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Processo nº 1009818-98.2024.8.11.0045

ID: 327216801

Tribunal: TJMT Órgão: Quarta Câmara Criminal Classe: APELAçãO CRIMINAL Nº Processo: 1009818-98.2024.8.11.0045

Data de Disponibilização: 16/07/2025

Polo Ativo:

H. P. COMERCIO DE MAQUINAS AGRICOLAS LTDA

Polo Passivo:

Acórdão

Advogados:

ANNE CAROLINE MAZIERO

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MARIA CECILIA PRANDINE MOLEIRO

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ALVARO DA CUNHA NETO

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ABEL SGUAREZI

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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1009818-98.2024.8.11.0045 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Estelionato, Prescrição] Relator: Des(a). HELIO NISHIYA… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1009818-98.2024.8.11.0045 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Estelionato, Prescrição] Relator: Des(a). HELIO NISHIYAMA Turma Julgadora: [DES(A). JUVENAL PEREIRA DA SILVA, DES(A). LIDIO MODESTO DA SILVA FILHO, DES(A). HELIO NISHIYAMA] Parte(s): [H. P. COMERCIO DE MAQUINAS AGRICOLAS LTDA - CNPJ: 44.351.769/0001-20 (APELANTE), ABEL SGUAREZI - CPF: 695.937.951-20 (ADVOGADO), EDENIR RIGHI - CPF: 630.307.481-20 (ADVOGADO), ALVARO DA CUNHA NETO - CPF: 711.252.721-04 (ADVOGADO), DELEGACIA DE POLÍCIA CIVIL DE LUCAS DO RIO VERDE-MT (APELADO), ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 03.507.415/0001-44 (APELADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (APELADO), ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 03.507.415/0020-07 (APELADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (CUSTOS LEGIS), MARIA CECILIA PRANDINE MOLEIRO - CPF: 030.999.279-61 (ADVOGADO), ANNE CAROLINE MAZIERO - CPF: 048.736.441-43 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUARTA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). JUVENAL PEREIRA DA SILVA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE DEU PROVIMENTO AO RECURSO NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR EMENTA DIREITO PROCESSUAL PENAL. RECURSO DE APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA. WRIT IMPETRADO CONTRA ATO DE DELEGADO DE POLÍCIA CIVIL. RECUSA DE INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO POLICIAL. PETIÇÃO INICIAL INDEFERIDA NA ORIGEM. DECADÊNCIA DO DIREITO DE REPRESENTAÇÃO NÃO EVIDENCIADA. NECESSIDADE DE INVESTIGAÇÃO DE SUPOSTA PRÁTICA DO CRIME DE ESTELIONATO. INDICATIVOS CONCRETOS DA PRÁTICA CRIMINOSA. VIOLAÇÃO A DIREITO LÍQUIDO E CERTO CONFIGURADA. SEGURANÇA CONCEDIDA. RECURSO PROVIDO. I CASO EM EXAME 1. Recurso de apelação interposto por empresa contra sentença que indeferiu a petição inicial de mandado de segurança contra ato de Delegado de Polícia Civil que não instaurou investigação para apurar de suposto crime de estelionato (CP, art. 171). 2. Fatos relevantes: (i) apelante registrou boletim de ocorrência relatando fatos que configurariam, em tese, crime de estelionato (CP, art. 171); (ii) o Delegado de Polícia Civil negou a instauração de inquérito policial, por entender que o fato narrado seria mero inadimplemento contratual, sem desdobramentos na esfera penal; (iii) mais tarde, a apelante ofereceu representação criminal, subsidiada por elementos novos e mais detalhados; (iv) a autoridade policial indeferiu a instauração de inquérito policial, desta vez, porque o direito de representação teria sido exercido quando já extrapolado o prazo decadencial de seis meses; (v) a apelante impetrou mandado de segurança contra o derradeiro ato da autoridade policial, exclusivamente para que fosse afastada a decadência do direito de representação e determinada, por conseguinte, a instauração do pretendido inquérito policial; (vi) ao analisar o writ, o magistrado reconheceu que o direito de representação foi exercido dentro do prazo legal, mas apesar disso, indeferiu a liminarmente a inicial do mandado de segurança, sob o fundamento de que analisar se o inadimplemento contratual narrado pela apelante configuraria fato típico, ilícito e culpável, a ponto de justificar a instauração de inquérito policial, demandaria incursão probatória, medida incompatível com a via eleita. 3. Requerimento do recurso: reforma da sentença para determinar a instauração de inquérito policial, em razão da presença de elementos configuradores, em tese, do crime de estelionato. II QUESTÃO EM DISCUSSÃO 4. As questões em discussão consistem em: (i) verificar se o magistrado deixou de observar o princípio da congruência ao analisar a primeira negativa de instauração de inquérito policial, quando deveria ter se limitado a apreciar a segunda negativa de instauração de inquérito policial, fundada na suposta decadência do direito de representação criminal; (ii) analisar se estão presentes os requisitos do direito líquido e certo para determinar a instauração de inquérito policial para apurar suposto delito de estelionato. III RAZÕES DE DECIDIR 5. A sentença que indefere petição inicial de mandado de segurança com base em fundamento inexistente no ato administrativo impugnado viola o princípio da congruência. 6. Afastada a decadência do direito de representação, deve ser reconhecida a ilegalidade do ato do Delegado de Polícia Civil fundado exclusivamente nesse motivo para negar a instauração de inquérito policial. 7. A representação criminal oferecida pela apelante delineia fatos complexos, detalhados e mais abrangentes do que os descritos ao tempo da primeira negativa de instauração de inquérito policial, apontando, em tese, ter sido vítima crime de estelionato praticado em concurso de pessoas, mediante simulação de negócios, emissão de documentos contraditórios e ocultação de bens,. 8. A autoridade policial, apesar de possuir discricionariedade na condução de investigações, está vinculada à legalidade e ao dever de apurar fatos noticiados com base em elementos mínimos de materialidade e autoria, expostos em representação criminal apresentada no prazo decadencial. 9. Os elementos constantes da representação criminal evidenciam indícios suficientes de materialidade e autoria do delito de estelionato: (i) emissão de cheques com vícios propositais; (ii) transferência irregular de bem gravado com alienação fiduciária; (iii) simulação negocial complexa com participação de múltiplos agentes; (iv) emissão de nota fiscal por empresa estranha à transação; e (v) pagamentos realizados por terceiros. 10. Como a autoridade policial negou a instauração de inquérito policial se valendo de causa jurídica manifestamente equivocada – assim reconhecida na sentença –, e os autos, por outro lado, contêm indicativos concretos da suposta prática do crime de estelionato (CP, art. 171, caput), a sentença deve ser reformada para determinar que se instaure inquérito policial para apurar os fatos que há mais de um ano vêm sendo noticiados pela apelante. IV DISPOSITIVO 11. Recurso provido. _____________________ Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, LIV e LV; CP, arts. 29, 103 e 171; Lei n. 12.016/2009, art. 10. RELATÓRIO EXMO. SR. DES. HÉLIO NISHIYAMA Egrégia Câmara Criminal: Trata-se de recurso de apelação interposto por H.P. Comércio de Máquinas Agrícolas Ltda. contra a sentença do Juízo da 2ª Vara Criminal da Comarca de Lucas do Rio Verde/MT, que indeferiu a inicial do mandado de segurança n. 1009818-98.2024.8.11.0045, impetrado contra ato do Delegado de Polícia Civil que deixou de instaurar inquérito policial para apurar suposto crime de estelionato (CP, art. 171) cometido contra a apelante (id. 282670366). Nas razões recursais, a apelante alega que o Juízo a quo fundamentou o indeferimento da petição inicial do writ na ausência de elementos mínimos caracterizadores do delito, quando o objeto exclusivo do mandamus era afastar a decadência do direito de representação criminal reconhecida pelo Delegado de Polícia Civil. Destaca que o boletim de ocorrência registrado pela apelante, cuja narrativa embasou a primeira negativa de instauração de inquérito policial, traz apenas a descrição sumária dos fatos e não poderia servir para lastrear a conclusão o Juízo pela ausência de indicativos mínimos da ocorrência do crime – pormenorizados na representação criminal oferecida depois. Com suporte nessas razões, busca ver determinada a instauração de inquérito policial para apurar a suposta prática do crime de estelionato (CP, art. 171) ou, caso se entenda pela necessidade de prolação de nova sentença, que seja previamente assegurada a garantia do contraditório e ampla defesa (id. 282670368). Em sede de contrarrazões, o Ministério Público se manifesta pelo desprovimento do recurso (id. 287547899). A Procuradoria-Geral de Justiça opina pelo desprovimento do recurso (id. 291924391). É a síntese do necessário. VOTO EXMO. SR. DES. HÉLIO NISHIYAMA (RELATOR) Egrégia Câmara Criminal: A apelante H.P. Comércio de Máquinas Agrícolas LTDA. impetrou mandado de segurança contra ato de Delegado de Polícia Civil que se negou a instaurar inquérito policial para apurar suposto crime de estelionato (art. 171, caput, do Código Penal). No ato administrativo, a autoridade policial reconheceu a impossibilidade de dar início às investigações em razão da decadência do direito de representação. O órgão julgador afastou a decadência do direito de representação, mas, apesar disso, indeferiu liminarmente a inicial do writ, sob o fundamento de que analisar se o inadimplemento contratual narrado pela apelante configuraria fato típico, ilícito ou culpável, a ponto de justificar a instauração de inquérito policial, demandaria incursão probatória, medida incompatível com a via eleita. Eis os principais trechos da sentença: “Na hipótese dos autos, vislumbro que há informação que a impetrante tomou ciência que havia sido vítima, em tese, do crime previsto no art. 171 do CP na data de 30/03/2023, quando percebeu que o segundo cheque oferecido como forma de pagamento do contrato de compra e venda não foi compensado, e, após diligências, não conseguiu localizar Paulo Cesar Seiboth para resolver o impasse, fato que resultou na oferta da representação criminal perante do delegado de polícia em 28/09/2023. Desta forma, considerando que a impetrante tomou ciência do fato ilícito apenas na data de 30/03/2023 e ofertou a representação criminal em 28/09/2023, é simples concluir que, de fato, não houve a decadência do direito, visto que a representação criminal foi ofertada 02 dias antes da ocorrência da perda do direito. Conquanto, ainda que não tenha ocorrido a decadência do direito, denoto que a autoridade policial afirmou que o Boletim de Ocorrência nº 2023.123101 foi arquivado, justificando, em síntese, a ausência de elementos que demonstrasse a ocorrência do crime de estelionato (Art. 171 do CP) praticado por Paulo Cesar Seiboth, concluindo que, na verdade, o caso se tratava de descumprimento de negócio jurídico pactuado entre as partes, conforme se extrai da íntegra do despacho proferido pela autoridade policial juntada no id. 185999411, vejamos: ‘DESPACHO Nº 2023.3.90869 - BO 2023.123101. Após leitura atenta deste boletim de ocorrência, esta Autoridade Policial não vislumbrou a presença de qualquer elemento típico capaz de ensejar a atuação deste órgão de persecução estatal. Em verdade, percebe-se apenas a existência de um distrato comercial que, em nome do Princípio da Fragmentariedade, desautoriza a intervenção do Direito Penal. Desta feita, por se tratar de fato atípico, determino que o presente feito seja arquivado. CUMPRA-SE’. (...). Logo, embora se reconheça o direito da vítima/impetrante de representação criminal, compete à autoridade policial fazer a apuração dos fatos noticiados no Boletim de Ocorrência, no caso dos autos, a autoridade policial já se pronunciou sobre os fatos ao arquivar o B.O registrado pela impetrante, reconhecendo, em resumo, atipicidade da conduta delitiva noticiada pela vítima (H. P. COMERCIO DE MAQUINAS AGRÍCOLAS LTDA) no procedimento preliminar, fato que demonstra a cores vivas que a pretensão da impetrante está fulminada, uma vez que, apenas indicou como irregular o reconhecimento da decadência do direito de representação criminal. Neste contexto, não havendo qualquer alegação de irregularidade no arquivamento do Boletim de Ocorrência, aliado ao fato que o rito mandamental não comporta dilação probatória, é simples concluir que a pretensão veiculada pela impetrante é incompatível com a modalidade processual do presente feito, uma vez que a prova documental apresentada é insuficiente para comprovar o direito líquido e certo postulado. (...) Ante o exposto, inexistindo demonstração de direito líquido e certo postulado pela impetrante INDEFIRO O PEDIDO INICIAL, nos termos do artigo 10, ‘caput’, da Lei Federal nº 12.016/09” (id. 282670366). Para melhor compreensão da matéria, convém um breve escorço fático. Conforme se extrai dos autos, a apelante H.P. Comércio de Máquinas Agrícolas LTDA. celebrou contrato de compra e venda com alienação fiduciária, em 8/dezembro/2022, com Paulo Cesar Seiboth, relativo a uma plataforma NEW HOLLAND SUPERFLEX 40F MOD. DRAPER 40/2016 PES CHASSI HCCBDF40AFCN00191, SÉRIE 9L40FX00050, no valor de R$ 320.000,00 (trezentos e vinte mil reais), cujo pagamento seria feito mediante três cheques, dos quais apenas o primeiro foi compensado, e o segundo, apresentado em 30/março/2023, foi devolvido sob o motivo "divergência ou falta de assinatura". Após tentar contato com Paulo Cesar Seiboth sem sucesso, a apelante descobriu que o bem havia sido transferido para Dieter Matschinske, proprietário da fazenda Germany 5, mediante nota fiscal emitida pela empresa Rodolpho Transportes e Comércio Ltda., de propriedade de Rodolpho Oliveira Venzom, pelo valor de R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais) – inferior ao valor de mercado e ao contratado originalmente –, com indícios de simulação negocial e conluio entre os envolvidos Paulo Cesar Seiboth, Dieter Matschinske, Luis Felipe Lammel e Rodolpho Oliveira Venzom. Diante desse quadro, a apelante ajuizou a Ação Cautelar de Busca e Apreensão n. 1004072-89.2023.8.11.0045, em cujos autos foi interposto o Agravo de Instrumento n. 1014556-07.2023.8.11.0000, o qual foi provido para determinar a busca e apreensão do referido maquinário. Efetivada a decisão e recuperado o bem, Dieter Matschinske, na tentativa de manter a posse do bem, opôs embargos de terceiro, em que apresentou um contrato de compra e venda firmado com o advogado Luis Felipe Lammel, acompanhado de documentos que logo despertaram desconfiança, em razão da incompatibilidade entre os valores declarados, da divergência entre o contrato e a nota fiscal emitida por Rodolpho Transportes e Comércio Ltda., e da ausência de vínculo jurídico legítimo entre os envolvidos na cadeia negocial. A tentativa de legitimar a posse com base em documentação contraditória, emitida por empresa alheia à transação original e sem qualquer lastro fático verificável, agravou as suspeitas da apelante de conluio entre Paulo Cesar Seiboth, Dieter Matschinske, Luis Felipe Lammel e Rodolpho Oliveira Venzom, por sugerirem uma atuação coordenada com o propósito de simular uma sucessão de negócios jurídicos e dificultar a recuperação do bem. A apelante sustentou, ainda, que os comprovantes de pagamento apresentados nos embargos de terceiro foram emitidos por Bruno Lapenna e pelo irmão de Dieter Matschinske, terceiros que não participaram da negociação e seriam, inclusive, clientes do advogado Luis Felipe Lammel (supostamente vendedor do equipamento para Dieter Matschinske), reforçando a tese de interposição ficta de pessoas. Diante da complexidade dos elementos colhidos e da existência de um possível esquema fraudulento estruturado em diversas frentes – inclusive com a utilização de documentos ideologicamente falsos, emissão de nota fiscal inidônea, ocultação da titularidade do bem e possível sonegação fiscal –, a apelante ofereceu a representação criminal n. 1498/2024 (id. 282670357), não apenas como resposta à inadimplência, mas como medida de proteção frente a uma conduta que ultrapassa o campo civil e se projeta como potencial estelionato praticado em concurso de pessoas. A autoridade policial, porém, deixou de instaurar o pretendido inquérito policial, por reputar fulminada pela decadência o direito de representação. De acordo com o Delegado de Polícia Civil, entre a data da celebração do contrato com Paulo Cesar Seiboth, 08/dezembro/2022, e o oferecimento da representação criminal, teria decorrido intervalo de tempo superior ao prazo decadencial de seis meses, previsto no artigo 103 do Código Penal (despacho n. 2024.3.110730 – id 282670355). No mesmo ato, contudo, o Delegado de Polícia Civil reconheceu a existência de elementos informativos autônomos relativos à possível prática de outros delitos, notadamente receptação, falsidade ideológica e sonegação fiscal (supostamente ocorridos nas cidades de Santa Rita do Trivelato e Rondonópolis, e determinou o envio de cópias do expediente às Delegacias com atribuição territorial para conhecimento e eventual apuração, verbis: “Entretanto, considerando que é possível verificar a existência de elementos informativos a respeito da prática de receptação, sonegação fiscal e falsidade ideológica praticados, em tese, nas cidades de Santa Rita do Trivelato/MT e Rondonópolis/MT, determino que sejam remetidos cópias do expediente às Delegacias com atribuições para a investigações para conhecimento”. (id. 282670355) Contra esse despacho, a apelante interpôs recurso administrativo à Delegacia-Geral da Polícia Civil (id 282670358), amparado na assertiva de que a devolução do segundo cheque, em 30/março/2023, teria sido o primeiro indício concreto de inadimplemento, circunstância a partir da qual a apelante passou a adotar diligências que culminaram na descoberta da transferência do bem a Dieter Matschinske, de emissão de nota fiscal por pessoa estranha ao contrato de compra e venda celebrado entre a apelante e Paulo Cesar Seiboth, e da oposição de embargos de terceiro com documentação considerada, pela parte, contraditória. O recurso, porém, não foi acolhido (id. 282670358 - Pág. 42). Diante da recusa da autoridade policial – motivada, repita-se, exclusivamente na suposta decadência do direito de representação –, a apelante impetrou mandado de segurança voltado contra a negativa de instauração de inquérito policial. Em linhas gerais, a apelante sustentou que aquele ato administrativo seria ilegal por ter adotado como dies a quo do prazo decadencial a data da celebração do contrato, 08/dezembro/2022, quando o termo inicial seria a data efetiva ciência do suposto crime, materializada com a devolução da segunda cártula, em 30/março/2023 (id 282670351). Ao analisar o writ, o Juízo a quo afastou expressamente a decadência reconhecida no ato administrativo, reconhecendo que a representação criminal foi ofertada no prazo legal de seis meses. Apesar disso, o magistrado concluiu pela inexistência de direito líquido e certo à instauração de inquérito policial, por reputar legal e idônea a fundamentação exarada pela autoridade policial na primeira negativa de instauração de inquérito policial e, desse modo, indeferiu a petição inicial do writ (id. 282670366). Este recurso foi interposto contra a referida sentença. Pois bem. A apelante sustenta que o Juízo singular teria extrapolado os limites da lide ao analisar o despacho de arquivamento do Boletim de Ocorrência n. 2023.123101, enquanto o objeto do mandado de segurança versa exclusivamente sobre a decadência do direito de representação criminal, razão pela qual postula a reforma da sentença para determinar a instauração de inquérito policial, por estarem presentes os elementos suficientes para caracterizar o delito de estelionato (CP, art. 171) por Paulo César Seiboth, Dieter Matschinske, Luis Felipe Lammel e Rodolpho Oliveira Venzom. Assevera que o suposto esquema criminoso envolveria complexa operação em concurso de pessoas, com emissão dolosa de cheques com assinatura divergente, alienação irregular de bem gravado com alienação fiduciária, emissão de documentação fiscal fraudulenta e simulação de negócios jurídicos para dificultar a recuperação do maquinário, circunstâncias, sob a sua óptica, que demonstrariam a intenção criminal dos envolvidos desde o início da contratação. A tese defensiva comporta acolhimento. Ao indeferir a inicial do mandado de segurança, o Juízo singular adotou fundamento estranho ao objeto impugnado no writ, impetrado exclusivamente para atacar o despacho n. 2024.3.110730 (id. 282670355), que havia reconhecido a decadência do direito de representação da apelante. Muito embora tenha reconhecido que o direito de representação foi exercido dentro do prazo decadencial de seis meses, o magistrado foi além e, tomando como norte ato administrativo que sequer era alvo de discussão, concluiu que os fundamentos deste ato administrativo estranho ao debate eram suficientes e idôneos o bastante para indeferir a pretensão da apelante. O equívoco é manifesto, pois a apelante não impugnou a primeira negativa de instauração de inquérito policial, materializada no despacho de arquivamento do boletim de ocorrência n. 2023.123101, mas tão-somente a segunda negativa de instauração de inquérito policial, embasada em uma suposta decadência do direito de representação. Não se desconhece, por outro lado, que o ato administrativo efetivamente impugnado faz breve menção ao despacho de arquivamento do boletim de ocorrência n. 2023.123101. Essa simples remissão, contudo, não autoriza o julgador a utilizá-la para dilatar a causa de pedir da ação mandamental, porquanto o ato administrativo deve ter motivação clara, explícita e coerente com seus efeitos. Ao considerar, portanto, a ausência de elementos típicos do crime de estelionato – fundamento da primeira negativa de instauração de inquérito policial – para reconhecer a legalidade do ato administrativo efetivamente impugnado e negar o processamento da impetração, o Juízo a quo violou os princípios da congruência, da segurança jurídica e do devido processo legal. Em outras palavras, ao afastar a decadência – corretamente, diga-se –, o julgador deveria ter se limitado a reconhecer a ilegalidade do despacho da autoridade policial, já que, esvaziado o único fundamento nele contido, não restaria obstáculo válido à instauração do pretendido inquérito policial. Nesse compasso, não cabia ao Judiciário suprir, reinterpretar ou reinventar a motivação do ato administrativo com base em elementos estranhos à sua razão decisória. A desconexão, portanto, entre o fundamento adotado na sentença e o ato efetivamente impugnado compromete a lógica do controle judicial dos atos administrativos, pois não se pode admitir que a decisão a ser proferida em sede de mandado de segurança se fundamente em razões que não constem do ato coator, sob pena de esvaziamento da garantia constitucional da sua impetração. Não bastasse isso, verifica-se que a representação criminal protocolada pela apelante trouxe elementos novos e distintos daqueles constantes do boletim de ocorrência arquivado, o que, por si só, afasta qualquer impedimento à reanálise do caso pelas autoridades policiais. Na representação, foram delineadas diversas condutas que vão além do inadimplemento contratual, com a inserção de novos fatos e documentos, como a identificação da emissão de nota fiscal por empresa estranha à transação, a celebração de contrato posterior por advogado alheio à cadeia contratual original e a oposição de embargos de terceiro com base em documentação considerada contraditória, circunstâncias até então desconhecidas ao tempo da primeira negativa de instauração de inquérito policial. Com efeito, para a instauração de inquérito policial não se exige prova inequívoca ou definitiva da ocorrência do crime, mas apenas indícios razoáveis de materialidade e autoria que justifiquem a apuração, de modo que a justa causa para a persecução penal preliminar encontra-se presente quando os elementos informativos apontam para a possível configuração de conduta típica, ilícita e culpável, ainda que sujeita a posterior confirmação no curso das investigações. O crime de estelionato (CP, art. 171) configura-se pela obtenção de vantagem ilícita em prejuízo alheio, com a indução ou manutenção de alguém em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento. Feitas essas considerações, depreende-se que os elementos constantes da representação criminal evidenciam indícios suficientes da materialidade delitiva, a justificar eventual transcendência de mero inadimplemento contratual: (i) artifício fraudulento desde a celebração do contrato: a devolução do segundo cheque por “divergência ou falta de assinatura”, em contraste com a regular compensação do primeiro, constitui circunstância que autoriza investigar a possibilidade de conduta destinada a frustrar o pagamento, pois a transferência do bem logo após a celebração do contrato, quando ainda pendentes parcelas do preço, assinala possível existência de um plano preconcebido para apropriação do maquinário sem a devida contraprestação; (ii) transferência de bem gravado com alienação fiduciária: Paulo Cesar Seiboth transferiu o maquinário para Dieter Matschinske apenas dois dias após a celebração do contrato (10/dezembro/2022), quando ainda pendiam o pagamento de duas parcelas e subsistia a alienação fiduciária em favor da apelante, o que revela a possível disposição de coisa alheia como própria, modalidade específica do estelionato prevista no art. 171, §2º, I, do Código Penal; (iii) operações negociais de aparente complexidade: a cadeia de transferências subsequentes apresenta elementos que permitem supor simulação destinada a dificultar a recuperação do bem: (iii.i) emissão de nota fiscal por empresa estranha: a nota fiscal foi emitida por Rodolpho Transportes e Comércio Ltda., empresa que não participou da transação original, o que pode caracterizar uso de documentação fiscal para conferir aparência de legalidade à operação; (iii.ii) intermediação de terceiro: Luis Felipe Lammel aparece como vendedor do equipamento para Dieter Matschinske, embora haja elementos indiciários assinalando que jamais adquiriu o bem de Paulo Cesar Seiboth, o que revela possível intermediação fictícia (simulação); (iii.iii) divergência entre documentos: o contrato apresentado por Dieter Matschinske nos embargos de terceiro, supostamente firmado com Luis Felipe Lammel indica valor de R$ 285.000,00 (duzentos e oitenta e cinco mil reais), enquanto a nota fiscal registra R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais), incongruência que permite supor eventual simulação documental; (iii.iv) transferência por valor reduzido: o maquinário foi transferido de Paulo Cesar Seiboth para Dieter Matschinske por R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais), valor significativamente inferior aos R$ 320.000,00 (trezentos e vinte mil reais) originalmente pactuados, circunstância que, embora não seja conclusiva, demanda análise mais aprofundada sobre a regularidade da operação. Outras circunstâncias presentes nos autos reforçam a necessidade de apuração mais aprofundada sobre a regularidade das operações, uma vez que os comprovantes de pagamento foram emitidos por Bruno Lapenna e pelo irmão de Dieter Matschinske, pessoas estranhas à negociação, porém, ambos são clientes do advogado Luis Felipe Lammel, elemento que justifica investigação sobre eventual utilização de terceiros para ocultar a real origem dos pagamentos. Ademais, o contrato apresentado por Dieter Matschinske carece de reconhecimento de firma, circunstância que, somada às demais inconsistências, como a confissão de que a divergência entre valores decorreria de “questões fiscais” – eventual sonegação de tributos –, permite supor conhecimento de irregularidades na operação e justifica apuração. Diante de todo esse quadro, o conjunto de elementos apresentados permite asseverar que os fatos narrados podem, sim, ter extrapolado a esfera do direito civil, o que reclama investigação sobre possível crime contra o patrimônio praticado mediante fraude. Portanto, afastada a decadência do direito de representação criminal, não havia óbice algum à instauração do inquérito policial requerido pela apelante para a devida apuração dos elementos acima descritos, os quais, embora não constituam prova definitiva, são suficientes para configurar justa causa que autoriza a apuração dos fatos pela autoridade policial competente Em reforço, conquanto a autoridade policial possua discricionariedade para conduzir investigações, essa atuação deve observar os limites legais e constitucionais, notadamente o dever de motivação e a vedação à negativa arbitrária da atividade investigatória quando presentes elementos mínimos de materialidade e autoria, porquanto constitui direito líquido e certo a apelante a devida apuração da conduta praticada pelos terceiros acima citados. Nessa lógica, como a autoridade policial negou a instauração de se valendo de causa jurídica manifestamente equivocada – assim reconhecida na sentença –, e os autos contêm indicativos reais concretos da possível prática do crime de estelionato (CP, art. 171), a sentença deve ser reformada para determinar que se instaure inquérito policial para apurar os fatos que há mais de um ano foram levados ao conhecimento do Delegado de Polícia Civil de Lucas do Rio Verde. Ante o exposto, dou provimento ao recurso interposto por H.P. Comércio de Máquinas Agrícolas Ltda. para conceder a segurança e determinar que o Delegado de Polícia Civil de Lucas do Rio Verde instaure inquérito policial para apurar o crime de estelionato (CP, art. 171) narrado na representação criminal oferecida pela apelante, além de outros que porventura forem descobertos, em dissonância do parecer ministerial. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 15/07/2025

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Processo nº 1044852-20.2022.8.11.0041

ID: 295592049

Tribunal: TJMT Órgão: Quinta Câmara de Direito Privado Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 1044852-20.2022.8.11.0041

Data de Disponibilização: 11/06/2025

Polo Ativo:

FLYTOUR AGENCIA DE VIAGENS E TURISMO LTDA. TAM LINHAS AEREAS S/A.

Polo Passivo:

Acórdão

Advogados:

ERASMO HEITOR CABRAL

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DANIELLE CANDIDA DE MELO AMARAL

OAB/MG XXXXXX Desbloquear

FABIO RIVELLI

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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1044852-20.2022.8.11.0041 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Prestação de Serviços, Efeitos] Relator: Des(a).… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1044852-20.2022.8.11.0041 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Prestação de Serviços, Efeitos] Relator: Des(a). LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO Turma Julgadora: [DES(A). LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO, DES(A). MARCOS REGENOLD FERNANDES, DES(A). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA] Parte(s): [ROLAND GRADINGER LTDA - CNPJ: 40.578.326/0001-15 (APELADO), MAURICIO MAGALHAES FARIA NETO - CPF: 031.410.811-40 (ADVOGADO), ANDREY ARANTES ABDALA AZEVEDO - CPF: 056.021.871-03 (ADVOGADO), MAURICIO MAGALHAES FARIA JUNIOR - CPF: 474.882.121-34 (ADVOGADO), RAYSSA TOLEDO BALSTER DE CASTILHO - CPF: 033.110.031-28 (ADVOGADO), GUSTAVO GOMES LOURENCO - CPF: 018.279.081-90 (ADVOGADO), ROLAND GRADINGER - CPF: 076.131.471-77 (APELADO), FLYTOUR AGENCIA DE VIAGENS E TURISMO LTDA. - CNPJ: 51.757.300/0001-50 (APELANTE), ERASMO HEITOR CABRAL - CPF: 659.386.316-53 (ADVOGADO), TAM LINHAS AEREAS S/A. - CNPJ: 02.012.862/0001-60 (APELANTE), LEONARDO SULZER PARADA - CPF: 704.909.961-91 (ADVOGADO), FABIO RIVELLI - CPF: 126.097.608-41 (ADVOGADO), DANIELLE CANDIDA DE MELO AMARAL - CPF: 076.497.236-74 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO. E M E N T A DIREITO CIVIL E CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO COM RESTITUIÇÃO DE QUANTIA PAGA. PASSAGENS AÉREAS. FRAUDE COM CARTÃO DE CRÉDITO CLONADO. CHARGEBACK. TEORIA FINALISTA MITIGADA. VULNERABILIDADE TÉCNICA. CLÁUSULA CONTRATUAL ABUSIVA. RISCO DA ATIVIDADE. RECURSO DESPROVIDO. I. Caso em exame 1. Apelações cíveis interpostas contra sentença que julgou procedente o pedido de ação anulatória de débito cumulada com restituição de quantia paga, movida por agência de viagens que atua na intermediação de compra de passagens aéreas e que, após efetuar venda seguindo os procedimentos de segurança exigidos, foi notificada de contestação de pagamento (chargeback) por fraude com cartão clonado, tendo que arcar com o prejuízo. II. Questão em discussão 2. Há quatro questões em discussão: (i) saber se é aplicável o Código de Defesa do Consumidor na relação estabelecida entre as partes; (ii) verificar a legitimidade passiva da companhia aérea para figurar no polo passivo da demanda; (iii) analisar a validade da cláusula contratual que transfere à agência de viagens o ônus financeiro decorrente de contestações de pagamento (chargeback); e (iv) determinar quem deve suportar o prejuízo advindo da fraude com cartão de crédito no caso concreto. III. Razões de decidir 3. Aplica-se a teoria finalista mitigada à relação jurídica estabelecida entre as partes, uma vez que, embora a parte autora seja pessoa jurídica, encontra-se em situação de vulnerabilidade técnica perante as recorrentes, especialmente considerando que não possui controle sobre os mecanismos de segurança do sistema de pagamento. 4. A companhia aérea é parte legítima para figurar no polo passivo da demanda, porquanto integra a cadeia de fornecedores, nos termos dos arts. 3º, 14 e 34 do Código de Defesa do Consumidor, que estabelecem a responsabilidade solidária dos fornecedores pelos danos causados aos consumidores. 5. É nula a cláusula contratual que transfere integralmente à agência de viagens os riscos inerentes à operação de transação eletrônica com cartão de crédito, por constituir disposição abusiva, nos termos do art. 51, IV e XV, do Código de Defesa do Consumidor, estabelecendo obrigação iníqua e colocando o consumidor em desvantagem exagerada. 6. A fraude com cartão de crédito constitui risco inerente à atividade desenvolvida pelas recorrentes, configurando fortuito interno, que não afasta a responsabilidade do fornecedor, especialmente considerando que a recorrente FLYTOUR é a administradora do sistema de vendas e responsável pelos mecanismos de segurança das transações. IV. Dispositivo e tese 7. Recursos de apelação desprovidos. Tese de julgamento: "1. É abusiva e nula a cláusula contratual que transfere integralmente à agência de viagens o ônus financeiro decorrente de contestação de pagamento (chargeback) por fraude com cartão de crédito, quando esta segue todos os procedimentos de segurança estabelecidos pela administradora do sistema. 2. O risco de fraude com cartão de crédito é inerente à atividade da administradora do sistema de pagamento, constituindo fortuito interno que não afasta sua responsabilidade." Dispositivos relevantes citados: CDC, arts. 3º, 14, 34, 51, IV e XV; CPC, art. 85, § 2º. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgInt no AREsp 728.797/RS, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, j. 22/05/2018; STJ, AgInt no AREsp 1856105/RJ, Rel. Min. não informado, Terceira Turma, j. 02/05/2022; TJ-MT, AC 10427176920218110041, Rel. Antonia Siqueira Gonçalves, j. 25/10/2023; TJ-SP, AC 10440643220168260224, Rel. Benedito Antonio Okuno, j. 17/03/2021. R E L A T Ó R I O EXMO. DES. LUIZ OCTÁVIO O. SABOIA RIBEIRO (RELATOR) Egrégia Câmara: Trata-se de dois recursos de apelação apresentados por TAM LINHAS AÉREAS S.A. e pela FLYTOUR AGÊNCIA DE VIAGENS E TURISMO LTDA. contra sentença proferida pelo Juízo da 5ª Vara Cível da Comarca de Cuiabá/MT no bojo da ação anulatória de débito cumulada com restituição de quantia paga ajuizada por ROLAND GRADINGER EIRELI, que julgou procedente os pedidos, nos seguintes termos (id. 177146775): Ante o exposto, e por tudo mais que nos autos consta, JULGO PROCEDENTE o pedido, com resolução de mérito, nos termos do artigo 487, I, do Código de Processo Civil, para: 1. DECLARAR a nulidade da cláusula nulidade absoluta da clausula 7.4. do contrato entabulado entre as partes; 2. DECLARAR inexigíveis os débitos descritos na inicial; 3. CONDENAR a requerida Flytour a restituir à requerente o valor de R$ 36.095,74 (trinta e seis mil e noventa e cinco reais e setenta e quatro centavos) acrescidos de correção monetária pelo IPCA (artigo 389 do Código Civil, com redação dada pela Lei nº 14.905/2024) a partir desta data e de juros pela taxa SELIC (artigo 406 do Código Civil, com redação dada pela Lei nº 14.905/2024) a contar da citação. A parte ré TAM LINHAS AÉREAS S.A. apresentou recurso de apelação (id. 183332903) alegando ilegitimidade passiva, por não ter relação jurídica com a autora e não ter participado das transações comerciais. Argumentou ainda pela inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor, uma vez que a autora não seria destinatária final do serviço de transporte aéreo. Por sua vez, a outra ré FLYTOUR AGÊNCIA DE VIAGENS E TURISMO LTDA. interpôs recurso de apelação (ID 184905409) alegando preliminarmente: a) Nulidade da sentença por cerceamento de defesa, em razão do indeferimento da produção de provas requeridas; b) Incompetência territorial, em razão da cláusula de eleição de foro no contrato; c) Inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor e da teoria finalista mitigada. No mérito, a FLYTOUR alegou que a responsabilidade pela fraude em cartão de crédito (chargeback) é da autora por não ter adotado os procedimentos de segurança necessários, bem como sustentou a validade da cláusula contratual que atribuía tal responsabilidade à autora. A recorrida apresentou contrarrazões (id. 186159833) rechaçando os argumentos das rés e pugnando pela manutenção da sentença. Recolhimento do preparo consta em id. 286162877 e id. 286162369. É o relatório. V O T O R E L A T O R EXMO. DES. LUIZ OCTÁVIO O. SABOIA RIBEIRO (RELATOR) Egrégia Câmara: Como relatado anteriormente, versam os autos acerca de dois recursos de apelação apresentados por TAM LINHAS AÉREAS S.A. e pela FLYTOUR AGÊNCIA DE VIAGENS E TURISMO LTDA. contra sentença proferida pelo Juízo da 5ª Vara Cível da Comarca de Cuiabá/MT, nos autos da ação anulatória de débito cumulada com restituição de valor pago, ajuizada por ROLAND GRADINGER EIRELI, que julgou procedentes os pedidos iniciais. O caso em comento discute venda de passagens aéreas realizada pela parte autora, tendo como meio de pagamento o sistema administrado pela ré FLYTOUR. A operação foi posteriormente impugnada pela titular do cartão de crédito, resultando em "chargeback" - cancelamento da compra porque o titular do cartão não reconheceu a operação. A recorrida, ROLAND GRADINGER EIRELI, alega ser agência de viagens e, dessa forma, atua como intermediária na compra de passagens aéreas com as companhias aéreas por meio do sistema "FLYTOUR GAPNET", oferecido pela recorrente Flytour Agência de Viagens e Turismo LTDA. A questão em discussão refere-se ao fato ocorrido em 13/07/2022, ocasião em que a recorrida adquiriu duas passagens aéreas com destino a Recife da Flytour Agência de Viagens e Turismo LTDA, voo este a ser realizado com a recorrente TAM Linhas Aéreas, no valor de R$ 3.599,20. Além disso, em 14/07/2022, foram adquiridas mais seis passagens aéreas em nome do mesmo cliente, seguindo todos os procedimentos de segurança e com pagamento por cartão de crédito. No entanto, em 25/07/2022, a recorrida foi informada que o pagamento das passagens foi contestado pelo titular do cartão de crédito, pois se referia a cartão clonado (chargeback por fraude), ocorrendo a cobrança dos valores pela Flytour. Diante disso, a recorrida efetuou o pagamento integral do valor de R$ 36.095,74, e agora busca a restituição desse montante, ao argumento de que a responsabilidade pela checagem dos documentos e do cartão de crédito utilizado é da Agência responsável pela venda dos bilhetes. Em suas razões recursais, as apelantes suscitam preliminares e, no mérito, sustentam a validade da cláusula contratual que responsabiliza a agência de viagens pelo estorno de valores decorrente de fraudes com cartão de crédito. i. Das preliminares Da inaplicabilidade do Código do Consumidor Alegam as recorrentes que no caso não se aplica o Código de Defesa do Consumidor, por ser a parte autora, ora apelada, pessoa jurídica. No presente caso, aplica-se a teoria finalista mitigada, pois, embora a autora seja pessoa jurídica, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é clara ao afirmar que "a teoria finalista deve ser mitigada nos casos em que a pessoa física ou jurídica, embora não se enquadre nas categorias de fornecedor ou destinatário final do produto, apresenta-se em estado de vulnerabilidade ou hipossuficiência técnica, autorizando a aplicação das normas" (AgInt no AREsp 728.797/RS, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 22/05/2018, DJe 28/05/2018). A apelada, como agência de turismo estabelecida há poucos anos, utiliza da apelante FLYTOUR para facilitar a venda de passagens aéreas aos seus clientes, e a aplicabilidade do CDC resta configurada diante da vulnerabilidade da recorrida/consumidora perante as apelantes. Dessa forma, verifica-se que a relação existente entre as partes é de consumo, enquadrando-se a recorrida no conceito de consumidora, ao passo que a recorrente é caracterizada como fornecedora do serviço de venda de bilhetes. O fato de a autora, ora recorrida, ser uma operadora turística e utilizar o Sistema de vendas de passagens com as medidas de segurança necessárias para o recebimento de valores oferecida pela ré e ora recorrente Flytour, em nada afasta a caracterização da relação de consumo, diante da vulnerabilidade ou hipossuficiência técnica. Na hipótese, a contratante, pessoa jurídica que desempenha as atividades de agência de viagens local, não goza de igualdade frente a uma Agência de Turismo de porte nacional, que lhe oferece serviços com a devida segurança técnica. Dessa forma, aplica-se a teoria finalista mitigada, segundo a qual haverá a incidência das normas do Código de Defesa do Consumidor quando, num dos polos da relação, houver pessoa física ou jurídica que, apesar de não ser a destinatária final, apresenta situação de vulnerabilidade, seja fática, técnica ou jurídica, frente ao fornecedor do produto ou serviço, conforme pacífica jurisprudência: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INVERSÃO. ÔNUS DA PROVA. REQUISITOS. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. PESSOA JURÍDICA. TEORIA FINALISTA. MITIGAÇÃO. VULNERABILIDADE. REEXAME DE PROVAS. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. O Superior Tribunal de Justiça firmou posicionamento no sentido de que a teoria finalista deve ser mitigada nos casos em que a pessoa física ou jurídica, embora não se enquadre nas categorias de fornecedor ou destinatário final do produto, apresenta-se em estado de vulnerabilidade ou hipossuficiência técnica, autorizando a aplicação das normas previstas no Código de Defesa do Consumidor. Precedentes. 3. Na hipótese, rever o entendimento do tribunal de origem, que, com base nas provas carreadas aos autos, concluiu pela caracterização da vulnerabilidade do adquirente e pelo preenchimento dos requisitos para inversão do ônus da prova, demandaria o reexame de fatos e provas, procedimento inviável em recurso especial, a teor do disposto na Súmula nº 7/STJ. 4. Agravo interno não provido. (STJ - AgInt no AREsp: 1856105 RJ 2021/0073793-9, Data de Julgamento: 02/05/2022, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 05/05/2022) (destaquei) Firmado no entendimento do Superior Tribunal de Justiça, rejeito a preliminar. Da ilegitimidade da TAM LINHAS AÉREAS A recorrente TAM Linhas Aéreas defende sua ilegitimidade passiva. Sobre as partes que compõem a relação de consumo, preceitua o art. 3º, do Código de Defesa do Consumidor, sobre a definição de fornecedor: Art. 3º Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. § 1º Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial. § 2º Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. Nos termos do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. Ainda, vale destacar que o Código de Defesa do Consumidor prevê expressamente em seu artigo 34 que o fornecedor do produto ou serviço é solidariamente responsável pelos atos praticados por seus prepostos ou representantes autônomos. Em resumo, o fornecedor responde pelos atos de seus representantes, mesmo que eles atuem de forma independente. Essa responsabilidade também é objetiva e decorre do simples fato de estar inserido no mercado tanto o produto quanto a prestação do serviço, que tem que se dar de forma adequada e sem vícios em suas qualidades, prestados pelos estabelecimentos e operadoras escolhidas pela agência, como previsto no artigo 14 do mesmo Código. A responsabilidade das empresas que agenciam viagens e das companhias aéreas decorre da venda de pacotes de turismo que incluem passagens, traslados, hospedagens, dentre outros serviços aos consumidores contratantes, por meio da qual faz o intermédio entre o consumidor final e a empresa aérea responsável pelo transporte, participando do lucro da venda dos bilhetes, circunstância que lhe impõe a responsabilidade pela falha do serviço intermediado. Dessa forma, não há que se falar em ausência de responsabilidade da companhia aérea, sendo parte legítima para figurar no polo passivo da demanda. À propósito, trago julgado desta Egrégia Corte de Justiça: APELAÇÕES CÍVEIS – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – PRELIMINARES – ILEGITIMIDADE PASSIVA DA AGÊNCIA DE VIAGEM E DA COMPANHIA AÉREA – REJEITADAS – CADEIA DE FORNECEDORES – RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA – MÉRITO – CANCELAMENTO E ALTERAÇÃO DO VOO – ALTO INDICE DE TRÁFEGO NA MALHA AEROVIÁRIA – FORTUITO INTERNO – VOO DE RETORNO COM ATRASO DE 27 (VINTE E SETE) HORAS PARA CHEGADA AO DESTINO FINAL – FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO EVIDENCIADO – DANO MORAL CONFIGURADO – MAJORAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO – SENTENÇA PARCIALMENTE RETIFICADA – RECURSO DOS AUTORES PROVIDO E DAS REQUERIDAS DESPROVIDOS. Havendo a arguição da ilegitimidade passiva pela empresa Azul Linhas Aéreas nesta fase recursal, não há que se falar em inovação recursal, vez que, em se tratando de matéria de ordem pública, pode ser alegada a qualquer momento. "A operadora de viagens e a agência de turismo respondem pelas falhas no planejamento, organização e execução dos serviços a que se obrigaram perante o consumidor que adquire pacote turístico. Tratando-se de relação de consumo, todos os membros da cadeia de fornecimento respondem solidariamente perante o consumidor". (N.U 1014847-49.2021.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, DIRCEU DOS SANTOS, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 13/07/2022, Publicado no DJE 20/07/2022). (destaquei) APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. ALEGAÇÃO DE ILEGITIMIDADE PASSIVA DA RÉ. APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR (CDC). RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. RECONHECIMENTO DA LEGITIMIDADE PASSIVA DA BANDEIRA DO CARTÃO. PRELIMINAR AFASTADA. PROCEDIMENTO DE CHARGEBACK. RESPONSABILIDADE OBJETIVA PELO RISCO DA ATIVIDADE. DANO MATERIAL COMPROVADO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. (TJ-PR 00255812720228160001 Curitiba, Relator.: substituta jaqueline allievi, Data de Julgamento: 25/10/2024, 13ª Câmara Cível, Data de Publicação: 25/10/2024) Dessa forma, deixo de acolher a preliminar de ilegitimidade passiva da empresa aérea. Da nulidade da sentença por cerceamento de defesa A recorrente FLYTOUR AGÊNCIA DE VIAGENS E TURISMO LTDA. defende a ocorrência de cerceamento de defesa ao argumento que pugnou pela produção de provas, como o depoimento pessoal do representante legal da recorrida e da empresa aérea, assim como produção de prova testemunhal, documental e pericial a fim de verificar a autenticidade das assinaturas constantes dos documentos juntados pelo demandante/recorrido. No caso, fica afastada a tese de cerceamento de defesa apresentada pela recorrente, tendo em vista que o deslinde do caso concreto tangencia a análise de prova eminentemente documental. A recorrente pretende demonstrar por prova oral e pericial o funcionamento do seu sistema de venda e ocorrência de fraude, com o objetivo de demonstrar que a situação ocorreu por culpa de terceiro. Todavia, a análise do pagamento é feita pelo sistema de segurança da apelante que recebeu o pagamento por meio de cartão de crédito clonado. À propósito: RECURSO INOMINADO. OBRIGAÇÃO DE FAZER. DANOS MATERIAL E MORAL. TRANSPORTE AÉREO. CANCELAMENTO DE BILHETES AÉREOS. LEGITIMIDADE PARA O PROCESSO DA COMPANHIA AÉREA E DA AGÊNCIA DE VIAGENS QUE INTERMEDIOU A AQUISIÇÃO DAS PASSAGENS (123 MILHAS). LEGITIMIDADE DA COMPANHIA AÉREA. RESPONSÁVEL PELO CANCELAMENTO. JULGAMENTO ANTECIPADO DO FEITO. INDEFERIMENTO DE PROVA ORAL. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO DEMONSTRADO. PROVA DOCUMENTAL SUFICIENTE. SUPOSTO CANCELAMENTO DOS BILHETES AÉREOS PELO TITULAR DAS MILHAS. AUSÊNCIA DE PROVAS. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. REEMBOLSO DO VALOR DAS PASSAGENS DEVIDO. DANO MORAL CARACTERIZADO. CARÁTER INSTRUMENTAL DA MULTA PREVISTA NO ART. 537 DO CPC. VALOR ARBITRADO EM QUANTIA ADEQUADA E COMPATÍVEL COM A OBRIGAÇÃO. AUSÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS PARA SUA EXCLUSÃO OU REDUÇÃO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. Característica do processo diferenciado dos Juizados Especiais, a confirmação da sentença pelos próprios fundamentos remete ao articulado da sentença de primeira instância. (TJ-PR 00030087120238160126 Palotina, Relator.: Helder Luis Henrique Taguchi, Data de Julgamento: 26/07/2024, 2ª Turma Recursal, Data de Publicação: 27/07/2024) Assim, cumpre rejeitar a preliminar de nulidade por cerceamento de defesa arguida pela Flytour, pois as provas pretendidas eram manifestamente protelatórias e impertinentes para o deslinde da causa, conforme bem fundamentado na sentença. O juiz é o destinatário das provas e detém o poder de indeferir aquelas que considerar desnecessárias, inadmissíveis ou meramente protelatórias, sem que isso configure cerceamento de defesa. Da incompetência territorial em razão da cláusula de eleição de foro no contrato Afirma a apelante FLYTOUR AGÊNCIA DE VIAGENS E TURISMO LTDA. que a cláusula de eleição de foro constante no contrato de prestação de serviços deve ser observada. Do contrato de credenciamento firmado entre as partes em 22/10/2021, se extrai a eleição do foro da Comarca de São Paulo/SP para a resolução de eventuais controvérsias oriundas do referido contrato. Nesse ponto, imperativo destacar que o pacto se deu por adesão, o que significa que as cláusulas foram previamente estipuladas, sem possibilidade de negociação pelo contratante. Todavia, a sentença recorrida deixou de acolher a preliminar suscitada pelo requerido, ora apelante, de incompetência territorial do Juízo da Comarca de Cuiabá/MT, agindo com acerto o Magistrado. Neste contexto, prevê o Código de Defesa do Consumidor acerca da competência territorial: Art. 101. Na ação de responsabilidade civil do fornecedor de produtos e serviços, sem prejuízo do disposto nos Capítulos I e II deste título, serão observadas as seguintes normas: I - a ação pode ser proposta no domicílio do autor; Do contrato social acostado pela autora/apelada aos autos originários, observa-se que sua sede está localizada no Município de Cuiabá/MT, ou seja, localidade diversa daquela pactuada entre as partes. Assim, configurando-se a hipótese de contrato de adesão e sendo aplicável o CDC, conforme acima fundamentado, é nula a cláusula de eleição de foro, em vista da excessiva onerosidade ao consumidor. Nesse sentido: AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA POR DANOS MATERIAIS. CONTRATO DE ADESÃO PARA CREDENCIAMENTO AO SISTEMA DE MEIOS DE PAGAMENTO CIELO. DECISÃO QUE ACOLHEU A PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA RELATIVA. IRRESIGNAÇÃO DA PARTE AUTORA. PLEITO DE APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIR E DECLARAÇÃO DE NULIDADE DA CLÁUSULA DE ELEIÇÃO DE FORO. ACOLHIMENTO. AGRAVANTE QUE SE ENQUADRA NA QUALIDADE DE CONSUMIDORA, NOS TERMOS DA TEORIA FINALISTA MITIGADA. PRECEDENTES DO STJ. VULNERABILIDADE DA EMPRESA EM RAZÃO DE POSSUIR RAMO DE ATIVIDADE DIVERSO DAQUELE DA OPERADORA DE CARTÕES DE CRÉDITO E DÉBITO. CONTRATO DE ADESÃO. CLÁUSULA DE ELEIÇÃO DE FORO QUE ESTABELECE LOCALIDADE DIVERSA E DISTANTE DA SEDE DA AGRAVADA, EM DESCOMPASSO COM O ART. 101 DO CDC. ONEROSIDADE EXCESSIVA À CONSUMIDORA. RECONHECIMENTO DA NULIDADE DA CLAÚSULA DE ELEIÇÃO DE FORO. PRECEDENTES DESTA CÂMARA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (TJPR - 10ª Câmara Cível - 0031440-27.2022.8.16.0000 - Foz do Iguaçu - Rel.: JUIZ DE DIREITO SUBSTITUTO EM SEGUNDO GRAU ALEXANDRE KOZECHEN - J. 30.01.2023) Diante do exposto, rejeito a preliminar. ii. Do mérito Superadas as questões preliminares, passo à análise do mérito recursal. A controvérsia cinge-se à validade da cláusula contratual que responsabiliza a agência de viagens (recorrida) pelo estorno de valores decorrente de fraudes com cartão de crédito, bem como sobre quem deve suportar o prejuízo advindo do chargeback no caso concreto. Conforme já estabelecido na análise das preliminares, a relação entre as partes é de consumo, aplicando-se a teoria finalista mitigada, em razão da vulnerabilidade técnica da recorrida perante as empresas recorrentes, estas últimas que, indubitavelmente, figuram como fornecedoras de serviços na cadeia de consumo. O cerne da questão está na validade da cláusula 7.4 do contrato firmado entre a recorrida e a FLYTOUR, que atribui ao agente de viagens (recorrida) a responsabilidade pelo ônus financeiro decorrente da contestação da transação pelo titular do cartão de crédito (chargeback). A cláusula impugnada merece ser declarada nula por violação aos preceitos do Código de Defesa do Consumidor, notadamente o artigo 51, incisos IV e XV, que assim estabelecem: "Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: (...) IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade; ...) XV - estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor;" A cláusula contestada transfere integralmente ao apelado, parte hipossuficiente na relação jurídica, os riscos inerentes à operação de transação eletrônica com cartão de crédito, o que configura manifesto desequilíbrio contratual. Cumpre destacar que o sistema de venda de passagens aéreas denominado "FLYTOUR GAPNET" é disponibilizado pela recorrente FLYTOUR, sendo esta a responsável pela segurança e confiabilidade do sistema, inclusive quanto aos mecanismos de verificação da autenticidade e legitimidade das transações realizadas com cartão de crédito. A transferência integral do risco à agência de viagens revela-se abusiva, pois a recorrida não tem controle sobre os procedimentos de segurança do sistema de pagamento, que são gerenciados pela própria FLYTOUR. Trata-se de risco inerente à atividade desenvolvida pela recorrente, que não pode ser integralmente transferido ao consumidor vulnerável na relação jurídica, sob pena de violação ao equilíbrio contratual e à boa-fé objetiva que deve permear as relações negociais. A apelante, por ser gestora, é detentora de informações e do controle que não estão ao alcance da apelada, e elas viabilizam a detecção de eventuais operações fraudulentas, como por exemplo analisando o perfil de compras do titular do cartão, barrando eventual transação suspeita. Insta consignar ainda que não há nos autos nenhuma prova de existência de fraude por parte da apelada, portanto, o prejuízo deve ser suportado pela apelante. A responsabilidade pela segurança do sistema de pagamento é, em primeiro lugar, da administradora do sistema (FLYTOUR), que deve implementar mecanismos eficazes de prevenção a fraudes. No caso em exame, é incontroverso que a recorrida seguiu todos os procedimentos de segurança estabelecidos pela própria FLYTOUR, não podendo ser responsabilizada pela ineficiência do sistema em detectar fraudes com cartão de crédito. Ressalte-se que a fraude com cartão de crédito é risco inerente à atividade desenvolvida pelas recorrentes, configurando verdadeiro fortuito interno, que não é apto a afastar a responsabilidade do fornecedor. Nesse sentido: AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO CUMULADA COM RESTITUIÇÃO DE VALORES E INDENIZAÇÃO. Sentença de improcedência. Recurso da parte autora. Venda de passagens realizada pela parte autora tendo como meio de pagamento o sistema administrado pela ré. Operação impugnada pela titular do cartão de crédito. Ré que atribui a responsabilidade pelo prejuízo à autora, amparada em cláusula contratual ("Chargeback"- cancelamento da compra porque o titular do cartão não reconhece a operação). Abusividade constatada. Cláusula nula. Risco da atividade que deve ser arcado pela parte ré. Dano moral não evidenciado. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (TJ-SP - AC: 10440643220168260224 SP 1044064-32.2016.8.26.0224, Relator.: Benedito Antonio Okuno, Data de Julgamento: 17/03/2021, 23ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 18/03/2021) (destaquei) Apelação cível. Ação ordinária. Emissão de bilhetes aéreos não pagos. Chargeback. Relação de intermediação entre empresa consolidadora e agência de turismo. Responsabilidade da agência de turismo. Recurso não provido. (...)APELAÇÃO CÍVEL, Processo nº 7049065-57.2017.822.0001, Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, 1ª Câmara Cível, Relator (a) do Acórdão: Des. Rowilson Teixeira, Data de julgamento: 05/04/2023 (destaquei) O entendimento é reforçado pelo fato de que, no sistema de cartão de crédito, a administradora do cartão e os estabelecimentos comerciais credenciados assumem o risco das operações fraudulentas como decorrência da própria atividade econômica. Não seria razoável, portanto, transferir esse risco ao agente de viagens, que atua como mero intermediário na cadeia de consumo e não possui controle efetivo sobre os mecanismos de segurança do sistema de pagamento. É importante destacar que a responsabilidade pelo chargeback deve ser atribuída àquele que possui o efetivo controle dos mecanismos de verificação e segurança das transações com cartão de crédito. No caso em apreço, esse controle está nas mãos da FLYTOUR, que disponibiliza o sistema de vendas e estabelece os protocolos de segurança a serem observados. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que o risco de fraude com cartão de crédito deve ser suportado pelo fornecedor do serviço, e não pelo consumidor. Confira-se: Ao autorizar o lojista a efetuar a venda não presencial através de cartão de crédito, a rede operadora do meio de pagamento assumiu o risco inerente à sua atividade empresarial, justamente a de prestar serviços voltados a soluções transacionais por meio de rede, oferecidos aos estabelecimentos comerciais. Cabe à operadora do sistema de pagamento assumir o risco do chargeback, já que inerente à sua atividade empresarial. (TJ-MT - APELAÇÃO CÍVEL: 1004072-50.2022.8.11.0037, Relator.: NÃO INFORMADO, Data de Julgamento: 28/02/2024, Terceira Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 04/03/2024) (destaquei) Ademais, o sistema FLYTOUR GAPNET é apresentado à recorrida como um ambiente seguro para a realização de transações comerciais, sendo responsabilidade da FLYTOUR garantir que os mecanismos de segurança sejam eficazes para impedir fraudes. Ao transferir integralmente os riscos de sua própria atividade à parte vulnerável da relação, a recorrente viola o princípio da boa-fé objetiva que deve nortear as relações contratuais. No caso dos autos, restou demonstrado que a recorrida seguiu todos os procedimentos de segurança estabelecidos pela própria FLYTOUR para a realização das vendas, tendo sido informada posteriormente sobre a contestação do pagamento pelo titular do cartão de crédito. Nesse contexto, não se afigura razoável imputar à recorrida a responsabilidade pelo prejuízo decorrente da fraude, quando esta não detém o controle dos mecanismos de segurança do sistema de pagamento. Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO aos recursos de apelação interpostos por TAM LINHAS AÉREAS S.A. e FLYTOUR AGÊNCIA DE VIAGENS E TURISMO LTDA., mantendo integralmente a sentença recorrida por seus próprios fundamentos. Deixo de majorar os honorários advocatícios sucumbenciais vez que já foram estipulados em 20% sobre o valor da condenação, nos termos do artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 10/06/2025

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Processo nº 1044852-20.2022.8.11.0041

ID: 295592054

Tribunal: TJMT Órgão: Quinta Câmara de Direito Privado Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 1044852-20.2022.8.11.0041

Data de Disponibilização: 11/06/2025

Polo Ativo:

Polo Passivo:

ROLAND GRADINGER LTDA

Acórdão

Advogados:

MAURICIO MAGALHAES FARIA JUNIOR

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RAYSSA TOLEDO BALSTER DE CASTILHO

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

MAURICIO MAGALHAES FARIA NETO

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ANDREY ARANTES ABDALA AZEVEDO

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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1044852-20.2022.8.11.0041 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Prestação de Serviços, Efeitos] Relator: Des(a).… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1044852-20.2022.8.11.0041 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Prestação de Serviços, Efeitos] Relator: Des(a). LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO Turma Julgadora: [DES(A). LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO, DES(A). MARCOS REGENOLD FERNANDES, DES(A). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA] Parte(s): [ROLAND GRADINGER LTDA - CNPJ: 40.578.326/0001-15 (APELADO), MAURICIO MAGALHAES FARIA NETO - CPF: 031.410.811-40 (ADVOGADO), ANDREY ARANTES ABDALA AZEVEDO - CPF: 056.021.871-03 (ADVOGADO), MAURICIO MAGALHAES FARIA JUNIOR - CPF: 474.882.121-34 (ADVOGADO), RAYSSA TOLEDO BALSTER DE CASTILHO - CPF: 033.110.031-28 (ADVOGADO), GUSTAVO GOMES LOURENCO - CPF: 018.279.081-90 (ADVOGADO), ROLAND GRADINGER - CPF: 076.131.471-77 (APELADO), FLYTOUR AGENCIA DE VIAGENS E TURISMO LTDA. - CNPJ: 51.757.300/0001-50 (APELANTE), ERASMO HEITOR CABRAL - CPF: 659.386.316-53 (ADVOGADO), TAM LINHAS AEREAS S/A. - CNPJ: 02.012.862/0001-60 (APELANTE), LEONARDO SULZER PARADA - CPF: 704.909.961-91 (ADVOGADO), FABIO RIVELLI - CPF: 126.097.608-41 (ADVOGADO), DANIELLE CANDIDA DE MELO AMARAL - CPF: 076.497.236-74 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO. E M E N T A DIREITO CIVIL E CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO COM RESTITUIÇÃO DE QUANTIA PAGA. PASSAGENS AÉREAS. FRAUDE COM CARTÃO DE CRÉDITO CLONADO. CHARGEBACK. TEORIA FINALISTA MITIGADA. VULNERABILIDADE TÉCNICA. CLÁUSULA CONTRATUAL ABUSIVA. RISCO DA ATIVIDADE. RECURSO DESPROVIDO. I. Caso em exame 1. Apelações cíveis interpostas contra sentença que julgou procedente o pedido de ação anulatória de débito cumulada com restituição de quantia paga, movida por agência de viagens que atua na intermediação de compra de passagens aéreas e que, após efetuar venda seguindo os procedimentos de segurança exigidos, foi notificada de contestação de pagamento (chargeback) por fraude com cartão clonado, tendo que arcar com o prejuízo. II. Questão em discussão 2. Há quatro questões em discussão: (i) saber se é aplicável o Código de Defesa do Consumidor na relação estabelecida entre as partes; (ii) verificar a legitimidade passiva da companhia aérea para figurar no polo passivo da demanda; (iii) analisar a validade da cláusula contratual que transfere à agência de viagens o ônus financeiro decorrente de contestações de pagamento (chargeback); e (iv) determinar quem deve suportar o prejuízo advindo da fraude com cartão de crédito no caso concreto. III. Razões de decidir 3. Aplica-se a teoria finalista mitigada à relação jurídica estabelecida entre as partes, uma vez que, embora a parte autora seja pessoa jurídica, encontra-se em situação de vulnerabilidade técnica perante as recorrentes, especialmente considerando que não possui controle sobre os mecanismos de segurança do sistema de pagamento. 4. A companhia aérea é parte legítima para figurar no polo passivo da demanda, porquanto integra a cadeia de fornecedores, nos termos dos arts. 3º, 14 e 34 do Código de Defesa do Consumidor, que estabelecem a responsabilidade solidária dos fornecedores pelos danos causados aos consumidores. 5. É nula a cláusula contratual que transfere integralmente à agência de viagens os riscos inerentes à operação de transação eletrônica com cartão de crédito, por constituir disposição abusiva, nos termos do art. 51, IV e XV, do Código de Defesa do Consumidor, estabelecendo obrigação iníqua e colocando o consumidor em desvantagem exagerada. 6. A fraude com cartão de crédito constitui risco inerente à atividade desenvolvida pelas recorrentes, configurando fortuito interno, que não afasta a responsabilidade do fornecedor, especialmente considerando que a recorrente FLYTOUR é a administradora do sistema de vendas e responsável pelos mecanismos de segurança das transações. IV. Dispositivo e tese 7. Recursos de apelação desprovidos. Tese de julgamento: "1. É abusiva e nula a cláusula contratual que transfere integralmente à agência de viagens o ônus financeiro decorrente de contestação de pagamento (chargeback) por fraude com cartão de crédito, quando esta segue todos os procedimentos de segurança estabelecidos pela administradora do sistema. 2. O risco de fraude com cartão de crédito é inerente à atividade da administradora do sistema de pagamento, constituindo fortuito interno que não afasta sua responsabilidade." Dispositivos relevantes citados: CDC, arts. 3º, 14, 34, 51, IV e XV; CPC, art. 85, § 2º. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgInt no AREsp 728.797/RS, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, j. 22/05/2018; STJ, AgInt no AREsp 1856105/RJ, Rel. Min. não informado, Terceira Turma, j. 02/05/2022; TJ-MT, AC 10427176920218110041, Rel. Antonia Siqueira Gonçalves, j. 25/10/2023; TJ-SP, AC 10440643220168260224, Rel. Benedito Antonio Okuno, j. 17/03/2021. R E L A T Ó R I O EXMO. DES. LUIZ OCTÁVIO O. SABOIA RIBEIRO (RELATOR) Egrégia Câmara: Trata-se de dois recursos de apelação apresentados por TAM LINHAS AÉREAS S.A. e pela FLYTOUR AGÊNCIA DE VIAGENS E TURISMO LTDA. contra sentença proferida pelo Juízo da 5ª Vara Cível da Comarca de Cuiabá/MT no bojo da ação anulatória de débito cumulada com restituição de quantia paga ajuizada por ROLAND GRADINGER EIRELI, que julgou procedente os pedidos, nos seguintes termos (id. 177146775): Ante o exposto, e por tudo mais que nos autos consta, JULGO PROCEDENTE o pedido, com resolução de mérito, nos termos do artigo 487, I, do Código de Processo Civil, para: 1. DECLARAR a nulidade da cláusula nulidade absoluta da clausula 7.4. do contrato entabulado entre as partes; 2. DECLARAR inexigíveis os débitos descritos na inicial; 3. CONDENAR a requerida Flytour a restituir à requerente o valor de R$ 36.095,74 (trinta e seis mil e noventa e cinco reais e setenta e quatro centavos) acrescidos de correção monetária pelo IPCA (artigo 389 do Código Civil, com redação dada pela Lei nº 14.905/2024) a partir desta data e de juros pela taxa SELIC (artigo 406 do Código Civil, com redação dada pela Lei nº 14.905/2024) a contar da citação. A parte ré TAM LINHAS AÉREAS S.A. apresentou recurso de apelação (id. 183332903) alegando ilegitimidade passiva, por não ter relação jurídica com a autora e não ter participado das transações comerciais. Argumentou ainda pela inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor, uma vez que a autora não seria destinatária final do serviço de transporte aéreo. Por sua vez, a outra ré FLYTOUR AGÊNCIA DE VIAGENS E TURISMO LTDA. interpôs recurso de apelação (ID 184905409) alegando preliminarmente: a) Nulidade da sentença por cerceamento de defesa, em razão do indeferimento da produção de provas requeridas; b) Incompetência territorial, em razão da cláusula de eleição de foro no contrato; c) Inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor e da teoria finalista mitigada. No mérito, a FLYTOUR alegou que a responsabilidade pela fraude em cartão de crédito (chargeback) é da autora por não ter adotado os procedimentos de segurança necessários, bem como sustentou a validade da cláusula contratual que atribuía tal responsabilidade à autora. A recorrida apresentou contrarrazões (id. 186159833) rechaçando os argumentos das rés e pugnando pela manutenção da sentença. Recolhimento do preparo consta em id. 286162877 e id. 286162369. É o relatório. V O T O R E L A T O R EXMO. DES. LUIZ OCTÁVIO O. SABOIA RIBEIRO (RELATOR) Egrégia Câmara: Como relatado anteriormente, versam os autos acerca de dois recursos de apelação apresentados por TAM LINHAS AÉREAS S.A. e pela FLYTOUR AGÊNCIA DE VIAGENS E TURISMO LTDA. contra sentença proferida pelo Juízo da 5ª Vara Cível da Comarca de Cuiabá/MT, nos autos da ação anulatória de débito cumulada com restituição de valor pago, ajuizada por ROLAND GRADINGER EIRELI, que julgou procedentes os pedidos iniciais. O caso em comento discute venda de passagens aéreas realizada pela parte autora, tendo como meio de pagamento o sistema administrado pela ré FLYTOUR. A operação foi posteriormente impugnada pela titular do cartão de crédito, resultando em "chargeback" - cancelamento da compra porque o titular do cartão não reconheceu a operação. A recorrida, ROLAND GRADINGER EIRELI, alega ser agência de viagens e, dessa forma, atua como intermediária na compra de passagens aéreas com as companhias aéreas por meio do sistema "FLYTOUR GAPNET", oferecido pela recorrente Flytour Agência de Viagens e Turismo LTDA. A questão em discussão refere-se ao fato ocorrido em 13/07/2022, ocasião em que a recorrida adquiriu duas passagens aéreas com destino a Recife da Flytour Agência de Viagens e Turismo LTDA, voo este a ser realizado com a recorrente TAM Linhas Aéreas, no valor de R$ 3.599,20. Além disso, em 14/07/2022, foram adquiridas mais seis passagens aéreas em nome do mesmo cliente, seguindo todos os procedimentos de segurança e com pagamento por cartão de crédito. No entanto, em 25/07/2022, a recorrida foi informada que o pagamento das passagens foi contestado pelo titular do cartão de crédito, pois se referia a cartão clonado (chargeback por fraude), ocorrendo a cobrança dos valores pela Flytour. Diante disso, a recorrida efetuou o pagamento integral do valor de R$ 36.095,74, e agora busca a restituição desse montante, ao argumento de que a responsabilidade pela checagem dos documentos e do cartão de crédito utilizado é da Agência responsável pela venda dos bilhetes. Em suas razões recursais, as apelantes suscitam preliminares e, no mérito, sustentam a validade da cláusula contratual que responsabiliza a agência de viagens pelo estorno de valores decorrente de fraudes com cartão de crédito. i. Das preliminares Da inaplicabilidade do Código do Consumidor Alegam as recorrentes que no caso não se aplica o Código de Defesa do Consumidor, por ser a parte autora, ora apelada, pessoa jurídica. No presente caso, aplica-se a teoria finalista mitigada, pois, embora a autora seja pessoa jurídica, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é clara ao afirmar que "a teoria finalista deve ser mitigada nos casos em que a pessoa física ou jurídica, embora não se enquadre nas categorias de fornecedor ou destinatário final do produto, apresenta-se em estado de vulnerabilidade ou hipossuficiência técnica, autorizando a aplicação das normas" (AgInt no AREsp 728.797/RS, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 22/05/2018, DJe 28/05/2018). A apelada, como agência de turismo estabelecida há poucos anos, utiliza da apelante FLYTOUR para facilitar a venda de passagens aéreas aos seus clientes, e a aplicabilidade do CDC resta configurada diante da vulnerabilidade da recorrida/consumidora perante as apelantes. Dessa forma, verifica-se que a relação existente entre as partes é de consumo, enquadrando-se a recorrida no conceito de consumidora, ao passo que a recorrente é caracterizada como fornecedora do serviço de venda de bilhetes. O fato de a autora, ora recorrida, ser uma operadora turística e utilizar o Sistema de vendas de passagens com as medidas de segurança necessárias para o recebimento de valores oferecida pela ré e ora recorrente Flytour, em nada afasta a caracterização da relação de consumo, diante da vulnerabilidade ou hipossuficiência técnica. Na hipótese, a contratante, pessoa jurídica que desempenha as atividades de agência de viagens local, não goza de igualdade frente a uma Agência de Turismo de porte nacional, que lhe oferece serviços com a devida segurança técnica. Dessa forma, aplica-se a teoria finalista mitigada, segundo a qual haverá a incidência das normas do Código de Defesa do Consumidor quando, num dos polos da relação, houver pessoa física ou jurídica que, apesar de não ser a destinatária final, apresenta situação de vulnerabilidade, seja fática, técnica ou jurídica, frente ao fornecedor do produto ou serviço, conforme pacífica jurisprudência: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INVERSÃO. ÔNUS DA PROVA. REQUISITOS. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. PESSOA JURÍDICA. TEORIA FINALISTA. MITIGAÇÃO. VULNERABILIDADE. REEXAME DE PROVAS. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. O Superior Tribunal de Justiça firmou posicionamento no sentido de que a teoria finalista deve ser mitigada nos casos em que a pessoa física ou jurídica, embora não se enquadre nas categorias de fornecedor ou destinatário final do produto, apresenta-se em estado de vulnerabilidade ou hipossuficiência técnica, autorizando a aplicação das normas previstas no Código de Defesa do Consumidor. Precedentes. 3. Na hipótese, rever o entendimento do tribunal de origem, que, com base nas provas carreadas aos autos, concluiu pela caracterização da vulnerabilidade do adquirente e pelo preenchimento dos requisitos para inversão do ônus da prova, demandaria o reexame de fatos e provas, procedimento inviável em recurso especial, a teor do disposto na Súmula nº 7/STJ. 4. Agravo interno não provido. (STJ - AgInt no AREsp: 1856105 RJ 2021/0073793-9, Data de Julgamento: 02/05/2022, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 05/05/2022) (destaquei) Firmado no entendimento do Superior Tribunal de Justiça, rejeito a preliminar. Da ilegitimidade da TAM LINHAS AÉREAS A recorrente TAM Linhas Aéreas defende sua ilegitimidade passiva. Sobre as partes que compõem a relação de consumo, preceitua o art. 3º, do Código de Defesa do Consumidor, sobre a definição de fornecedor: Art. 3º Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. § 1º Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial. § 2º Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. Nos termos do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. Ainda, vale destacar que o Código de Defesa do Consumidor prevê expressamente em seu artigo 34 que o fornecedor do produto ou serviço é solidariamente responsável pelos atos praticados por seus prepostos ou representantes autônomos. Em resumo, o fornecedor responde pelos atos de seus representantes, mesmo que eles atuem de forma independente. Essa responsabilidade também é objetiva e decorre do simples fato de estar inserido no mercado tanto o produto quanto a prestação do serviço, que tem que se dar de forma adequada e sem vícios em suas qualidades, prestados pelos estabelecimentos e operadoras escolhidas pela agência, como previsto no artigo 14 do mesmo Código. A responsabilidade das empresas que agenciam viagens e das companhias aéreas decorre da venda de pacotes de turismo que incluem passagens, traslados, hospedagens, dentre outros serviços aos consumidores contratantes, por meio da qual faz o intermédio entre o consumidor final e a empresa aérea responsável pelo transporte, participando do lucro da venda dos bilhetes, circunstância que lhe impõe a responsabilidade pela falha do serviço intermediado. Dessa forma, não há que se falar em ausência de responsabilidade da companhia aérea, sendo parte legítima para figurar no polo passivo da demanda. À propósito, trago julgado desta Egrégia Corte de Justiça: APELAÇÕES CÍVEIS – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – PRELIMINARES – ILEGITIMIDADE PASSIVA DA AGÊNCIA DE VIAGEM E DA COMPANHIA AÉREA – REJEITADAS – CADEIA DE FORNECEDORES – RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA – MÉRITO – CANCELAMENTO E ALTERAÇÃO DO VOO – ALTO INDICE DE TRÁFEGO NA MALHA AEROVIÁRIA – FORTUITO INTERNO – VOO DE RETORNO COM ATRASO DE 27 (VINTE E SETE) HORAS PARA CHEGADA AO DESTINO FINAL – FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO EVIDENCIADO – DANO MORAL CONFIGURADO – MAJORAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO – SENTENÇA PARCIALMENTE RETIFICADA – RECURSO DOS AUTORES PROVIDO E DAS REQUERIDAS DESPROVIDOS. Havendo a arguição da ilegitimidade passiva pela empresa Azul Linhas Aéreas nesta fase recursal, não há que se falar em inovação recursal, vez que, em se tratando de matéria de ordem pública, pode ser alegada a qualquer momento. "A operadora de viagens e a agência de turismo respondem pelas falhas no planejamento, organização e execução dos serviços a que se obrigaram perante o consumidor que adquire pacote turístico. Tratando-se de relação de consumo, todos os membros da cadeia de fornecimento respondem solidariamente perante o consumidor". (N.U 1014847-49.2021.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, DIRCEU DOS SANTOS, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 13/07/2022, Publicado no DJE 20/07/2022). (destaquei) APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. ALEGAÇÃO DE ILEGITIMIDADE PASSIVA DA RÉ. APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR (CDC). RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. RECONHECIMENTO DA LEGITIMIDADE PASSIVA DA BANDEIRA DO CARTÃO. PRELIMINAR AFASTADA. PROCEDIMENTO DE CHARGEBACK. RESPONSABILIDADE OBJETIVA PELO RISCO DA ATIVIDADE. DANO MATERIAL COMPROVADO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. (TJ-PR 00255812720228160001 Curitiba, Relator.: substituta jaqueline allievi, Data de Julgamento: 25/10/2024, 13ª Câmara Cível, Data de Publicação: 25/10/2024) Dessa forma, deixo de acolher a preliminar de ilegitimidade passiva da empresa aérea. Da nulidade da sentença por cerceamento de defesa A recorrente FLYTOUR AGÊNCIA DE VIAGENS E TURISMO LTDA. defende a ocorrência de cerceamento de defesa ao argumento que pugnou pela produção de provas, como o depoimento pessoal do representante legal da recorrida e da empresa aérea, assim como produção de prova testemunhal, documental e pericial a fim de verificar a autenticidade das assinaturas constantes dos documentos juntados pelo demandante/recorrido. No caso, fica afastada a tese de cerceamento de defesa apresentada pela recorrente, tendo em vista que o deslinde do caso concreto tangencia a análise de prova eminentemente documental. A recorrente pretende demonstrar por prova oral e pericial o funcionamento do seu sistema de venda e ocorrência de fraude, com o objetivo de demonstrar que a situação ocorreu por culpa de terceiro. Todavia, a análise do pagamento é feita pelo sistema de segurança da apelante que recebeu o pagamento por meio de cartão de crédito clonado. À propósito: RECURSO INOMINADO. OBRIGAÇÃO DE FAZER. DANOS MATERIAL E MORAL. TRANSPORTE AÉREO. CANCELAMENTO DE BILHETES AÉREOS. LEGITIMIDADE PARA O PROCESSO DA COMPANHIA AÉREA E DA AGÊNCIA DE VIAGENS QUE INTERMEDIOU A AQUISIÇÃO DAS PASSAGENS (123 MILHAS). LEGITIMIDADE DA COMPANHIA AÉREA. RESPONSÁVEL PELO CANCELAMENTO. JULGAMENTO ANTECIPADO DO FEITO. INDEFERIMENTO DE PROVA ORAL. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO DEMONSTRADO. PROVA DOCUMENTAL SUFICIENTE. SUPOSTO CANCELAMENTO DOS BILHETES AÉREOS PELO TITULAR DAS MILHAS. AUSÊNCIA DE PROVAS. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. REEMBOLSO DO VALOR DAS PASSAGENS DEVIDO. DANO MORAL CARACTERIZADO. CARÁTER INSTRUMENTAL DA MULTA PREVISTA NO ART. 537 DO CPC. VALOR ARBITRADO EM QUANTIA ADEQUADA E COMPATÍVEL COM A OBRIGAÇÃO. AUSÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS PARA SUA EXCLUSÃO OU REDUÇÃO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. Característica do processo diferenciado dos Juizados Especiais, a confirmação da sentença pelos próprios fundamentos remete ao articulado da sentença de primeira instância. (TJ-PR 00030087120238160126 Palotina, Relator.: Helder Luis Henrique Taguchi, Data de Julgamento: 26/07/2024, 2ª Turma Recursal, Data de Publicação: 27/07/2024) Assim, cumpre rejeitar a preliminar de nulidade por cerceamento de defesa arguida pela Flytour, pois as provas pretendidas eram manifestamente protelatórias e impertinentes para o deslinde da causa, conforme bem fundamentado na sentença. O juiz é o destinatário das provas e detém o poder de indeferir aquelas que considerar desnecessárias, inadmissíveis ou meramente protelatórias, sem que isso configure cerceamento de defesa. Da incompetência territorial em razão da cláusula de eleição de foro no contrato Afirma a apelante FLYTOUR AGÊNCIA DE VIAGENS E TURISMO LTDA. que a cláusula de eleição de foro constante no contrato de prestação de serviços deve ser observada. Do contrato de credenciamento firmado entre as partes em 22/10/2021, se extrai a eleição do foro da Comarca de São Paulo/SP para a resolução de eventuais controvérsias oriundas do referido contrato. Nesse ponto, imperativo destacar que o pacto se deu por adesão, o que significa que as cláusulas foram previamente estipuladas, sem possibilidade de negociação pelo contratante. Todavia, a sentença recorrida deixou de acolher a preliminar suscitada pelo requerido, ora apelante, de incompetência territorial do Juízo da Comarca de Cuiabá/MT, agindo com acerto o Magistrado. Neste contexto, prevê o Código de Defesa do Consumidor acerca da competência territorial: Art. 101. Na ação de responsabilidade civil do fornecedor de produtos e serviços, sem prejuízo do disposto nos Capítulos I e II deste título, serão observadas as seguintes normas: I - a ação pode ser proposta no domicílio do autor; Do contrato social acostado pela autora/apelada aos autos originários, observa-se que sua sede está localizada no Município de Cuiabá/MT, ou seja, localidade diversa daquela pactuada entre as partes. Assim, configurando-se a hipótese de contrato de adesão e sendo aplicável o CDC, conforme acima fundamentado, é nula a cláusula de eleição de foro, em vista da excessiva onerosidade ao consumidor. Nesse sentido: AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA POR DANOS MATERIAIS. CONTRATO DE ADESÃO PARA CREDENCIAMENTO AO SISTEMA DE MEIOS DE PAGAMENTO CIELO. DECISÃO QUE ACOLHEU A PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA RELATIVA. IRRESIGNAÇÃO DA PARTE AUTORA. PLEITO DE APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIR E DECLARAÇÃO DE NULIDADE DA CLÁUSULA DE ELEIÇÃO DE FORO. ACOLHIMENTO. AGRAVANTE QUE SE ENQUADRA NA QUALIDADE DE CONSUMIDORA, NOS TERMOS DA TEORIA FINALISTA MITIGADA. PRECEDENTES DO STJ. VULNERABILIDADE DA EMPRESA EM RAZÃO DE POSSUIR RAMO DE ATIVIDADE DIVERSO DAQUELE DA OPERADORA DE CARTÕES DE CRÉDITO E DÉBITO. CONTRATO DE ADESÃO. CLÁUSULA DE ELEIÇÃO DE FORO QUE ESTABELECE LOCALIDADE DIVERSA E DISTANTE DA SEDE DA AGRAVADA, EM DESCOMPASSO COM O ART. 101 DO CDC. ONEROSIDADE EXCESSIVA À CONSUMIDORA. RECONHECIMENTO DA NULIDADE DA CLAÚSULA DE ELEIÇÃO DE FORO. PRECEDENTES DESTA CÂMARA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (TJPR - 10ª Câmara Cível - 0031440-27.2022.8.16.0000 - Foz do Iguaçu - Rel.: JUIZ DE DIREITO SUBSTITUTO EM SEGUNDO GRAU ALEXANDRE KOZECHEN - J. 30.01.2023) Diante do exposto, rejeito a preliminar. ii. Do mérito Superadas as questões preliminares, passo à análise do mérito recursal. A controvérsia cinge-se à validade da cláusula contratual que responsabiliza a agência de viagens (recorrida) pelo estorno de valores decorrente de fraudes com cartão de crédito, bem como sobre quem deve suportar o prejuízo advindo do chargeback no caso concreto. Conforme já estabelecido na análise das preliminares, a relação entre as partes é de consumo, aplicando-se a teoria finalista mitigada, em razão da vulnerabilidade técnica da recorrida perante as empresas recorrentes, estas últimas que, indubitavelmente, figuram como fornecedoras de serviços na cadeia de consumo. O cerne da questão está na validade da cláusula 7.4 do contrato firmado entre a recorrida e a FLYTOUR, que atribui ao agente de viagens (recorrida) a responsabilidade pelo ônus financeiro decorrente da contestação da transação pelo titular do cartão de crédito (chargeback). A cláusula impugnada merece ser declarada nula por violação aos preceitos do Código de Defesa do Consumidor, notadamente o artigo 51, incisos IV e XV, que assim estabelecem: "Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: (...) IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade; ...) XV - estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor;" A cláusula contestada transfere integralmente ao apelado, parte hipossuficiente na relação jurídica, os riscos inerentes à operação de transação eletrônica com cartão de crédito, o que configura manifesto desequilíbrio contratual. Cumpre destacar que o sistema de venda de passagens aéreas denominado "FLYTOUR GAPNET" é disponibilizado pela recorrente FLYTOUR, sendo esta a responsável pela segurança e confiabilidade do sistema, inclusive quanto aos mecanismos de verificação da autenticidade e legitimidade das transações realizadas com cartão de crédito. A transferência integral do risco à agência de viagens revela-se abusiva, pois a recorrida não tem controle sobre os procedimentos de segurança do sistema de pagamento, que são gerenciados pela própria FLYTOUR. Trata-se de risco inerente à atividade desenvolvida pela recorrente, que não pode ser integralmente transferido ao consumidor vulnerável na relação jurídica, sob pena de violação ao equilíbrio contratual e à boa-fé objetiva que deve permear as relações negociais. A apelante, por ser gestora, é detentora de informações e do controle que não estão ao alcance da apelada, e elas viabilizam a detecção de eventuais operações fraudulentas, como por exemplo analisando o perfil de compras do titular do cartão, barrando eventual transação suspeita. Insta consignar ainda que não há nos autos nenhuma prova de existência de fraude por parte da apelada, portanto, o prejuízo deve ser suportado pela apelante. A responsabilidade pela segurança do sistema de pagamento é, em primeiro lugar, da administradora do sistema (FLYTOUR), que deve implementar mecanismos eficazes de prevenção a fraudes. No caso em exame, é incontroverso que a recorrida seguiu todos os procedimentos de segurança estabelecidos pela própria FLYTOUR, não podendo ser responsabilizada pela ineficiência do sistema em detectar fraudes com cartão de crédito. Ressalte-se que a fraude com cartão de crédito é risco inerente à atividade desenvolvida pelas recorrentes, configurando verdadeiro fortuito interno, que não é apto a afastar a responsabilidade do fornecedor. Nesse sentido: AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO CUMULADA COM RESTITUIÇÃO DE VALORES E INDENIZAÇÃO. Sentença de improcedência. Recurso da parte autora. Venda de passagens realizada pela parte autora tendo como meio de pagamento o sistema administrado pela ré. Operação impugnada pela titular do cartão de crédito. Ré que atribui a responsabilidade pelo prejuízo à autora, amparada em cláusula contratual ("Chargeback"- cancelamento da compra porque o titular do cartão não reconhece a operação). Abusividade constatada. Cláusula nula. Risco da atividade que deve ser arcado pela parte ré. Dano moral não evidenciado. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (TJ-SP - AC: 10440643220168260224 SP 1044064-32.2016.8.26.0224, Relator.: Benedito Antonio Okuno, Data de Julgamento: 17/03/2021, 23ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 18/03/2021) (destaquei) Apelação cível. Ação ordinária. Emissão de bilhetes aéreos não pagos. Chargeback. Relação de intermediação entre empresa consolidadora e agência de turismo. Responsabilidade da agência de turismo. Recurso não provido. (...)APELAÇÃO CÍVEL, Processo nº 7049065-57.2017.822.0001, Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, 1ª Câmara Cível, Relator (a) do Acórdão: Des. Rowilson Teixeira, Data de julgamento: 05/04/2023 (destaquei) O entendimento é reforçado pelo fato de que, no sistema de cartão de crédito, a administradora do cartão e os estabelecimentos comerciais credenciados assumem o risco das operações fraudulentas como decorrência da própria atividade econômica. Não seria razoável, portanto, transferir esse risco ao agente de viagens, que atua como mero intermediário na cadeia de consumo e não possui controle efetivo sobre os mecanismos de segurança do sistema de pagamento. É importante destacar que a responsabilidade pelo chargeback deve ser atribuída àquele que possui o efetivo controle dos mecanismos de verificação e segurança das transações com cartão de crédito. No caso em apreço, esse controle está nas mãos da FLYTOUR, que disponibiliza o sistema de vendas e estabelece os protocolos de segurança a serem observados. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que o risco de fraude com cartão de crédito deve ser suportado pelo fornecedor do serviço, e não pelo consumidor. Confira-se: Ao autorizar o lojista a efetuar a venda não presencial através de cartão de crédito, a rede operadora do meio de pagamento assumiu o risco inerente à sua atividade empresarial, justamente a de prestar serviços voltados a soluções transacionais por meio de rede, oferecidos aos estabelecimentos comerciais. Cabe à operadora do sistema de pagamento assumir o risco do chargeback, já que inerente à sua atividade empresarial. (TJ-MT - APELAÇÃO CÍVEL: 1004072-50.2022.8.11.0037, Relator.: NÃO INFORMADO, Data de Julgamento: 28/02/2024, Terceira Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 04/03/2024) (destaquei) Ademais, o sistema FLYTOUR GAPNET é apresentado à recorrida como um ambiente seguro para a realização de transações comerciais, sendo responsabilidade da FLYTOUR garantir que os mecanismos de segurança sejam eficazes para impedir fraudes. Ao transferir integralmente os riscos de sua própria atividade à parte vulnerável da relação, a recorrente viola o princípio da boa-fé objetiva que deve nortear as relações contratuais. No caso dos autos, restou demonstrado que a recorrida seguiu todos os procedimentos de segurança estabelecidos pela própria FLYTOUR para a realização das vendas, tendo sido informada posteriormente sobre a contestação do pagamento pelo titular do cartão de crédito. Nesse contexto, não se afigura razoável imputar à recorrida a responsabilidade pelo prejuízo decorrente da fraude, quando esta não detém o controle dos mecanismos de segurança do sistema de pagamento. Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO aos recursos de apelação interpostos por TAM LINHAS AÉREAS S.A. e FLYTOUR AGÊNCIA DE VIAGENS E TURISMO LTDA., mantendo integralmente a sentença recorrida por seus próprios fundamentos. Deixo de majorar os honorários advocatícios sucumbenciais vez que já foram estipulados em 20% sobre o valor da condenação, nos termos do artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 10/06/2025

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