Processo nº 5037901-97.2025.8.24.0000
ID: 309454723
Tribunal: TJSC
Órgão: 5ª Câmara de Direito Público
Classe: MANDADO DE SEGURANçA CíVEL
Nº Processo: 5037901-97.2025.8.24.0000
Data de Disponibilização:
27/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
JOSE SERGIO DA SILVA CRISTOVAM
OAB/SC XXXXXX
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Mandado de Segurança Cível Nº 5037901-97.2025.8.24.0000/SC
IMPETRANTE
: FERNANDA OENNING DELLA GIUSTINA
ADVOGADO(A)
: JOSE SERGIO DA SILVA CRISTOVAM (OAB SC016298)
DESPACHO/DECISÃO
Trata-se de
manda…
Mandado de Segurança Cível Nº 5037901-97.2025.8.24.0000/SC
IMPETRANTE
: FERNANDA OENNING DELLA GIUSTINA
ADVOGADO(A)
: JOSE SERGIO DA SILVA CRISTOVAM (OAB SC016298)
DESPACHO/DECISÃO
Trata-se de
mandado de segurança
com pedido de liminar impetrado por
FERNANDA OENNING DELLA GIUSTINA
contra ato praticado pelo
DIRETOR DE GESTÃO DE PESSOAS DA SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCAÇÃO
e pelo
SECRETÁRIO DE ESTADO DA EDUCAÇÃO
, consistente na exclusão da impetrante do processo seletivo regido pelo Edital n. 2362/2023.
1.
ATO COATOR E PEDIDO DE LIMINAR
O Estado de Santa Catarina realizou processo seletivo para "
Admissão de Professores em Caráter Temporário, para atuação na educação básica: nos níveis de Ensino Fundamental e Ensino Médio, nas modalidades de Educação de Jovens e Adultos, Educação Especial, Educação Escolar Quilombola, Educação em Espaços de Privação de Liberdade (Unidades Prisionais, Unidades Socioeducativas e Centros Terapêuticos), Casa familiar Rural, Programas/Projetos, no Ensino Regular da Rede Pública Estadual e, também, para atuação na Educação Profissional, nas formas Integrado, Subsequente e Concomitante, para os anos letivos de 2024 e 2025
"
[Edital n. 2362/2023].
Alega a parte impetrante que participou do referido certame e, na etapa de habilitação, apresentou a documentação comprobatória de formação acadêmica em Pedagogia, a qual foi recusada pela Administração Pública, que a considerou inabilitada, ao argumento de que "o
s programas especiais de formação pedagógica de docentes, previstos na Resolução CNE/CP n. 2/1997, e os cursos de formação pedagógica para os graduados não licenciados, regulamentados pelas Resoluções CNE/CP n. 2/2015, não se destinam à formação de pedagogos, mas a formação de professores para as disciplinas que integram as quatro séries finais do ensino fundamental, o ensino médio e a educação profissional em nível médio
".
Considerando injusta a inabilitação, requer a impetrante a concessão de medida liminar para que as autoridades impetradas a considerem apta à admissão.
2.
ANÁLISE DO PLEITO FORMULADO
2.1.
DIVERGÊNCIA DE ENTENDIMENTO SOBRE A QUESTÃO NESTA CORTE DE JUSTIÇA
Um estudo mais aprofundado sobre a questão jurídica apresentada revela que os critérios de habilitação adotados pela Administração Pública têm sido objeto de questionamento, tanto no concurso público para provimento de vagas no cargo de professor da rede estadual de ensino [Edital n. 1739/SED/2024], quanto nos processos seletivos para contratação temporária com a mesma finalidade [Edital n. 2362/2023, caso dos autos].
Esse cenário tem levado diversos candidatos a recorrerem ao Poder Judiciário, conforme demonstram precedentes desta Quinta Câmara [processos n. 5024421-52.2025.8.24.0000, 5014957-04.2025.8.24.0000, 5027314-16.2025.8.24.0000 e 5014026-98.2025.8.24.0000 — todos de minha relatoria —; e processo n. 5014952-79.2025.8.24.0000, de relatoria do Exmo. Des. Hélio do Valle Pereira].
Em análise sumária dos mandados de segurança impetrados neste Tribunal, constatou-se que a divergência, em princípio, teria como fator desencadeador as Resoluções CNE/CEB n. 02/1997, CNE/CEB n. 06/2019 e CNE/CP n. 4/2024, que, ao estabelecerem diferentes critérios para a Formação Pedagógica para Graduados não Licenciados, teriam causado insegurança jurídica acerca dos critérios de habilitação em concursos públicos da área da educação.
Também em cognição sumária, outros magistrados deste Tribunal abordaram a questão sob distintos pontos de vista.
A
primeira corrente interpretativa
compreende que os Programas Especiais de Formação Pedagógica para Docentes, instituídos pela Resolução CNE/CP n. 2/1997, bem como os cursos de Formação Pedagógica para Graduados não Licenciados, disciplinados pela Resolução CNE/CP n. 2/2015, não têm como objetivo a formação de pedagogos. Como consequência, os candidatos com as referidas formações não teriam direito de concorrer a cargos que exigem formação pedagógica específica [bacharelado ou licenciatura].
Cita-se, como exemplo, decisão monocrática proferida pelo Exmo. Des. Jairo Fernandes Gonçalves, integrante da 1ª Câmara de Direito Público, nos autos de n. 5031746-78.2025.8.24.0000.
Já a
segunda corrente interpretativa
entende que a Formação Pedagógica para Graduados não Licenciados concluída anteriormente à vigência da Resolução CNE/CEB n. 6/2019 [21.07.2022] confere aos candidatos a habilitação necessária para concorrerem às vagas destinadas a pedagogos, consoante decisão monocrática proferida pelo Exmo. Des. João Henrique Blasi, integrante da 2ª Câmara de Direito Público, nos autos de n. 5025630-56.2025.8.24.0000.
No âmbito deste órgão fracionário, foram concedidas as liminares requeridas pelos impetrantes, adotando-se entendimento alinhado à segunda corrente interpretativa, conforme se infere das decisões monocráticas proferidas nos autos de n. 5014026-98.2025.8.24.0000, de minha relatoria, e de n. 5014952-79.2025.8.24.0000, de relatoria do Exmo. Des. Hélio do Valle Pereira.
Diante do panorama jurisprudencial deste Tribunal acerca do tema, verifica-se que o debate sobre a questão central ainda carece de aprofundamento e consolidação, especialmente diante da intrincada natureza da matéria, que demanda conhecimento específico no campo administrativo da educação.
A solução para a controvérsia, contudo, apresenta-se menos complexa do que o cenário inicialmente sugere: basta atentar para o fato de que as normas vigentes, não obstante as alterações operadas ao longo do tempo, sempre estabeleceram diretrizes precisas quanto à Formação Pedagógica para Graduados não Licenciados, sem que isso configurasse, em nenhuma hipótese, dúvida razoável quanto aos requisitos para obtenção do título de pedagogo.
2.2.
CRITÉRIOS PARA A CARACTERIZAÇÃO DE FORMAÇÃO PEDAGÓGICA - ANÁLISE DAS NORMAS DE REGÊNCIA
Em pesquisa às normas que regulamentam a formação pedagógica de docentes, verifica-se que houve modificações, ao longo dos anos, nas Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Pedagogia, na modalidade de licenciatura, bem como na formação pedagógica complementar destinada a graduados não licenciados.
A
Resolução CNE/CP n. 2, de junho de 1997
, que dispõe sobre os Programas Especiais de Formação Pedagógica de Docentes para as disciplinas do currículo do Ensino Fundamental, do Ensino Médio e da Educação Profissional de Nível Médio,
estabelecia que tais programas tinham por finalidade suprir a carência de professores nas escolas, destinando-se à formação de docentes para atuação nas quatro séries finais do Ensino Fundamental, no Ensino Médio e na Educação Profissional de Nível Médio
[art. 1º,
caput
e parágrafo único]. Por essa razão, o programa especial era voltado a portadores de diploma de nível superior em cursos relacionados à habilitação pretendida [art. 2º]. A carga horária dos programas especiais era de 540 horas, sendo a duração mínima da parte teórica e prática de 300 horas [art. 4º].
Além disso, o concluinte do programa especial — cursos com carga horária de 540 horas, destinados a portadores de diploma de ensino superior — faria jus a certificado e registro profissional equivalentes à licenciatura plena [art. 10].
Essa certificação, contudo,
nunca equivaleu à licenciatura plena em pedagogia
. O art. 10 da Resolução não deve ser lido isoladamente, mas sim em conjunto com o art. 2º, que é claro ao delimitar a habilitação conferida pelo programa especial: conceder aos portadores de diploma de nível superior,
em cursos relacionados à habilitação pretendida
, a habilitação necessária para a docência dentro da sua área de conhecimento originária [curso de graduação concluído anteriormente].
Com regra superveniente, a
Resolução CNE/CP n. 1, de 15 de maio de 2006
, ao dispor sobre a carga horária exigida para os cursos de formação de licenciados em Pedagogia, alterou a norma anterior e consolidou as Diretrizes Curriculares Nacionais, estabelecendo:
Art. 2º
As Diretrizes Curriculares para o curso de Pedagogia aplicam-se à formação inicial para o exercício da docência na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental
, nos cursos de Ensino Médio, na modalidade Normal, e em cursos de Educação Profissional na área de serviços e apoio escolar, bem como em outras áreas nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos.
[...]
Art. 6º A estrutura do curso de Pedagogia, respeitadas a diversidade nacional e a autonomia pedagógica das instituições, constituir-se-á de:
I - um núcleo de estudos básicos que, sem perder de vista a diversidade e a multiculturalidade da sociedade brasileira, por meio do estudo acurado da literatura pertinente e de realidades educacionais, assim como por meio de reflexão e ações críticas, articulará:
a) aplicação de princípios, concepções e critérios oriundos de diferentes áreas do conhecimento, com pertinência ao campo da Pedagogia, que contribuam para o desenvolvimento das pessoas, das organizações e da sociedade;
b) aplicação de princípios da gestão democrática em espaços escolares e não-escolares;
c) observação, análise, planejamento, implementação e avaliação de processos educativos e de experiências educacionais, em ambientes escolares e não-escolares;
d) utilização de conhecimento multidimensional sobre o ser humano, em situações de aprendizagem;
e) aplicação, em práticas educativas, de conhecimentos de processos de desenvolvimento de crianças, adolescentes, jovens e adultos, nas dimensões física, cognitiva, afetiva, estética, cultural, lúdica, artística, ética e biossocial;
f) realização de diagnóstico sobre necessidades e aspirações dos diferentes segmentos da sociedade, relativamente à educação, sendo capaz de identificar diferentes forças e interesses, de captar contradições e de considerá-lo nos planos pedagógico e de ensinoaprendizagem, no planejamento e na realização de atividades educativas;
g) planejamento, execução e avaliação de experiências que considerem o contexto histórico e sociocultural do sistema educacional brasileiro, particularmente, no que diz respeito à Educação Infantil, aos anos iniciais do Ensino Fundamental e à formação de professores e de profissionais na área de serviço e apoio escolar;
h) estudo da Didática, de teorias e metodologias pedagógicas, de processos de organização do trabalho docente;
i) decodificação e utilização de códigos de diferentes linguagens utilizadas por crianças, além do trabalho didático com conteúdos, pertinentes aos primeiros anos de escolarização, relativos à Língua Portuguesa, Matemática, Ciências, História e Geografia, Artes, Educação Física;
j) estudo das relações entre educação e trabalho, diversidade cultural, cidadania, sustentabilidade, entre outras problemáticas centrais da sociedade contemporânea;
No que diz respeito à carga horária e aos projetos de integralização da grade curricular do licenciado, a norma dispõe:
Art. 7º O curso de Licenciatura em Pedagogia terá a carga horária mínima de
3.200 horas de efetivo trabalho acadêmico
, assim distribuídas:
I - 2.800 horas dedicadas às atividades formativas como assistência a aulas, realização de seminários, participação na realização de pesquisas, consultas a bibliotecas e centros de documentação, visitas a instituições educacionais e culturais, atividades práticas de diferente natureza, participação em grupos cooperativos de estudos;
II - 300 horas dedicadas ao Estágio Supervisionado prioritariamente em Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, contemplando também outras áreas específicas, se for o caso, conforme o projeto pedagógico da instituição;
III - 100 horas de atividades teórico-práticas de aprofundamento em áreas específicas de interesse dos alunos, por meio, da iniciação científica, da extensão e da monitoria.
Art. 8º Nos termos do projeto pedagógico da instituição, a integralização de estudos será efetivada por meio de:
I - disciplinas, seminários e atividades de natureza predominantemente teórica que farão a introdução e o aprofundamento de estudos, entre outros, sobre teorias educacionais, situando processos de aprender e ensinar historicamente e em diferentes realidades socioculturais e institucionais que proporcionem fundamentos para a prática pedagógica, a orientação e apoio a estudantes, gestão e avaliação de projetos educacionais, de instituições e de políticas públicas de Educação;
II - práticas de docência e gestão educacional que ensejem aos licenciandos a observação e acompanhamento, a participação no planejamento, na execução e na avaliação de aprendizagens, do ensino ou de projetos pedagógicos, tanto em escolas como em outros ambientes educativos;
III - atividades complementares envolvendo o planejamento e o desenvolvimento progressivo do Trabalho de Curso, atividades de monitoria, de iniciação científica e de extensão, diretamente orientadas por membro do corpo docente da instituição de educação superior decorrentes ou articuladas às disciplinas, áreas de conhecimentos, seminários, eventos científico-culturais, estudos curriculares, de modo a propiciar vivências em algumas modalidades e experiências, entre outras, e opcionalmente, a educação de pessoas com necessidades especiais, a educação do campo, a educação indígena, a educação em remanescentes de quilombos, em organizações não-governamentais, escolares e não-escolares públicas e privadas;
IV - estágio curricular a ser realizado, ao longo do curso, de modo a assegurar aos graduandos experiência de exercício profissional, em ambientes escolares e não-escolares que ampliem e fortaleçam atitudes éticas, conhecimentos e competências: a) na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, prioritariamente; b) nas disciplinas pedagógicas dos cursos de Ensino Médio, na modalidade Normal; c) na Educação Profissional na área de serviços e de apoio escolar; d) na Educação de Jovens e Adultos; e) na participação em atividades da gestão de processos educativos, no planejamento, implementação, coordenação, acompanhamento e avaliação de atividades e projetos educativos;
f) em reuniões de formação pedagógica.
Note-se que as atividades acadêmicas, divididas nas 3.200 horas de efetivo trabalho acadêmico, são compostas por práticas que vão além das aulas teóricas, tais como atividades de monitoria, iniciação científica, extensão, seminários, eventos científicos, entre outras, bem como por estágio curricular obrigatório, realizado com o intuito de proporcionar aos graduandos experiência profissional em ambientes escolares.
Além disso, a nova Resolução deixou de prever, por parte das Instituições de Ensino, a oferta da Formação Pedagógica para Portadores de Diploma de Ensino Superior em Caráter Especial, estabelecendo apenas os critérios voltados à formação pedagógica em regime regular. Determinou, ainda, que as habilitações existentes, previstas pela Resolução n. 2, de 1997, entrariam em regime de extinção após a publicação da Resolução n. 1, de 2006 [art. 10].
Posteriormente, a
Resolução CNE/CP n. 2, de 1º de julho de 2015
, promoveu alteração substancial no texto, incluindo, nas Diretrizes Curriculares dos cursos voltados à formação pedagógica, a
possibilidade de Formação para Graduados não Licenciados
, ou seja, para aqueles que possuíam formação de base diversa da área pedagógica, voltando a prescrever a possibilidade de formação complementar em Pedagogia para portadores de diploma de graduação em área diversa.
O texto passou a prever, então, que a formação para profissionais do magistério, em nível superior, compreendia os cursos de graduação em licenciatura,
os cursos de Formação Pedagógica para Graduados não Licenciados
e os ursos de Segunda Licenciatura [art. 9º].
No que diz respeito ao curso de Formação Pedagógica para Graduados não Licenciados, a Resolução estabeleceu:
Art. 14. Os cursos de Formação Pedagógica para Graduados não Licenciados, de caráter emergencial e provisório, ofertados a portadores de diplomas de curso superior formados em cursos relacionados à habilitação pretendida com sólida base de conhecimentos na área estudada,
devem ter carga horária mínima variável de 1.000 (mil) a 1.400 (mil e quatrocentas) horas de efetivo trabalho acadêmico
, dependendo da equivalência entre o curso de o'rigem e a formação pedagógica pretendida. § 1º A definição da carga horária deve respeitar os seguintes princípios:
I - quando o curso de formação pedagógica pertencer à mesma área do curso de origem, a carga horária deverá ter, no mínimo, 1.000 (mil) horas;
II - quando o curso de formação pedagógica pertencer a uma área diferente da do curso de origem, a carga horária deverá ter, no mínimo, 1.400 (mil e quatrocentas) horas;
III - a carga horária do estágio curricular supervisionado é de 300 (trezentas) horas; IV - deverá haver 500 (quinhentas) horas dedicadas às atividades formativas referentes ao inciso I deste parágrafo, estruturadas pelos núcleos definidos nos incisos I e II do artigo 12 desta Resolução, conforme o projeto de curso da instituição;
V - deverá haver 900 (novecentas) horas dedicadas às atividades formativas referentes ao inciso II deste parágrafo, estruturadas pelos núcleos definidos nos incisos I e II do artigo 12 desta Resolução, conforme o projeto de curso da instituição;
VI - deverá haver 200 (duzentas) horas de atividades teórico-práticas de aprofundamento em áreas específicas de interesse dos alunos, conforme núcleo definido no inciso III do artigo 12, consoante o projeto de curso da instituição;
Assim, além da graduação destinada à formação de licenciados em Pedagogia, o Conselho Nacional de Educação, ao fixar as Diretrizes Curriculares Nacionais, também autorizou, por meio da Resolução n. 2/2015, que as instituições de ensino superior ofertassem cursos de Formação Pedagógica para Graduados não Licenciados, de caráter emergencial e provisório,
destinados a portadores de diplomas de curso superior em áreas relacionadas à respectiva habilitação
.
No que diz respeito à
Resolução CNE/CP n. 2, de 20 de dezembro de 2019
, esta passou a prever que a habilitação para o magistério de graduados não licenciados se daria por meio de curso de Formação Pedagógica, o qual deveria possuir carga horária mínima de 760 horas, sendo 360 horas destinadas ao desenvolvimento de competências profissionais e 400 horas voltadas à prática pedagógica na área ou no componente curricular correspondente [art. 21, incisos I e II].
Aqui reside um ponto nevrálgico da questão: não obstante alguns impetrantes afirmem haver uma lacuna no período de vigência da Resolução CNE/CP n. 2/2015, que não teria previsto expressamente que a formação de graduados não licenciados se limitava ao exercício do magistério nos anos finais do Ensino Fundamental, do Ensino Médio e do Ensino Técnico,
o art. 14 da referida Resolução é mais do que claro ao vincular a formação pedagógica alcançável por meio do programa de caráter emergencial à formação base do profissional docente
:
Art. 14. Os cursos de Formação Pedagógica para Graduados não Licenciados, de caráter emergencial e provisório, ofertados a
portadores de diplomas de curso superior
formados em
cursos relacionados à habilitação pretendida
com sólida base de conhecimentos na área estudada, devem ter carga horária mínima variável de 1.000 (mil) a 1.400 (mil e quatrocentas) horas de efetivo trabalho acadêmico, dependendo da
equivalência entre o curso de origem e a formação pedagógica pretendida
.
De todo modo, a fim de dirimir possíveis controvérsias, a Nota Técnica emitida pela então Presidente do Conselho Nacional de Educação, Maria Helena Guimarães de Castro, esclareceu os critérios para a formação de pedagogos, reforçando a
impossibilidade de obtenção do título de licenciado em pedagogia por meio de cursos de Formação Pedagógica para Graduados não Licenciados
:
IX – Formação Pedagógica de Graduados não Licenciados
Análise das questões Primeiramente, é importante esclarecer que, desde os primórdios deste tipo de formação (Esquemas I e II) até a regulação dada pela Resolução CNE/CP nº 2/1997, seu objetivo estava posto no art. 1º:
[...] A formação de docentes no nível superior para as disciplinas que integram as quatro séries finais do ensino fundamental, o ensino médio e a educação profissional em nível médio será feita em cursos regulares de licenciatura, em cursos regulares para portadores de diplomas de educação superior e, bem assim, em programas especiais de formação pedagógica. (Grifo nosso) Parágrafo único. Estes programas destinam-se a suprir a falta nas escolas de professores habilitados, em determinadas disciplinas e localidades, em caráter especial.
Em seu art. 2º: “O programa especial [...] é destinado a portadores de diploma de nível superior, em cursos relacionados à habilitação pretendida, que ofereçam sólida base de conhecimentos na área de estudos ligada a essa habilitação”.
Isso significa que o curso de graduação anteriormente realizado deve trazer conhecimentos prévios da habilitação pretendida e que essa formação se destina apenas à docência dos Anos Finais do Ensino Fundamental, do Ensino Médio e do Técnico, não se aplicando à docência da Educação Infantil e dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental.
Esse mesmo sentido foi trazido pelas DCNs definidas na Resolução CNE/CP nº 2/2015, em seu art. 14: “Os cursos de Formação Pedagógica para Graduados não Licenciados, com caráter emergencial e provisório, ofertados a portadores de diplomas de curso superior formados em cursos relacionados à habilitação pretendida com sólida base de conhecimentos na área estudada” (Grifo nosso). Esse programa deve ser avaliado e validado pelas localidades de acordo com suas necessidades docentes.
O mesmo teor é ainda reforçado no Parecer CNE/CEB nº 6/20192 : a formação pedagógica “não se destina à formação de pedagogos, mas à formação de professores de disciplinas específicas do currículo do ensino fundamental, do ensino médio e da educação profissional em nível médio, em caráter emergencial” (Grifo nosso), com o objetivo de suprir a falta de professores habilitados, em determinadas disciplinas e localidades.
As novas DCNs, portanto, não descaracterizam as concepções anteriores, apenas tornam adequada a Formação Pedagógica à nova matriz de competências profissionais e modifica a carga-horária, permanecendo, entretanto, como objetivo precípuo suprir a falta de licenciados em áreas específicas por localidade para Anos Finais do Ensino Fundamental, Ensino Médio e de Educação Profissional Técnica de Nível Médio. Portanto, a Formação Pedagógica para Graduados não Licenciados não pode ser destinada ao curso superior de Pedagogia.
O posicionamento exarado na nota técnica supracitada passou a integrar a
Resolução CNE/CP n. 4, de 29 de maio de 2024
:
Art. 15. Os cursos de Formação Pedagógica para Graduados não Licenciados (bacharéis e tecnólogos), ofertados a portadores de diplomas de curso superior formados em cursos 13 relacionados à habilitação pretendida, com sólida base de conhecimentos na área estudada, devem ter carga horária total de 1.600 (mil e seiscentas) horas, com duração de, no mínimo, 2 (dois) anos.
§ 1º Os cursos de Formação Pedagógica para Graduados não Licenciados não se destinam à formação de pedagogos, mas à formação de professores para atuarem nas disciplinas que integram os quatro anos finais do Ensino Fundamental, o Ensino Médio e a Educação Profissional em nível médio.
A nova Resolução também aumentou a carga horária dos cursos destinados à Formação Pedagógica para Graduados não Licenciados, que passou a ser de 1.600 horas [art. 15, § 2º]. Embora a norma tenha entrado em vigor em 1º de julho de 2024, garantiu aos licenciandos matriculados nas licenciaturas até a data da homologação da Resolução o direito de concluir o curso sob a orientação curricular vigente à época do ingresso [art. 22].
2.3.
CONCLUSÕES
Este estudo das Resoluções do Conselho Nacional de Educação sobre a matéria esclarece a questão de fundo desta demanda e das análogas à presente ajuizadas nesta Corte, possibilitando a atribuição de racionalidade e critérios técnicos para a análise individualizada dos casos.
Conclui-se, então, que:
[a]
a Formação Pedagógica para Graduados não Licenciados não se destina à formação de profissionais do magistério para atuarem no Ensino Básico ou nos anos iniciais do Ensino Fundamental, mas apenas para a atuação nas disciplinas que integram os quatro anos finais do Ensino Fundamental, no Ensino Médio e Técnico, desde que vinculadas às respectivas áreas de formação profissional.
[b]
os cursos classificados como de
Formação Pedagógica para Graduados não Licenciados conferem formação pedagógica restrita, destinada à atuação nos quatro anos finais do Ensino Fundamental, o Ensino Médio e a Educação Profissional em nível médio, e se preenchidos os seguintes requisitos:
[i]
afinidade com a formação base [curso de graduação ou técnico anterior]; e
[ii]
cumprimento da carga horária mínima a depender da resolução vigente à época da entrada no curso.
[c]
a Formação Pedagógica para Graduados não Licenciados não confere título equivalente ao de graduado em curso superior de Pedagogia.
[d]
a Formação Pedagógica para Graduados não Licenciados confere título equivalente ao de licenciatura referente à respectiva graduação [ex: um bacharel em história passa a ser considerado detentor do título de licenciatura em história].
[e]
nenhuma norma jamais acolheu a possibilidade de criação de um curso de "Formação Pedagógica em Pedagogia" capaz de tornar graduados em outras áreas de conhecimento pedagogos licenciados.
[f]
agem com respeito às leis e às normativas do Ministério da Educação os entes públicos que impedem o acesso de candidatos formados em outras áreas de conhecimento às vagas destinadas exclusivamente aos licenciados em Pedagogia.
Logo,
não deve o Poder Judiciário chancelar o acesso de candidatos não qualificados às vagas destinadas exclusivamente aos profissionais de educação detentores do título acadêmico de Licenciatura em Pedagogia
, sob pena de subqualificar a educação pública de base e de banalizar os predicados intrínsecos à docência voltada ao desenvolvimento integral dos estudantes em fase crucial de formação [Ensino Básico e anos iniciais do Ensino Fundamental], esvaziando-lhes o valor e a relevância.
Extrapolada a lógica para além dos limites do caso analisado, acolher a pretensão mandamental equivaleria a autorizar que um técnico em Construção Civil, após uma "formação especial", tornasse-se habilitado a concorrer a vagas exclusivas para graduados em Engenharia Civil, ou que uma candidata formada em Enfermagem, com mero curso de "Formação Médica em Medicina", fosse considerada apta a disputar vagas de médica.
Lamenta-se que pessoas de boa-fé, induzidas a erro, tenham investido tempo e recursos em cursos que prometem, levianamente, formação ampla e atuação em todas as áreas da Pedagogia. Há diplomas de Formação Pedagógica para Graduados não Licenciados que mencionam a conferência de título "equivalente a Licenciatura em Pedagogia" – prática condenável, sem respaldo nas normativas do Ministério da Educação, que viola as regras educacionais, o Código de Defesa do Consumidor e pode configurar, a depender do caso, ilícito penal.
2.4.
CASO CONCRETO
No presente caso, a inabilitação foi motivada pela ausência de comprovação de formação em licenciatura plena em Pedagogia e pela consequente limitação da formação pedagógica da impetrante, voltada especificamente para o exercício do magistério nos anos finais do Ensino Fundamental, do Ensino Médio e da Educação Técnica [diploma de Formação Pedagógica para Graduados não Licenciados - ev.
1.4
].
Ademais, a inicial beira a inépcia, pois não esclarece qual a vaga escolhida pela candidata nem qual a sua formação de base, dado que não foi juntado diploma de graduação.
Esses elementos são essenciais para verificar a regularidade da inabilitação, pois, como exaustivamente tratado ao longo desta decisão, a Formação Pedagógica para Graduados não Licenciados confere habilitação restrita à área de conhecimento anterior.
Tendo em vista que, nos termos do inciso III do art. 7º da Lei n. 12.016/2009, a concessão de liminar determinando a suspensão do ato impugnado depende da demonstração de fundamento relevante, tem-se que os elementos apresentados não autorizam concluir, objetivamente, pela existência do direito alegado pela parte impetrante.
3.
DISPOSITIVO
Por tais razões,
indefiro a liminar
requerida.
Defiro os benefícios da gratuidade da justiça à impetrante.
No mais:
[a]
oficie-se às autoridades apontadas como coatoras para, entendendo necessário, prestarem informações, no prazo de 10 dias;
[b]
dê-se ciência ao órgão de representação judicial da pessoa jurídica interessada;
[c]
remetam-se os autos à Procuradoria-Geral de Justiça;
[d]
por fim, voltem conclusos para inclusão em pauta.
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