Processo nº 1010568-61.2021.4.01.3200
ID: 321454194
Tribunal: TRF1
Órgão: 2ª Vara Federal Criminal da SJAM
Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO
Nº Processo: 1010568-61.2021.4.01.3200
Data de Disponibilização:
10/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO 2ª VARA FEDERAL CRIMINAL - SEÇÃO JUDICIÁRIA DO AMAZONAS Vara Especializada em Crimes contra Sistema Financeiro, Lavagem de Capi…
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO 2ª VARA FEDERAL CRIMINAL - SEÇÃO JUDICIÁRIA DO AMAZONAS Vara Especializada em Crimes contra Sistema Financeiro, Lavagem de Capitais e Organização Criminosa SENTENÇA TIPO "D" PROCESSO: 1010568-61.2021.4.01.3200 CLASSE: AÇÃO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO (283) PARTE AUTORA: Ministério Público Federal (Procuradoria) PARTE RÉ: EDISON MENDES DA SILVA SENTENÇA I. RELATÓRIO Trata-se de denúncia oferecida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - MPF contra EDISON MENDES DA SILVA, brasileiro, solteiro, natural de Montes Claros/MG, nascido em 20/11/1952, CPF nº. 506.404.107- 15, RG nº 031135015 SSP/R pela suposta prática do crime previsto no art. 1º da Lei n°. 9.613/1998. Narra a denúncia: No dia 19/11/2020, por volta das 14:25 horas, no Aeroporto Internacional Eduardo Gomes, em Manaus, Edison Mendes da Silva, de maneira livre e consciente, ocultou e dissimulou, em um mochila, a natureza, origem e a localização da quantia de R$ 244.000,00 (duzentos e quarenta e quatro mil reais) em espécie, provenientes, direta ou indiretamente, ao menos de uma infração penal antecedente: comércio ilegal de ouro, estando incurso nas penas do art. 1º da Lei nº 9.613/98. Consta nos autos que, no dia 19/11/2020, Edison Mendes da Silva foi abordado no Aeroporto Internacional Eduardo Gomes, em Manaus, transportando, em sua bagagem de mão, R$ 244.000,00 (duzentos e quarenta e quatro mil reais) em espécie. Conforme se verifica de sua passagem aérea, Edison Mendes da Silva embarcou no mesmo dia, 19/11/2020, no voo nº G3 2256, oriundo do Rio de Janeiro com destino à Manaus, com previsão de partida do Aeroporto do Galeão às 10:05 horas e de chegada ao Aeroporto de Manaus às 13:25 horas. Em Manaus, Edison Mendes da Silva recebeu a quantia de R$ 244.000,00 (duzentos e quarenta e quatro mil reais) em espécie, supostamente de Raimundo Geraldo Ribeiro da Silva, e tentou embarcar no voo nº G3 2255, com previsão de partida do Aeroporto de Manaus às 14:05 horas e de chegada ao Aeroporto do Galeão às 19:05 horas, de posse dos referidos valores. Durante procedimento de inspeção por raio-x, verificou-se a alta quantia em sua bagagem de mão, razão pela qual a Receita Federal e a Polícia Federal foram acionadas, para formalização dos procedimentos de praxe. Indagado, Edison Mendes da Silva alegou que o valor em espécie seria oriundo da venda de um imóvel, ocorrida há mais de 5 anos, sendo que o montante teria sido deixado, em espécie, com Raimundo Geraldo Ribeiro da Silva, para guarda em sua residência durante todo período. Apresentou, buscando corroborar suas alegações, diversas cópias de documentos cartorários. No entanto, em consulta nos sistemas disponíveis, a Polícia Federal apurou que Edison Mendes da Silva recebe mensalmente R$ 3.540,34 (três mil, quinhentos e quarenta reais e trinta e quatro centavos) referentes à aposentadoria por tempo de contribuição nº 131.842.641-0. Além disso, ele consta como sócio de diversas empresas, a maioria já baixada ou inativa. Consta como ativa a pessoa jurídica Edison Mendes Assessoria Empresarial Eireli, inscrita no CNPJ sob o nº 17.506.529/0001-84, que, em seu cadastro de inscrição junto à Receita Federal, possui como uma de suas atividades econômicas secundárias "Sociedades de crédito, financiamento e investimento - financeiras". Ante a justificativa pouco crível apresentada para a origem do dinheiro, a autoridade policial à época determinou a apreensão do montante e de seu telefone celular, para melhor apuração dos fatos e, dentre as diligências iniciais, formalizou-se a apreensão do valor encontrado na bagagem de mão e do celular de Edison Mendes da Silva, bem como determinou a digitalização dos documentos encontrados em sua mochila. A quantia foi encaminhada para depósito em conta na Caixa Econômica Federal e foram expedidos ofícios às companhias aéreas requisitando informações sobre as viagens realizadas por Edison Mendes da Silva ao longo dos anos de 2019 e 2020. Na ocasião, também foi requisitado ao Setor Técnico Científico a realização de perícia e espelhamento do conteúdo do telefone celular apreendido, uma vez que que Edison Mendes da Silva autorizou, em suas declarações, o acesso ao conteúdo armazenado no aparelho. O Setor Técnico Científico apresentou o Laudo nº 289/2021 – SETEC/SR/PF/TO, referente à extração do conteúdo existente na memória interna do aparelho celular e o resultado da análise do conteúdo foi apresentado na Informação nº 34/2022- DELECOR/DRCOR/SR/PF/AM que encontrou evidências do seu envolvimento no comércio irregular de ouro. Conforme demonstrado na Informação nº 34/2022- DELECOR/DRCOR/SR/PF/AM, Randal Mendes da Silva negociava ouro em grande quantidade de forma irregular, a exemplo da conversa que manteve via WhatsApp com o indivíduo identificado como Randal: No dia 29/04/2020, Randal oferece a Randal 1 kg de ouro pelo valor do mercado decrescido de 5% (áudio transcrito abaixo). Na cotação atual, esse valor seria de R$ 297.264,50. (...) Em outras ocasiões, nos dias 27/10/2020 e 29/10/2020, em conversa com o indivíduo identificado como Dos Santos – telefone +244 924042469, Edison tenta vender 150 kg de ouro (cerca de R$ 46.936.500,00), que um sócio teria conseguido levantar em determinada região, possivelmente de São Paulo, onde o ouro estaria pronto para entrega no dia 29/10/2020: (...) Edison Mendes da Silva foi novamente ouvido em sede policial, a fim de que apresentasse esclarecimentos adicionais sobre o fato investigado e, ao ser indagado sobre a negociação em tela, negou qualquer envolvimento seu no comércio ilegal de ouro, ao responder que atua tão somente como corretor de imóveis, não sabendo explicar o motivo pelo qual estas conversas estava presentes em seu telefone. A prova do especial fim de agir para consumação da prática do crime de lavagem de dinheiro resta demonstrada por meio do comportamento adotado por Edison Mendes da Silva, que após ser detido pela Receita Federal, apagou conversas existentes em seu telefone, com nítido intuito de ocultar a origem dos valores e ainda solicitou a um terceiro identificado como “Tio So Esse Ok” - telefone 13058466250 que avisasse a Geraldo, seu contador, para que confirmasse sua versão dos fatos dada aos agentes da Receita Federal. Edison ficou de posse de seu celular durante a espera da chegada dos policiais federais, o que possibilitou que algumas conversas fossem apagadas, como é o caso do contato Geraldo AM, o contador que guardava os R$244.000,00 em sua residência para Edison: (...)" A acusação não arrolou testemunhas. Denúncia recebida (id 1997552663) em 19/01/2024. Citação do requerido ocorrida no ID 2137204189. A defesa de EDISON MEDES DA SILVA, no ID 2139256090, apresentou resposta à acusação. Sustenta i) o reconhecimento da nulidade da busca pessoal realizada sem fundada suspeita, contrariando o art. 244 CPP e a consequente absolvição do réu por ausência de provas, pois todas decorreram dá busca pessoal ilegal e consequentemente dever ser anuladas; ii) a ausência da justa causa duplicada porque a Acusação teria cumprido seu dever de demonstrar indícios mínimos tanto do suposto crime antecedente quanto do crime de lavagem. Requereu a restituição do valor apreendido e não arrolou testemunhas. Instado a se manifestar o MPF afirmou que: "requer o indeferimento dos pedidos contidos na resposta à acusação ID 2139256090, bem como a devolução do prazo para manifestação acerca dos seus fundamentos após a decisão do Superior Tribunal de Justiça a respeito do tema". A Decisão de Id. 2151841144 rejeitou as preliminares suscitadas pela defesa do réu. O juízo entendeu que a inspeção foi legítima por se tratar de procedimento de segurança aeroportuária, amparado em normas internacionais (OACI) e no Decreto 11.195/2022. Além disso, apontou que a perícia no celular do acusado revelou indícios de envolvimento com a comercialização irregular de ouro, configurando justa causa para a ação penal. Assim, afastou a absolvição sumária (art. 397 do CPP) e determinou o prosseguimento da instrução criminal, com designação de audiência para interrogatório. Interrogatório do réu (ata de audiência do Id. 2167661421). Na fase do art. 402 do CPP, o MPF nada requereu e a Defesa protestou pela juntada de prova documental suplementar, consistente na juntada da declaração do imposto de renda do réu e a escritura mencionada por ele que consuma a compra e venda do imóvel. Por meio da petição ID 2171543455, a defesa apresentou a certidão de matrícula nº 42.205, fl. 01, do Cartório do 3º Ofício do Registro de Imóveis em Manaus, e a declaração de imposto de renda do réu referente aos exercícios dos anos de 2008 e 2009. Nas alegações finais, o Ministério Público Federal reafirma a acusação contra Edison Mendes da Silva pelo crime de lavagem de dinheiro (art. 1º da Lei 9.613/1998), com base na apreensão de R$ 244 mil em espécie no Aeroporto de Manaus, em novembro de 2020, cuja origem o réu alegou ser de uma venda imobiliária realizada em 2012. Sustenta que as versões apresentadas por Edison ao longo da investigação e do processo são contraditórias, especialmente sobre a origem e a manutenção do dinheiro em espécie por tantos anos. Destaca, ainda, que laudos extraídos de seu celular indicam vínculo com o comércio ilegal de ouro, evidenciando a prática de ocultação da origem de valores ilícitos. Rebateu a tese defensiva de nulidade por busca pessoal ilegal, sustentando que a apreensão ocorreu em contexto de inspeção de segurança aeroportuária, que não exige fundada suspeita, sendo respaldada por norma internacional e regulamentação nacional. Ao final, requereu a condenação do réu nos termos da denúncia (Id.2182580012). Nas alegações finais da defesa, Edison Mendes da Silva sustenta a nulidade das provas utilizadas contra si, alegando que a apreensão de R$ 244 mil no aeroporto decorreu de busca pessoal ilegal, sem fundada suspeita, realizada por agente não autorizado. Defende que o valor é lícito, oriundo da venda de um terreno, e que a Polícia Federal, ao analisar seu celular, não encontrou provas conclusivas de crime antecedente ou de vínculo direto entre o dinheiro e eventual prática ilícita, caracterizando ausência de "dupla justa causa". Alega também que, mesmo admitida a existência de crime antecedente, os atos descritos configurariam mera "autolavagem", sem conduta autônoma e dolosa de dissimulação, o que descaracteriza o crime de lavagem de dinheiro. Por fim, aponta que a denúncia é genérica e não descreve qualquer mecanismo concreto de branqueamento de capitais, sendo, portanto, inepta. Requer a absolvição com base nos incisos II, III e VII do art. 386 do CPP(Id.2187457194). É o relato. Decido. II. FUNDAMENTAÇÃO Sustenta a Defesa, em suas alegações finais, a nulidade da busca e apreensão realizada no Aeroporto Internacional Eduardo Gomes, sob o argumento de que não teria havido justa causa para a medida, o que violaria o princípio da legalidade e do devido processo legal. Contudo, tal questão já foi objeto de análise na Decisão de Id.2151841144, quando da impugnação formulada pela própria Defesa, tendo sido expressamente rejeitada por decisão fundamentada. Vejamos: DA FALTA DE DUPLA JUSTA CAUSA. NÃO COMPROVAÇÃO DE QUE O DINHEIRO TEM RELAÇÃO COM O CRIME ANTECEDENTE. A justa causa para a ação penal consiste na exigência de suporte probatório mínimo a indicar a legitimidade da imputação e se traduz na existência, no inquérito policial ou nas peças de informação que instruem a denúncia, de elementos sérios e idôneos que demonstrem a materialidade do crime e de indícios razoáveis de autoria. No caso em tela, a defesa argumenta que as provas obtidas no presente processo decorrem de uma busca pessoal realizada no aeroporto Eduardo Gomes realizada sem que houvesse fundada suspeito de algum ilícito, iniciada inclusive por agente portuário, depois por fiscal da receita e só por último pela Polícia Federal, contrariando o art. 244 CPP, e que: "[...] a nulidade já foi, inclusive, reconhecida pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região, no recurso de apelação nº. 1005330-61.2021.4.01.3200 em que o réu solicita a restituição de valores apreendidos [..]". Nos termos do art. 244 do Código de Processo Penal, "a busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar". Em conformidade com o quanto decidido nos autos do RHC n.º 158580/BA, da relatoria do Ministro Rogério Schietti Cruz, a Sexta Turma, analisando de forma exaustiva os requisitos do art. 244 do Código de Processo Penal, decidiu pela elevação da "fundada suspeita" ao patamar de pressuposto da realização da própria busca pessoal. Nada obstante, deve-se atentar para a distinção entre a busca pessoal prevista na lei processual penal e outros procedimentos que não possuem a mesma natureza, os quais, a rigor, não exigem a presença de "fundada suspeita". Nesse sentido, aliás, também já decidiu o Superior Tribunal de Justiça: HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS. PRELIMINAR DE NULIDADE. ALEGADA VIOLAÇÃO AOS ARTS. 240, § 2.º, E 244, AMBOS DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. DROGAS ENCONTRADAS NAS BAGAGENS DE PASSAGEIROS DO ÔNIBUS VISTORIADAS PELA POLÍCIA RODOVIÁRIA, EM FISCALIZAÇÃO DE ROTINA. INSPEÇÃO DE SEGURANÇA QUE NÃO SE CONFUNDE COM BUSCA PESSOAL (NATUREZA PROCESSUAL PENAL). LEGÍTIMO EXERCÍCIO DO PODER DE POLÍCIA. LICITUDE DAS PROVAS OBTIDAS. DOSIMETRIA. CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO DE PENA. QUANTIDADE E NATUREZA DAS DROGAS APREENDIDAS. CIRCUNSTÂNCIAS QUE, POR SI SÓS, NÃO PERMITEM AFERIR A DEDICAÇÃO DO ACUSADO À ATIVIDADE CRIMINOSA. REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DE PENA. CABÍVEL O SEMIABERTO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR SANÇÕES RESTRITIVAS DE DIREITOS. INVIABILIDADE. PRECEDENTES. ORDEM DE HABEAS CORPUS PARCIALMENTE CONCEDIDA. 1. A partir do julgamento do RHC n.º 158580/BA, da relatoria do Ministro Rogério Schietti Cruz, a Sexta Turma aprofundou a compreensão acerca do instituto da busca pessoal, analisando de forma exaustiva os requisitos do art. 244 do Código de Processo Penal. A análise do caso concreto revela a necessidade de se atentar para a distinção existente entre a busca pessoal prevista na lei processual penal e outros procedimentos que não possuem a mesma natureza, os quais, a rigor, não exigem a presença de "fundada suspeita". 2. A denominada "busca pessoal por razões de segurança" ou "inspeção de segurança", ocorre rotineiramente em aeroportos, rodoviárias, prédios públicos, eventos festivos, ou seja, locais em que há grande circulação de pessoas e, em consequência, necessidade de zelar pela integridade física dos usuários, bem como pela segurança dos serviços e instalações. 3. Embora a inspeção de segurança também envolva restrição a direito fundamental e possa ser alvo de controle judicial a posteriori, a fim de averiguar a proporcionalidade da medida e a sua realização sem exposição vexatória, o principal ponto de distinção em relação à busca de natureza penal é a faculdade que o indivíduo tem de se sujeitar a ela ou não. Em outras palavras, há um aspecto de contratualidade, pois a recusa a se submeter à inspeção apenas irá obstar o acesso ao serviço ou transporte coletivo, funcionando como uma medida de segurança dissuasória da prática de ilícitos. Doutrina. 4. A título exemplificativo, destaco que a inspeção de segurança em aeroportos decorre de cumprimento de diretriz internacional, prevista no Anexo 17 da Convenção da Organização Internacional de Aviação Civil (OACI), da qual o Brasil é signatário. O Decreto n.º 11.195/22 regulamenta a questão e prevê expressamente que a inspeção de passageiros e bagagens é de responsabilidade do operador de aeródromo, sob supervisão da Polícia Federal (art. 81). Ou seja, delega-se essa possibilidade ao agente privado, sendo a atuação policial também prevista, de forma subsidiária e complementar. 5. Nesse contexto, se a busca ou inspeção de segurança- em espaços e transporte coletivos - pode ser realizada por agentes privados incumbidos da segurança, com mais razão pode - e deve - ser realizada por agentes públicos que estejam atuando no mesmo contexto, sem prejuízo do controle judicial a posteriori acerca da proporcionalidade da medida, em ambos os casos. 6. O contexto que legitima a inspeção de segurança em espaços e meios de transporte de uso coletivo é absolutamente distinto daquele que ampara a realização da busca pessoal para fins penais, na qual há que se observar a necessária referibilidade da medida (fundada suspeita de posse de objetos ilícitos), conforme já muito bem tratado no referido RHC n.º 158.580/BA, da relatoria do Ministro Rogerio Schietti Cruz. 7. No caso concreto, policiais rodoviários federais, em fiscalização na Rodovia Castelo Branco, abordaram ônibus que fazia o trajeto de Dourados-MS para São Paulo-SP. A inspeção teve início a partir dos passageiros que se situavam no final do veículo, momento em que selecionaram para inspeção aleatória de bagagem a Paciente e o adolescente que viajava ao seu lado. 8. Os agentes públicos acrescentaram que a seleção se deu a partir de análise comportamental (nervosimo visível e troca de olhares entre um adolescente viajando sozinho e outra passageira que afirmou não conhecer). Afirmaram ainda que informaram à Paciente quanto ao direito de permanecer em silêncio e, em seguida, iniciaram a vistoria das bagagens, localizando cerca de 30kg de maconha, divididos em tabletes, tanto nos pertences da Paciente, como nos do adolescente que viajava ao seu lado, embalados da mesma forma. 9. Assim, forçoso concluir que a inspeção de segurança nas bagagens dos passageiros do ônibus, em fiscalização de rotina realizada pela Polícia Rodoviária Federal, teve natureza administrativa, ou seja, não se deu como busca pessoal de natureza processual penal e, portanto, prescindiria de fundada suspeita. Dito de outro modo, se a bagagem dos passageiros poderia ser submetida à inspeção aleatória na rodoviária ou em um aeroporto, passando por um raio-X ou inspeção manual detalhada, sem qualquer prévia indicação de suspeita, por exemplo, não há razão para questionar a legalidade da vistoria feita pelos policiais rodoviários federais, que a tuaram no contexto fático de típica inspeção de segurança em transporte coletivo. 10. Ainda que assim não se entenda, penso que a busca do caso concreto também seria capaz de preencher os requisitos do art. 244 do Código de Processo Penal. Com efeito, penso que se pode ter por fundada a suspeita que decorre da troca de olhares nervosos entre um adolescente viajando sozinho e uma outra passageira que afirmou desconhecer, sobretudo quando se considera que o ônibus partiu de localidade conhecida como um dos mais relevantes pontos de entrada e distribuição de drogas no país (NUNES, MARIA. Dinâmicas Transfronteiriças e o avanço da violência na fronteira sul-mato-grossense. Disponível em: https://repositorio. ipea.gov. br/bitstream/11058/7934/1/BRU_n16_Dinamicas.pdf. Acessado em: 01/10/2023). 11. Quanto à dosimetria, não há fundamentação idônea para afastar a incidência da causa de diminuição de pena do art. 33, § 4.º, da Lei n. 11.343/2006, tendo em vista que somente se fez menção à quantidade de entorpecente, já utilizada para majorar a pena-base, o que contraria o entendimento da Terceira Seção a respeito do tema (HC n. 725.534/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 27/04/2022, DJe 1.º/06/2022; sem grifos no original.) 12. Considerando o quantum de pena estabelecido, a primariedade da Condenada e a fixação da pena-base aci ma do mínimo legal, ante a presença de circunstância judicial desfavorável, mostra-se cabível o estabelecimento do regime inicial semiaberto, conforme o disposto no art. 33, § 2.º, alínea b, e § 3.º, do Código Penal. Precedentes. 13. Com relação ao pedido de substituição da pena privativa de liberdade por sanções restritivas de direitos, salienta-se que "[n]ão há como determinar a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, por ausência de cumprimento do requisito subjetivo (circunstância judicial desfavorável, com a fixação da penabase acima do mínimo legal - art. 44, III, do Código Penal). (AgRg no AREsp 1058790/MS, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 02/08/2018, DJe 09/08/2018)". (AgRg no HC 527.992/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 03/12/2019, DJe 09/12/2019.) 14. Ordem de habeas corpus parcialmente concedida para, reformando o acórdão impugnado e a sentença condenatória, reduzir as sanções da Paciente para 02 (dois) anos, 05 (cinco) meses e 19 (dezenove) dias de reclusão, a ser cumprida em regime inicial semiaberto, e 247 (duzentos e quarenta e sete) dias-multa, no mínimo legal. (HC n. 625.274/SP, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 17/10/2023, DJe de 20/10/2023.) Com efeito, no presente caso, a busca pessoal foi realizada no acusado por razões de segurança e foi empreendida por uma Agente de Proteção da Aviação Civil, em atendimento a diretriz internacional, preconizada no Anexo 17 da Convenção da Organização Internacional de Aviação Civil (OACI), da qual o Brasil é signatário. Nessa esteira, o Decreto n.º 11.195/2022 previu expressamente que a inspeção de passageiros e bagagens é de responsabilidade do operador de aeródromo, sob supervisão da Polícia Federal (art. 81). Na hipótese, a constatação da enorme quantia (R$ 244.000,00 ocultados em uma mochila) foi realizada após inspeção por Raio-X, o que motivou a intervenção da Receita Federal e da Polícia Federal. Desta feita, a priori, inexiste qualquer ilegalidade na abordagem do acusado por agentes de aviação civil, cuidando-se de rotina costumeira em aeroportos, a que qualquer mortal está sujeito. Demais disso, somente a instrução processual poderá dizer se houve algum abuso por parte das autoridades, não sendo possível, no presente momento processual, realizar maiores elucubrações. Outrossim, no Aeroporto Internacional Eduardo Gomes não é incomum surpreender passageiros transportando entorpecentes, ouro e quantias em espécie prontas para serem ocultadas das autoridades, seja para fins de sonegação fiscal, seja para evasão de divisas. Logo, em linha de princípio, a revista pessoal realizada no acusado não se revela, prima facie, maculada de qualquer ilegalidade. Pelo contrário. O Estado Brasileiro tem o dever de resguardar suas divisas e o recolhimento dos tributos devidos, além de impedir que a narcotraficância expanda seus domínios, não sendo recomendável que o Poder Judiciário obstaculize essas importantes funções estatais. Impende registrar, por importante, que a decisão proferida no bojo do pedido de restituição de bens apreendidos, autos nº. 1005330- 61.2021.4.01.3200, ainda não foi definitivamente julgada, pendendo recurso interposto pelo MPF junto ao STJ. De mais a mais, a decisão não vincula este Juízo, porquanto proferida em sede de mero incidente processual tendo por objeto a quantia apreendida em poder do denunciado. No que tange à alegação de ausência da justa causa porque a Acusação não teria cumprido seu dever de demonstrar indícios mínimos tanto do suposto crime antecedente quanto do crime de lavagem, os elementos informativos constantes dos autos indicam o crime antecedente pode estar relacionado à extração e comércio irregular de ouro. Isso porque o Setor Técnico Científico da Polícia Federal, por meio de perícia e espelhamento do conteúdo do telefone celular apreendido (Laudo nº. 289/2021 – SETEC/SR/PF/TO), encontrou conversas travadas pelo acusado envolvendo compra e venda do mineral. Há, portanto, Justa Causa para o prosseguimento da ação penal. Desse modo, ante a inexistência de quaisquer das hipóteses previstas no art. 397, incisos I a IV do CPP – redação conferida pela Lei nº 11.719/2008 –, as quais poderiam levar à absolvição sumária do réu, determino o regular prosseguimento da instrução criminal". Dessa forma, REJEITO, novamente, a preliminar de nulidade por ilegalidade da busca e apreensão, mantendo-se hígidos os elementos probatórios dela decorrentes. Pois bem. O Artigo 1º da Lei n° 9.613/1998 tipifica o crime de lavagem de capitais, verbis: Art. 1o Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal. (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012) Pena: reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012) § 1o Incorre na mesma pena quem, para ocultar ou dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de infração penal: (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012) I - os converte em ativos lícitos; II - os adquire, recebe, troca, negocia, dá ou recebe em garantia, guarda, tem em depósito, movimenta ou transfere; III - importa ou exporta bens com valores não correspondentes aos verdadeiros. § 2o Incorre, ainda, na mesma pena quem: (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012) I - utiliza, na atividade econômica ou financeira, bens, direitos ou valores provenientes de infração penal; (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012) II - participa de grupo, associação ou escritório tendo conhecimento de que sua atividade principal ou secundária é dirigida à prática de crimes previstos nesta Lei. § 3º A tentativa é punida nos termos do parágrafo único do art. 14 do Código Penal. § 4o A pena será aumentada de um a dois terços, se os crimes definidos nesta Lei forem cometidos de forma reiterada ou por intermédio de organização criminosa. (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012) § 5o A pena poderá ser reduzida de um a dois terços e ser cumprida em regime aberto ou semiaberto, facultando-se ao juiz deixar de aplicá-la ou substituí-la, a qualquer tempo, por pena restritiva de direitos, se o autor, coautor ou partícipe colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais, à identificação dos autores, coautores e partícipes, ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime. (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012) A doutrina especializada aduz a existência de três fases na lavagem de capitais placement, layering e recycling. Porém, não se exige a ocorrência das três fases para a configuração do crime. Fala-se, nesse sentido, em três tipos penais básicos para o delito: "o tipo penal de intenção, que consiste na conversão ou transferência dos objetos patrimoniais produzidos ilegalmente (property) com uma determinada finalidade; o tipo penal de ocultação, que se caracteriza pela ocultação da verdadeira natureza, origem ou disposição do objeto patrimonial e o tipo penal de aquisição ou posse de tais objetos. Além dessas fases, a materialidade da lavagem exige que os capitais sujeitos a branqueamento sejam derivados de atividade ilícita. Nesse cenário, o injusto reclama para sua ocorrência o que se pode denominar evento complexo. Primeiro é praticada uma atividade ilícita principal, que dará origem aos direitos, bens e valores ilícitos. Após, é praticada a atividade acessória, ou seja, a lavagem, em que ocorrerá a ocultação e a dissimulação da origem, localização, disposição, movimentação e propriedade do plexo patrimonial ilegal. Frise-se que não é exigida sofisticação nos atos que importem lavagem, bastando que sejam direcionados nesse sentido. É inclusive essa a posição do Supremo Tribunal Federal no RHC 80.816, 1ª Turma. No precedente, os Ministros acentuam que "o tipo não reclama o vulto e a complexidade dos exemplos de requintada "engenharia financeira" transnacional, com os quais se ocupa a literatura". Por fim, traz-se à lume o conceito de ‘‘lavagem de dinheiro’’ segundo os ensinamentos de Gustavo Henrique Badaró: Lavagem de dinheiro é o ato ou a sequência de atos praticados para mascarar a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, valores e direitos de origem delitiva ou contravencional, com o escopo último de reinseri-los na economia formal com aparência de licitude. É um “processo em virtude do qual os bens de origem delitiva se integram no sistema econômico legal com aparência de terem sido obtidos de forma licita”, um movimento de afastamento dos bens de seu passado sujo, que se inicia com a ocultação e termina com sua introdução no circuito comercial ou financeiro, com aspecto de legalidade". As condutas que configuram o crime de lavagem de dinheiro são muito variadas e abrangentes. De acordo com a doutrina de José Paulo BALTAZAR Júnior, [...] a criação desse tipo penal parte da ideia de que o agente que busca proveito econômico na prática criminosa precisa disfarçar a origem dos valores, ou seja, desvincular o dinheiro da sua procedência delituosa e conferir-lhe uma aparência lícita a fim de poder aproveitar os ganhos ilícitos, considerando que o móvel de tais crimes é justamente a acumulação material. Essa tentativa de disfarçar a origem ilegal sempre acompanhou a prática criminosa, tendo apenas se tornado, contemporaneamente, mais sofisticada" (in Crimes Federais, 8ª ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 812). O delito consiste em “ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal”. Ocultar enuncia o ato de esconder a coisa, tirar de circulação, encobrir, silenciar, sonegar, subtrair de vista. Dissimular significa encobrir, disfarçar, escamotear, tornar invisível ou pouco perceptível. Sobre o estudo do delito de lavagem de dinheiro, é pertinente transcrever os seguintes trechos do voto condutor proferido pelo Desembargador João Pedro Gebran Neto, no julgamento da Apelação Criminal nº 5046512-94.2016.4.04.7000 (julgada em 24/01/2018): "3.4.1.2. Os ciclos da lavagem de dinheiro se decompõem em três fases, consoante a explicação do Grupo de Ação Financeira (GAFI): (a) ocultação ou colocação (placement stage); (b) escurecimento ou dissimulação (layering stage); (c) reintegração (integration stage). A par da clássica divisão, é sabido que os fatos não necessariamente se encaixam com perfeição ao modelo, dado o 'complicado polimorfismo' das condutas, na expressão de Rodrigo Sanchez Rios (Advocacia e Lavagem de Dinheiro, Série GVLaw, ed. Saraiva, 2010). É assente na doutrina e na jurisprudência, todavia, que o tipo penal, para a sua consumação,não exige a ocorrência das três fases. É dizer, a mera ocultação - primeira fase do ciclo da lavagem - já caracteriza o crime, sendo desnecessárias as etapas de dissimular e reinserir os ativos na economia formal. (...)Basta, assim, que o agente, ciente da origem ilícita dos recursos, oculte ou dissimule sua procedência e titularidade mediante operações, como a aquisição e manutenção de bens em nome de terceiros ou a obtenção de benefícios outros de natureza econômica ou patrimonial. Os crimes previstos na Lei nº 9.613/98 não se submetem à apuração cabal da existência do crime antecedente. Tampouco 'o processo e julgamento dos crimes de lavagem de dinheiro independem do processo e julgamento das infrações penais antecedentes, ainda que praticados em outro país, cabendo ao juiz competente para os crimes previstos nesta Lei a decisão sobre a unidade e processo e julgamento' (TRF4, Apelação Criminal nº 5083376-05.2014.404.7000, 8ª Turma, minha relatoria, por maioria, juntado aos autos em 29/11/2016). Gustavo Badaró (in Ônus da Prova no Processo Penal, Ed. RT, 2003, p. 306/307) diz que 'Na investigação do elemento subjetivo, o juiz baseia-se em fatos objetivos, dados exteriores do delito que indicam a intenção do agente. São os fatos e, principalmente, a forma pela qual o autor cometeu o delito que indicam o elemento subjetivo do agente. O elemento subjetivo do delito é inferido dos fatos materiais, dos dados fáticos relacionados ao delito'. E isto é assim porque o dolo 'situa-se no mundo psíquico ou interno do agente'." O tipo penal estabelece, ainda, que os bens, direitos ou valores sejam provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal. Nada obstante, nos termos do § 1º do art. 2º da Lei nº 9.613/98 ("A denúncia será instruída com indícios suficientes da existência da infração penal antecedente, sendo puníveis os fatos previstos nesta Lei, ainda que desconhecido ou isento de pena o autor, ou extinta a punibilidade da infração penal antecedente"), para a condenação pela prática de crime de lavagem de dinheiro não é necessária prova cabal do crime antecedente, sendo necessária apenas a demonstração de indícios concretos da sua existência. Vigora na doutrina brasileira, com a finalidade de estabelecer parâmetros para esta relação de causalidade estabelecida na lei de lavagem, a teoria da acessoriedade limitada, através da qual, não é preciso que seja estabelecida uma necessária, direta e específica identificação entre uma conduta criminosa que teria gerado uma quantidade qualquer de dinheiro que, por atos de simulação ou ocultação estaria sendo branqueado. A acessoriedade limitada nos leva ao raciocínio de separação, mas sem ruptura, onde é possível identificar os dois delitos. Nesse sentido, cito o artigo 2º, inciso II que estabelece que a configuração do delito de lavagem independe do processo e julgamento dos crimes antecedentes. Na mesma linha, o § 1º dispõe que a denúncia será instruída com indícios suficientes da existência do crime antecedente, sendo puníveis os fatos previstos na lei, ainda que desconhecido ou isento de pena o autor daquele crime. A autonomia do crime de lavagem significa que pode haver inclusive condenação por crime de lavagem independentemente de condenação ou mesmo da existência de processo pelo crime antecedente. Para fins de condenação é preciso uma ideia clara de um crime antecedente, sem necessariamente ingressar no mérito da condenação (pois por vezes o crime antecedente não é objeto do mesmo processo de lavagem), mas sendo indispensável a existência de indícios mais robustos do que aqueles necessários para o recebimento da denúncia. Para tanto, necessário identificar que o acusado apresenta vinculação com os bens/valores correspondente às operações que são objeto da denúncia, bem como se o acusado demonstra a origem lícita daquele patrimônio. Não havendo a fonte licita de renda, questiona-se como foram adquiridos aqueles valores. A partir desta não demonstração de origem lícita, analisa-se a existência de indícios sólidos e convincentes o suficiente para provar que a conduta imputada ao réu decorre de um ato criminoso, pois imprescindível a existência de condutas criminosas antecedentes. Relevante anotar que a Lei nº. 12.683/2012 trouxe profundas alterações na Lei Nº. 9.613/1998, dentre elas, a exclusão do rol de crimes antecedentes que permitiriam a investigação pelo delito de lavagem de capitais. Assim, qualquer infração penal praticada poderá ser considerada como antecedente apto a alicerçar imputação pelos crimes previstos na Lei nº. 9.613/1998: Art. 1o Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal; [...] § 4o A pena será aumentada de um a dois terços, se os crimes definidos nesta Lei forem cometidos de forma reiterada ou por intermédio de organização criminosa. Fixadas tais premissas, passa-se à análise do caso concreto. Narra o MPF: "a investigação teve início a partir da abordagem de EDISON MENDES DA SILVA, às 13:40 do dia 19/11/2020, no Aeroporto Internacional Eduardo Gomes, no Município de Manaus, quando o réu foi descoberto tentando embarcar no voo doméstico nº G32255 enquanto portava em sua bagagem de mão o valor de R$ 244.000,00 em espécie. O voo nº G32255, com destino ao Rio de Janeiro/RJ, possuía previsão de partir do Aeroporto de Manaus/AM às 14:05 e de chegar no Aeroporto do Galeão às 19:05. No entanto, durante o procedimento de Raio-X, verificou-se a elevada quantia de dinheiro em espécie acondicionada em uma mochila de cor cinza, de propriedade de EDISON MENDES DA SILVA, o que motivou o acionamento da Receita Federal e da Polícia Federal. Primeiramente, o réu prestou depoimento perante a Polícia Federal. Questionado sobre a origem do dinheiro, o réu informou que o valor era fruto da venda de um imóvel situado na Estrada do Turismo, em Manaus/AM, em uma operação de valor total de R$ 1.800.000,00 (um milhão e oitocentos mil reais), recebido em suas contas bancárias. Considerando que os valores teriam sido pagos em 2012, o réu foi questionado sobre o motivo de o valor em sua mochila estar em espécie, já que os teria recebido por meio de transferências bancárias. Em resposta, o réu informou que realizou o saque bancário no valor de R$ 500.000,00 após a data das operações, em 2012, em data que não soube precisar, com o objetivo de utilizá-los em negócios na cidade de Manaus/AM. Tendo em vista que reside no Rio de Janeiro/RJ, o réu alegou que optou por deixar esses valores sob a guarda de seu contador, o Sr. Raimundo Geraldo Ribeiro da Silva, que reside no Parque das Laranjeiras, em Manaus/AM, em endereço que não soube descrever. Em seguida, a Polícia Federal requisitou informações das companhias aéreas e verificou que o réu havia feito várias outras viagens nos últimos tempos, inclusive para Manaus, em abril de 2020 e um mês antes da apreensão da quantia (ID 553374915 - Pág. 13 e seguintes e 553374915 - Pág. 30 e seguintes). Ademais, foram juntados documentos do terreno supostamente vendido, operação que, na versão do réu, seria a origem do dinheiro apreendido (ID 553374915 - Pág. 51 e seguintes). A Informação nº 34/2022-DELECOR/DRCOR/SR/PF/AM (ID 1117679764 - págs. 8/21): a) analisou os dados das passagens aéreas juntadas em confronto com mensagens do celular e concluiu que as informações fornecidas pelo réu sobre a compra das passagens não era verdadeira, além de ter identificado a outra viagem do réu para Manaus, em outubro de 2020, conforme acima referido; b) avaliou as demais informações extraídas pelo Laudo nº 289/2021– SETEC/SR/PF/TO do celular de EDISON MENDES DA SILVA, concluindo que o réu possui ligação com pessoas envolvidas no garimpo ilegal, comercializando ouro com seus interlocutores. A materialidade e autoria delitiva estão demonstradas pelo auto de apreensão dos R$ 244.000,00 em espécie, relatórios e informações da Polícia Federal (Informação nº 34/2022-DELECOR/DRCOR/SR/PF/AM), laudo pericial nº 289/2021 – SETEC/SR/PF/TO, diálogos extraídos do aparelho celular do réu, bem como Interrogatório do réu. A materialidade do crime de lavagem de capitais, previsto no art. 1º da Lei nº 9.613/1998, exige a demonstração de três elementos essenciais: (i) a existência de bens, valores ou direitos com indício de origem ilícita; (ii) a prática de ato de ocultação ou dissimulação de sua natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade; (iii) a infração penal antecedente, ainda que indeterminada, mas verossímil. A quantia de R$ 244.000,00 (duzentos e quarenta e quatro mil reais) foi apreendida em espécie, na bagagem de mão do réu EDISON MENDES DA SILVA, no Aeroporto Internacional Eduardo Gomes, em Manaus, em 19/11/2020. Essa apreensão está documentalmente comprovada pelo auto de apreensão, relato das autoridades aeroportuárias e federais, declarações do próprio réu e laudo de depósito bancário do valor apreendido. Durante o processo de inspeção de bagagem, o réu não declarou espontaneamente os valores, os quais estavam ocultos em uma mochila, o que caracteriza indício de ocultação física. Ao ser questionado, apresentou justificativas contraditórias quanto à origem do dinheiro e não possuía documentos que comprovassem a origem lícita dos valores no momento do flagrante. Mais do que ocultação material, há também dissimulação da origem e propriedade dos valores, como evidencia a alegada venda de imóvel realizada em 20/12/2013, a suposta guarda dos valores em espécie por mais de 8 anos com um contador, sem comprovação documental adequada, o saque de expressivo montante em espécie, sem explicação plausível sobre a necessidade de não usar transações bancárias, o uso de viagem "bate-volta" para resgatar valores supostamente lícitos. A Informação nº. 34/2022-DELECOR/DRCOR/SR/PF/AM (id. 1117679764 - Pág. 8/21), comprova a ligação do acusado Edison Mendes da Silva com o comércio ilegal de ouro, servindo como elemento de robustecimento da materialidade e autoria do crime de lavagem de capitais (art. 1º da Lei nº 9.613/1998). A informação foi elaborada com base na análise do conteúdo do aparelho celular do réu, que foi apreendido e periciado pela Polícia Federal. A extração dos dados do dispositivo foi realizada mediante autorização do próprio acusado e formalizada por meio do Laudo nº. 289/2021 – SETEC/SR/PF/TO. Durante seu interrogatório em juízo, Edison Mendes da Silva declarou: a) Às perguntas do Juízo: Perguntado se era inocente ou culpado, se declarou inocente; Perguntado se foi apreendido consigo alguma quantia em dinheiro, confirmou que o seu dinheiro foi apreendido; Perguntado qual a origem do dinheiro, informou que tinha uma área em Manaus e que vendeu um pedaço dela, razão pela qual o dinheiro ficou em Manaus para fazer um investimento futuro, deixando o dinheiro com o seu contador; Perguntado se o imóvel era declarado, confirmou que era declarado e que ainda tem um pedaço dele; Perguntado qual era a sua renda atualmente, informou que girava em torno de R$ 5.000,00; Perguntado qual era sua renda em 2020, informou que não se lembrava, pois tinha aplicações e foi tirando o dinheiro; Perguntado qual era a sua renda na época da venda do seu imóvel que foi vendido parcialmente, informou que não se lembrava; b) Às perguntas do MPF, em transcrição aproximada de todas as respostas (necessária em razão das inúmeras contradições): Perguntado em que local pegou o dinheiro que foi apreendido, respondeu que pegou o dinheiro com o seu contador; Novamente perguntado onde isso teria ocorrido, informou que pegou o dinheiro no aeroporto, onde se encontrou com o contador e recebeu o dinheiro, salientando que foi até Manaus unicamente para esse fim, em uma viagem "bate e volta", cujo único fim era pegar o dinheiro; Perguntado onde guardou o dinheiro, informou que o guardou na mochila; Perguntado se teria desembarcado, pegado e dinheiro e embarcado novamente, confirmou que foi exatamente isso; Perguntado se foi no momento em que a mochila passou nas esteiras de Raio-X do embarque que ele foi parado, confirmou que sim; Perguntado como ocorreu a fiscalização, informou que, no momento que a mochila passou na esteira, acusou que tinha valores, então a moça da esteira lhe perguntou se tinha dinheiro, o que o réu confirmou que tinha, então a moça da esteira perguntou que dinheiro era esse, ao que o réu respondeu a ela que era um dinheiro seu; Perguntado o que ocorreu após, informou que a moça chamou o pessoal da Receita, então o réu ficou aguardando até a Polícia Federal chegar; Perguntado se estava viajando com o seu celular, confirmou que estava; Perguntado se autorizou o acesso ao seu celular, informou que não tinha nada a temer, razão pela qual autorizou o acesso ao seu celular, passando os dados de acesso do seu celular às autoridades; Perguntado se na época morava sozinho ou com a sua família, informou que morava sozinho, mas após ter AVC foi morar com a sua irmã na Ilha do Governador, onde ficou um certo tempo. Após melhorar do AVC, voltou a viajar, pois trabalha com corretagem, e tinha essa quantia em Manaus, pois ia fazer um investimento Manacapuru/AM, e foi buscar o dinheiro, pois estava precisando dele, e voltou a morar com a sua irmã. Após melhorar da saúde, voltou a morar sozinho na Barra da Tijuca; Perguntado se na época dos fatos trabalhou ou fez comércio de ouro, vendendo e comprando esse metal, alegou que desconhece o negócio de ouro e não sabe como ficou com esse negócio de ouro; Perguntado se existe a possibilidade de alguém ter usado o seu celular pessoal para enviar as mensagens relacionadas ao comércio de ouro ilegal, informou que era corretor de imóveis e sempre trabalhou com 3 a 5 pessoas, então alguém poderia ter usado o seu celular, apesar de afirmar que acredita que isso não tenha ocorrido, e se ocorreu foi contra a sua vontade; Perguntado se com regularidade algum neto, sobrinho ou parente poderia ter utilizado o seu celular, informou que acredita que isso não aconteceu; Perguntado se chegou a registrar a venda de parte do imóvel na matrícula do imóvel, confirmou que sim; Perguntado o valor da venda e o nome do comprador e a forma de pagamento, informou que vendou para a Amazonas Petróleo, cujo presidente é Daniel Tomiasi, tendo sido vendido metade do terreno por R$ 3.000.000,00, pagamento realizado mediante o recebimento de um apartamento mais o valor de R$ 2.400.000,00 em TED na sua conta, valor do qual foi retirada uma parte, pois investia em Manaus, e essa parte o réu foi buscar depois, momento em que houve a apreensão; Perguntado sobre a razão pela qual resolveu sacar o dinheiro vivo, tendo em vista que estava acostumado a realizar negociações, fazer registros e transações bancárias, como TED, informou que comprou um apartamento no Rio de Janeiro com o dinheiro da venda do terreno e deixou o resto investido na poupança da sua conta na Caixa Econômica; Perguntado por que optou por sacar quantidades elevadas de dinheiro, tendo em vista que é uma pessoa que está acostumada a lidar com o sistema financeiro, informou que no interior de Manacapuru a maioria das pessoas não tem conta corrente, e quando vendem em dinheiro, é possível comprar com uma certa facilidade, sendo que lá estava começando a fazer loteamento e vendendo em dinheiro, porém o réu estava precisando do dinheiro para resolver questões no Rio de Janeiro; Perguntando quando havia vendido o terreno, informou que não se lembrava ao certo, mas que teria sido em 2012/2013; Perguntado quando teria sacado o dinheiro, informou que não se lembrava ao certo, pois ia fazendo negócios e sacando o dinheiro, não sabendo informar a data precisa; Perguntado se após o saque havia ficado mais algum valor com o seu contador, informou que o dinheiro ficou com o seu contador logo após a venda do terreno, tendo emprestado o dinheiro para ele; Perguntado se teria emprestado o dinheiro ao contador ou se ele estaria guardando o dinheiro do réu, informou que teria emprestado para ele usar, caso precisasse, tendo em vista o seu contador era de confiança e tinha acesso ao seu imposto de renda, razão pela qual deixou o seu dinheiro com ele; Perguntado se o dinheiro da venda do imóvel seria utilizado para fazer negócios em Manacapuru/AM, confirmou que o dinheiro seria utilizado para comprar lotes; Perguntado se o terreno que foi vendido é o terreno situado na estrada do Tarumã, nº 109, km 13, antigo cinturão verde, km 5, confirmou que era esse mesmo; Perguntado se tinha certeza que teria registrado a venda no cartório, tendo em vista que na matrícula do imóvel que está no processo não consta o desmembramento de venda parcial, informou que tem certeza, pois se tirar uma certidão hoje, a sua parte será só a metade; Perguntado se teria deixado apenas os R$ 244.000,00 com o seu contador ou se teria deixado algum dinheiro a mais, informou que tinha deixado apenas esse valor com o seu contador, que lhe entregou quando foi buscar em Manaus; Perguntado se logo após entregar o dinheiro teria permanecido em Manaus ou se teria ficado um tempo morando em Manaus, informou que teve um AVC e precisou fazer tratamento, então ficou "para lá e para cá"; Perguntado por que o dinheiro teria ficado parado na mão do seu contador por 8 anos, tendo em vista que teria vindo outras vezes a Manaus, informou que na época não tinha ainda o empreendimento de que iriam fazer uma faculdade em Manaus, e que então rodava os interiores em busca de oportunidades; Perguntado o que iria fazer com o dinheiro e por que não o fez, já que havia dito que sacou o dinheiro para fazer negócios em Manacapuru mas agora está dizendo que estava dizendo que rodou o interior e ficou esperando uma oportunidade em Novo Airão, informou que tinha que esperar uma oportunidade; Perguntando por que teria sacado o dinheiro antes de ter qualquer oportunidade e ficou com o dinheiro 8 anos parado e não esperou a oportunidade para sacar o dinheiro, informou que o dinheiro não ficou parado pois o dinheiro ficou guardado consigo para poder ser usado quando aparecesse uma oportunidade; O MPF salientou que nesse caso o dinheiro ficou efetivamente parado, já que teria sido sacado em 2012/2013 e só foi mexer com ele em 2020, quando foi buscá-lo, e perguntou por que o réu sacou o dinheiro na época em que recebeu o pagamento, em vez de deixar no banco e sacar só quando a oportunidade surgisse, ao que o réu informou que nem tudo que é possível fazer negócio dá certo, já que às vezes a pessoa combina algo e o outro na hora desiste, razão pela qual ficou com o dinheiro guardado aguardando a oportunidade; Perguntado se teria tentado fazer negócios com esse dinheiro logo que sacou e se esses negócios foram dando errado, informou que é corretor e vive de compra e venda, de modo que teria vendido um imóvel para comprar outro e ficou aguardando a oportunidade surgir; Perguntado por que o dinheiro ficou parado por 8 anos, informou que teve um AVC em 2014 e ficou dois anos paralisado sem poder viajar; Perguntado se entre 2012 e 2014 teria tentado usar o dinheiro e não teria conseguido, informou que o dinheiro ficou com Geraldo e a sua tentativa de investimento foi no período de 2016 e 2017, e depois veio a pandemia; Perguntado por que teria sacado um dinheiro em 2012 para fazer um investimento em 2016/2017, informou que pretendia comprar alguns terrenos para revender depois; Perguntado quanto tempo depois de vender o terreno teria ido para o Rio, informou que depois de mais ou menos um ano depois da venda foi para o Rio e esse dinheiro ficou com Geraldo, que começou a utilizá-lo e, como ele era o seu contador há mais de vinte anos, sempre confiou nele; Perguntado se nesse um ano que permaneceu em Manaus teria tentado fazer um negócio em Manacapuru e não conseguiu ou nem tentou fazer negócios, informou que não tentou fazer negócios, pois as oportunidades surgiram apenas em 2017 em Manacapuru; Perguntado por que teria sacado o dinheiro em 2012, se poderia têlo deixado no banco e sacar somente quando aparecesse a oportunidade, informou que precisava ficar com o dinheiro para quando surgisse a oportunidade; Perguntado se não seria possível sacar o dinheiro apenas quando a oportunidade surgisse, informou que acredita que não, pois o banco tem a maior dificuldade para dar o dinheiro; Perguntado por que o dinheiro não foi usado no período de 2016 a 2020, informou que não teve a oportunidade; O MPF ressaltou que o réu havia acabado de falar que as oportunidades surgiram em 2017, ao que o réu ressaltou que iria comprar mas não conseguiu comprar nada, pois ninguém queria vender por causa da pandemia; O MPF ressaltou não existia pandemia em 2016/2017 e, perguntado se gostaria de mudar as datas das informações que prestou, já que pode ter confundido o ano, informou que não se lembra direito e que ficou com o dinheiro pois precisava dele; Perguntado se teria ido imediatamente para Manaus quando as oportunidades surgiram, informou que precisava do dinheiro pois era o seu aniversário; O MPF ressaltou que o réu havia informando que precisava do dinheiro para as oportunidades de investimentos em Manacapuru, mas que agora estava afirmando que precisava do dinheiro para o seu aniversário, e perguntou qual era a finalidade do dinheiro, ao que o réu informou que precisava do dinheiro porque estava com problema de saúde, de modo que precisava do dinheiro tanto para tratamento de saúde como para alguma oportunidade de investimento; Perguntado se precisou do dinheiro em 2020 para fazer um tratamento de saúde ou se estava se referindo ao período de 2016/2017, informou que estava se referindo a 2020, quando foi buscar o dinheiro em Manaus; Perguntado por que não usou o dinheiro em 2016/2017 quando surgiram as oportunidade em Manacapuru, motivo pelo qual teria sacado o dinheiro, informou que não conseguiu comprar nada, porque ninguém queria vender; O MPF ressaltou que nesse caso não teriam surgido oportunidades. Perguntado sobre o que queria dizer com "surgiu uma oportunidade", informou que surgiu a oportunidade mas as pessoas não quiseram vender, razão pela qual continuou esperando uma oportunidade boa; Perguntado por que manteve o dinheiro vivo parado na época, se não iria conseguir realizar nenhuma compra, informou que as pessoas prometeram fazer negócios mas depois desistiram; Perguntado sobre o que lhe motivou a ir buscar o dinheiro em Manaus, informou que era para finalidades particulares suas; Perguntado quando surgiram as necessidades que o motivaram a ir buscar o dinheiro em Manaus, informou que não se lembra; Perguntado quanto tempo levou entre a necessidade que o motivou a ir pegar o dinheiro e a sua efetiva ida a Manaus, informou que não se lembra; Perguntado por que não pegou o dinheiro quando veio a Manaus em outubro de 2020, informou que tinha ido a Manaus em novembro de 2020; O MPF informou que no processo consta a informação de que o réu também teria ido a Manaus em outubro de 2020, por uma vez, e reiterou a pergunta anterior, ao que o réu informou que Geraldo estava com o dinheiro e o avisou para tirar o dinheiro pois iria buscálo; Perguntado se Geraldo iria tirar o dinheiro ou se ele já estava com o dinheiro na mão, informou que não sabia, pois o dinheiro era seu e veio em novembro para pegar o dinheiro; Perguntado teria sacado o dinheiro e entregado para Raimundo, informou que esse dinheiro estava consigo desde 2016 e não teria sacado nada em 2019 ou 2020, de modo que o dinheiro estava consigo e não em Manaus; Em seguida, o réu optou por permanecer em silêncio. Nota-se que a versão apresentada por Edison, além de inverossímil, contém lacunas e ausência de comprovação documental imediata, especialmente quanto à existência e valor do suposto contrato de venda, à identidade do comprador e forma de pagamento, às razões pelas quais guardaria em espécie, com o contador, valores tão elevados por vários anos, bem como à falta de registro bancário compatível com a alegada transação. Suas respostas demonstram contradições relevantes, principalmente no que tange à memória seletiva sobre temas essenciais, como a renda e a origem do dinheiro apreendido. Esses fatores comprometeram a credibilidade de sua narrativa e, quando confrontados com os elementos objetivos do processo (em especial as mensagens de WhatsApp constantes na Informação nº. 34/2022), indicam tentativa de dissimulação típica da conduta prevista na Lei de Lavagem de Capitais. A análise identificou diversas mensagens de WhatsApp que indicam o envolvimento direto de Edison com negociações internacionais de ouro em grandes quantidades, com claros sinais de irregularidade e ausência de formalização legal. A partir da análise das mídias extraídas do aparelho celular do réu, é possível verificar que EDISON negociou ativamente a venda de ouro em pelo menos duas ocasiões, em datas relativamente próximas à da apreensão. A primeira delas ocorreu no dia 29/04/2020, quando o réu ofereceu ao contato Randal, terminal +5521994807057, 1 kg de ouro pelo valor de mercado, com desconto de 5%, cujo valor na cotação do dia seria de R$ 297.264,50. A negociação ocorreu da seguinte forma: Verifica-se, portanto, que apenas o valor desta negociação já seria superior ao valor que foi apreendido no dia 19/11/2020, no Aeroporto Internacional de Manaus. Ademais, no dia 20/10/2020, em conversa com o interlocutor Dos Santos, terminal +244924042469, EDISON tenta vender 150 kg de ouro, o que corresponde ao valor de R$ 46.936.500,00 na cotação do dia, informando que o ouro estaria pronto para entrega no dia 20/10/2020, possivelmente em São Paulo: A "figura 13", encaminhada pelo contato Dos Santos ao réu no dia 27/10/2020 corresponde às especificações do ouro que o contato deseja adquirir: Após a conversa com o contato Dos Santos, EDISON encaminha as especificações do ouro para o contato Sergio Rogerao Downtown (Figura 14) – terminal+55 21 981738748 - para saber se este teria “esse produto”, pois o comprador estaria em São Paulo e pagaria em espécie e em dólar: Observo que os indícios extraídos das conversas reforçam o caráter ilícito dos recursos transportados, e a forma como estavam sendo movimentados indica clara intenção de dissimulação patrimonial. Em relação ao argumento da defesa de que o dinheiro apreendido teria origem lícita, proveniente da venda parcial de um terreno de propriedade do acusado em Manaus, sendo mantido sob a guarda de seu contador para posterior investimento, é fraco como justificativa válida, pois carece de comprovação documental mínima. A suposta guarda dos valores por anos com um contador, em espécie, sem registro ou contrato, é inverossímil e contraria padrões econômicos e fiscais regulares. Essa alegação é contradita por informações extraídas do celular, que evidenciam envolvimento com negociações ilícitas de ouro e indicam outra possível origem para os valores. A Defesa sustenta, ainda, que não há comprovação de crime antecedente, o que tornaria a denúncia por lavagem de dinheiro improcedente. No entanto, é importante registrar que a prova do crime antecedente específico não é necessária. Basta que existam indícios robustos da origem criminosa dos valores. As conversas extraídas do celular mostram o réu negociando 150 kg de ouro, com interlocutores e rotas internacionais (ex: Milão), o que evidencia vinculação estreita com comércio clandestino de ouro, crime previsto nos arts. 2º da Lei 8.176/1991 e 55 da Lei 9.605/1998. O conjunto probatório, portanto, é suficiente para além de dúvida razoável, reconhecer a prática de lavagem de capitais por ocultação e dissimulação da origem de valores possivelmente provenientes de crime antecedente (comércio ilegal de ouro). III. DISPOSITIVO Do exposto, JULGO PROCEDENTE a ação penal para CONDENAR o acusado EDISON MENDES DA SILVA pelo crime previsto no artigo 1º da Lei nº. 9.613/1998. DOSIMETRIA PENAL Atento aos comandos dos arts. 59, 60 e 68, todos do Código Penal, passo à dosimetria das penas: A culpabilidade é mais grave no caso, já que o crime antecedente se identifica com a comercialização de ouro, mineral pertencente à União e de alto valor de mercado, vale dizer, um dos ativos mais valiosos do planeta nos tempos atuais. Vale ressaltar que o ouro ultrapassou pela primeira vez a marca de US$ 3.000 por onça, o que ilustra a lucratividade extrema do comércio aurífero ilegal desenvolvido pelo sentenciado. Não há informações sobre antecedentes criminais, não ensejando valoração. Quanto à conduta social e personalidade, não existem nos autos elementos que abonem ou desabonem o acusado ou que permita valorá-los. Os motivos são inerentes à espécie delitiva. As circunstâncias são normais ao tipo, não tendo havido qualquer sofisticação na conduta do acusado. Não há consequências dignas de nota, tendo em vista que o numerário foi apreendido. Por derradeiro, pela natureza do delito, inexiste comportamento da vítima a ser considerado. À vista dessas circunstâncias analisadas individualmente, ponderando desfavoráveis, é que fixo a pena-base privativa de liberdade em 03 anos, 10 (dez) meses e 15 (quinze) dias de reclusão e 60 (sessenta) dias multa. Não existem circunstâncias agravantes e atenuantes a serem consideradas. Ausentes causas de aumento de pena. Presente a causa de diminuição de pena prevista no art. 1º, § 5º, da Lei n. 9.613/1998, já que o sentenciado colaborou com as investigações ao franquear acesso a seu celular, razão pela qual reduzo a pena em um terço, fixando a pena definitiva em 02 (dois) anos e 07 (sete) meses de reclusão e 40 (quarenta) dias multa. Quanto à pena de multa, fixo o valor do dia-multa à base de um salário mínimo vigente ao tempo dos fatos, tendo em vista a condição econômica do acusado (art. 60 do Código Penal). Frise-se que, de igual forma, a correção monetária deverá incidir sobre o valor da multa desde a data dos fatos, pelo IPCA-e. Da Substituição da Pena Privativa de Liberdade Pela Restritiva de Direitos Nos termos do art. 44, inciso I, do Código Penal, "as penas restritivas de direito são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa (...)”. No caso dos autos, o réu foi condenado a pena privativa de liberdade em patamar inferior a 04 (quatro) anos de reclusão, em infração cometida sem violência ou grave ameaça à pessoa. Assim, estão presentes os requisitos objetivos para a substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos. De acordo, ainda, com o inciso III, do citado art. 44, do Código Penal, a substituição somente será feita quando "a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente". Nos termos das circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, já analisadas, o réu faz jus à substituição. Diante disso, com fulcro no art. 43, I e IV, do Código Penal, substituo a pena privativa de liberdade aplicada ao réu por duas restritivas de direitos, uma na modalidade de prestação de serviços gratuitos à comunidade à razão de uma hora de serviço por dia de condenação e outra pecuniária, que ora fixo no valor de cinquenta salários-mínimos vigentes à época da publicação da sentença, a ser destinada à vítima (União - Tesouro Nacional). Do Regime de Cumprimento da Pena O regime inicial de cumprimento, caso se dê a execução da pena privativa de liberdade, será o ABERTO (art. 33, § 2º, “c”, do Código Penal). Custas Condeno o réu ao pagamento das custa processuais, nos termos art. 804, CPP, no valor de R$ 297,95, atualizados desde a data da presente sentença pelo IPCA-e. Sequestro e Perdimento dos Bens Apreendidos Nos termos do art. 91, II, CP, e 132, CPP, decreto o sequestro e o perdimento em favor da União do valor de R$ 244.000,00 (duzentos e quarenta e quatro mil reais) em espécie (Termo de Apreensão (id. 553374915 - pág. 11), de vez que constituiu produto do crime e servirá de garantia para o pagamento da multa penal, da multa administrativa e das custas a que foi condenado o sentenciado. IV. PROVIMENTOS FINAIS À Secretaria para que: i) encaminhe cópia da sentença à DELEGACIA DE REPRESSÃO A CORRUPÇÃO E CRIMES FINANCEIROS - DELECOR/DRCOR/SR/PF/AM; ii) cadastre na Defesa do sentenciado o Dr. SÉRGIO RICARDO DINIZ REGUFE, brasileiro, advogado, inscrito sob OAB/RJ nº 229287, conforme substabelecimento id. 2188950536; Transitada em julgado esta sentença, determino a realização das seguintes providências: a) comunicar a condenação ao TRE/AM, para fins do art. 15, III, da CF/88, via sistema INFODIP; b) comunicar a condenação à Polícia Federal, via sistema SINIC; c) cálculo do valor da multa; d) intimação do apenado a pagar as custas processuais no prazo de 10 dias; e) expedir guia de execução definitiva e proceder à migração dos autos para o SEEU; f) destinar os bens que foram objeto do decreto de sequestro e perdimento à União; Intimem-se. Manaus, (data na assinatura digital). THADEU JOSÉ PIRAGIBE AFONSO Juiz Federal Titular da 2ª Vara Federal Criminal
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