar firme “4. Declaro, ainda, que tenho conhecimento do Edital do Leilão publicado no PORTAL SUPERBID, que permitia a visitação do veículo antes da arrematação acompanhado de técnico de minha confiança, bem como tenho pleno conhecimento de que o veículo é usado, não foi revisado e não está em período de garantia do fabricante, sendo adquirido, portanto, no estado de conservação em que se encontra, não tendo nada a reclamar após a retirada do mesmo deste local, sendo de minha responsabilidade todas as despesas decorrentes da eventual necessidade de troca de partes peças ou sua regularização junto aos órgãos competentes” (…). E a reparação civil, no que concerne aos danos materiais e morais, encontra fundamento no Art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, que prevê a responsabilidade objetiva: “Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.” Todavia, como visto acima, o instrumento particular firmado entre as partes possui força obrigatória, pois vincula os indivíduos ao cumprimento das obrigações assumidas (pacta sunt servanda), de forma que suas cláusulas e condições, desde que não sejam proibidas por lei ou, no caso em questão, não violem os direitos básicos do consumidor, devem ser cumpridas. Em leilões, a expressão "no estado em que se encontra" significa que o bem é vendido exatamente como está, sem garantia de funcionamento ou estado perfeito, incluindo vícios redibitórios. O comprador assume o risco de qualquer defeito oculto (vício redibitório) que torne a coisa imprópria para uso ou diminua seu valor. Conforme gizado, afasto a responsabilidade da fornecedora do bem, General Motors do Brasil LTDA. e da responsável pela concretização do negócio, através do lance (plataforma do leilão extrajudicial), Maisativo Intermediação de Ativos LTDA., vez que não houve vistoria prévia por parte do adquirente/demandante e, ainda, em razão de seu aceite nas condições que se encontrava o bem ("Termo de Responsabilidade”, com reconhecimento de firma da assinatura - ID 122596183). A bem ver, conquanto o adquirente/demandante aduza ter sido ludibriado pela aquisição do bem em leilão - sobretudo porque impossibilitado de realizar vistoria in loco de todos os componentes do veículo adquirido, face ao advento da pandemia de COVID-19 - as inferências sopesadas são insuficientes a ensejar alteração no que foi firmado em Termo de Responsabilidade e disposto em edital, que permaneceu aberto desde 28/11/2022 até a data da arrematação. O autor/demandante teve a oportunidade de vistoriar e inspecionar o veículo antes de arrematá-lo, possuindo pleno conhecimento de se tratar de bem com avarias - sendo certo que, em caso de dúvidas ou extrema cautela, poderia ter abdicado de participar dos lances em leilão, embora tenha preferido assumir o risco. A propósito, sobre o tema, segue a jurisprudência: “EMENTA: APELAÇÃO. COMPRA E VENDA DE VEÍCULO USADO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS POR VÍCIO OCULTO. Sentença de improcedência mantida. Preliminar de cerceamento de defesa que se confunde com o mérito da demanda. Prova dos autos de que o autor falhou com as cautelas mínimas exigidas na aquisição de veículo usado. Bem com alta quilometragem, com revisões realizadas pouco antes da data da venda, sob expressa aceitação do autor, que declarou não haver vícios no veículo. Barulhos que somente surgiram após mais de vinte dias de uso do bem pelo autor. Prova documental que contraria a causa de pedir inicial, torna inútil a prova testemunhal pleiteada e não permite a responsabilidade civil do réu. RECURSO NÃO PROVIDO.” (TJSP; Apelação Cível 1003451-38.2023.8.26.0510; Relator (a): Alfredo Attié; Órgão Julgador: 27ª Câmara de Direito Privado; Foro de Rio Claro - 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 23/07/2025; Data de Registro: 23/07/2025) Calha expor que mesmo nas hipóteses em que a relação jurídica é regulada pelas normas consumeristas, em que é prevista a possibilidade de inversão do ônus da prova em favor do consumidor hipossuficiente (CDC, Art. 6º, inciso VIII), não há isenção do ônus do autor/consumidor de fazer provas dos fatos constitutivos do seu direito (CPC, Art. 373, inciso I), já que a inversão do ônus da prova é apenas técnica de julgamento, que visa facilitar a tutela objetivada pelo consumidor, e não assegurar a vitória ou estabelecê-lo em uma posição meramente passiva no processo. Forte a lição de Fredie Didier Jr.: "O princípio da aquisição processual - chamado por alguns de princípio do ônus objetivo, em terminologia que não é a nossa - não se confunde com o ônus objetivo da prova, mas com ele se relaciona. O ônus objetivo entra em campo quando há uma insuficiência probatória e impõe a regra de julgamento desfavorável àquele que tinha o encargo de produzir provas, mas dele não se desincumbiu.” (Curso de Direito Processual Civil, Teoria Gerai da Prova, v. 2, 4ª Ed., Bahia: Editora JusPodivm, 2009). Frise-se, o ônus da prova é regra fundamental em nosso Estado Democrático de Direito, que certamente atraiu para o demandante o encargo de provar, de forma robusta, suas alegações, ônus este do qual não se libertou. Por todo o exposto, a procedência parcial da demanda é medida que se impõe. III - DISPOSITIVO Isto posto, e por tudo mais que dos autos constam, ratifico a tutela de urgência concedida, liminarmente (ID 115452971), JULGO PROCEDENTES, em parte, as pretensões deduzidas na petição de ingresso, extinguindo o processo com resolução do mérito, nos termos do Art. 487, inciso I, do CPC, para tão somente condenar as demandadas, solidariamente, na obrigação de fazer consistente em entregar a documentação competente à transferência e regularização do veículo CHEVROLET ONIX PLUS 1.0 T AT PR2, 2019/2020, Placa: EEX1G29, no prazo de 10 (dez) dias úteis, caso já não tenha sido cumprida a decisão primeira. Dada a sucumbência recíproca, em atenção ao disposto no Art. 86 do CPC, as partes envolvidas na lide devem arcar com as custas processuais e os honorários advocatícios, os quais fixo em 10% sobre o valor atualizado da causa, a teor do que dispõe o Art. 85, §2º, CPC, cabendo as demandadas responderem por 40% (quarenta por cento) e o autor no patamar de 60% (sessenta por cento) dos encargos. Com o trânsito em julgado do decisum, não havendo qualquer manifestação, determino que sejam os autos remetidos ao ARQUIVO, com as baixas de estilo. Às providências. Cuiabá, data registrada no sistema. Alexandre Elias Filho Juiz de Direito

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Processo nº 1003451-63.2019.4.01.3305

ID: 292108626

Tribunal: TRF1 Órgão: Vara Federal Cível e Criminal da SSJ de Juazeiro-BA Classe: AçãO CIVIL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA Nº Processo: 1003451-63.2019.4.01.3305

Data de Disponibilização: 09/06/2025

Polo Ativo:

Polo Passivo:

JOELMA DA COSTA SILVA

Intimação

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL Subseção Judiciária de Juazeiro-BA Vara Federal Cível e Criminal da SSJ de Juazeiro-BA SENTENÇA TIPO "A" PROCESSO: 1003451-63.2019.4.01.3305 CLASSE: AÇÃO CIVIL DE IMP… PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL Subseção Judiciária de Juazeiro-BA Vara Federal Cível e Criminal da SSJ de Juazeiro-BA SENTENÇA TIPO "A" PROCESSO: 1003451-63.2019.4.01.3305 CLASSE: AÇÃO CIVIL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA (64) POLO ATIVO: M. P. D. U. e outros POLO PASSIVO:E. S. D. J. e outros SENTENÇA Trata-se de ação civil pública por atos de improbidade administrativa ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra WILSON FREIRE MOREIRA (CPF 249.785.798-99), ex Prefeito do Município de Casa Nova/BA, em que se requer a condenação do réu nas sanções previstas no art. 12, II e III da Lei nº. 8.429/92, imputando-lhe a prática de ato de improbidade administrativa previsto nos artigos 10, VI do mesmo diploma legal. O valor atribuído à causa foi de R$ 82.848,24 (oitenta e dois mil, oitocentos e quarenta e oito reais e vinte e quatro centavos). A demanda foi instruída com documentos que evidenciam, segundo o autor, o desvio de recursos oriundos do Ministério da Saúde – MS, da proposta n. 11.696.7100001/13-007, firmada com a municipalidade com o objeto dirigido a reforma do Hospital Municipal de Casa Nova, BA. Após a percepção da parcela inicial a municipalidade não deu início ao processo licitatório, fato que levou o Ministério da Saúde – MS a cancelar a proposta n. 11.696.7100001/13-007, cabendo ao gestor devolver o referido valor adiantado, ante a inexecução do acordado. Alega que houve desvio do valor da conta vinculada, conforme extratos acostados aos autos, para fins diversos do objeto da proposta firmada com o Ministério da Saúde, o que levou à inadimplência do Município de Casa Nova/BA ante a não devolução aos cofres federais do montante inicial de R$ 49.997,25, que atualizados, foram fixados em R$ 82.848,24 (oitenta e dois mil, oitocentos e quarenta e oito reais e vinte e quatro centavos). Na petição inicial, o MPF requereu, preliminarmente, a decretação de indisponibilidade de bens do réu, a sua notificação nos termos do art. 17, §7º da Lei 8.429/92, o recebimento da inicial, a citação do demandado, a intimação do FNDE para manifestação quanto ao ingresso na lide, bem como a condenação às sanções previstas no art. 12, II, da referida lei, com ressarcimento integral do dano. Em 13 de abril de 2020, foi proferida decisão determinando a indisponibilidade de bens do Réu, até o montante de R$ 82.848,24 (oitenta e dois mil, oitocentos e quarenta e oito reais e vinte e quatro centavos), com a ressalva de não incidir em verbas de caráter alimentar. Também foi determinada a notificação do Demandado, após cumpridas as ordens de constrição de bens. No curso do processo, em 16 de agosto de 2020, sobreveio o falecimento de Wilson Freire Moreira. Diante da informação, o juízo determinou a suspensão do feito com fundamento nos arts. 313, §1º e 689 do CPC, indeferindo a habilitação dos herdeiros por ausência de inventário. Concedeu-se prazo de quatro meses ao MPF para promover a regularização do polo passivo, com citação do espólio (id 350231895). O Ministério Público, em manifestação de 04 de novembro de 2020, informou que a viúva, E. S. D. J., requerendo sua inclusão no polo passivo da demanda, como representante legal do Espólio de Wilson Freire Moreira. Em 30 de novembro de 2021, o juízo acolheu o pedido do MPF e determinou a inclusão do espólio, representado pela viúva, no polo passivo, com expedição de citação, adequando o feito às alterações promovidas pela Lei 14.230/2021. A representante do Espólio foi citada em 06/06/2022 (Id 1126760266), permanecendo silente, não tendo apresentado contestação, o que levou o juízo a reconhecer, por decisão de 15 de dezembro de 2023 (ID 1925803234), a revelia do espólio. Na mesma decisão, o magistrado ratificou a imputação de ato de improbidade com base no art. 10, VI, da LIA. O Ministério Público Federal apresentou alegações finais em 22 de fevereiro de 2024 ID 2047614658, reiterando a prática de ato doloso de improbidade administrativa, com a prática indevida de desvio de recursos públicos provenientes do Ministério da Saúde – MS, oriundos da proposta n. 11.696.7100001/13-007, firmada com a municipalidade com o objeto dirigido a reforma do Hospital Municipal de Casa Nova/BA. Defendeu o ressarcimento integral ao erário pelos sucessores e herdeiros do ex gestor falecido, nos termos do art. 8º da LIA, ao espólio, até o limite da herança. Vieram os autos conclusos para sentença. É o relatório. II – FUNDAMENTAÇÃO A análise da materialidade do suposto ato de improbidade administrativa impõe a verificação dos elementos fáticos e jurídicos que compõem a conduta atribuída ao réu, bem como a necessária presença do elemento subjetivo exigido pela atual sistemática da Lei nº 8.429/1992, com as alterações promovidas pela Lei nº 14.230/2021. O Ministério Público Federal atribuiu ao ex-prefeito Wilson Freire Moreira, posteriormente representado pelo espólio, a prática de ato de improbidade consubstanciado no desvio de finalidade de recursos públicos vinculados à reforma do Hospital Municipal de Casa Nova/BA. A quantia de R$ 49.997,25 teria sido transferida por ordem bancária para a conta-corrente geral da Prefeitura de Casa Nova/BA em setembro de 2016, sendo utilizada, para pagamento diverso da finalidade. A prova documental juntada aos autos demonstra, de fato, que a movimentação financeira ocorreu, e que houve transferência de recursos federais, sem identificação exata da finalidade diversa alegada. O Parecer Técnico n°1140/2019 da Procuradoria a República constante às fls. 78/83 do ID 130000355, conclui que o Municipal de Casa Nova não comprovou o destino dos recursos encaminhados pelo Ministério da Saúde, referentes à Proposta n°l 169671000113007, mas não apontou, assertivamente, a autoria do ato ímprobo. Pontuo que a existência da movimentação financeira e o suposto desvio da destinação original da verba não bastam, por si sós, para caracterizar ato de improbidade administrativa na sistemática vigente da Lei nº 8.429/1992. Nos termos do que foi fixado pelo Supremo Tribunal Federal no Tema 1.199 da repercussão geral (ARE 843989, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 18/08/2022), é imprescindível a comprovação de dolo específico para a configuração dos atos ímprobos descritos nos arts. 9º, 10 e 11 da Lei 8.429/92: 1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo – DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; 4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei. (Tema 1199. Relator(a): Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, julgado em 18/08/2022) Nesse sentido, deve-se reconhecer a irretroatividade do novo regime prescricional, considerando a força vinculante do entendimento do STF acima exposto. Além disso, as decisões anteriormente prolatadas nos autos determinaram a adequação do feito às substanciais alterações promovidas na LIA pela Lei nº 14.230/2021. O MPF manteve, em sua manifestação, quase que integralmente, os termos e argumentos expostos na petição inicial, não trazendo provas do requisito do DOLO específico da conduta (em tese) ilícita praticada pelos agentes, se limitando a narrar os mesmo fatos descritos na exordial, embora a condenação por improbidade exija, inafastavelmente, a comprovação de ato doloso (a propósito, dolo específico, nos termos do art. 1º, §2º, da Lei nº 8.429/92). Conforme estabelece o art. 17, §6º, da LIA: "Art. 17 (…) § 6º A petição inicial observará o seguinte: I - deverá individualizar a conduta do réu e apontar os elementos probatórios mínimos que demonstrem a ocorrência das hipóteses dos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei e de sua autoria, salvo impossibilidade devidamente fundamentada; II - será instruída com documentos ou justificação que contenham indícios suficientes da veracidade dos fatos e do dolo imputado ou com razões fundamentadas da impossibilidade de apresentação de qualquer dessas provas, observada a legislação vigente, inclusive as disposições constantes dos art. 77 e 80 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015(Código de Processo Civil)." Sendo assim, a petição inicial não atende aos requisitos estabelecidos no art. 17, §6º, incisos I e II, da LIA, pois: (I)Não individualiza com precisão a conduta dolosa; (II)Não apresenta indícios mínimos do dolo específico exigido por lei; (III)E mantém a narrativa essencialmente inalterada, mesmo após as alterações legislativas e decisões proferidas ao longo da instrução. A redação atual do art. 1º, §§ 1º a 3º, da Lei de Improbidade, é categórica ao exigir que a conduta ímproba seja dolosa e que haja vontade livre e consciente de alcançar resultado ilícito, não bastando a mera voluntariedade do agente público. A Lei de nº 14.230/21 extinguiu a modalidade culposa de improbidade administrativa, com a retirada da expressão "culposa" do art. 10 da LIA. A atual redação dos arts. 9º, 10 e 11 da LIA exige a conduta dolosa do autor do ato de improbidade. Isso é o que se vê do art. 1º, §§ 1º a 3º, da LIA, in verbis: Art. 1º O sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa tutelará a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções, como forma de assegurar a integridade do patrimônio público e social, nos termos desta Lei.(Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021) § 1º Consideram-se atos de improbidade administrativa as condutas dolosas tipificadas nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, ressalvados tipos previstos em leis especiais.(Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021) § 2º Considera-se dolo a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente.(Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021) § 3º O mero exercício da função ou desempenho de competências públicas, sem comprovação de ato doloso com fim ilícito, afasta a responsabilidade por ato de improbidade administrativa.(Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021). Nesse sentido, destaca-se o julgado do TRF1 (AC 0005429-87.2014.4.01.4301, Rel. Des. Fed. Daniele Maranhão Costa, julgado em 14/05/2024), que rechaça a caracterização do ato ímprobo quando ausente a demonstração do elemento subjetivo qualificado da conduta dolosa. A ausência de prova quanto à intenção do agente de causar dano ao erário ou de beneficiar a si ou a terceiro inviabiliza o enquadramento do fato ao tipo previsto no art. 10 da LIA. "PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI 8.429/92. ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. ART. 9º. LESÃO AO ERÁRIO. ART. 10, X, XI E XII. RECURSOS FNDE. INDEFERIMENTO DA INICIAL. DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR. LEI POSTERIOR MAIS BENÉFICA. RETROATIVIDADE E APLICABILIDADE. TEMA 1.199 DO STF. PERDA PATRIMONIAL EFETIVA. INDÍCIOS DE DOLO ESPECÍFICO E AUTOBENEFÍCIO OU DE TERCEIRO. AUSÊNCIA. CONDUTAS NÃO INDIVIDUALIZADAS. SENTENÇA TERMINATIVA MANTIDA. APELAÇÃO DO FNDE DESPROVIDA. 1. Ação de improbidade administrativa ajuizada em desfavor de ex-prefeitos e do atual prefeito do Município de Luzinópolis/TO pela suposta prática de ato ímprobo previsto nos arts. 9º, caput, e 10, incisos X, XI e XII, da Lei n. 8.429/92, e em desfavor de empresas privadas pela suposta prática de atos de improbidade administrativa capitulados nos arts. 9º, caput, e 10, caput, ambos da Lei n. 8.429/92, consubstanciados em irregularidades na execução do Convênio n. 658668/2009, por meio do qual foram liberados recursos para a construção de uma unidade de educação infantil no âmbito do Programa Proinfância. 2. Com relação ao preenchimento dos requisitos para processamento das demandas ajuizadas com fundamento na Lei n. 8.429/92, com redação dada pela MP n. 2.225-45/2001, seu art. 17, § 6º, já dispunha, de todo modo, que a ação deveria ser instruída com documentos ou justificação que contivessem indícios suficientes da existência do ato de improbidade ou com razões fundamentadas da impossibilidade de apresentação de qualquer dessas provas. 3. Para a configuração de quaisquer das condutas ímprobas de enriquecimento ilícito, dano ao erário e violação de princípios da administração pública, previstas nos art. 9º, 10 e 11 da Lei n. 8.429/92, sempre deve estar presente o dolo específico, sendo insuficiente a culpa grave e até mesmo o dolo genérico, consoante inteligência dos §§ 2º e 3º do art. 1º do referido diploma, alterado pela Lei 14.230/2021. Igualmente, é necessária a comprovação de que o agente público visava obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade (art. 11, § 2º). 4. Considerando a natureza sancionatória da Lei n. 8.429/92, e ante o entendimento de que o princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica alcança as leis que disciplinam o direito administrativo sancionador, há que ser aplicada retroativamente a Lei n. 14.230/2021, no que diz com as condutas tidas por ímprobas e em relação às sanções a elas impostas, conforme já decidido pelo STF no Tema 1.199. (ARE 843989, Relator (a): ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 18/08/2022, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-251 DIVULG 09-12-2022 PUBLIC 12-12-2022). 5. A imputação está lastreada com documentos acostados aos autos pelo Município de Luzinópolis/TO e pelas manifestações do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação - FNDE, que levam a crer que os ex-prefeitos e o atual prefeito do Município de Luzinópolis/TO cometeram atos ímprobos previstos nos arts. 9º, caput, e 10, incisos X, XI e XII, da Lei n. 8.429/92, e que as empresas privadas (HW Construtora LTDA, PHD Construtora e Engenharia LTDA e Alvorada Construir LTDA) também praticaram atos de improbidade administrativa capitulados nos arts. 9º, caput, e 10, caput, ambos da Lei n. 8.429/92, consubstanciados em irregularidades na execução do Convênio n. 658668/2009, por meio do qual foram liberados recursos para a construção de uma unidade de educação infantil no âmbito do Programa Proinfância. 6. Não houve demonstração do elemento condicionante da conduta tipificada pelo art. 10, caput, incisos X, XI e XII da Lei n. 8.429/92, por parte dos ex-prefeitos Carla Cristina da Silva, José de Arimatéia Coelho Damasceno e Gustavo Dameceno Araújo, cujo caput expressamente traz a exigência de que a ação ou omissão dolosa enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres. De fato, não ficou comprovado nos autos que estes requeridos praticaram as condutas subsumidas nos incisos X agir ilicitamente na arrecadação de tributo ou de renda, bem como no que diz respeito à conservação do patrimônio público, XI - liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular, e XII permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente, consistente em repasse de verba federal pra construtoras que não cumpriram com o cronograma de execução da obra relativa ao Convênio n. 6586689/2009. 7. Ademais, não há se falar em caracterização do suposto ato ímprobo cometido pelos ex-gestores do Município de Luzinópolis/TO previsto no art. 9, caput, da Lei n. 8.429/92, vez que tanto o Município de Luzinópolis/TO como o FNDE não se desobrigaram do ônus de demonstrar que os réus, de forma livre e consciente, enriqueceram ilicitamente, em razão da prática de ato doloso, com o desvio dos recursos federais destinados à construção de uma unidade de educação infantil no âmbito do Programa Proinfância. 8. De igual modo, não há se falar em demonstração das condutas ímprobas que foram imputadas às empresas HW Construtora LTDA, PHD Construtora e Engenharia LTDA e Alvorada Construir LTDA, capituladas nos arts. 9, caput, e 10, caput, da Lei n. 8.429/92, pois os autores, Município de Luzinópolis/TO e o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação FNDE, não comprovaram, de forma mínima, o dolo específico na prática dos atos de improbidades previstos no caput dos arts. 9 e 10 da Lei n. 8.429/92. 9. Por conseguinte, não cumprida a determinação de individualização das condutas imputadas aos requeridos e de quantificação do alegado prejuízo ao erário, não merece reparo a sentença que indeferiu a petição inicial, face a não demonstração dos elementos mínimos para o válido e regular processamento da ação. 10. Apelação a que se nega provimento. (TRF-1 – (AC): 00054298720144014301, Relator: DESEMBARGADORA FEDERAL DANIELE MARANHÃO COSTA, Data de Julgamento: 14/05/2024, DÉCIMA TURMA, Data de Publicação: PJe 14/05/2024 PAG PJe 14/05/2024 PAG).(…) Pela nova redação da Lei de nº 8429/92, não pode o Magistrado dar nova definição jurídica diversa daquela apontada pelo autor (MPF), sob pena de nulidade da sentença. Eis a previsão do artigo 17, § 10-F: "§ 10-F. Será nula a decisão de mérito total ou parcial da ação de improbidade administrativa que: I - condenar o requerido por tipo diverso daquele definido na petição inicial;" Considerando a capitulação trazida pelo MPF (art. 10, VI, com alteração para o art. 8º da LIA) e a ausência de comprovação do dolo específico na conduta do requerido, não merece acolhimento o pedido da exordial. Como bem apontam GAJARDONI, CRUZ e FAVRETO (2022), “o dolo do agente para toda e qualquer conduta tipificada na lei de improbidade administrativa passa a ser específico: consciência + vontade + finalidade de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade.” E ainda: "O dolo específico, especialmente para os fins de caracterização de ato de improbidade, é o ato eivado de má fé. O erro grosseiro, a falta de zelo com a coisa pública, a negligência, podem até ser punidos em outra esfera, de modo que não ficarão necessariamente impunes, mas não mais caracterizarão atos de improbidade (GAJARDONI; CRUZ; FAVRETO, 2022:46). Os diversos elementos de prova que constam dos autos permitem concluir - seguramente - pela ausência de dolo específico do réu. Mesmo diante da materialidade da movimentação bancária de verbas, não restou comprovada nos autos a presença do elemento subjetivo exigido pela norma jurídica vigente. Ausente o dolo específico, inexiste ato de improbidade administrativa nos termos dos arts. 9º, 10 ou 11 da Lei nº 8.429/1992. III – DISPOSITIVO Ante o exposto, nos termos do artigo 487, I do CPC, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados na inicial, extinguindo o processo com resolução de mérito. Sem custas pela parte autora, ante sua isenção. Sem honorários (artigo 18 da Lei nº 7.345/1985 . STJ, EAREsp 962.250). Sem remessa necessária, nos termos do artigo 17-C, parágrafo 3º, da Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429 /1992). Interposto recurso (apelação), intime-se a parte recorrida para, no prazo de 15 (quinze) dias, apresentar contrarrazões, remetendo-se imediatamente o feito para o E. TRF1, a quem caberá o juízo de admissibilidade, nos termos do artigo 1.010, § 3º do CPC. Sentença registrada eletronicamente. Intimem-se. Juazeiro, data da assinatura RODRIGO GASIGLIA DE SOUZA Juiz Federal

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Processo nº 1003451-83.2021.8.11.0006

ID: 339267898

Tribunal: TJMT Órgão: 4ª VARA CÍVEL DE CÁCERES - FAZENDA PÚBLICA Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL Nº Processo: 1003451-83.2021.8.11.0006

Data de Disponibilização: 31/07/2025

Polo Ativo:

Polo Passivo:

ASSOCIACAO CONGREGACAO DESANTA CATARINA PRO SAUDE - ASSOCIACAO BENEFICENTE DE ASSISTENCIA SOCIAL E HOSPITALAR

Intimação

Advogados:

MAURICIO MARTINS COELHO

OAB/SP XXXXXX Desbloquear

VITOR LUCIO DE MATOS

OAB/SP XXXXXX Desbloquear

LIVIA HELENA GONELA

OAB/SP XXXXXX Desbloquear

FLAVIA SANT ANNA

OAB/RJ XXXXXX Desbloquear

MARIA CRISTINA FEISTAUER

OAB/RJ XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO 4ª VARA CÍVEL DE CÁCERES - FAZENDA PÚBLICA SENTENÇA Processo: 1003451-83.2021.8.11.0006. AUTOR(A): FERNANDA CRISTINA DOS SANTOS SCHIAVO, WESLEY APARECIDO MARTIN… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO 4ª VARA CÍVEL DE CÁCERES - FAZENDA PÚBLICA SENTENÇA Processo: 1003451-83.2021.8.11.0006. AUTOR(A): FERNANDA CRISTINA DOS SANTOS SCHIAVO, WESLEY APARECIDO MARTINS FERREIRA REQUERIDO: ESTADO DE MATO GROSSO, ASSOCIACAO CONGREGACAO DESANTA CATARINA, PRO SAUDE - ASSOCIACAO BENEFICENTE DE ASSISTENCIA SOCIAL E HOSPITALAR Vistos. Trata-se de AÇÃO DE REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS - ERRO MÉDICO proposta por FERNANDA CRISTINA SCHIAVO FERREIRA e WESLEY APARECIDO MARTINS FERREIRA em face do ESTADO DE MATO GROSSO, ASSOCIAÇÃO CONGREGAÇÃO DE SANTA CATARINA – HOSPITAL SÃO LUIZ e PRÓ SAÚDE - ASSOCIAÇÃO BENEFICENTE DE ASSISTÊNCIA SOCIAL E HOSPITALAR, com o objetivo de obter indenização por danos morais em decorrência de alegada negligência no atendimento médico-hospitalar prestado à autora durante sua gestação, o que teria culminado na morte da filha do casal. Alega em síntese, que, após o tratamento de fertilização in vitro, engravidou de gêmeos, porém perdeu um dos fetos nos primeiros meses. A gestação seguiu de forma regular até a 23ª semana, quando passou a apresentar sangramentos. Diante da ausência de estrutura adequada em Mirassol D’Oeste, procurou atendimento no Hospital São Luiz, nesta comarca, onde foi inicialmente internada e depois liberada. Relata ainda que em um novo episódio de sangramento, retornou ao Hospital São Luiz, onde foi atendida por estudantes de medicina. Mesmo diante do histórico delicado de sua gestação, a internação só foi autorizada após a insistência do casal, tendo a paciente aguardado horas por atendimento adequado, sofrendo dores e sangramento em um corredor do hospital. Durante os dias subsequentes, informa ainda que recebeu apenas medicações para dor e hidratação, sem avaliação médica contínua. No dia 16 de outubro de 2019, o parto prematuro ocorreu durante a madrugada, ocasião em que a autora alega ter havido negligência por parte do hospital, e que a omissão resultou na perda de sua filha tão desejada e aguardada, após anos de tratamento para engravidar. Para reforçar sua alegação, argumentou que a responsabilidade civil objetiva do Estado e das entidades que prestaram serviço público de saúde é evidente, conforme preceitua o art. 37, §6º da Constituição Federal e o art. 186 do Código Civil. Por fim, requer que sejam os réus condenados ao pagamento de indenização por danos morais, diante da dor e sofrimento experimentado, bem como da omissão injustificada no atendimento. Decisão recebendo a petição inicial e deferindo a justiça gratuita em Id. 56222784. Contestação apresentada pela ASSOCIAÇÃO CONGREGAÇÃO DE SANTA CATARINA em Id. 63920962. Contestação apresentada pelo ESTADO DE MATO GROSSO em id. 63918228. Contestação apresentada pela Pró- Saúde ao id. 73196241. Impugnação à contestação em Id. 68212790. Decisão intimando as partes para especificarem as provas que pretendessem produzir (Id. 84558436). A ré Pró-Saúde requereu a produção de prova documental ao Id. 84982898, ao passo que a autora requereu prova pericial, física e documental. Já o Estado do Mato Grosso, por sua vez, argumentou que já produziu documentações suficientes para a elucidação do caso, bem como protestou pelo depoimento pessoal da parte autora, e pela oitiva das mesmas testemunhas, porventura, arroladas por esta (id. 88896293). Decisão saneando os autos, ocasião em que deferiu a prova pericial médica e postergou a produção de prova testemunhal, para quando da juntada do laudo, bem como fixou os pontos controvertido (Id. 96620162). Audiência de conciliação agendada para 27/07/2023 ás 14h30min, contudo esta não restou exitosa. Contrarrazões das partes em id. 151615527. Laudo pericial anexado em Id. 159261493. Laudo pericial complementar ao Id. 180766138. Manifestação da parte autora, no sentido de que seja reconhecido a assistência inadequada. Quanto as requeridas Pró-Saúde e Associação Congregação de Santa Catarina , estas requereram a improcedência total da ação, de forma antecipada. Audiência de instrução e julgamento agendada para o dia 07/05/2025, após o ato, a magistrada declarou encerrada a instrução processual, e sucessivamente foi oportunizado as partes a apresentação de memorias escritos. Alegações finais da parte autora ao id. 193900970, Associação Congregação de Santa Catarina ao id. 194607810, Estado de Mato Grosso id. 195288310 e Pró-saude ao id. 198418237. Após, os autos vieram concluso. É o relatório. DECIDO. Compulsando os autos, verifico que o mesmo já se encontra apto para prolação da sentença. -DA PRELIMINAR. Sem delongas, acolho a alegação de ilegitimidade passiva da ASSOCIAÇÃO CONGREGAÇÃO DE SANTA CATARINA, eis que a documentação acostada aos autos comprova de forma inequívoca que a gestão do Hospital São Luís já havia sido transferida para a Pró-Saúde à época dos fatos objeto da demanda. Assim, vejamos o entendimento jurisprudencial associado à ilegitimidade: "A legitimidade das partes é uma das condições da ação e consubstancia-se quando constatado que o autor é o possível titular do direito postulado e o réu a pessoa responsável por suportar eventual condenação. Não comprovada a relação jurídica entre as partes, mormente pela ausência de contrato de prestação de serviço firmado por elas, o acolhimento da preliminar de ilegitimidade passiva é medida que se impõe." (TJ-MG - AC: 10024150070332002 Belo Horizonte, Relator: Juliana Campos Horta, Data de Julgamento: 03/03/2021). Portanto, ante a ausência de relação jurídica entre a ASSOCIAÇÃO CONGREGAÇÃO DE SANTA CATARINA e os fatos ocorridos, reconheço sua ilegitimidade passiva. Quanto ao ESTADO DE MATO GROSSO, rejeito a preliminar de ilegitimidade. Sobre a temática da responsabilidade civil do Estado, a Constituição da República é categórica em reconhecer que: "Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...) § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa." No caso dos autos, o Hospital São Luiz prestava atendimentos pelo Sistema Único de Saúde - SUS, configurando prestação de serviço público essencial, o que atrai a responsabilidade objetiva do ente estatal nos termos do art. 37, §6º da Constituição Federal. A alegação de que os médicos não seriam agentes públicos não afasta a responsabilidade estatal, pois o atendimento foi prestado em unidade conveniada ao SUS, respondendo o Estado pelos danos causados na prestação deste serviço público. Igualmente rejeito a alegação de ilegitimidade da PRÓ-SAÚDE, eis que restou comprovado nos autos que esta atuava como gestora do Hospital São Luiz à época dos fatos, sendo parte legítima para responder pelos danos causados na prestação dos serviços de saúde como entidade prestadora de serviço público. Rejeito ainda a impugnação ao benefício da justiça gratuita apresentada pela Pró-Saúde, pois o fato dos autores terem arcado com tratamento de fertilização não afasta a presunção de hipossuficiência, especialmente considerando que tal tratamento pode ter comprometido significativamente suas finanças, além de que a capacidade para custear tratamento médico específico não se confunde com capacidade para arcar com as custas de um processo judicial. Superada a análise preliminar, passo ao julgamento do mérito. Pois bem. A controvérsia central dos autos reside na alegada ocorrência de erro médico e negligência no atendimento prestado à autora Fernanda Cristina durante sua gestação de alto risco, decorrente de fertilização in vitro, bem como na existência de nexo causal entre a conduta omissiva dos requeridos e o óbito fetal ocorrido em 16 de outubro de 2019. Inicialmente, referente à responsabilidade civil do Estado e das entidades prestadoras de serviço público de saúde, a Constituição Federal estabelece em seu art. 37, §6º que: "as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa." Dessa forma, tanto o ente público quanto seus delegatários respondem pelos danos causados por seus agentes a terceiros, independentemente da comprovação de dolo ou culpa, configurando responsabilidade objetiva. No entanto, quando se trata de danos oriundos de condutas omissivas, a jurisprudência dominante tem exigido a comprovação do dano, do nexo de causalidade e da falta do serviço, ainda que de forma genérica. No caso dos autos, a análise detida das provas coligidas permite concluir inequivocamente pela existência de grave falha na prestação dos serviços de saúde, configurando erro médico por omissão e negligência no atendimento prestado à gestante. O laudo pericial produzido pela Dra. Marriethy de Lima Araújo foi categórico ao reconhecer que "ausentou-se atendimento adequado para paciente" e que houve "falha no seguimento" do caso, considerando que a paciente apresentava "mau passado obstétrico" e histórico de sangramento, mas "não obteve as reavaliações periódicas devidas". A perita foi clara ao apontar a responsabilidade "solidária entre instituição de saúde e profissionais que se ausentaram do atendimento devido". Embora o laudo tenha concluído que a conduta omissiva "não foi determinante para desfecho", reconheceu expressamente que a "assistência poderia dar maior suporte à família" e que a falta de assistência foi "fator de extrema relevância para experiência do momento pela família". Tal conclusão pericial é suficiente para caracterizar a falha na prestação do serviço público de saúde, especialmente em se tratando de gestação de alto risco decorrente de fertilização in vitro. Ainda nesse sentido, o laudo pericial complementar reforçou as conclusões iniciais, esclarecendo que a "assistência inadequada" foi constatada pela "ausência dos registros das reavaliações citadas em anamnese pericial" e pela "falta de acompanhamento/reavaliações solicitadas por paciente e acompanhante". A perita citou o Manual do Ministério da Saúde para Pré-Natal, destacando que "ausentou-se as avaliações subsequentes de bem estar materno fetal que poderiam trazer sinais de complicações antes de toda evolução clínica". Além disso, prova oral colhida em audiência corroborou integralmente as conclusões periciais e as alegações dos autores. A informante Flaviana dos Santos Schiavo, irmã da autora, confirmou que a paciente permaneceu internada com sangramento e dores, aguardando ultrassom porque "o médico que fazia ultrassom não estava no hospital", e que uma transferência para Cuiabá foi negada pelo administrador do hospital, mesmo havendo UTI móvel disponível. Especialmente grave foi o relato confirmado pelas três informantes ouvidas sobre o momento do parto. Flaviana narrou que sua mãe "passou a noite toda chamando a médica, chamando e não apareceu", e que às 4h-5h da manhã "dava para ouvir os gritos da minha irmã pelo telefone". Quando chegou ao hospital, encontrou o cunhado "na porta do quarto aos prantos" e a irmã "em trabalho de parto dentro da sala, né, já com os enfermeiros e a médica do dia, né, porque a médica plantonista da noite não tinha aparecido". A informante Rafaela Zimmermann Braga confirmou que "ela estava reclamando de muitas dores, né? O Wesley tinha chamado várias vezes o atendimento médico, falando que ela estava realmente com muita dor" e que "não tinha tido assistência, e ela acabou depois contando também que acabou fazendo o parto sozinha". A médica Paula, amiga do casal, embora tenha confirmado que foram realizados acompanhamentos dos batimentos cardíacos enquanto esteve presente, não presenciou o momento do parto, que ocorreu na madrugada sem assistência médica adequada. Particularmente chocante foi o tratamento dispensado ao natimorto, confirmado por todas as informantes. Flaviana relatou que "de repente saiu com um saco preto de dentro do quarto" e que quando questionaram, "a enfermeira me disse com essas palavras, ela expeliu o feto". Tal conduta revela completa ausência de humanização no atendimento e desrespeito à dignidade da pessoa humana, violando frontalmente os princípios fundamentais da prestação de serviços de saúde. O conjunto probatório demonstra inequivocamente que houve grave omissão no atendimento médico prestado à gestante, caracterizada pela ausência de reavaliações periódicas adequadas em paciente de alto risco, pela falta de assistência médica durante o trabalho de parto prematuro, pela negativa injustificada de transferência para centro de referência em UTI neonatal e pelo tratamento desumano dispensado ao natimorto e à família. Embora a perícia não tenha estabelecido nexo causal direto entre a omissão e o óbito fetal, reconheceu expressamente a falha no atendimento e a relevância da assistência inadequada para a experiência traumática vivenciada pela família. Em casos de responsabilidade objetiva por falha na prestação de serviço público de saúde, não se exige a demonstração de que a conduta omissiva foi a causa exclusiva do resultado, bastando a configuração da falta do serviço e sua contribuição para o agravamento do dano. A jurisprudência é firme no sentido de que a falta do serviço público de saúde configura o dever de indenizar, independentemente de culpa individual dos agentes, quando demonstrada a inadequação do atendimento prestado. No caso dos autos, restou amplamente comprovada a prestação defeituosa do serviço, caracterizada pela ausência de acompanhamento médico contínuo em gestação de alto risco, pela falta de assistência durante o parto prematuro e pela desumanidade no tratamento dispensado à família. O dano moral experimentado pelos autores é evidente e dispensa maiores considerações. A perda de um filho sempre representa sofrimento imensurável, mas quando essa perda é agravada por falha na prestação de serviço público de saúde e por tratamento desumano, o abalo psicológico se potencializa de forma exponencial. As informantes foram unânimes ao relatar que o casal "passou o puerpério dela sem a criança, teve leite, não teve criança para amamentar" e que "a vida deles acabou ali naquele momento, porque essa criança foi planejada, foi esperada, foi muito amada". Rafaela confirmou que ambos fizeram acompanhamento psicológico particular por anos e que "nunca mais foram as mesmas pessoas", sendo "obrigados a continuar vivos" em situação onde "não é que você supera, não é que você melhora, é que você aprende a passar os dias". Paula descreveu a dor como "um pedaço seu que morre" e "como se você tivesse sangrando em vida todos os dias". Por toda essas considerações, vale dizer que a responsabilidade do ente estadual se justifica, portanto, não apenas pela conduta de seu agente, mas também pela falha sistêmica do serviço de saúde, que se mostrou incapaz de garantir um atendimento emergencial eficiente. Destarte, rememora-se que o serviço de saúde pública é regido pelo SUS e ainda na prática desses serviços é aplicado a responsabilidade civil objetiva do estado, onde é dispensado a demonstração de dolo ou culpa por parte do agente causador do dano. Nestes termos, vejamos o entendimento doutrinário e jurisprudencial sobre o tema: Tese de julgamento: 1. A responsabilidade civil do Estado por falha na prestação de serviços de saúde é objetiva e independe de comprovação de culpa do agente público. 2. A omissão no diagnóstico precoce de lesões decorrentes de parto traumático, aliada à ausência de protocolos médicos adequados e registros clínicos completos, caracteriza falha na prestação do serviço público de saúde. 3. A cadeia contínua de atendimento prestado por hospitais públicos e conveniados não exclui a responsabilidade do ente federativo pelo resultado danoso. 4. A perda de filho recém-nascido em decorrência da falta da assistência médica devida e eficiente enseja reparação por danos morais em valor compatível com a gravidade do fato. 5. É parte ilegítima para responder por indenização decorrente de erro médico o agente público individualmente, nos termos do Tema 940 - STF. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 37, § 6º; CPC, art. 85, §§ 2º e 11. Jurisprudência relevante citada: · STF, RE 1027633/SC (Tema 940), Rel. Min. Alexandre de Moraes. · STJ, AgInt no REsp 1552430/PR, Rel. Min. Paulo Sérgio Domingues, T1, j. 04.03.2024. · TJDF, Apelação Cível 0708923-55.2017.8.07.0018, Rel. Des. Leila Arlanch, j. 27.02.2020. · STJ, AgInt nos EDcl no AgInt no AREsp 1.708.564/MS, Rel. Min. Og Fernandes, 2ª Turma, j. 25.05.2021. · STJ, AgInt no AgInt no REsp 1.712.285/TO, Rel. Min. Og Fernandes, 2ª Turma, j. 13.12.2018. (N.U 0000679-15.2010.8.11.0051, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO, GABRIELA CARINA KNAUL DE ALBUQUERQUE E SILVA, Regime de Cooperação da 2ª Câmara de Direito Público, Julgado em 09/06/2025, Publicado no DJE 09/06/2025) A responsabilidade civil do médico é analisada sob o aspecto subjetivo, assim para que exista a responsabilidade do médico deverá estar presentes os seguintes pressupostos: a conduta (omissiva ou comissiva), o dano, o nexo de causalidade ligando o dano à conduta, e a culpa, a qual pode ser exteriorizada através da negligência, imprudência e imperícia. Entretanto, o médico que atende pelo Sistema Único de Saúde, passa a ser “acobertado” pela responsabilidade objetiva. O atendimento por intermédio do serviço público patrocinado pelo Estado, caracteriza a responsabilidade objetiva para entidade, e responsabilidade extracontratual para o profissional. (GIOSTRI, 2005, p. 61, grifo nosso). Ademais, ainda que o Município sustente que a responsabilidade, no caso, seja subjetiva, o STJ possui entendimento consolidado no sentido de que, diante de uma omissão estatal específica, a responsabilidade passa a ser objetiva. Veja-se: ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR OMISSÃO. MORTE EM DECORRÊNCIA DE DISPARO DE ARMA DE FOGO NO INTERIOR DE HOSPITAL PÚBLICO. AUSÊNCIA DE VIGILÂNCIA. FALHA ESPECÍFICA NO DEVER DE AGIR. EXCLUDENTE DE ILICITUDE. NÃO OCORRÊNCIA. 1. A responsabilidade civil estatal é, em regra, objetiva, uma vez que decorre do risco administrativo, em que não se exige perquirir sobre existência de culpa, conf orme disciplinado pelos arts. 14 do Código de Defesa do Consumidor; 186, 192 e 927 do Código Civil; e 37, § 6º, da Constituição Federal. 2. O Superior Tribunal de Justiça, alinhando-se ao entendimento do Excelso Pretório, firmou compreensão de que o Poder Público, inclusive por atos omissivos, responde de forma objetiva quando constatada a precariedade/vício no serviço decorrente da falha no dever legal e específico de agir. 3. A atividade exercida pelos hospitais, por sua natureza, inclui, além do serviço técnico-médico, o serviço auxiliar de estadia e, por tal razão, está o ente público obrigado a disponibilizar equipe/pessoal e equipamentos necessários e eficazes para o alcance dessa finalidade. 4. A análise da responsabilidade civil, no contexto desafiador dos tempos modernos, em que se colocam a julgamento as consequências impactantes das omissões estatais, impõe ao julgador o ônus preponderante de examinar os dispositivos civis referidos, sob o olhar dos direitos e garantias fundamentais do cidadão. 5. Logo, é de se concluir que a conduta do hospital que deixa de fornecer o mínimo serviço de segurança e, por conseguinte, despreza o dever de zelar pela incolumidade física dos pacientes, contribuiu de forma determinante e específica para o homicídio praticado em suas dependências, afastando-se a alegação da excludente de ilicitude, qual seja, fato de terceiro. 6 . Recurso especial provido para restabelecer a indenização, pelos danos morais e materiais, fixada na sentença.(STJ - REsp: 1708325 RS 2015/0273254-9, Data de Julgamento: 24/05/2022, T2 - 2ªT, Data de Pub: DJe 24/06/2022). Ainda, não bastasse a farta prova documenta já anexada aos autos, verifica-se que quando da produção da prova testemunhal, embora as testemunhas tenham sido ouvidas na qualidade de informantes, estas ratificaram todas as nuances fáticas trazidas ao longo do processo, o que demonstra todo contexto relacionado à má prestação de serviços médicos. Dessa forma, considerando que o erro médico ocorreu no âmbito de uma unidade de saúde pública estadual e que houve falha no dever de prestação de serviço adequado, sendo tal fato corroborado pela farta prova produzida nos autos, resta configurada a responsabilidade do Estado do Mato Grosso pelos danos suportados pelos autores, devendo o ente estadual responder ressarcimento dos prejuízos morais decorrentes da omissão no atendimento. No que tange aos danos morais pretendidos, sua ocorrência decorre do próprio fato danoso (in re ipsa), estando evidenciada pelas sequelas permanentes suportadas pela parte autora, que, por sua natureza, configuram abalo moral presumido. A autora, com nítido interesse em ser mãe, teve seu sonho vilipendiado por condutas omissas do ente Estadual, conforme razões já expostas e como narrado ao longo da petição inicial. Esse sofrimento da perca de um filho, oriundo da conduta omissa do agente público, alteraram profundamente sua rotina, seu convívio social e sua autoestima. A parte autora passou por diversos cenários de constrangimentos que poderiam ser profundamente evitados se estivesse submetido a um tratamento médico humanizado, demonstrando os impactos psicológicos profundos que extrapolam o mero dissabor cotidiano. A indenização por dano moral encontra amparo direto na Constituição Federal, art. 5º, incisos V e X, os quais asseguram: “V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.” Conforme resulta da doutrina de José Aguiar Dias, “o conceito de dano é único, e corresponde a lesão de direito”. Vale ressaltar que os danos morais abrangem todo sofrimento ou dor experimentados, que não se revistam de um caráter de perda pecuniária, mas nasçam de “todo atentado à reputação da vítima, à sua autoridade legítima, ao seu pudor, à sua segurança e tranquilidade, ao seu amor-próprio estético, à integridade de sua inteligência, a suas afeições, etc”. No dizer de Yussef Said Cahali, na realidade, multifacetário e ser anímico, tudo aquilo que molesta gravemente a alma humana, aferindo-lhe gravemente os valores fundamentais inerentes à sua personalidade ou reconhecidos pela sociedade em que está integrado, qualifica-se, em linha de princípio, como dano moral; não há como enumerá-los exaustivamente, evidenciando-se na dor, na angústia, no sofrimento, na tristeza pela ausência de um ente querido falecido; no desprestígio, na desconsideração social, no descrédito à reputação, na humilhação pública, no devassamento da privacidade; no desequilíbrio da normalidade psíquica, nos traumatismos emocionais, na depressão ou no desgaste psicológico, nas situações de constrangimento moral. Assim, a fixação do valor indenizatório por dano moral não se submete a critérios matemáticos objetivos, devendo o julgador utilizar o prudente arbítrio, observando os princípios da razoabilidade, proporcionalidade e as circunstâncias do caso concreto. Prevalece na doutrina e jurisprudência pátrias o entendimento segundo o qual a indenização por dano moral está revestida de um caráter principal reparatório e de um caráter pedagógico ou disciplinador acessório, visando coibir novas condutas. A dúplice natureza da indenização por danos morais vem ressaltada na percuciente lição de Caio Mario, citado por Sérgio Cavalieri Filho[i]: Como tenho sustentado, em minhas instituições de Direito Civil (v. II, n. 176), na reparação do dano moral estão conjugados dois motivos, ou duas concausas: I – punição ao infrator por haver ofendido um bem jurídico da vítima, posto que imaterial; II – por nas mãos do ofendido uma soma que não é o pretium doloris, porém o meio de lhe oferecer uma oportunidade de conseguir uma satisfação de qualquer espécie, seja se ordem intelectual ou moral, seja mesmo de cunho material, o que pode ser obtido no fato de saber que esta soma em dinheiro pode amenizar a amargura da ofensa e de qualquer maneira o desejo de vingança” No mesmo sentido é o entendimento do STJ, que embora seja antigo permanece atual e aplicável aos dias de hoje: ADMINISTRATIVO – RESPONSABILIDADE – CIVIL – DANO MORAL – VALOR DA INDENIZAÇÃO. 1. O valor do dano moral tem sido enfrentado no STJ com o escopo de atender a sua dupla função: reparar o dano buscando minimizar a dor da vítima e punir o ofensor, para que não volte a reincidir. 2. Posição jurisprudencial que contorna o óbice da Súmula 7/DTJ, pela valoração jurídica da prova. 3. Fixação de valor que não observa regra fixa, oscilando de acordo com os contornos fáticos e circunstanciais. 4. Recurso especial parcialmente provido. (RESP 604801/RS, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 23.03.2004. DJ. 07/03/2005). (Grifou-se). No presente feito, tendo em vista todo o cenário a qual a vítima se inseriu, a gravidade dos fatos em si, que se perduram e irão perdurar pelo resto da vida dos autores, o sofrimento suportado e as consequências emocionais duradouras, arbitra-se a indenização por danos morais em R$70.000,00 (Setenta mil reais), valor que atende aos critérios de compensação e desestímulo, sem representar enriquecimento sem causa. O referido valor será atribuído para ambos os autores. Em tempo, assinalo que a responsabilidade dos requeridos é solidária, nos termos do art. 942 do Código Civil, uma vez que todos contribuíram para a falha na prestação do serviço público de saúde, seja na qualidade de ente público responsável pelo SUS, seja na condição de entidades prestadoras de serviço público de saúde. DECLARO a ilegitimidade da requerida ASSOCIAÇÃO CONGREGAÇÃO DE SANTA CATARINA, devendo ser excluída do polo passivo, extinguindo o feito sem resolução do mérito em relação a ela, nos termos do art. 485, VI do CPC. Ante o exposto e por tudo o que mais dos autos consta, JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados na petição inicial para CONDENAR solidariamente o ESTADO DE MATO GROSSO e a PRÓ-SAÚDE - ASSOCIAÇÃO BENEFICENTE DE ASSISTÊNCIA SOCIAL E HOSPITALAR ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$70.000,00 (Setenta mil reais), para ambos os autores, com correção monetária pela Tabela Prática do TJMT a partir desta data e juros de mora de 1% ao mês a partir do evento danoso (16/10/2019), extinguindo o feito com resolução do mérito em relação ao Estado de Mato Grosso e à Pró-Saúde, nos termos do art. 487, I, do Código de Processo Civil. CONDENO o Estado de Mato Grosso e a Pró-Saúde ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 10% (quinze por cento) sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, §2º, I, do CPC. CONDENO os autores ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios em favor da ASSOCIAÇÃO CONGREGAÇÃO DE SANTA CATARINA, estes fixados em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), nos termos do art. 85, §8º do CPC. Contudo, suspendo a exigibilidade da cobrança, eis que os autores são beneficiários da gratuidade da justiça. Publique-se. Intimem-se. Expeça-se o necessário. Cáceres/MT, datado e assinado digitalmente. HENRIQUETA FERNANDA C.A.F LIMA Juíza de Direito

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Processo nº 1003451-83.2021.8.11.0006

ID: 339267732

Tribunal: TJMT Órgão: 4ª VARA CÍVEL DE CÁCERES - FAZENDA PÚBLICA Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL Nº Processo: 1003451-83.2021.8.11.0006

Data de Disponibilização: 31/07/2025

Polo Ativo:

FERNANDA CRISTINA DOS SANTOS SCHIAVO WESLEY APARECIDO MARTINS FERREIRA

Polo Passivo:

Intimação

Advogados:

ELISANGELA RODRIGUES DA SILVA

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO 4ª VARA CÍVEL DE CÁCERES - FAZENDA PÚBLICA SENTENÇA Processo: 1003451-83.2021.8.11.0006. AUTOR(A): FERNANDA CRISTINA DOS SANTOS SCHIAVO, WESLEY APARECIDO MARTIN… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO 4ª VARA CÍVEL DE CÁCERES - FAZENDA PÚBLICA SENTENÇA Processo: 1003451-83.2021.8.11.0006. AUTOR(A): FERNANDA CRISTINA DOS SANTOS SCHIAVO, WESLEY APARECIDO MARTINS FERREIRA REQUERIDO: ESTADO DE MATO GROSSO, ASSOCIACAO CONGREGACAO DESANTA CATARINA, PRO SAUDE - ASSOCIACAO BENEFICENTE DE ASSISTENCIA SOCIAL E HOSPITALAR Vistos. Trata-se de AÇÃO DE REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS - ERRO MÉDICO proposta por FERNANDA CRISTINA SCHIAVO FERREIRA e WESLEY APARECIDO MARTINS FERREIRA em face do ESTADO DE MATO GROSSO, ASSOCIAÇÃO CONGREGAÇÃO DE SANTA CATARINA – HOSPITAL SÃO LUIZ e PRÓ SAÚDE - ASSOCIAÇÃO BENEFICENTE DE ASSISTÊNCIA SOCIAL E HOSPITALAR, com o objetivo de obter indenização por danos morais em decorrência de alegada negligência no atendimento médico-hospitalar prestado à autora durante sua gestação, o que teria culminado na morte da filha do casal. Alega em síntese, que, após o tratamento de fertilização in vitro, engravidou de gêmeos, porém perdeu um dos fetos nos primeiros meses. A gestação seguiu de forma regular até a 23ª semana, quando passou a apresentar sangramentos. Diante da ausência de estrutura adequada em Mirassol D’Oeste, procurou atendimento no Hospital São Luiz, nesta comarca, onde foi inicialmente internada e depois liberada. Relata ainda que em um novo episódio de sangramento, retornou ao Hospital São Luiz, onde foi atendida por estudantes de medicina. Mesmo diante do histórico delicado de sua gestação, a internação só foi autorizada após a insistência do casal, tendo a paciente aguardado horas por atendimento adequado, sofrendo dores e sangramento em um corredor do hospital. Durante os dias subsequentes, informa ainda que recebeu apenas medicações para dor e hidratação, sem avaliação médica contínua. No dia 16 de outubro de 2019, o parto prematuro ocorreu durante a madrugada, ocasião em que a autora alega ter havido negligência por parte do hospital, e que a omissão resultou na perda de sua filha tão desejada e aguardada, após anos de tratamento para engravidar. Para reforçar sua alegação, argumentou que a responsabilidade civil objetiva do Estado e das entidades que prestaram serviço público de saúde é evidente, conforme preceitua o art. 37, §6º da Constituição Federal e o art. 186 do Código Civil. Por fim, requer que sejam os réus condenados ao pagamento de indenização por danos morais, diante da dor e sofrimento experimentado, bem como da omissão injustificada no atendimento. Decisão recebendo a petição inicial e deferindo a justiça gratuita em Id. 56222784. Contestação apresentada pela ASSOCIAÇÃO CONGREGAÇÃO DE SANTA CATARINA em Id. 63920962. Contestação apresentada pelo ESTADO DE MATO GROSSO em id. 63918228. Contestação apresentada pela Pró- Saúde ao id. 73196241. Impugnação à contestação em Id. 68212790. Decisão intimando as partes para especificarem as provas que pretendessem produzir (Id. 84558436). A ré Pró-Saúde requereu a produção de prova documental ao Id. 84982898, ao passo que a autora requereu prova pericial, física e documental. Já o Estado do Mato Grosso, por sua vez, argumentou que já produziu documentações suficientes para a elucidação do caso, bem como protestou pelo depoimento pessoal da parte autora, e pela oitiva das mesmas testemunhas, porventura, arroladas por esta (id. 88896293). Decisão saneando os autos, ocasião em que deferiu a prova pericial médica e postergou a produção de prova testemunhal, para quando da juntada do laudo, bem como fixou os pontos controvertido (Id. 96620162). Audiência de conciliação agendada para 27/07/2023 ás 14h30min, contudo esta não restou exitosa. Contrarrazões das partes em id. 151615527. Laudo pericial anexado em Id. 159261493. Laudo pericial complementar ao Id. 180766138. Manifestação da parte autora, no sentido de que seja reconhecido a assistência inadequada. Quanto as requeridas Pró-Saúde e Associação Congregação de Santa Catarina , estas requereram a improcedência total da ação, de forma antecipada. Audiência de instrução e julgamento agendada para o dia 07/05/2025, após o ato, a magistrada declarou encerrada a instrução processual, e sucessivamente foi oportunizado as partes a apresentação de memorias escritos. Alegações finais da parte autora ao id. 193900970, Associação Congregação de Santa Catarina ao id. 194607810, Estado de Mato Grosso id. 195288310 e Pró-saude ao id. 198418237. Após, os autos vieram concluso. É o relatório. DECIDO. Compulsando os autos, verifico que o mesmo já se encontra apto para prolação da sentença. -DA PRELIMINAR. Sem delongas, acolho a alegação de ilegitimidade passiva da ASSOCIAÇÃO CONGREGAÇÃO DE SANTA CATARINA, eis que a documentação acostada aos autos comprova de forma inequívoca que a gestão do Hospital São Luís já havia sido transferida para a Pró-Saúde à época dos fatos objeto da demanda. Assim, vejamos o entendimento jurisprudencial associado à ilegitimidade: "A legitimidade das partes é uma das condições da ação e consubstancia-se quando constatado que o autor é o possível titular do direito postulado e o réu a pessoa responsável por suportar eventual condenação. Não comprovada a relação jurídica entre as partes, mormente pela ausência de contrato de prestação de serviço firmado por elas, o acolhimento da preliminar de ilegitimidade passiva é medida que se impõe." (TJ-MG - AC: 10024150070332002 Belo Horizonte, Relator: Juliana Campos Horta, Data de Julgamento: 03/03/2021). Portanto, ante a ausência de relação jurídica entre a ASSOCIAÇÃO CONGREGAÇÃO DE SANTA CATARINA e os fatos ocorridos, reconheço sua ilegitimidade passiva. Quanto ao ESTADO DE MATO GROSSO, rejeito a preliminar de ilegitimidade. Sobre a temática da responsabilidade civil do Estado, a Constituição da República é categórica em reconhecer que: "Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...) § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa." No caso dos autos, o Hospital São Luiz prestava atendimentos pelo Sistema Único de Saúde - SUS, configurando prestação de serviço público essencial, o que atrai a responsabilidade objetiva do ente estatal nos termos do art. 37, §6º da Constituição Federal. A alegação de que os médicos não seriam agentes públicos não afasta a responsabilidade estatal, pois o atendimento foi prestado em unidade conveniada ao SUS, respondendo o Estado pelos danos causados na prestação deste serviço público. Igualmente rejeito a alegação de ilegitimidade da PRÓ-SAÚDE, eis que restou comprovado nos autos que esta atuava como gestora do Hospital São Luiz à época dos fatos, sendo parte legítima para responder pelos danos causados na prestação dos serviços de saúde como entidade prestadora de serviço público. Rejeito ainda a impugnação ao benefício da justiça gratuita apresentada pela Pró-Saúde, pois o fato dos autores terem arcado com tratamento de fertilização não afasta a presunção de hipossuficiência, especialmente considerando que tal tratamento pode ter comprometido significativamente suas finanças, além de que a capacidade para custear tratamento médico específico não se confunde com capacidade para arcar com as custas de um processo judicial. Superada a análise preliminar, passo ao julgamento do mérito. Pois bem. A controvérsia central dos autos reside na alegada ocorrência de erro médico e negligência no atendimento prestado à autora Fernanda Cristina durante sua gestação de alto risco, decorrente de fertilização in vitro, bem como na existência de nexo causal entre a conduta omissiva dos requeridos e o óbito fetal ocorrido em 16 de outubro de 2019. Inicialmente, referente à responsabilidade civil do Estado e das entidades prestadoras de serviço público de saúde, a Constituição Federal estabelece em seu art. 37, §6º que: "as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa." Dessa forma, tanto o ente público quanto seus delegatários respondem pelos danos causados por seus agentes a terceiros, independentemente da comprovação de dolo ou culpa, configurando responsabilidade objetiva. No entanto, quando se trata de danos oriundos de condutas omissivas, a jurisprudência dominante tem exigido a comprovação do dano, do nexo de causalidade e da falta do serviço, ainda que de forma genérica. No caso dos autos, a análise detida das provas coligidas permite concluir inequivocamente pela existência de grave falha na prestação dos serviços de saúde, configurando erro médico por omissão e negligência no atendimento prestado à gestante. O laudo pericial produzido pela Dra. Marriethy de Lima Araújo foi categórico ao reconhecer que "ausentou-se atendimento adequado para paciente" e que houve "falha no seguimento" do caso, considerando que a paciente apresentava "mau passado obstétrico" e histórico de sangramento, mas "não obteve as reavaliações periódicas devidas". A perita foi clara ao apontar a responsabilidade "solidária entre instituição de saúde e profissionais que se ausentaram do atendimento devido". Embora o laudo tenha concluído que a conduta omissiva "não foi determinante para desfecho", reconheceu expressamente que a "assistência poderia dar maior suporte à família" e que a falta de assistência foi "fator de extrema relevância para experiência do momento pela família". Tal conclusão pericial é suficiente para caracterizar a falha na prestação do serviço público de saúde, especialmente em se tratando de gestação de alto risco decorrente de fertilização in vitro. Ainda nesse sentido, o laudo pericial complementar reforçou as conclusões iniciais, esclarecendo que a "assistência inadequada" foi constatada pela "ausência dos registros das reavaliações citadas em anamnese pericial" e pela "falta de acompanhamento/reavaliações solicitadas por paciente e acompanhante". A perita citou o Manual do Ministério da Saúde para Pré-Natal, destacando que "ausentou-se as avaliações subsequentes de bem estar materno fetal que poderiam trazer sinais de complicações antes de toda evolução clínica". Além disso, prova oral colhida em audiência corroborou integralmente as conclusões periciais e as alegações dos autores. A informante Flaviana dos Santos Schiavo, irmã da autora, confirmou que a paciente permaneceu internada com sangramento e dores, aguardando ultrassom porque "o médico que fazia ultrassom não estava no hospital", e que uma transferência para Cuiabá foi negada pelo administrador do hospital, mesmo havendo UTI móvel disponível. Especialmente grave foi o relato confirmado pelas três informantes ouvidas sobre o momento do parto. Flaviana narrou que sua mãe "passou a noite toda chamando a médica, chamando e não apareceu", e que às 4h-5h da manhã "dava para ouvir os gritos da minha irmã pelo telefone". Quando chegou ao hospital, encontrou o cunhado "na porta do quarto aos prantos" e a irmã "em trabalho de parto dentro da sala, né, já com os enfermeiros e a médica do dia, né, porque a médica plantonista da noite não tinha aparecido". A informante Rafaela Zimmermann Braga confirmou que "ela estava reclamando de muitas dores, né? O Wesley tinha chamado várias vezes o atendimento médico, falando que ela estava realmente com muita dor" e que "não tinha tido assistência, e ela acabou depois contando também que acabou fazendo o parto sozinha". A médica Paula, amiga do casal, embora tenha confirmado que foram realizados acompanhamentos dos batimentos cardíacos enquanto esteve presente, não presenciou o momento do parto, que ocorreu na madrugada sem assistência médica adequada. Particularmente chocante foi o tratamento dispensado ao natimorto, confirmado por todas as informantes. Flaviana relatou que "de repente saiu com um saco preto de dentro do quarto" e que quando questionaram, "a enfermeira me disse com essas palavras, ela expeliu o feto". Tal conduta revela completa ausência de humanização no atendimento e desrespeito à dignidade da pessoa humana, violando frontalmente os princípios fundamentais da prestação de serviços de saúde. O conjunto probatório demonstra inequivocamente que houve grave omissão no atendimento médico prestado à gestante, caracterizada pela ausência de reavaliações periódicas adequadas em paciente de alto risco, pela falta de assistência médica durante o trabalho de parto prematuro, pela negativa injustificada de transferência para centro de referência em UTI neonatal e pelo tratamento desumano dispensado ao natimorto e à família. Embora a perícia não tenha estabelecido nexo causal direto entre a omissão e o óbito fetal, reconheceu expressamente a falha no atendimento e a relevância da assistência inadequada para a experiência traumática vivenciada pela família. Em casos de responsabilidade objetiva por falha na prestação de serviço público de saúde, não se exige a demonstração de que a conduta omissiva foi a causa exclusiva do resultado, bastando a configuração da falta do serviço e sua contribuição para o agravamento do dano. A jurisprudência é firme no sentido de que a falta do serviço público de saúde configura o dever de indenizar, independentemente de culpa individual dos agentes, quando demonstrada a inadequação do atendimento prestado. No caso dos autos, restou amplamente comprovada a prestação defeituosa do serviço, caracterizada pela ausência de acompanhamento médico contínuo em gestação de alto risco, pela falta de assistência durante o parto prematuro e pela desumanidade no tratamento dispensado à família. O dano moral experimentado pelos autores é evidente e dispensa maiores considerações. A perda de um filho sempre representa sofrimento imensurável, mas quando essa perda é agravada por falha na prestação de serviço público de saúde e por tratamento desumano, o abalo psicológico se potencializa de forma exponencial. As informantes foram unânimes ao relatar que o casal "passou o puerpério dela sem a criança, teve leite, não teve criança para amamentar" e que "a vida deles acabou ali naquele momento, porque essa criança foi planejada, foi esperada, foi muito amada". Rafaela confirmou que ambos fizeram acompanhamento psicológico particular por anos e que "nunca mais foram as mesmas pessoas", sendo "obrigados a continuar vivos" em situação onde "não é que você supera, não é que você melhora, é que você aprende a passar os dias". Paula descreveu a dor como "um pedaço seu que morre" e "como se você tivesse sangrando em vida todos os dias". Por toda essas considerações, vale dizer que a responsabilidade do ente estadual se justifica, portanto, não apenas pela conduta de seu agente, mas também pela falha sistêmica do serviço de saúde, que se mostrou incapaz de garantir um atendimento emergencial eficiente. Destarte, rememora-se que o serviço de saúde pública é regido pelo SUS e ainda na prática desses serviços é aplicado a responsabilidade civil objetiva do estado, onde é dispensado a demonstração de dolo ou culpa por parte do agente causador do dano. Nestes termos, vejamos o entendimento doutrinário e jurisprudencial sobre o tema: Tese de julgamento: 1. A responsabilidade civil do Estado por falha na prestação de serviços de saúde é objetiva e independe de comprovação de culpa do agente público. 2. A omissão no diagnóstico precoce de lesões decorrentes de parto traumático, aliada à ausência de protocolos médicos adequados e registros clínicos completos, caracteriza falha na prestação do serviço público de saúde. 3. A cadeia contínua de atendimento prestado por hospitais públicos e conveniados não exclui a responsabilidade do ente federativo pelo resultado danoso. 4. A perda de filho recém-nascido em decorrência da falta da assistência médica devida e eficiente enseja reparação por danos morais em valor compatível com a gravidade do fato. 5. É parte ilegítima para responder por indenização decorrente de erro médico o agente público individualmente, nos termos do Tema 940 - STF. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 37, § 6º; CPC, art. 85, §§ 2º e 11. Jurisprudência relevante citada: · STF, RE 1027633/SC (Tema 940), Rel. Min. Alexandre de Moraes. · STJ, AgInt no REsp 1552430/PR, Rel. Min. Paulo Sérgio Domingues, T1, j. 04.03.2024. · TJDF, Apelação Cível 0708923-55.2017.8.07.0018, Rel. Des. Leila Arlanch, j. 27.02.2020. · STJ, AgInt nos EDcl no AgInt no AREsp 1.708.564/MS, Rel. Min. Og Fernandes, 2ª Turma, j. 25.05.2021. · STJ, AgInt no AgInt no REsp 1.712.285/TO, Rel. Min. Og Fernandes, 2ª Turma, j. 13.12.2018. (N.U 0000679-15.2010.8.11.0051, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO, GABRIELA CARINA KNAUL DE ALBUQUERQUE E SILVA, Regime de Cooperação da 2ª Câmara de Direito Público, Julgado em 09/06/2025, Publicado no DJE 09/06/2025) A responsabilidade civil do médico é analisada sob o aspecto subjetivo, assim para que exista a responsabilidade do médico deverá estar presentes os seguintes pressupostos: a conduta (omissiva ou comissiva), o dano, o nexo de causalidade ligando o dano à conduta, e a culpa, a qual pode ser exteriorizada através da negligência, imprudência e imperícia. Entretanto, o médico que atende pelo Sistema Único de Saúde, passa a ser “acobertado” pela responsabilidade objetiva. O atendimento por intermédio do serviço público patrocinado pelo Estado, caracteriza a responsabilidade objetiva para entidade, e responsabilidade extracontratual para o profissional. (GIOSTRI, 2005, p. 61, grifo nosso). Ademais, ainda que o Município sustente que a responsabilidade, no caso, seja subjetiva, o STJ possui entendimento consolidado no sentido de que, diante de uma omissão estatal específica, a responsabilidade passa a ser objetiva. Veja-se: ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR OMISSÃO. MORTE EM DECORRÊNCIA DE DISPARO DE ARMA DE FOGO NO INTERIOR DE HOSPITAL PÚBLICO. AUSÊNCIA DE VIGILÂNCIA. FALHA ESPECÍFICA NO DEVER DE AGIR. EXCLUDENTE DE ILICITUDE. NÃO OCORRÊNCIA. 1. A responsabilidade civil estatal é, em regra, objetiva, uma vez que decorre do risco administrativo, em que não se exige perquirir sobre existência de culpa, conf orme disciplinado pelos arts. 14 do Código de Defesa do Consumidor; 186, 192 e 927 do Código Civil; e 37, § 6º, da Constituição Federal. 2. O Superior Tribunal de Justiça, alinhando-se ao entendimento do Excelso Pretório, firmou compreensão de que o Poder Público, inclusive por atos omissivos, responde de forma objetiva quando constatada a precariedade/vício no serviço decorrente da falha no dever legal e específico de agir. 3. A atividade exercida pelos hospitais, por sua natureza, inclui, além do serviço técnico-médico, o serviço auxiliar de estadia e, por tal razão, está o ente público obrigado a disponibilizar equipe/pessoal e equipamentos necessários e eficazes para o alcance dessa finalidade. 4. A análise da responsabilidade civil, no contexto desafiador dos tempos modernos, em que se colocam a julgamento as consequências impactantes das omissões estatais, impõe ao julgador o ônus preponderante de examinar os dispositivos civis referidos, sob o olhar dos direitos e garantias fundamentais do cidadão. 5. Logo, é de se concluir que a conduta do hospital que deixa de fornecer o mínimo serviço de segurança e, por conseguinte, despreza o dever de zelar pela incolumidade física dos pacientes, contribuiu de forma determinante e específica para o homicídio praticado em suas dependências, afastando-se a alegação da excludente de ilicitude, qual seja, fato de terceiro. 6 . Recurso especial provido para restabelecer a indenização, pelos danos morais e materiais, fixada na sentença.(STJ - REsp: 1708325 RS 2015/0273254-9, Data de Julgamento: 24/05/2022, T2 - 2ªT, Data de Pub: DJe 24/06/2022). Ainda, não bastasse a farta prova documenta já anexada aos autos, verifica-se que quando da produção da prova testemunhal, embora as testemunhas tenham sido ouvidas na qualidade de informantes, estas ratificaram todas as nuances fáticas trazidas ao longo do processo, o que demonstra todo contexto relacionado à má prestação de serviços médicos. Dessa forma, considerando que o erro médico ocorreu no âmbito de uma unidade de saúde pública estadual e que houve falha no dever de prestação de serviço adequado, sendo tal fato corroborado pela farta prova produzida nos autos, resta configurada a responsabilidade do Estado do Mato Grosso pelos danos suportados pelos autores, devendo o ente estadual responder ressarcimento dos prejuízos morais decorrentes da omissão no atendimento. No que tange aos danos morais pretendidos, sua ocorrência decorre do próprio fato danoso (in re ipsa), estando evidenciada pelas sequelas permanentes suportadas pela parte autora, que, por sua natureza, configuram abalo moral presumido. A autora, com nítido interesse em ser mãe, teve seu sonho vilipendiado por condutas omissas do ente Estadual, conforme razões já expostas e como narrado ao longo da petição inicial. Esse sofrimento da perca de um filho, oriundo da conduta omissa do agente público, alteraram profundamente sua rotina, seu convívio social e sua autoestima. A parte autora passou por diversos cenários de constrangimentos que poderiam ser profundamente evitados se estivesse submetido a um tratamento médico humanizado, demonstrando os impactos psicológicos profundos que extrapolam o mero dissabor cotidiano. A indenização por dano moral encontra amparo direto na Constituição Federal, art. 5º, incisos V e X, os quais asseguram: “V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.” Conforme resulta da doutrina de José Aguiar Dias, “o conceito de dano é único, e corresponde a lesão de direito”. Vale ressaltar que os danos morais abrangem todo sofrimento ou dor experimentados, que não se revistam de um caráter de perda pecuniária, mas nasçam de “todo atentado à reputação da vítima, à sua autoridade legítima, ao seu pudor, à sua segurança e tranquilidade, ao seu amor-próprio estético, à integridade de sua inteligência, a suas afeições, etc”. No dizer de Yussef Said Cahali, na realidade, multifacetário e ser anímico, tudo aquilo que molesta gravemente a alma humana, aferindo-lhe gravemente os valores fundamentais inerentes à sua personalidade ou reconhecidos pela sociedade em que está integrado, qualifica-se, em linha de princípio, como dano moral; não há como enumerá-los exaustivamente, evidenciando-se na dor, na angústia, no sofrimento, na tristeza pela ausência de um ente querido falecido; no desprestígio, na desconsideração social, no descrédito à reputação, na humilhação pública, no devassamento da privacidade; no desequilíbrio da normalidade psíquica, nos traumatismos emocionais, na depressão ou no desgaste psicológico, nas situações de constrangimento moral. Assim, a fixação do valor indenizatório por dano moral não se submete a critérios matemáticos objetivos, devendo o julgador utilizar o prudente arbítrio, observando os princípios da razoabilidade, proporcionalidade e as circunstâncias do caso concreto. Prevalece na doutrina e jurisprudência pátrias o entendimento segundo o qual a indenização por dano moral está revestida de um caráter principal reparatório e de um caráter pedagógico ou disciplinador acessório, visando coibir novas condutas. A dúplice natureza da indenização por danos morais vem ressaltada na percuciente lição de Caio Mario, citado por Sérgio Cavalieri Filho[i]: Como tenho sustentado, em minhas instituições de Direito Civil (v. II, n. 176), na reparação do dano moral estão conjugados dois motivos, ou duas concausas: I – punição ao infrator por haver ofendido um bem jurídico da vítima, posto que imaterial; II – por nas mãos do ofendido uma soma que não é o pretium doloris, porém o meio de lhe oferecer uma oportunidade de conseguir uma satisfação de qualquer espécie, seja se ordem intelectual ou moral, seja mesmo de cunho material, o que pode ser obtido no fato de saber que esta soma em dinheiro pode amenizar a amargura da ofensa e de qualquer maneira o desejo de vingança” No mesmo sentido é o entendimento do STJ, que embora seja antigo permanece atual e aplicável aos dias de hoje: ADMINISTRATIVO – RESPONSABILIDADE – CIVIL – DANO MORAL – VALOR DA INDENIZAÇÃO. 1. O valor do dano moral tem sido enfrentado no STJ com o escopo de atender a sua dupla função: reparar o dano buscando minimizar a dor da vítima e punir o ofensor, para que não volte a reincidir. 2. Posição jurisprudencial que contorna o óbice da Súmula 7/DTJ, pela valoração jurídica da prova. 3. Fixação de valor que não observa regra fixa, oscilando de acordo com os contornos fáticos e circunstanciais. 4. Recurso especial parcialmente provido. (RESP 604801/RS, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 23.03.2004. DJ. 07/03/2005). (Grifou-se). No presente feito, tendo em vista todo o cenário a qual a vítima se inseriu, a gravidade dos fatos em si, que se perduram e irão perdurar pelo resto da vida dos autores, o sofrimento suportado e as consequências emocionais duradouras, arbitra-se a indenização por danos morais em R$70.000,00 (Setenta mil reais), valor que atende aos critérios de compensação e desestímulo, sem representar enriquecimento sem causa. O referido valor será atribuído para ambos os autores. Em tempo, assinalo que a responsabilidade dos requeridos é solidária, nos termos do art. 942 do Código Civil, uma vez que todos contribuíram para a falha na prestação do serviço público de saúde, seja na qualidade de ente público responsável pelo SUS, seja na condição de entidades prestadoras de serviço público de saúde. DECLARO a ilegitimidade da requerida ASSOCIAÇÃO CONGREGAÇÃO DE SANTA CATARINA, devendo ser excluída do polo passivo, extinguindo o feito sem resolução do mérito em relação a ela, nos termos do art. 485, VI do CPC. Ante o exposto e por tudo o que mais dos autos consta, JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados na petição inicial para CONDENAR solidariamente o ESTADO DE MATO GROSSO e a PRÓ-SAÚDE - ASSOCIAÇÃO BENEFICENTE DE ASSISTÊNCIA SOCIAL E HOSPITALAR ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$70.000,00 (Setenta mil reais), para ambos os autores, com correção monetária pela Tabela Prática do TJMT a partir desta data e juros de mora de 1% ao mês a partir do evento danoso (16/10/2019), extinguindo o feito com resolução do mérito em relação ao Estado de Mato Grosso e à Pró-Saúde, nos termos do art. 487, I, do Código de Processo Civil. CONDENO o Estado de Mato Grosso e a Pró-Saúde ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 10% (quinze por cento) sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, §2º, I, do CPC. CONDENO os autores ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios em favor da ASSOCIAÇÃO CONGREGAÇÃO DE SANTA CATARINA, estes fixados em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), nos termos do art. 85, §8º do CPC. Contudo, suspendo a exigibilidade da cobrança, eis que os autores são beneficiários da gratuidade da justiça. Publique-se. Intimem-se. Expeça-se o necessário. Cáceres/MT, datado e assinado digitalmente. HENRIQUETA FERNANDA C.A.F LIMA Juíza de Direito

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