Processo nº 1016252-35.2024.8.11.0003
ID: 293477091
Tribunal: TJMT
Órgão: Terceira Câmara de Direito Privado
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 1016252-35.2024.8.11.0003
Data de Disponibilização:
09/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
BRUNO TORQUETE BARBOSA
OAB/MT XXXXXX
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GABRIELA LAYRDE FONSECA PINTO
OAB/MT XXXXXX
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PRISCILLA PEREZ GOES QUEIROZ
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1016252-35.2024.8.11.0003 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Indenização por Dano Moral, Indenização por Da…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1016252-35.2024.8.11.0003 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Indenização por Dano Moral, Indenização por Dano Material] Relator: Des(a). ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES Turma Julgadora: [DES(A). ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES, DES(A). CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, DES(A). DIRCEU DOS SANTOS] Parte(s): [EVELYN MARTINS RIBEIRO - CPF: 050.873.231-03 (APELADO), GABRIELA LAYRDE FONSECA PINTO - CPF: 063.224.211-66 (ADVOGADO), PRISCILLA PEREZ GOES QUEIROZ - CPF: 021.120.071-90 (ADVOGADO), BRUNO TORQUETE BARBOSA - CPF: 045.900.416-69 (ADVOGADO), ECHER EMPREENDIMENTOS LTDA - CNPJ: 11.862.538/0001-21 (APELANTE), LUZIA ANGELICA DE ARRUDA GONCALVES - CPF: 997.574.941-00 (ADVOGADO), RONDONOPOLIS 32 INCORPORACOES SPE LTDA - CNPJ: 31.527.343/0001-32 (APELANTE), ANNIELEN CHIARELLE DE SOUZA - CPF: 946.035.961-20 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO. EMENTA APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS – COMPRA E VENDA DE IMÓVEL – ATRASO NA ENTREGA – ILEGITIMIDADE PASSIVA – NÃO CONFIGURAÇÃO – PARTICIPAÇÃO NA CADEIA DE FORNECIMENTO – APLICAÇÃO DO CDC – CLÁUSULA DE PRAZO DE ENTREGA ATRELADA AO FINANCIAMENTO – NULIDADE – PRAZO FINAL FIXADO EM CONTRATO COLIGADO – DESCUMPRIMENTO CONFIGURADO – DANO MORAL – OCORRÊNCIA – LUCROS CESSANTES – PRESUNÇÃO DO PREJUÍZO – LIQUIDAÇÃO POSTERIOR – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO – MAJORAÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. Não se reconhece a ilegitimidade passiva de empresa que, embora não conste formalmente como contratante, atua na promoção, identificação visual e comercialização do empreendimento, integrando a cadeia de fornecimento, sendo aplicável a responsabilidade solidária prevista no Código de Defesa do Consumidor. A cláusula contratual que condiciona o início do prazo de entrega do imóvel à assinatura de contrato de financiamento bancário é nula de pleno direito, à luz do Tema 996 do STJ. O prazo contratual deve ter contagem objetiva a partir da assinatura do contrato de compra e venda, acrescido do prazo de tolerância, sendo inadmissível qualquer vinculação a eventos incertos e alheios à vontade do consumidor. Verificada a existência de contrato coligado, celebrado por outros consumidores do mesmo empreendimento, com prazo de entrega fixado em 19/05/2022, deve-se aplicar esse marco como parâmetro de igualdade contratual, resguardando a boa-fé objetiva e a confiança legítima. Com a tolerância de 180 dias, o termo final para entrega seria 19/11/2022, sendo a entrega ocorrida somente em 25/07/2023, o que caracteriza mora. A alegação de força maior em decorrência da pandemia de COVID-19 não subsiste, haja vista que a construção civil foi considerada atividade essencial e não sofreu paralisação legal, além de o contrato ter sido firmado já durante a vigência das restrições, com pleno conhecimento dos riscos. O atraso substancial extrapola o mero aborrecimento, configurando dano moral indenizável. A indenização arbitrada em R$10.000,00 atende aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade. A condenação em lucros cessantes é devida e será apurada em liquidação de sentença, nos termos do Tema 996 do STJ, em razão da presunção do prejuízo decorrente da injusta privação do uso do bem. Apelação conhecida e desprovida. Sentença mantida. Honorários recursais majorados. TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO APELAÇÃO CÍVEL Nº 1016252-35.2024.8.11.0003 APELANTES: RONDONÓPOLIS 32 INCORPORAÇÕES SPE LTDA. e ECHER EMPREENDIMENTOS LTDA. APELADA: EVELYN MARTINS RIBEIRO RELATÓRIO EXMA. SRA. DESA. ANTÔNIA SIQUEIRA GONÇALVES (RELATORA) Egrégia Câmara: Trata-se de recurso de apelação interposto por RONDONÓPOLIS 32 INCORPORAÇÕES SPE LTDA. e ECHER EMPREENDIMENTOS LTDA., contra r. sentença proferida pelo Juízo da 3ª Vara Cível da Comarca de Rondonópolis, Juíza de Direito Milene Aparecida Pereira Beltramini, lançada os autos da ação indenizatória em epígrafe, que julgou parcialmente procedentes os pedidos, condenando “a parte requerida, a pagar à autora, a título de ressarcimento pelo dano moral que lhe causou, o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), na forma solidária”, bem como em lucro cessante, que deverá ser apurado em liquidação de sentença, devendo a autora trazer aos autos os valores discriminados, com a devida correção monetária. Além disso, considerando que a “parte demandante decaiu em parte do pedido, condeno ambas as partes na sucumbência recíproca, as custas processuais deverão ser repartidas em 50% para cada parte e arbitro os honorários advocatícios em R$ 2.000,00 (dois mil reais), para cada um dos advogados das partes, nos termos do artigo 85, §8º e 86 do CPC” (sic), observada a gratuidade de justiça em favor da parte autora. As apelantes defendem em suas razões recursais, em suma, que há questão preliminar de ilegitimidade passiva da Echer Empreendimentos Ltda., sustentando que apenas a empresa Rondonópolis 32 Incorporações SPE Ltda. celebrou contrato com a autora, inexistindo qualquer vínculo jurídico com a primeira apelante, o que, com fundamento no art. 485, VI, do CPC, impõe a extinção do feito em relação à Echer Empreendimentos Ltda., sem resolução de mérito. No mérito, defendem a inexistência de atraso na entrega do imóvel, sustentando que o prazo de 24 meses, com a tolerância de 180 dias, deveria ser contado a partir da assinatura do contrato de financiamento bancário (01/07/2021), o que postergaria o prazo final para janeiro de 2024. Dizem que como a entrega das chaves ocorreu em 25/07/2023, entendem que houve adimplemento contratual dentro do prazo pactuado. Afirmam que a cláusula que vincula o prazo de entrega ao financiamento seria lícita e pactuada de forma clara, conforme jurisprudência e previsão contratual. Esclarecem que mesmo que se considerasse o termo inicial como sendo a data de assinatura do contrato de compra e venda (20/04/2021), haveria prazo até outubro de 2023 com a cláusula de tolerância, o que ainda assim tornaria a entrega tempestiva. Defendem no mais, que o habite-se foi expedido em setembro de 2023, reforçando a tese de inexistência de mora; a condenação em lucros cessantes seria indevida, por ausência de prova do prejuízo efetivo, e ainda pela inexistência de atraso; que não se pode presumir dano e que a indenização por lucros cessantes exige comprovação concreta do dano e nexo causal; que a condenação em danos morais seria igualmente indevida, pela inexistência de ilícito, de prova de abalo psicológico relevante ou de conduta dolosa por parte das rés, sustentando a tese da banalização do dano moral e a ausência de efetivo abalo extrapatrimonial. Pedem a reforma integral da sentença, com a exclusão da Echer Empreendimentos Ltda. do polo passivo, e a total improcedência da demanda. Intimada, a parte autora recorrida apresentou contrarrazões na peça Id. 285865886, aduzindo, em suma, que deve ser rejeitada a preliminar de ilegitimidade passiva, sob o argumento de que a Echer Empreendimentos Ltda. integra a cadeia de fornecimento do produto, respondendo solidariamente pelos vícios do serviço, conforme previsão dos artigos 7º, parágrafo único, e 25, §1º, do Código de Defesa do Consumidor. Reforça que a presença ostensiva da marca Echer no material de divulgação do empreendimento e na comercialização das unidades; deve ser aplicada a “teoria da aparência” para reforçar o vínculo jurídico com o consumidor. No mérito, discorre que a cláusula contratual que vincula o prazo de entrega ao contrato de financiamento é nula, por contrariar o Tema 996 do STJ, que exige a definição de prazo certo para a entrega do imóvel. Sustenta que a entrega das chaves ocorreu em 25/07/2023, ao passo que o prazo, considerando o contrato de compra e venda assinado em 20/04/2021, e o acréscimo de 180 dias de tolerância, expiraria em 20/10/2022, caracterizando atraso de aproximadamente 9 meses. Afiança que trouxe aos autos contrato de outro consumidor, adquirente de unidade no mesmo condomínio, com prazo contratual de entrega em 19/05/2022, o que reforça a prática de prazos diversos para unidades em um mesmo empreendimento, considerada abusiva. Noticia que o dano moral decorre da frustração da legítima expectativa da apelada, que adquiriu o imóvel para moradia e se viu privada de sua posse injustificadamente, gerando insegurança, desconforto e abalo emocional; e que os lucros cessantes decorrem da privação da posse do imóvel, que poderia ser usado para moradia ou locação, e devem ser apurados em sede de liquidação. Pede o desprovimento do recurso, com manutenção da sentença de primeiro grau em sua integralidade, inclusive quanto à condenação por danos morais e lucros cessantes. Regularidade do recolhimento do preparo certificada no Id. 286172373. É o relatório. VOTO EXMA. SRA. DESA. ANTÔNIA SIQUEIRA GONÇALVES (RELATORA) Egrégia Câmara: Conforme relatado, trata-se de apelação interposta por RONDONÓPOLIS 32 INCORPORAÇÕES SPE LTDA. e ECHER EMPREENDIMENTOS LTDA. contra sentença proferida pela MMª. Juíza de Direito Milene Aparecida Pereira Beltramini, da 3ª Vara Cível da Comarca de Rondonópolis, nos autos da Ação Indenizatória nº. 1016252-35.2024.8.11.0003. As apelantes sustentam, preliminarmente, a ilegitimidade passiva da Echer Empreendimentos Ltda., por não ter figurado como parte no contrato celebrado com a autora. No mérito, alegam inexistência de atraso na entrega do imóvel, defendendo que o prazo contratual, somado à cláusula de tolerância, deveria ser contado a partir da assinatura do financiamento habitacional, em 01/07/2021, o que projetaria o termo final para janeiro de 2024. Como a entrega das chaves teria ocorrido em julho de 2023 e o “habite-se” foi expedido em setembro daquele ano, sustentam que não houve mora. Aduzem, ainda, que a condenação em lucros cessantes seria indevida, ante a ausência de atraso e a não comprovação de prejuízo efetivo. Impugnam, por fim, a indenização por danos morais, por inexistência de ilícito e de provas de sofrimento relevante, invocando o argumento de suposta banalização do instituto. Pedem a reforma integral da sentença, com a exclusão da Echer Empreendimentos Ltda. do polo passivo e a total improcedência dos pedidos iniciais. A fim de ilustrar a controvérsia, eis o teor da sentença recorrida: “Vistos etc. EVELYN MARTINS RIBEIRO, qualificada nos autos, ingressou com AÇÃO ORDINÁRIA DE INDENIZAÇÃO contra ECHER EMPREENDIMENTOS LTDA e RONDONÓPOLIS 32 INCORPORAÇÕES SPE LTDA, também qualificadas no processo. A parte demandante aduz que firmou contrato de compra e venda de imóvel, com as requeridas, em 20/04/2021, denominado empreendimento Viva Rondonópolis, pelo valor de R$ 227.508,56 (duzentos e vinte e sete mil, quinhentos e oito reais e cinquenta e seis centavos). Alega que restou pactuado no contrato, que o imóvel seria entregue até o último dia do 24º mês, após a assinatura do financiamento. Que em casos como o dos autos, é tolerável atraso não superior a 180 (cento e oitenta) dias, contudo a entrega das chaves do imóvel somente se deu em 25/07/2023. Sustenta que houve o descumprimento do contrato pelas demandadas e que tal conduta lhe trouxe dissabor e aborrecimento. Requer a procedência do pleito inicial. Juntou documentos. Citadas, as requeridas apresentaram defesa (Id. 165902092). Em sede de preliminar, arguiram a ilegitimidade passiva da primeira ré. No mérito, alegam que o prazo final para entrega do imóvel era em janeiro de 2024, sendo que há muito tempo já estava pronto. Dizem que o “Habite-se” foi expedido em setembro de 2023. Sustentam que mesmo considerando que a entrega das chaves se deu em 25 de julho de 2023, o suposto atraso ocorreu em razão de caso fortuito e força maior, em virtude da pandemia do Covid-19. Alegam que inexiste o descumprimento contratual, tampouco atraso na obra conforme afirma a parte autora, de modo que não restou configurado os danos morais. Pugnam pela improcedência do pedido inicial. Juntaram documentos. Tréplica (Id. 168269955). Intimadas a especificarem as provas que pretendem produzir, a parte autora pugnou pela realização da audiência de instrução e julgamento (Id. 175852926). As rés pleitearam pelo julgamento antecipado da lide (Id. 175859769). Vieram-me os autos conclusos. É O RELATÓRIO. EXAMINADOS. DECIDO. Julgo o processo no estado em que se encontra. Conheço diretamente do pedido uma vez que a questão é unicamente de direito e prescinde da produção de outras provas, nos termos do artigo 355, inciso I, do Código de Processo Civil. O entendimento jurisprudencial uníssono neste sentido: "Presentes as condições que ensejam o julgamento antecipado da causa, é dever do juiz, e não mera faculdade, assim proceder" (STJ, 4ª T., REsp 2.832-RJ, rel.. Min. Sálvio de Figueiredo, DJU 17.9.1990). "Nosso Direito Processual autoriza o julgamento antecipado da lide, quando não houver necessidade de prova - vale dizer - quando já se encontrarem nos autos todos os elementos necessários ao seguro entendimento da controvérsia" (STJ, REsp. 38.931-3-SP/93). Moacir Amaral Santos (Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, 15. ed., Saraiva: São Paulo, v. 2, 1993) nos ensina que "a prova tem por finalidade convencer o juiz quanto à existência ou inexistência dos fatos sobre que versa a lide". "A necessidade da produção de prova em audiência há de ficar evidenciada para que o julgamento antecipado da lide implique cerceamento de defesa. A antecipação é legítima se os aspectos decisivos estão suficientemente líquidos para embasar o convencimento do magistrado." (RTJ 115/789). Impende destacar, ainda, que a produção probatória, conquanto seja uma garantia do princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa, não elide o poder-dever inerente ao julgador de evitar que, sob tal pretexto, se transforme o processo em infindáveis diligências inúteis. Passo à análise da preliminar vindicada. A primeira questão a ser enfrentada cinge-se na preliminar suscitada pela parte demandada. Analisando a questão da legitimidade das partes, colho na doutrina, importante lição de Humberto Theodoro Júnior, que em sua obra "Curso de Direito Processual Civil", 41. ed, v. I, p. 57, ensina: "Parte, em sentido processual, é um dos sujeitos da relação processual contrapostos diante do órgão judicial, isto é, aquele que pede a tutela jurisdicional (autor) e aquele em face de quem se pretende atuar dita tutela (réu). Mas, para que o provimento de mérito seja alcançado, para que a lide seja efetivamente solucionada, não basta existir um sujeito ativo e um sujeito passivo. É preciso que os sujeitos sejam, de acordo com a lei, partes legítimas, pois se tal não ocorre o processo se extinguirá sem julgamento do mérito" (art. 267, VI).” Ante a irresignação da parte ré, consigno que todos aqueles que participam da cadeia de consumo, auferindo vantagem econômica ou de qualquer outra natureza, por intermediarem transações entre o consumidor e terceiros devem responder solidariamente aos prejuízos causados, conforme o § 2º, do artigo 3º; parágrafo único, do art. 7º; §1º, do art. 25, todos do CDC. Ainda, a relação jurídica estabelecida entre as litigantes é de natureza consumerista, no conceito de fornecedor e consumidor, previsto no Código de Defesa do Consumidor. Aplicam-se ao caso em comento as regras de proteção do consumidor, inclusive as pertinentes à responsabilidade objetiva na prestação dos serviços. Desse modo, refuto a preliminar arguida. No mérito. A inicial tem por objeto o pedido de indenização pelos danos sofridos em face dos fatos narrados. É inconteste a existência de vínculo entre as partes, por meio do contrato de compra e venda de imóvel, firmado em 20/04/2021, pelo valor de R$ 227.508,56 (duzentos e vinte e sete mil, quinhentos e oito reais e cinquenta e seis centavos) referente a uma unidade autônoma no empreendimento Viva Rondonópolis (Id. 161082448). Resta indiscutível que a relação submetida a análise judicial trata-se de típica relação de consumo, sujeita às normas do Código de Defesa do Consumidor. Conforme precedente vinculante do Superior Tribunal de Justiça, na aquisição de unidades autônomas em construção, o contrato deverá estabelecer, de forma clara, expressa e inteligível, o prazo certo para a entrega do imóvel, o qual não poderá estar vinculado à concessão do financiamento, ou a nenhum outro negócio jurídico, exceto o acréscimo do prazo de tolerância (Tema n. 996/STJ). É dizer, a cláusula 9.2, do contrato de venda e compra (Id. 161082448) é abusiva e, portanto, nula de pleno direito, ao atrelar o prazo para a entrega da obra à assinatura do contrato de financiamento. É válida, porém, ao prever a tolerância de 180 dias, nesses termos, o prazo de 24 meses para a entrega do imóvel deve ser contado da assinatura do contrato de venda e compra (20/04/2021) e, já acrescido dos 180 dias de tolerância, o qual expirou em 20.04.2023, de modo que, sendo o imóvel efetivamente entregue apenas em 25/07/2023 (Id. 165902106). Além do mais, o mais relevante no caso em tela é que a consumidora aderente e adquirente da unidade imobiliária não pode ficar refém dessas circunstâncias, que caracterizam absoluta aleatoriedade para ela por depender de fatos de terceiros (das construtoras, dos bancos e até dos serviços de registro de imóveis), ou seja, está claramente configurada a mora das rés. Alusivo a alegação da pandemia, também não justifica o atraso. A alegação de caso fortuito ou força maior, decorrente da COVID 19, não se mostra aceitável, pois o fortuito interno decorre do risco da própria atividade da parte vendedora, não se vislumbra assim, embasamento para tanto. De acordo com a legislação que visava a conter a propagação do novo coronavírus, a atividade da construção civil foi considerada essencial e, por isso, não sofreu as severas restrições impostas a outros setores da economia (Decreto n.º 10.342/2020, que acrescentou o inciso LIV ao art. 3.º, § 1.º, do Decreto n.º 10.282/2020, em regulamentação da Lei Federal n.º 13.979/2020). A propósito: Compromisso de compra e venda. Atraso na entrega do empreendimento. Vendedoras que atribuem o atraso à pandemia de COVID-19. Construção civil classificada como atividade essencial que, por isso, não sofreu restrições. Culpa das vendedoras pela rescisão. Restituição da integralidade do valor pago pela compradora, sem qualquer desconto. Juros devidos desde a data da citação. Recurso desprovido (TJSP, Apelação Cível 1002839-79.2022.8.26.0011, rel. Pedro Baccarat, 36.ª Câmara de Direito Privado, j. 09/09/2022). Ademais, percebe-se que a comercialização do imóvel se deu durante o período pandêmico (abril/2021), de modo que a parte ré já possuía conhecimento das possíveis dificuldades que teria que enfrentar para a execução da obra. Destarte, verifica-se que a autora em nenhuma oportunidade foi comunicada de que haveria prorrogação do prazo de entrega do imóvel em razão da pandemia. A hipótese dos autos não exime a parte ré da responsabilidade pelo atraso na obra. In casu, como alhures mencionado, o descumprimento da avença se deu por única e exclusiva culpa das demandadas, visto que extrapolaram, e muito, dos prazos convencionados para entrega do imóvel que somente ocorreu em 25/07/2023 (Id. 165902106), não havendo nos autos, qualquer comprovação que a demora da entrega após a emissão do “Habite-se” tenha ocorrido por a demandante não ter cumprido condições que lhe cabia (Id. 165902108), como quer levar a crer a parte demandada. Também, é incontroverso que a autora se viu privada da fruição da unidade que havia adquirido, e em havendo atraso, os lucros cessantes são devidos independente da finalidade que a autora (promitente compradora) daria ao imóvel (se para sua própria residência ou para locação). No caso de descumprimento do prazo para a entrega do imóvel incluído o período de tolerância, o prejuízo da compradora é presumido, consistente na injusta privação do uso do bem, a ensejar o pagamento de indenização na forma de aluguel mensal, com base no valor locatício de imóvel assemelhado, com termo final na data da disponibilização da posse direta a adquirente da unidade imobiliária. Portanto, faz jus ao pedido de lucro cessante, o qual será contabilizado na liquidação de sentença. A propósito: TEMA 970/STJ: “RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL NA PLANTA. ATRASO NA ENTREGA. NOVEL LEI N. 13.786/2018. CONTRATO FIRMADO ENTRE AS PARTES ANTERIORMENTE À SUA VIGÊNCIA. NÃO INCIDÊNCIA. CONTRATO DE ADESÃO. CLÁUSULA PENAL MORATÓRIA. NATUREZA MERAMENTE INDENIZATÓRIA, PREFIXANDO O VALOR DAS PERDAS E DANOS. PREFIXAÇÃO RAZOÁVEL, TOMANDO-SE EM CONTA O PERÍODO DE INADIMPLÊNCIA. CUMULAÇÃO COM LUCROS CESSANTES. INVIABILIDADE. 1. A tese a ser firmada, para efeito do art. 1.036 do CPC/2015, é a seguinte: A cláusula penal moratória tem a finalidade de indenizar pelo adimplemento tardio da obrigação, e, em regra, estabelecida em valor equivalente ao locativo, afasta-se sua cumulação com lucros cessantes. 2. No caso concreto, recurso especial não provido.” (STJ, REsp nº 1.635.428/SC, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, julgado em 22/5 /2019, DJe de 25/6/2019) A situação vivida pela autora não reflete o mero aborrecimento de um descumprimento contratual, mas, na realidade, a aflição e o temor de um sonho que imaginava que podia não ser concretizado, ou seja, “o sonho da casa própria”. A moradia é uma garantia constitucional que não pode ser tratada como um mero negócio, pois se refere ao local que servirá de asilo e abrigo para família. Em sendo assim, entendo que o atraso na entrega das chaves e a falta de informações precisas causaram dor interna a demandante, angústia que ultrapassou em muito ao mero dissabor, que causou abalo moral e que, por isso, pelo caráter duplo de punição corretiva e de compensação da vítima, deve ser arbitrada uma indenização. Assim, resta apenas fixar o quantum indenizatório, como forma de compensar a requerente pelos danos morais causados pelas rés. No tocante à fixação do dano moral, deve-se analisar a capacidade econômica da parte ofensora, a repercussão social o dano moral, a condição pessoal da vítima, a natureza e a extensão do dano, neste sentido, entendo como suficiente à reparação dos danos morais sofridos o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais). Por fim, no que tange ao dano material, indefiro o pleito, dado que a matéria em si, não se presume e deve ser comprovada. Não há como reconhecer o dever de indenizar a autora, se não restaram suficientemente comprovados os valores pagos a título de aluguel. Neste sentir, a parte autora apenas acosta ao feito, o contrato de locação residencial (Id. 161082452), no entanto, não junta os comprovantes dos pagamentos ou documentos que demonstrem os valores dispendidos para a suposta moradia. Por fim, não há falar-se em restituição dos danos materiais. Anoto que a fim evitar argumentação teratológica, deixo de apreciar a cláusula 5.4 do contrato entabulado entre as partes (Id. 161079883), visto que o pedido não tem nexo causal com a cláusula mencionada. Ex positis, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido inicial. Observando o critério de razoabilidade, condição econômica da parte demandada, bem como da parte requerente, evitando-se o enriquecimento sem causa, condeno a parte requerida, a pagar à autora, a título de ressarcimento pelo dano moral que lhe causou, o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), na forma solidária. A correção monetária incide a partir do arbitramento (STJ, Súm. 362) e os juros de mora, por se tratar de dano moral decorrente de relação contratual, desde a citação. No que se refere ao lucro cessante, este deverá ser apurado em liquidação de sentença, devendo a autora trazer aos autos os valores discriminados, com a devida correção monetária. Considerando que a parte demandante decaiu em parte do pedido, condeno ambas as partes na sucumbência recíproca, as custas processuais deverão ser repartidas em 50% para cada parte e arbitro os honorários advocatícios em R$ 2.000,00 (dois mil reais), para cada um dos advogados das partes, nos termos do artigo 85, §8º e 86 do CPC. Deixo de determinar a compensação dos honorários advocatícios, em razão do contido no artigo 85, §14º, do CPC, que privilegia o entendimento já defendido por parte do STJ, segundo o qual os honorários sucumbenciais possuem natureza alimentar e devem, portanto, receber o mesmo tratamento privilegiado que o ordenamento jurídico confere às outras quantias que possuem essa mesma natureza. A sucumbência em relação a parte autora somente será exigida se presentes os requisitos legais vez que a mesma é beneficiária da assistência judiciária gratuita. Transitada em julgado, encaminhe ao departamento competente para as providências cabíveis, ao arquivo com baixa e anotações necessárias. P.R.I.C. Rondonópolis-MT/2025. MILENE APARECIDA PEREIRA BELTRAMINI Juíza de Direito” Pois bem. A preliminar de ilegitimidade passiva arguida pelas apelantes, no que tange à empresa Echer Empreendimentos Ltda., não merece prosperar. Consta dos autos farta demonstração de que a referida empresa integrou ativamente a cadeia de fornecimento do imóvel objeto do contrato de compra e venda, inclusive sendo publicamente associada ao empreendimento “Viva Rondonópolis”, com divulgação de sua logomarca, realização de vendas e identificação visual predominante no canteiro de obras. Dessa forma, aplica-se o disposto no parágrafo único do artigo 7º do Código de Defesa do Consumidor, que determina: “Art. 7º. Os direitos previstos neste código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário. Parágrafo único. Havendo mais de um autor do dano, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo.” Desta feita, configurada inequívoca relação de consumo entre as partes e demonstrada à atuação da Echer no fornecimento do produto, é inequívoca a legitimidade da referida empresa para figurar no polo passivo da demanda, sendo correta a rejeição da preliminar pela sentença de origem. No mérito, sustentam as apelantes que não houve atraso na entrega do imóvel, afirmando que o prazo contratual de 24 meses, com acréscimo de 180 dias de tolerância, deveria ser contado a partir da assinatura do contrato de financiamento junto à instituição financeira, ocorrido em 01/07/2021. Defendem que, nessa contagem, o prazo final se daria em janeiro de 2024, razão pela qual a entrega em julho de 2023 estaria dentro do prazo pactuado. Entretanto, essa interpretação afronta a jurisprudência consolidada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, especialmente o Tema 996, segundo o qual: “1) Na aquisição de unidades autônomas em construção, o contrato deverá estabelecer, de forma clara, expressa e inteligível, o prazo certo para a entrega do imóvel, o qual não poderá estar vinculado à concessão do financiamento, ou a nenhum outro negócio jurídico, exceto o acréscimo do prazo de tolerância. 2) No caso de descumprimento do prazo para a entrega do imóvel, incluído o período de tolerância, o prejuízo do comprador é presumido, consistente na injusta privação do uso do bem, a ensejar o pagamento de indenização, na forma de aluguel mensal, com base no valor locatício de imóvel assemelhado, com termo final na data da disponibilização da posse direta ao adquirente da unidade autônoma. 3) É ilícito cobrar do adquirente juros de obra, ou outro encargo equivalente, após o prazo ajustado no contrato para a entrega das chaves da unidade autônoma, incluído o período de tolerância. 4) O descumprimento do prazo de entrega do imóvel, computado o período de tolerância, faz cessar a incidência de correção monetária sobre o saldo devedor com base em indexador setorial, que reflete o custo da construção civil, o qual deverá ser substituído pelo IPCA, salvo quando este último for mais gravoso ao consumidor.” Assim, é nula de pleno direito a cláusula contratual que vincula o prazo de entrega à assinatura do contrato de financiamento. A contagem correta deve se iniciar na data da celebração do contrato de compra e venda, ou seja, em 20/04/2021. Entretanto, a peculiaridade do presente feito — e que qualifica ainda mais o inadimplemento das obrigações contratuais pelas rés — reside no fato de que a parte autora logrou comprovar a existência de contratos celebrados consumidores do mesmo empreendimento (anexos à inicial), com previsão expressa de entrega do imóvel em 19/05/2022. Ora, tratando-se de unidades integrantes de um mesmo condomínio edilício, sob a mesma estrutura construtiva e cronograma técnico, não se admite, sob o pálio da boa-fé e da isonomia contratual, que a incorporadora estipule prazos díspares e menos favoráveis para consumidores distintos. Tal disparidade fere os deveres anexos da boa-fé objetiva, bem como os princípios da transparência e da confiança legítima, e não pode ser tolerada no contexto das relações de consumo. Destarte, com base nessa moldura fática, tem-se que o prazo de entrega contratual para o imóvel da autora também deveria observar o marco de 19/05/2022, como parâmetro de igualdade material. Nestes termos, considerando, ainda, a cláusula contratual que previa o acréscimo de 180 dias de tolerância, o prazo final para a entrega do imóvel se estenderia até 19/11/2022. A entrega das chaves, contudo, somente ocorreu em 25/07/2023, mais de oito meses após o término da cláusula de tolerância. Fica, assim, inconteste a mora das rés. O atraso é objetivamente verificável e não se justifica por alegações genéricas relativas à pandemia, uma vez que a atividade da construção civil foi considerada essencial por força do Decreto nº. 10.342/2020, não sendo atingida por paralisações que pudessem descaracterizar o inadimplemento contratual. Ademais, no tocante à condenação por danos morais, igualmente não assiste razão às apelantes. O atraso na entrega do imóvel, quando considerado o conjunto probatório, extrapolou o mero aborrecimento cotidiano, tendo a autora comprovadamente ficado privada do bem adquirido por tempo considerável, sem comunicação prévia, o que gerou insegurança, frustração e desequilíbrio na relação contratual. Nesta toada, inconteste o dano moral sofrido, o qual deve ser mantido, mesmo porque a indenização fixada no valor de R$10.000,00 (dez mil reais) mostra-se adequada, em observância aos critérios de razoabilidade, proporcionalidade e capacidade econômica das partes, como bem ponderado pelo juízo sentenciante. A propósito: “APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER – PRELIMINARES - IMPUGNAÇÃO À JUSTIÇA GRATUITA –PEDIDO DE REVOGAÇÃO FORMULADO EM CONTRARRAZÕES – PRECLUSÃO – OFENSA AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE – REJEITADA - MÉRITO - CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL – ATRASO INJUSTIFICADO NA ENTREGA DO EMPREENDIMENTO IMOBILIÁRIO – RESCISÃO POR CULPA DA VENDEDORA – DANO MORAL CONFIGURADO – QUANTUM MAJORADO – SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA – RECURSO PROVIDO. É preclusa a impugnação à concessão da justiça gratuita apresentada em sede de contrarrazões recursais, isso porque a matéria não foi suscitada oportunamente em preliminar de contestação, momento processual adequado para tal fim, já que o benefício foi concedido à autora, ora apelante, no início do processo, logo na primeira decisão lançada pelo juízo nos autos. Como a parte apelante apresentou devidamente os fundamentos de fato e de direito, a fim de impugnar efetivamente os fundamentos da sentença, deve ser afastada a preliminar relativa à violação ao princípio da dialeticidade. A frustração do consumidor que adquire imóvel para moradia, somada à demora injustificada da vendedora, ultrapassa os meros aborrecimentos, causando dano moral na parte que se vê impossibilitada de utilizar o bem na data estipulada para a entrega. Deve ser majorado o valor da indenização fixado fora dos padrões de razoabilidade e proporcionalidade, bem como por estar em desacordo com os precedentes jurisprudenciais análogos.” (N.U 1019514-44.2022.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 19/02/2025, Publicado no DJE 22/02/2025) “APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL C/C DEVOLUÇÃO DE VALORES PAGOS E DANOS MORAIS - COMPRA E VENDA DE IMÓVEL - ATRASO NA ENTREGA - CULPA EXCLUSIVA DA VENDEDORA - DEVOLUÇÃO INTEGRAL DOS VALORES PAGOS - DANO MORAL CONFIGURADO - JUROS DE MORA A PARTIR DA CITAÇÃO - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. Restando demonstrado que a rescisão contratual decorreu da inexecução imputável ao vendedor, exigindo-se a devolução integral dos valores pagos pelo adquirente, conforme importação do Tribunal Superior de Justiça. O atraso na entrega do imóvel, que extrapola o período de tolerância e gera frustração ao consumidor, configura dano moral indenizável, não podendo ser considerado mero aborrecimento. Os juros moratórios devem incidir a partir da citação, nos termos da Súmula 54 do STJ e da revisão consolidada em casos de rescisão contratual.” (N.U 1004247-71.2021.8.11.0007, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, DIRCEU DOS SANTOS, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 19/02/2025, Publicado no DJE 24/02/2025) “DIREITO CIVIL. RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL. RESCISÃO CONTRATUAL. ATRASO NA ENTREGA DE IMÓVEL. EMBARGO JUDICIAL DA OBRA. JUSTIÇA GRATUITA. LUCROS CESSANTES. DANO MORAL. MULTA CONTRATUAL. RECURSO DESPROVIDO E PROVIDO PARCIALMENTE. I. Caso em exame Recurso de apelação cível interposto contra sentença que julgou parcialmente procedente ação de rescisão contratual cumulada com indenização por danos materiais e morais. Os autores adquiriram imóvel comercial cuja entrega estava prevista para dezembro de 2014, com tolerância de seis meses. A obra, contudo, permaneceu embargada e não foi concluída, o que motivou o pedido de rescisão contratual, devolução dos valores pagos, indenização por danos morais e lucros cessantes. II. Questão em discussão Há três questões em discussão: (i) a concessão da justiça gratuita ao apelante Domingos Menezes Filgueira Moussalem; (ii) a responsabilidade pelo atraso na entrega do imóvel e a consequente obrigação de indenizar; (iii) a possibilidade de cumulação da cláusula penal moratória com lucros cessantes. III. Razões de decidir A justiça gratuita não pode ser concedida ao apelante Domingos Menezes Filgueira Moussalem, pois ele não comprovou insuficiência financeira nos autos, conforme exigido pelo artigo 99, §2º, do CPC. O embargo judicial da obra, ainda que tenha decorrido de fatores externos, não exime a construtora de sua responsabilidade, uma vez que riscos administrativos e legais fazem parte da atividade empresarial e não podem ser transferidos ao consumidor. O atraso na entrega do imóvel, que ultrapassou o prazo de tolerância contratual, configura inadimplemento contratual e justifica a rescisão do contrato, a devolução dos valores pagos e o dever de indenizar. O dano moral decorre do longo período de espera pela entrega do imóvel e das frustrações financeiras dos compradores, justificando a majoração da indenização de R$ 5.000,00 para R$ 10.000,00. Nos termos do Tema 970 do STJ, a cláusula penal moratória não pode ser cumulada com os lucros cessantes quando sua finalidade for equivalente ao aluguel. No caso, como o atraso superou o período de tolerância, os lucros cessantes, fixados em 0,5% do valor do imóvel por mês de atraso, são mais vantajosos ao consumidor, devendo prevalecer sobre a multa contratual de 10%. O recurso do réu foi desprovido, mantendo-se sua condenação. O recurso dos autores foi provido, garantindo-se a majoração do dano moral e a substituição da cláusula penal pelos lucros cessantes. Os honorários advocatícios foram majorados para 16% sobre o valor da condenação, conforme artigo 85, §11, do CPC. IV. Dispositivo e tese Recurso do réu desprovido. Recurso dos autores provido parcialmente. Tese de julgamento: “O embargo judicial da obra não afasta a responsabilidade da construtora pelo atraso na entrega do imóvel, pois riscos administrativos fazem parte da atividade empresarial. A cláusula penal moratória e os lucros cessantes são verbas indenizatórias inacumuláveis, devendo prevalecer a que for mais vantajosa ao consumidor. O dano moral decorrente do atraso na entrega de imóvel justifica indenização em valor razoável, considerando o sofrimento do adquirente e a função punitiva da condenação. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, inc. V e X; CPC, arts. 85, §2º e §11, e 99, §2º; CDC, arts. 6º, V, e 51, IV; Lei 4.591/64, art. 48, §2º. Jurisprudência relevante citada: STJ, Tema 970; STJ, REsp nº 1.635.428/SC e REsp nº 1.498.484/DF; STJ, REsp nº 1.633.274/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 08.11.2016; TJMT, RAC nº 1014007-78.2017.8.11.0041, Rel. Des. Guiomar Teodoro Borges, j. 16.06.2021.” (N.U 0023214-55.2016.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 26/02/2025, Publicado no DJE 26/02/2025) De outra feita, quanto à condenação ao pagamento de lucros cessantes, o argumento de ausência de comprovação específica não procede. De fato, ao caso se aplica a jurisprudência consolidada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça no Tema 996, ao prelecionar expressamente que: “2) No caso de descumprimento do prazo para a entrega do imóvel, incluído o período de tolerância, o prejuízo do comprador é presumido, consistente na injusta privação do uso do bem, a ensejar o pagamento de indenização, na forma de aluguel mensal, com base no valor locatício de imóvel assemelhado, com termo final na data da disponibilização da posse direta ao adquirente da unidade autônoma.” Nesta toada, depreende-se escorreita a sentença recorrida no ponto ao determinar a apuração do quantum dos lucros cessantes em sede de liquidação, resguardando o contraditório e a ampla defesa. Assim, a condenação por lucros cessantes foi imposta de forma condicionada, conforme se exige em situações que demandam apuração futura, sem ofensa ao ônus da prova nem violação ao devido processo legal. De mais a mais, diante da improcedência de todos os argumentos recursais e do desprovimento da apelação, impõe-se a majoração da verba honorária recursal, nos termos do artigo 85, §11, do Código de Processo Civil, que dispõe: “Art. 85 (...) §11. O tribunal, ao julgar recurso, majorará os honorários fixados anteriormente levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, observando o disposto nos §§ 2º e 3º.” Assim, majora-se a verba honorária em favor da parte autora apelada para o valor de R$4.000,00 (quatro mil reais), mantida a distribuição anteriormente fixada pela sentença quanto à sucumbência recíproca e às demais verbas. Diante do exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso de apelação, mantendo integralmente a sentença recorrida, com majoração dos honorários recursais para R$4.000,00 (quatro mil reais) em favor dos patronos da parte autora apelada. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 04/06/2025
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