Processo nº 1003597-70.2024.8.11.0087
ID: 310111818
Tribunal: TJMT
Órgão: NÚCLEO DE JUSTIÇA DIGITAL DA SAÚDE PÚBLICA
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 1003597-70.2024.8.11.0087
Data de Disponibilização:
27/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO NÚCLEO DE JUSTIÇA DIGITAL DA SAÚDE PÚBLICA SENTENÇA Processo: 1003597-70.2024.8.11.0087. AUTOR: SADI MAXIMO CERETTA REU: ESTADO DE MATO GROSSO, MUNICIPIO DE NOV…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO NÚCLEO DE JUSTIÇA DIGITAL DA SAÚDE PÚBLICA SENTENÇA Processo: 1003597-70.2024.8.11.0087. AUTOR: SADI MAXIMO CERETTA REU: ESTADO DE MATO GROSSO, MUNICIPIO DE NOVO MUNDO Sentença proferida em respeito à determinação para o uso da linguagem simples – Pacto firmado em Política Judiciária Nacional. Vistos etc. Dispensa-se o relatório, nos termos do artigo 38 da Lei nº 9.099/95, aplicado subsidiariamente aos processos do Juizado Especial da Fazenda Pública, conforme o artigo 27 da Lei nº 12.153/2009. Fundamento e decido. Verifica-se que os pressupostos de constituição estão devidamente preenchidos, não havendo óbices processuais, e, portanto, prossigo ao julgamento antecipado da lide, na forma do art. 355, inciso I, do CPC. 1. PRELIMINARES DO ESTADO DE MATO GROSSO O Estado de Mato Grosso suscita a preliminar de incorreção do valor da causa no montante de R$ 80.000,00 (oitenta mil reais), ante a ausência de justificativa em relação ao proveito econômico envolvido na ação. Alega o Estado que, “quando compra pela via administrativa a hospitais públicos ou realiza transferência de recursos a hospitais filantrópicos conveniados ao SUS, o valor se limita à “Tabela SUS” ou ao valor obtido em licitações públicas”. Nesse contexto, o ente estadual alega que o custo do tratamento solicitado corresponde ao valor de R$ 1.173,77 (mil cento e setenta e três reais e setenta e sete centavos), conforme os parâmetros estabelecidos na Tabela SUS (SIGTAP). Considerando o acréscimo de 50% previsto no Tema 1.033 do Supremo Tribunal Federal, sustenta que o valor final estimado seria de aproximadamente R$ 1.770,00 (mil setecentos e setenta reais). Pois bem. No presente caso, é pertinente a correção do valor da causa, uma vez que o montante atribuído é desproporcional à pretensão inicial. Isso porque o valor da causa deve corresponder de maneira adequada ao efetivo proveito econômico envolvido na demanda, sendo imprescindível que esse valor reflita a real dimensão econômica da pretensão discutida no processo. No caso em apreço, cujo objeto consiste na disponibilização do tratamento pleiteado, impõe-se reconhecer que o valor da causa deve corresponder ao custo efetivamente suportado pelo Ente Público para a implementação e manutenção contínua do referido tratamento. Tal estimativa é necessária para que se respeite o princípio da proporcionalidade e da adequação, assegurando que o valor atribuído à causa seja justo e compatível com o proveito econômico obtido, evitando distorções que possam comprometer a análise e julgamento da demanda. Nesse sentido gravita a decisão do e. TJMT no julgamento do INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS (12085) 1023732-44.2022.8.11 .0000: PROCESSO CIVIL – DIREITO À SAÚDE – INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DAMANDAS REPETITIVAS (IRDR) – AÇÃO EM QUE A FAZENDA PÚBLICA É VENCIDA – JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE – ARBITRAMENTO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS POR EQUIDADE – IMPOSSIBILIDADE – PROVEITO ECONÔMICO ESTIMÁVEL – OBRIGAÇÃO DE FAZER – IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. 1 - O direito à saúde é causa de pedir, nas ações em contexto da judicialização da saúde, cujo pedido, envolvendo alguma obrigação de fazer, em desfavor da Fazenda Pública, dele decorre e se reveste de conteúdo econômico, com o qual se relaciona o valor da causa, a indicar pela possibilidade de mensurar o proveito econômico, objetivamente, pelas partes, neste tipo de ação. 2 - A pretensão econômica, nas ações propostas contra a Fazenda Pública, que discutem o direito constitucional à saúde, é aferível, autorizando o arbitramento conforme o valor da condenação ou valor atualizado atribuído à causa, quando condenação ilíquida, nos termos dos § 2º e § 3º, art . 85, do Código de Processo Civil. 3 - A tese jurídica fixada no IRDR será aplicada, desde já, a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito e que tramitem na área de jurisdição do tribunal, inclusive àqueles que tramitem nos juizados especiais, bem como aos casos futuros que versem idêntica questão de direito e que venham a tramitar no território de competência do tribunal, salvo revisão na forma do art. 986. (TJ-MT - INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS: 1023732-44 .2022.8.11.0000, Relator.: HELENA MARIA BEZERRA RAMOS, Data de Julgamento: 15/02/2024, Seção de Direito Público, Data de Publicação: 26/02/2024) Em relação ao Tema 1.033 mencionado, é importante destacar que não há qualquer correspondência entre as circunstâncias fáticas deste caso específico e aquelas que fundamentaram o processo que deu origem à tese vinculante. A mencionada tese foi concebida a partir de um pedido de ressarcimento de despesas médicas (no caso, internação em UTI) formulado por um hospital privado, contra o ente público, invocando o dever constitucional do Estado de assegurar o direito fundamental à saúde. Entretanto, no presente caso, a situação fática é substancialmente distinta. O jurisdicionado, em sua demanda, busca, por meio de uma ação de obrigação de fazer, a intervenção do Estado – entendendo este termo em sua mais ampla acepção – para garantir o fornecimento de tratamento médico. Dessa forma, diante da omissão do poder público em prover o tratamento necessário, a parte autora recorreu ao Judiciário para assegurar seu direito. Em vista disso, o contexto fático aqui exposto não comporta a aplicação da tese firmada no Tema 1.033, uma vez que as circunstâncias envolvidas são fundamentalmente diferentes daquelas que originaram a referida tese vinculante. O STJ não empresta interpretação diversão à temática, consoante se extrai do julgado: [...] Assim, em demanda entre o hospital e o Estado, visando o pagamento das despesas da internação de paciente, deve se observar os critérios estabelecidos pelo Sistema Único de Saúde por serviços prestados a beneficiário de planos de saúde. Por outro lado, no caso dos autos, o cidadão, após não encontrar o amparo necessário na rede pública, procurou o atendimento particular, foi diretamente cobrado pelo hospital e, por conseguinte, pede o ressarcimento ao Estado, com fundamento no ato ilícito consubstanciado na conduta omissiva estatal de fornecimento de leitos de UTI à população. Sob tal viés, infere-se que o hospital não está envolvido em tal relação e não tem a obrigação de cobrar dentro do limite estabelecido para pagamento pelo Estado .[...]" (RECURSO EXTRAORDINÁRIO: RE 1432504 DF pelo STJ (DISTINGUISHING) em 16/05/2023. Destaco decisão do e. TJMT: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO - REEXAME NECESSÁRIO DA SENTENÇA - OBRIGAÇÃO DE FAZER - ASSISTÊNCIA À SAÚDE - CIRURGIA - TUMOR CÉREBRO- NECESSIDADE E HIPOSSUFICIÊNCIA DO PACIENTE - DEMONSTRADAS - DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE - ARTIGO 196, DA CRF - APLICAÇÃO DA TABELA DO SUS PARA PARTICULAR - IMPOSSIBILIDADE - SENTENÇA RATIFICADA O direito à vida e à saúde deve ser resguardado pelos entes públicos, mediante o custeio de consultas, realização de exames, medicamentos e cirurgias indispensáveis ao cidadão (CRF, art. 196). O particular, obrigado a prestar serviços necessários ao restabelecimento da saúde do cidadão, não deve suportar os prejuízos de ser ressarcido, conforme a tabela de preços adotada pelo SUS. (TJ-MT 10096202520228110015 MT, Relator: MARCIO VIDAL, Data de Julgamento: 30/01/2023 , Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo, Data de Publicação: 15/02/2023) Assim, considerando o valor do procedimento no SUS e a manifestação do Estado de Mato Grosso, acolho parcialmente a preliminar de incorreção do valor da causa, procedendo à sua retificação para o montante de R$ 1.173,77 (mil cento e setenta e três reais e setenta e sete centavos), nos termos do artigo 292, inciso II, do Código de Processo Civil. Além disso, o Estado de Mato Grosso argumenta que o valor atribuído à causa é inferior a 60 (sessenta) salários-mínimos, requerendo, por conseguinte, a reclassificação do feito para o rito do Juizado Especial da Fazenda Pública, nos termos da legislação vigente. Quanto à necessidade de correção da classificação do processo no sistema PJE, considerando que os ritos processuais do procedimento comum cível e dos juizados especiais divergem entre si, em relação aos prazos processuais, órgãos competentes para o julgamento de eventuais recursos e a aplicação de honorários advocatícios, se mostra evidente a necessidade de alteração do rito da demanda em questão. Isso porque, o valor da causa não excede ao valor de 60 (sessenta) salários-mínimos, conforme previsão do artigo 2° da Lei n.º 12.153/2009. Dessa forma, acolho o pedido e determino a observância do rito previsto para os Juizados Especiais da Fazenda Pública no presente feito, ressaltando que este Núcleo de Justiça Digital da Saúde Pública possui competência para processar e julgar demandas submetidas a tal procedimento. O Estado de Mato Grosso suscita, ainda, a preliminar de ausência de interesse processual, alegando que a parte autora não formulou requerimento administrativo junto ao Sistema Único de Saúde (SUS), ato este considerado imprescindível para a propositura da presente demanda. Inicialmente, é importante ressaltar que a ausência de requerimento administrativo não pode ser obstáculo ao ajuizamento da ação, uma vez que o art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal consagra o princípio da inafastabilidade da jurisdição. Ademais, é dever do Poder Público, em todas as suas esferas de atuação, garantir a todos os cidadãos, sem distinção, o direito à saúde, à vida e à dignidade humana, conforme previsto no artigo 198, inciso I, da Constituição da República Federativa do Brasil. Assim, considerando que tanto o pedido administrativo quanto o atraso do Poder Público em fornecer o medicamento solicitado não são condicionantes para o ajuizamento da demanda, rejeito a preliminar de falta de interesse de agir suscitada. Por fim, o Estado de Mato Grosso suscitou a preliminar de ausência de interesse processual, alegando que, embora reconheça a utilidade do pedido e a adequação da via processual escolhida, estaria ausente o requisito da necessidade, uma vez que o procedimento pleiteado seria eletivo e destituído de urgência. Contudo, tal argumentação não merece prosperar. A necessidade, enquanto elemento do interesse processual, não exige a demonstração de urgência extrema, tampouco está condicionada à prévia solicitação administrativa, especialmente quando se trata da tutela do direito fundamental à saúde, assegurado pelo artigo 196 da Constituição Federal. O próprio Superior Tribunal de Justiça já consolidou entendimento no sentido de que, em ações dessa natureza, o interesse processual presume-se presente diante da inércia do poder público no fornecimento do tratamento necessário, independentemente de o procedimento ser classificado como eletivo. Ademais, embora o Estado alegue que o Supremo Tribunal Federal teria reconhecido a validade da exigência de requerimento prévio e o respeito ao prazo cabível para a análise administrativa, tal entendimento não pode ser interpretado como impedimento absoluto ao ajuizamento da ação, sob pena de afronta ao princípio da inafastabilidade da jurisdição, garantido pelo artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição da República. O direito de acesso ao Poder Judiciário não pode ser condicionado a exigências administrativas prévias, sobretudo quando se trata de direitos indisponíveis, como a saúde, a vida e a dignidade humana. O artigo 198, inciso I, da Constituição Federal reforça essa obrigação estatal, ao estabelecer que as ações e serviços de saúde devem ser organizados de forma a garantir acesso universal e igualitário, sendo dever das três esferas de governo assegurar sua efetiva prestação. Dessa forma, não há que se falar em ausência de interesse processual, razão pela qual a preliminar deve ser rejeitada. 2. PRELIMINAR DO MUNICÍPIO DE NOVO MUNDO/MT O Município de Novo Mundo/MT suscitou a preliminar de ilegitimidade passiva, argumentando que, por se tratar de tratamento de média e alta complexidade, a obrigação de cumprimento deve recair sobre o Estado de Mato Grosso, uma vez que é o ente legalmente responsável pela prestação do atendimento em questão. Importa registrar que, embora a classificação do procedimento pleiteado pela parte autora seja de 'Média e Alta Complexidade', não se pode acolher a alegação do ente municipal de ilegitimidade passiva, que sustenta que o feito deve ser julgado conforme a hierarquia de competência. Isso porque, os entes federativos têm responsabilidade solidária pelo funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS). Assim, embora haja previsão para que a execução seja direcionada primariamente ao ente estadual, conforme o enunciado 60 da Jornada de Saúde do Conselho Nacional de Justiça, em caso de descumprimento, a obrigação poderá ser cumprida subsidiariamente pelo ente municipal. Destaca-se que o tema 793 do Supremo Tribunal Federal discute sobre a responsabilidade solidária dos entes federados pelo dever de prestar assistência à saúde, no que se refere ao dever de garantir o direito à saúde, incluindo o fornecimento de medicamentos e tratamentos médicos. Isso significa que qualquer um dos entes pode ser demandado judicialmente para fornecer medicamentos/procedimentos, independentemente de ser de alta ou baixa complexidade. Nesse sentido: RECURSO INOMINADO – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER COM PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA – TRATAMENTO OFTALMOLÓGICO - INJEÇÃO INTRA-VITREO – PROCEDIMENTO DE MÉDIA COMPLEXIDADE – RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERADOS – TEMA Nº 793 DO STF - DIRECIONAMENTO DO CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO DE FAZER PRIMARIAMENTE AO ENTE ESTATAL - RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1. Trata-se de Ação de Obrigação de Fazer com pedido de tutela de urgência alegando a parte Autora que possui diagnóstico e Diabetes Mellitus de longa data, evoluindo com Retinopatia Diabética Proliferativa, oclusão de veia central da retina e Glaucoma Neovascular em olho esquerdo, necessitando de 03 (três) aplicações de injeção intra-vítreo em olho esquerdo; medicação EYLIA 40MG/ML; 03 (três) sessões de panfotocoagulação; procedimento de implante de válvula de ahmed em olho esquerdo. 2. Embora qualquer um dos entes públicos seja parte legítima, em conjunto ou separadamente, para ser acionado nas ações prestacionais na área da saúde, como no caso dos autos, trata-se de procedimento de alta complexidade, o cumprimento da obrigação deve ser, primariamente, direcionado ao Estado de Mato Grosso, de acordo com as regras de repartição de competência ora mencionada. (Tema 793 do STF). 3. Recurso conhecido e provido. (TJ-MT - RECURSO INOMINADO: 1003561-11.2023.8.11.0007, Relator: NÃO INFORMADO, Data de Julgamento: 01/04/2024, Terceira Turma Recursal, Data de Publicação: 05/04/2024). CONSTITUCIONAL E PROCESSO CIVIL – AGRAVO DE INSTRUMENTO – OBRIGAÇÃO DE FAZER – ASSISTÊNCIA À SAÚDE – TRATAMENTO OFTALMOLÓGICO – INJEÇÃO INTRA VÍTREO DE ANTIANGIOGÊNICO - RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERATIVOS PELO FUNCIONAMENTO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE – OBRIGAÇÃO DO PODER PÚBLICO – APLICAÇÃO DO ARTIGO 196, DA CONSTITUIÇÃO DA REPUBLICA FEDERATIVA DO BRASIL – DIRECIONAMENTO PRIMÁRIO, EM FACE DO ESTADO DE MATO GROSSO, PARA CUMPRIMENTO DA DECISÃO – PROVIDO EM PARTE. O funcionamento do Sistema Único de Saúde é de responsabilidade solidária da União, do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios. Considerando a complexidade do procedimento médico, o direcionamento do cumprimento da obrigação deve-se dar, primariamente, ao Estado de Mato Grosso e, em caso de descumprimento, caberá ao Município, a satisfação da tutela jurisdicional. (TJ-MT 10004853420228110000 MT, Relator: MARCIO VIDAL, Data de Julgamento: 16/05/2022, Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo, Data de Publicação: 26/05/2022). Dessa forma, em virtude da responsabilidade solidária entre os entes federativos, conforme estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal no Tema 793, qualquer um deles pode ser demandado para garantir o direito à saúde, especialmente em casos de urgência e necessidade imediata. Nesse contexto, rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva suscitada. 3. MÉRITO O direito fundamental à saúde constitui expressão inafastável do princípio da dignidade da pessoa humana, consagrado no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal. Com efeito, a dignidade não se traduz em mero conceito abstrato, mas em vetor axiológico que orienta a interpretação e a concretização dos direitos fundamentais. Nesse sentido, a plena realização desse princípio exige a garantia de condições mínimas para a preservação da saúde, posto que a ausência de assistência adequada compromete não apenas a integridade física e psíquica do indivíduo, mas também a fruição de outros direitos essenciais à existência digna (força normativa dos princípios). De igual modo, a proteção do direito à saúde encontra-se expresso no caput do artigo 5º da Constituição, o qual resguarda o direito à vida, como o mais primordial dos direitos fundamentais. A impossibilidade de dissociar a saúde da própria existência digna reforça sua essencialidade na ordem constitucional, impondo ao Estado o dever inafastável de garanti-la de maneira efetiva e integral. Nesse contexto, o artigo 196 da Constituição de 1988 dispõe, de forma inequívoca, que 'a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação'. Tal normatização evidencia que a tutela desse direito não se restringe a uma diretriz programática, mas configura uma obrigação estatal de natureza prestacional, cujo inadimplemento compromete a eficácia do pacto constitucional. Ademais, a Lei nº 8.080/90, ao disciplinar os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde, reforça a essencialidade do direito à saúde, reconhecendo-o como um direito fundamental do indivíduo e atribuindo ao Estado, em sentido amplo, a responsabilidade de assegurar sua plena efetivação. Nos termos precisos do artigo 2º da referida norma, a saúde é 'um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício', reafirmando-se, assim, a natureza inalienável e inderrogável dessa garantia constitucional." Dessa forma, é incontestável que incumbe ao Poder Público zelar pela efetivação desse direito público subjetivo assegurado pela Constituição Federal, devendo adotar as providências necessárias à plena realização dos objetivos delineados no artigo 196 da Carta Magna de 1988. Tal dispositivo não apenas reconhece a saúde como um direito de todos, mas também impõe ao Estado o dever de implementá-la por meio de políticas públicas eficazes, garantindo acesso universal e igualitário aos serviços de saúde. Considerando que a República Federativa do Brasil se estrutura sob a forma de um Estado federal (art. 60, § 4º, I, da CR/88), a responsabilidade pela garantia desse direito recai solidariamente sobre todos os entes federativos — União, Estados, Distrito Federal e Municípios, de modo que qualquer um desses entes pode ser legitimamente demandado para assegurar a prestação adequada dos serviços de saúde, independentemente da repartição administrativa de competências no âmbito do Sistema Único de Saúde, haja vista que tal divisão não pode servir de obstáculo à concretização desse direito essencial. Esse é inclusive o exposto no artigo 23, inciso II, da Constituição Federal in verbis: “Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: (...) II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;”. Destaco, ademais, que este assunto foi tratado no Recurso Extraordinário n. 855.178 RG, Rel. Min. Luiz Fux, j. 5-3-2015, P, DJE de 16-3-2015, Tema 793, com reafirmação de jurisprudência em 06/03/2015, sendo fixada a seguinte tese: “Tema 793/STF. Os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde, e diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro”. Quando se cuida de procedimento de média ou alta complexidade, o Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso tem se posicionado no sentido de que a obrigação deve ser primariamente, direcionada ao Estado de Mato Grosso e em caso de descumprimento, direcionada ao Município. RECURSO DE APELAÇÃO - AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER - FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO - DIREITO À SAÚDE - DEVER DO ESTADO (LATO SENSU) - ILEGITIMIDADE PASSIVA DO ENTE MUNICIPAL – NÃO CONFIGURAÇÃO - SOLIDARIEDADE ENTRE OS ENTES PÚBLICOS NAS DEMANDAS DE SAÚDE - PRECEDENTES – ATENDIMENTO DE ALTA COMPLEXIDADE – DIRECIONAMENTO DA OBRIGAÇÃO, PRIMEIRAMENTE, AO ENTE COMPETENTE – ORIENTAÇÃO DO TEMA 793/STF – RECURSO PROVIDO EM PARTE. A teor do art. 196 da Constituição Federal, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios têm o dever de, solidariamente, garantir aos cidadãos o fornecimento de todos os meios indispensáveis para manutenção e restabelecimento da saúde. Contudo, havendo necessidade de prestação de serviço de saúde não inserido nas políticas públicas de Assistência Básica, é devido o direcionamento prioritário da obrigação, à luz do Tema 793/STF e do sistema de repartição de competências internas do SUS, ao Estado de Mato Grosso, cabendo ao ente municipal, em caso de descumprimento, a satisfação da tutela jurisdicional, sem prejuízo do respectivo ressarcimento. (N.U 1033378-72.2022.8.11.0002, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO, MARIA APARECIDA RIBEIRO, Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 18/12/2023, Publicado no DJE 26/01/2024) CONSTITUCIONAL E PROCESSO CIVIL – AGRAVO DE INSTRUMENTO – OBRIGAÇÃO DE FAZER – ASSISTÊNCIA À SAÚDE – TRATAMENTO OFTALMOLÓGICO – INJEÇÃO INTRA VÍTREO DE ANTIANGIOGÊNICO - RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERATIVOS PELO FUNCIONAMENTO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE – OBRIGAÇÃO DO PODER PÚBLICO – APLICAÇÃO DO ARTIGO 196, DA CONSTITUIÇÃO DA REPUBLICA FEDERATIVA DO BRASIL – DIRECIONAMENTO PRIMÁRIO, EM FACE DO ESTADO DE MATO GROSSO, PARA CUMPRIMENTO DA DECISÃO – PROVIDO EM PARTE. O funcionamento do Sistema Único de Saúde é de responsabilidade solidária da União, do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios. Considerando a complexidade do procedimento médico, o direcionamento do cumprimento da obrigação deve-se dar, primariamente, ao Estado de Mato Grosso e, em caso de descumprimento, caberá ao Município, a satisfação da tutela jurisdicional. (TJ-MT 10004853420228110000 MT, Relator: MARCIO VIDAL, Data de Julgamento: 16/05/2022, Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo, Data de Publicação: 26/05/2022). Nessa senda, a competência para a promoção da saúde deve ser repartida pelos Entes, conforme o estabelecido nos artigos 16 a 19 da Lei n.º 8.080/90, que estabelece normas gerais sobre o Sistema Único de Saúde (SUS). Nada obstante, é certo que na II Jornada de Direito da Saúde realizada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) foram aprovados novos enunciados, dentre eles o Enunciado 60 que dispõe: ENUNCIADO N° 60 A responsabilidade solidária dos entes da Federação não impede que o Juízo, ao deferir medida liminar ou definitiva, direcione inicialmente o seu cumprimento a um determinado ente, conforme as regras administrativas de repartição de competências, sem prejuízo do redirecionamento em caso de descumprimento. Vale-nos acrescer os Enunciados n. 08 e 67 da III Jornada de Direito da Saúde realizada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ): ENUNCIADO Nº 08 Nas apreciações judiciais sobre ações e serviços de saúde devem ser observadas as regras administrativas de repartição de competência entre os entes federados. (Redação dada pela III Jornada de Direito da Saúde – 18.03.2019). ENUNCIADO Nº 87 Nas decisões que determinem o fornecimento de medicamento ou de serviço por mais de um ente da federação, deve-se buscar, em sendo possível, individualizar os atos que serão de responsabilidade de cada ente. À luz das considerações expostas, conclui-se que os entes federativos, em razão da competência comum estabelecida pelo artigo 23, inciso II, da Constituição Federal, possuem responsabilidade solidária no atendimento às demandas prestacionais de saúde. Nesse contexto, revela-se legítima a possibilidade de direcionamento do cumprimento de medida liminar ou definitiva a um ente específico, observando-se as regras de repartição de competências e a organização administrativa do Sistema Único de Saúde, de modo a garantir maior efetividade à tutela jurisdicional. Desse modo, por se tratar de um direito fundamental e inerente à dignidade da pessoa humana, incumbe solidariamente aos requeridos o fornecimento do tratamento necessário em favor da parte autora. Nos autos, a pretensão deduzida na petição inicial consiste na disponibilização do procedimento cirúrgico de reversão de colostomia. Verifica-se dos autos que o laudo médico acostado atesta a gravidade do quadro clínico da parte autora, evidenciando a necessidade de realização imediata do tratamento prescrito. O referido documento técnico, elaborado por profissional habilitado, destaca a urgência da intervenção terapêutica, sob pena de risco concreto de agravamento do quadro de saúde e ocorrência de danos irreversíveis. Destarte, comprovada a enfermidade do autor, bem como a necessidade do tratamento indicado e, não tendo a parte autora condições de adquiri-lo, o acolhimento do pedido inicial quanto à disponibilização de vaga em unidade hospitalar dotada de capacidade técnica para a realização do procedimento especializado, é medida que se impõe. Ante o exposto, com fundamento no art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, ACOLHO PARCIALMENTE O PEDIDO inicial para determinar aos requeridos que disponibilizem, em favor da parte autora, o procedimento cirúrgico de reversão de colostomia. Nos termos do Tema 793 do STF, DIRECIONO inicialmente o cumprimento ao ESTADO DE MATO GROSSO, conforme indicação médica. Comunique-se(m) a(s) Secretaria(s) de Saúde, ou quem lhe(s) faça(m) às vezes, para que cumpra(m) a presente decisão, sob pena de caracterização de ato atentatório à dignidade da justiça, ficando autorizado o encaminhamento desta decisão por Malote Digital. Por fim, cumpre acrescentar que, com a reclassificação dos autos para o rito do Juizado Especial da Fazenda Pública, impõe-se, de forma cogente, a observância das disposições contidas na Lei nº 12.153/09, em conjugação com a Lei nº 9.099/95, por se tratar de hipótese de competência absoluta. Sem custas e honorários advocatícios, conforme os artigos 54 e 55 da Lei nº 9.099/95. Preclusa a via recursal e, não sendo requerido nada mais, arquivem-se os autos, com as devidas baixas e anotações de estilo. Publique-se. Intimem-se. Cumpra-se. Cuiabá, data registrada no sistema. Amini Haddad Campos Juíza de Direito Juíza Cooperadora no Núcleo Justiça Digital 4.0 – Temática Saúde
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear