Processo nº 1000965-94.2022.8.11.0005
ID: 330309986
Tribunal: TJMT
Órgão: Primeira Câmara Criminal
Classe: APELAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 1000965-94.2022.8.11.0005
Data de Disponibilização:
21/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
JULIO CESAR ESPIRITO SANTO
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1000965-94.2022.8.11.0005 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Crimes de Trânsito] Relator: Des(a). MARCOS MACHADO T…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1000965-94.2022.8.11.0005 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Crimes de Trânsito] Relator: Des(a). MARCOS MACHADO Turma Julgadora: [DES(A). MARCOS MACHADO, DES(A). ORLANDO DE ALMEIDA PERRI, DES(A). WESLEY SANCHEZ LACERDA] Parte(s): [MATO GROSSO - MINISTERIO PUBLICO (APELANTE), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (APELADO), MANOEL FREDERICO DE ALMEIDA - CPF: 503.074.361-87 (APELANTE), JULIO CESAR ESPIRITO SANTO - CPF: 036.030.391-90 (ADVOGADO), ALCENOR ALVES DE SOUZA - CPF: 550.641.087-53 (ADVOGADO), JUCELIO MIRANDA DE ALMEIDA JUNIOR - CPF: 054.934.971-58 (ASSISTENTE), ANA APARECIDA CHAVES DA SILVA - CPF: 831.680.951-68 (ASSISTENTE), ANA CHAVES (ASSISTENTE), LUIZ FERNANDO FERREIRA DE ALMEIDA (ASSISTENTE), JORACINA DE CAMPOS REIS - CPF: 503.044.451-34 (VÍTIMA), CLARA CAMPOS REGIS - CPF: 048.430.721-50 (VÍTIMA)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). WESLEY SANCHEZ LACERDA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO. Ementa: Direito penal e processual penal. Apelação criminal. Homicídio culposo na direção de veículo automotor. Omissão de socorro. Concurso formal. Responsabilidade penal do condutor. Dosimetria da pena. Recurso desprovido. I. Caso em exame Apelação criminal interposta contra sentença que condenou o apelante por homicídio culposo na direção de veículo automotor, em concurso formal, a 3 (três) anos, 3 (três) meses e 6 (seis) dias de detenção, em regime aberto, substituída por duas restritivas de direito [consistentes em prestação pecuniária e prestação de serviços à comunidade], com suspensão da habilitação para dirigir veículo automotor pelo mesmo prazo da pena corporal, visando a absolvição e redução das penas. II. Questão em discussão Há seis questões: 1) ausência de fundamentação; 2) provas insuficientes para demonstrar “a imprudência grave ou dolo e [...] culpa exclusiva”; 3) afastamento da causa de aumento de omissão de socorro; 4) responsabilidade civil do ente público; 5) exasperação da pena mediante fundamentação inidônea; 6) direito de recorrer em liberdade. III. Razões de decidir 1. A motivação sucinta não se confunde com ausência de fundamentação “quanto aos motivos de fato e de direito em que se funda o édito condenatório”. 2. “Não há que se falar em ausência de fundamentação da sentença, se cuidou o d. sentenciante de externar os motivos que ensejaram a prolação da condenação, com a análise expressa das provas produzidas sob o crivo do contraditório, ainda que tenha perpassado pelas teses de forma suscinta.” 3. O apelante não agiu com a devida atenção e cuidados indispensáveis à segurança do trânsito (CTB, art. 28), ao entrar em outra via, à esquerda, o que causou o acidente com a motocicleta, infringindo o art. 34 do CTB [“o condutor que queira executar uma manobra deverá certificar-se de que pode executá-la sem perigo para os demais usuários da via que o seguem, precedem ou vão cruzar com ele, considerando sua posição, sua direção e sua velocidade.”], a evidenciar imprudência. 4. O art. 37, §6º, da CF disciplina a reponsabilidade civil do ente público e não trata da sanção criminal do agente. Mesmo porque a pena decorrente da condenação se restringe ao condenado, à luz do princípio da culpabilidade (CF, art. 5º, XLV). 5. “[...] a eventual responsabilidade civil do Município [...] restringe-se à esfera indenizatória e não interfere na responsabilização penal do condutor do veículo oficial. A ação penal tem por objeto a conduta individual do apelante, cuja culpa restou demonstrada nos autos, sendo irrelevante, para esse fim, qualquer discussão sobre o dever de reparar danos por parte do ente público” 6. “[...] mostra-se necessária a manutenção da fração de aumento utilizada pelo magistrado, tanto pela omissão de socorro, na fração intermediária de 2/5 (dois quintos), considerando o falecimento de 02 (duas) pessoas” 7. “[...] havendo pluralidade de vítimas [...] configura-se o concurso formal de crimes, não sendo cabível a alegação de crime único.” 8. A fração do concurso formal “deve ser aferida em função do número de delitos, revelando-se adequada a fixação de 1/6 para dois, de 1/5 para três, de 1/4 para quatro, de 1/3 para cinco e de 1/2 para seis ou mais infrações perpetradas”. 9. “[...] é possível a suspensão da habilitação pelo mesmo prazo da pena privativa de liberdade em casos de crime de homicídio culposo”. IV. Dispositivo e tese Recurso desprovido. Teses de julgamento: 1. A motivação sucinta não se confunde com ausência de fundamentação “quanto aos motivos de fato e de direito em que se funda o édito condenatório”. 2. “[...] eventual culpa da vítima não exclui a do agente; elas não se compensam. As culpas recíprocas do ofensor e do ofendido não se extinguem. A teoria da equivalência dos antecedentes causais, adotada pelo nosso Código Penal, não autoriza outro entendimento” 3. O dispositivo constitucional [CF, art. 37, §6º] disciplina a reponsabilidade civil do ente público e não trata da sanção criminal do agente. Mesmo porque a pena decorrente da condenação se restringe ao condenado, à luz do princípio da culpabilidade (CF, art. 5º, XLV). 4. As declarações da testemunha e dos investigadores de Polícia comprovam que o apelante se evadiu do local do acidente sem prestar qualquer auxílio às vítimas, de modo a preservar a majorante da omissão de socorro 5. A fração “deve ser aferida em função do número de delitos, revelando-se adequada a fixação de 1/6 para dois, de 1/5 para três, de 1/4 para quatro, de 1/3 para cinco e de 1/2 para seis ou mais infrações perpetradas” Dispositivos relevantes citados: Lei 10.826/2003, art. 16, IV; CP, arts. 299 e 307; CPP, arts. 240, § 2º, e 244. Jurisprudência relevante citada: STF, RHC 1.349.297, Rel. Min. Alexandre de Moraes, j. 13.10.2021; STJ, AREsp 2296637, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 3.4.2023; TJMT, AP nº 0015031-81.2017.8.11.0002, Rel. Des. Paulo da Cunha, j. 10.8.2018; TJMT, AP N.U 017674-72.2004.8.11.0000, Segunda Câmara Criminal; TJMT, Enunciado Criminal 8; TJMG, AP nº 0055927-89.2017.8.13.0042, Rel. Des. Glauco Fernandes, j. 17.7.2021. PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL APELAÇÃO Nº 1000965-94.2022.8.11.0005 - COMARCA DE DIAMANTINO APELANTE(S): MANOEL FREDERICO DE ALMEIDA APELADOS(S): MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL R E L A T Ó R I O Apelação criminal interposta por MANOEL FREDERICO DE ALMEIDA contra sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara Criminal da Comarca de Diamantino, nos autos de ação penal (PJe nº 1000965-94.2022.8.11.0005), que o condenou por homicídio culposo na direção de veículo automotor, em concurso formal, a 3 (três) anos, 3 (três) meses e 6 (seis) dias de detenção, em regime aberto, substituída por duas restritivas de direito [consistentes em prestação pecuniária e prestação de serviços à comunidade], com suspensão da habilitação para dirigir veículo automotor pelo mesmo prazo da pena corporal - art. 302, § 1, III, do CTB - (ID 285628895). O apelante suscita a nulidade da sentença por ausência de fundamentação porque “não houve apreciação suficiente das condições da via e das circunstâncias do acidente, ensejando cerceamento de defesa e afronta aos princípios do contraditório e da ampla defesa”. No mérito, sustenta que: 1) as provas seriam insuficientes para demonstrar “a imprudência grave ou dolo e [...] culpa exclusiva”; 2) “passou mal e foi removido do local por terceiros”, a ensejar o afastamento da causa de aumento de omissão de socorro; 3) “a responsabilidade civil, conforme art. 37, §6º da Constituição Federal, deve recair sobre o ente público, e não sobre o agente público diretamente”; 4) “a fração de aumento da pena em 2/5 (dois quintos) pela omissão de socorro, além do aumento pelo concurso formal, não guarda razoabilidade com as circunstâncias do caso concreto”. Pede o provimento para que seja anulada a sentença e absolvido. Subsidiariamente, afastada a causa de aumento e, por conseguinte, reduzidas as penas Incidentalmente, pede para recorrer em liberdade (ID 285628908). A 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DIAMANTINO pugna pelo desprovimento do apelo (ID 285628910). A i. 13ª Procuradoria de Justiça Criminal opina pelo desprovimento do recurso, em parecer assim sintetizado: “Apelação Criminal. Crime de homicídio culposo na direção de veículo automotor. Condenação. Irresignação defensiva. Pretendida absolvição por não constituir o fato infração penal ou por falta de provas para a condenação. Improcedência. Materialidade e autoria delitiva demonstradas. Eventual culpa concorrente da vítima que não exclui a responsabilidade penal. Responsabilidade civil do Município que não interfere na responsabilização penal do condutor de veículo oficial. Dosimetria da pena. Pedido pelo afastamento da causa de aumento de pena referente à omissão de socorro e ao concurso formal. Inviabilidade. Condutor que não permaneceu no local do acidente para prestar socorro às vítimas, nem para aguardar os policiais de modo a esclarecer os fatos. Pleito pela aplicação da fração mais benéfica da causa de aumento da pena. Impossibilidade. Fundamentação idônea. Fração adequada e proporcional ao caso concreto. Parecer pelo desprovimento do recurso. Apelação Criminal. Crime de homicídio culposo na direção de veículo automotor. Condenação. Irresignação defensiva. Pretendida absolvição por não constituir o fato infração penal ou por falta de provas para a condenação. Improcedência. Materialidade e autoria delitiva demonstradas. Eventual culpa concorrente da vítima que não exclui a responsabilidade penal. Responsabilidade civil do Município que não interfere na responsabilização penal do condutor de veículo oficial. Dosimetria da pena. Pedido pelo afastamento da causa de aumento de pena referente à omissão de socorro e ao concurso formal. Inviabilidade. Condutor que não permaneceu no local do acidente para prestar socorro às vítimas, nem para aguardar os policiais de modo a esclarecer os fatos. Pleito pela aplicação da fração mais benéfica da causa de aumento da pena. Impossibilidade. Fundamentação idônea. Fração adequada e proporcional ao caso concreto. Parecer pelo desprovimento do recurso.” (Antônio Sergio Cordeiro Piedade, procurador de Justiça - ID 292728365) É o relatório. V O T O R E L A T O R V O T O (PRELIMINAR - AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO) EXMO. SR. DES. MARCOS MACHADO (RELATOR) Egrégia Câmara, O apelante argui ausência de fundamentação sob a assertiva de que “não houve apreciação suficiente das condições da via e das circunstâncias do acidente, ensejando cerceamento de defesa e afronta aos princípios do contraditório e da ampla defesa”. Vejamos. O Juízo singular, ao proferir sentença condenatória, sopesou as declarações das testemunhas e dos investigadores de Polícia prestadas em ambas as fases de persecução penal, sobre os fatos, bem como o Auto de Constatação (fls. 24). Nesse contexto fático probatório, entendeu que, “em que pese a afirmação do acusado de que a manobra por ele realizada teria sido necessária para desviar de um obstáculo na via, não há como ser excluída sua responsabilidade, haja vista que tinha o dever de dirigir com atenção e cautela”, concluindo que “o réu não observou as normas que lhe impunham o dever de dirigir com atenção e cuidados indispensáveis à segurança do trânsito, conforme regra insculpida nos artigos 28 e 34 do CTB, agindo com manifesta imprudência ao realizar manobra para desviar de um obstáculo na pista, sem a devida atenção quanto às condições de tráfego, invadindo a pista contrária, praticando assim o delito de homicídio culposo na direção de veículo automotor” (Janaína Cristina de Almeida, juíza de Direito - ID 285628898) Na essência, a decisão baseou-se em elementos de convicção revelados pela persecução penal, considerando as “circunstâncias da via e do acidente”. Ademais, a motivação sucinta não se confunde com ausência de fundamentação “quanto aos motivos de fato e de direito em que se funda o édito condenatório” (STJ, RHC 23.017/RS - Relator: Min. Felix Fischer - 9.6.2008). Aplicável aresto desta e. Câmara: “Não há que se falar em ausência de fundamentação da sentença, se cuidou o d. sentenciante de externar os motivos que ensejaram a prolação da condenação, com a análise expressa das provas produzidas sob o crivo do contraditório, ainda que tenha perpassado pelas teses de forma suscinta.” (TJMT, AP NU 1003250-70.2021.8.11.0013 - Rel. Des. Paulo da Cunha, Primeira Câmara Criminal, 3.2.2024) Sendo assim, não se identifica a alegada nulidade da sentença. Com essas considerações, REJEITA-SE a preliminar. V O T O (MÉRITO) EXMO. SR. DES. MARCOS MACHADO (RELATOR) Egrégia Câmara: O recurso é cabível (CPP, art. 593, I), manejado por quem tem interesse (CPP, art. 577) e não se verifica hipótese de extinção de punibilidade (CP, art. 107). Consta da denúncia que: “no dia 18 de outubro de 2017, por volta das 16h30min, em via pública, na rua Almirante Barroso, bairro São Pedro, no município de Alto Paraguai/MT, o denunciado MANOEL FREDERICO DE ALMEIDA, ciente da ilicitude e reprovabilidade de sua conduta, praticou homicídio culposo na direção de veículo automotor, provocando a MORTE de Joracina de Campos Reis e Clara Campos Regis, e em seguida evadiu se do local, deixando de prestar socorro, quando possível fazê-lo sem risco pessoal. [...] Ante o exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO denuncia MANOEL FREDERICO DE ALMEIDA, como incurso nas penas do artigo 302, §1º, inciso III, do Código de Trânsito Brasileiro (por duas vezes) c/c artigo 70 do Código Penal (concurso formal)” (Rhyzea Lúcia Cavalcanti de Morais, promotora de Justiça - ID 285628378) O Juízo singular reconheceu a responsabilidade penal e dosou as penas nos seguintes termos: “Pois bem. Em que pese a afirmação do acusado de que a manobra por ele realizada teria sido necessária para desviar de um obstáculo na via, não há como ser excluída sua responsabilidade, haja vista que tinha o dever de dirigir com atenção e cautela. Ao invadir a pista contrária, agiu de forma imprudente e negligente, eis que não observou o dever objetivo de cuidado ao conduzir o veículo. Além disso, infere-se do auto de constatação do local do acidente que, “tratava-se de uma pista reta, havia marcas de frenagem dos pneus do caminhão em forma zig zag em ambos os lados da pista, por aproximadamente uns 20 metros”, confirmando a invasão do veículo na pista contrária em que trafegavam as vítimas (Id n. 86149314 - Pág. 11/13). Desta feita, impende pontuar que, ao contrário do sustentado pela Defesa, ainda que existissem buracos na via, deveria o acusado estar dirigindo em baixa velocidade, a fim de permitir que desviasse dos buracos de forma cuidadosa, até mesmo porque se tratava de uma via municipal, a qual por si só já impõe velocidade reduzida aos motoristas, razão pela qual não há falar em influência de fatores externos que seriam os responsáveis pelo falecimento das vítimas, conforme pretendido pela Defesa. Assim, restou sobejamente comprovado que o réu não observou as normas que lhe impunham o dever de dirigir com atenção e cuidados indispensáveis à segurança do trânsito, conforme regra insculpida nos artigos 28 e 34 do CTB, agindo com manifesta imprudência ao realizar manobra para desviar de um obstáculo na pista, sem a devida atenção quanto às condições de tráfego, invadindo a pista contrária, praticando assim o delito de homicídio culposo na direção de veículo automotor. Com efeito, as provas coligidas nos autos demonstram que a causa determinante do evento morte foi a imprudência do acusado, que agiu com a falta do cuidado necessário e exigível dos condutores de veículos automotores, de modo que o evento, apesar de não querido pelo agente, era objetivamente previsível e foi resultado de sua conduta imprudente. Logo, comprovados todos os elementos necessários à configuração do tipo penal, bem como a autoria delitiva, a condenação pelo crime de homicídio culposo na direção de veículo automotor (art. 302, da Lei n. 9.503/97), é de rigor. Passo a analisar a causa de aumento de pena mencionada na denúncia (art. 302, §1º, inciso III da Lei n. 9.503/97). A causa de aumento concernente a omissão de socorro restou demonstrada. Em que pese o acusado tenha alegado que foi embora do local porque estaria passando mal, sendo levado por uma pessoa para o hospital, nada há nos autos que demonstre que deixou o local do acidente por não estar bem de saúde. A testemunha Jucélio confirmou em audiência que visualizou uma pessoa levando o réu embora do local do acidente em uma moto. Por sua vez, o policial civil Luiz Fernando explicou em Juízo que, no momento em que compareceu ao local do acidente, o caminhão já não estava mais lá e qualquer realização de perícia ficou prejudicada, por conta da fuga do local. Ademais, não há prova da existência de qualquer risco pessoal que tornasse necessária sua fuga, sendo que as vítimas ainda estavam com vida, ou seja, necessitavam de socorro. Desta feita, restou demonstrado que o réu não permaneceu no local do acidente para prestar socorro às vítimas, nem aguardar os policiais para esclarecer os fatos. Assim, inconteste a incidência da causa de aumento prevista no art. 302, §1º, inciso III do CTB. No tocante ao quantum de aumento da pena, o dispositivo prevê o percentual de 1/3 (um terço) a 1/2 (metade). In casu, considerando circunstâncias do caso concreto e que ocorreu o falecimento de duas pessoas, as quais tiveram suas vidas interrompidas aos 54 (cinquenta e quatro) anos de idade e 11 (onze) anos de idade, a pena deve ser aumentada na fração da 2/5 (dois quintos). DISPOSITIVO Ante o exposto, por tudo mais que dos autos consta, JULGO PROCEDENTE a denúncia para CONDENAR o acusado MANOEL FREDERICO DE ALMEIDA pela prática do crime previsto no art. 302, § 1º, inciso III, da Lei n. 9.503/1.997, nos termos do artigo 387 do Código de Processo Penal. [...] DOSIMETRIA. 1ª. Fase - Circunstâncias judiciais: Em relação ao crime imputado ao denunciado, considerando as diretrizes do artigo 59 do Código Penal, denoto que o acusado agiu com culpabilidade normal à espécie, nada tendo a se valorar; não possui maus antecedentes; poucos elementos foram coletados a respeito de sua conduta social, razão pela qual deixo de valorá-la; quanto à personalidade não há elementos suficientes para analisá-la; quanto ao motivo do crime não há nenhum que seja relevante; em relação às circunstâncias do crime, nada que justifique a exasperação da pena, visto que não ultrapassou a previsão da conduta; as consequências do crime são próprias do tipo penal; quanto ao comportamento das vítimas, estas não tiveram influência no crime. Analisadas as circunstâncias judiciais do caput do artigo 59 do Código Penal, nenhuma desfavorável ao réu, fixo a pena-base no mínimo legal, qual seja: a) quanto à vítima Joracina de Campos Reis: 02 (dois) anos de detenção. b) quanto à vítima Clara Campos Regis: 02 (dois) anos de detenção. 2ª. Fase – Atenuantes e Agravantes: Não estão presentes circunstâncias atenuantes e agravantes. Assim mantenho as penas anteriormente dosadas. 3ª. Fase - Causas especiais de aumento e/ou diminuição de pena: Não há causas de diminuição da pena. Presente a causa de aumento do art. 302, § 1º, inciso III do CTB. A referida causa de aumento é de 1/3 (um terço) a 1/2(metade). Assim, conforme fundamentado no bojo desta sentença, majoro as penas em 2/5 (dois quintos), passando a dosá-las em: a) quanto à vítima Joracina de Campos Reis: 02 (dois) anos e 09 (nove) meses e 18 (dezoito) dias de detenção. b) quanto à vítima Clara Campos Regis: 02 (dois) anos e 09 (nove) meses e 18 (dezoito) dias de detenção. CONCURSO DE CRIMES (artigo 70 do Código Penal) Ambos os crimes foram praticados mediante uma única ação, com unidade de desígnios, caracterizado assim o concurso formal. Sendo assim, considerando que as penas são idênticas, aumento uma delas em 1/6, passando a dosá-la em 03 (três) anos, 03 (três) meses e 06 (seis) dias de detenção. PENA DEFINITIVA Vencidas as etapas do artigo 68 do Código Penal, por entender como necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime fica o réu condenado à pena privativa de liberdade de 03 (três) anos, 03 (três) meses e 06 (seis) dias de detenção, bem como determino a suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor pelo mesmo prazo.” (Janaína Cristina de Almeida, juíza de Direito - ID 285628898) Pois bem. A materialidade está consubstanciada Auto de Constatação (fls. 24), Laudo Pericial nº 003.10-17 – Necropsia (fls. 27), Mapa Topográfico de Lesões (fls. 34) e nas Certidões de óbito (fls. 36/27), os quais não sofreram qualquer impugnação. Na fase policial, foram ouvidos Jucélio Miranda de Almeida Júnior, testemunha (fls. 41), e interrogado MANOEL FREDERICO DE ALMEIDA, apelante (fls. 45). Em Juízo, colheram-se as declarações da testemunha Jucélio Miranda de Almeida Júnior, da investigadora de Polícia Ana Aparecida Chaves da Silva (fls. 263), do investigador de Polícia Luiz Fernando Ferreira de Almeida e procedeu-se o interrogatório do apelante (Relatório de Mídias – ID 285628889). Dito isso, vejamos. Verifica-se que, no dia 18.10.2017, por volta das 16h30min, MANOEL FREDERICO DE ALMEIDA [apelante] conduzia um caminhão [placas e modelo não identificados] na rua Almirante Barroso, bairro São Pedro, no município de Alto Paraguai/MT, quando desviou de “buracos” na pista, invadindo a pista contrária, à esquerda, e colidiu com a motocicleta “Yamaha/XTZ”, 125E, cor preta, placa “KAF5806”, conduzida por Joracina de Campos Reis com e Clara Campos Regis na garupa [vítimas]. Em decorrência do acidente, Joracina de Campos Reis faleceu, no mesmo dia dos fatos, no Pronto Atendimento, por “politraumatismo, devido a instrumento contundente” (Certidão de óbito – fls. 37), ao passo que Clara Campos Regis foi encaminhada ao Hospital de Cuiabá, mas não resistiu aos ferimentos causados e faleceu, 1 (um) mês e 11 (onze) dias depois, em razão de “parada cardíaca, devido a insuficiência respiratória e politraumatismo grave” (Certidão de óbito – fls. 36). Os investigadores de Polícia Ana Aparecida Chaves da Silva e Luiz Fernando Ferreira de Almeida confeccionaram o Auto de Constatação no local de acidente de trânsito, no qual consignaram que “o caminhão envolvido no acidente já havia sido removido do local, sendo encontrada apenas a motocicleta da vítima removida do local do ponto da colisão”, bem como concluíram que “o caminhão transitava na contra mão, pois as marcas de frenagem encontrada no solo, iniciam-se na pista contrária, e segue em forma de zig-zag, retornando para a pista de origem” (fls. 24). Em Juízo, confirmaram essa análise. Ademais, Jucélio Miranda de Almeida Júnior [testemunha presencial] afirmou, tanto na fase policial, quanto em Juízo, que “um caminhão que estava transitando na contra mão e quando Joracina que transitava na mão certa percebeu o caminhão na contra mão, a mesma tentou jogar a motocicleta para a mão correta do caminhão, mas nesse mesmo momento o motorista do caminhão retornou para a mão certa, ocasião em que o caminhão colidiu contra a lateral direita da moto” (fls. 41/ ID 285628889). No caso, o apelante não agiu com a devida atenção e cuidados indispensáveis à segurança do trânsito (CTB, art. 28), ao entrar em outra via, à esquerda, o que causou o acidente com a motocicleta, infringindo o art. 34 do CTB [“o condutor que queira executar uma manobra deverá certificar-se de que pode executá-la sem perigo para os demais usuários da via que o seguem, precedem ou vão cruzar com ele, considerando sua posição, sua direção e sua velocidade.”], a evidenciar imprudência. Como bem observado pelo Juízo singular, “em que pese a afirmação do acusado de que a manobra por ele realizada teria sido necessária para desviar de um obstáculo na via, não há como ser excluída sua responsabilidade, haja vista que tinha o dever de dirigir com atenção e cautela. Ao invadir a pista contrária, agiu de forma imprudente e negligente, eis que não observou o dever objetivo de cuidado ao conduzir o veículo” (Janaína Cristina de Almeida, juíza de Direito – ID 285628895). Noutro giro, a alegação de que a vítima Joracina de Campos Reis [condutora da motocicleta] teria dado causa ao acidente, mostra-se impertinente, tendo em vista que seguia normalmente em sua mão de direção e teve que realizar manobra de desvio, a fim de evitar colisão frontal com o veículo do apelante, que havia invadido a sua pista. Destaca-se que “eventual culpa da vítima não exclui a do agente; elas não se compensam. As culpas recíprocas do ofensor e do ofendido não se extinguem. A teoria da equivalência dos antecedentes causais, adotada pelo nosso Código Penal, não autoriza outro entendimento” (Manual de Direito Penal, v. I, 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 231). Com efeito, “não há como acolher o pleito absolutório formulado em favor do réu, se constatado pela prova dos autos que ele conduzia o veículo, invadiu a pista contrária e colidiu com motociclista que por ali transitava, causando-lhe a morte.” (TJSP, Ap nº 0000345-23.2018.8.26.0264 – Relator: Des. Marcos Correa – 30.6.2022). Em situação semelhante, decidiu este e. Tribunal: “Verificada a relação de causalidade havida entre a ação descuidada do agente e o resultado provocado de forma não intencional, assim como verificando-se, na hipótese, a violação a um dever objetivo de cuidado, bem como a previsibilidade objetiva e subjetiva, presentes estarão os elementos constitutivos do crime culposo, a lastrear a condenação do réu por homicídio culposo na direção de veículo automotor, dada a conduta imprudente realizada pelo acusado. [...].” (AP nº 0006442-89.2009.8.11.0064 – Relator: Dr. Francisco Alexandre Ferreira Mendes Neto – 23.4.2019) No tocante à alegação de responsabilidade objetiva do município, a Constituição Federal prevê que “as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa” (art. 37, §6º). Esse dispositivo constitucional [CF, art. 37, §6º] disciplina a reponsabilidade civil do ente público e não trata da sanção criminal do agente. Mesmo porque a pena decorrente da condenação se restringe ao condenado, à luz do princípio da culpabilidade (CF, art. 5º, XLV). No caso, o fato do apelante estar conduzindo caminhão de propriedade do município de Alto Paraguai/MT, em prestação de serviço público, quando causou o acidente e, por consequência, os homicídios, não afasta a responsabilização penal, notadamente ao considerar a independência das esferas de responsabilidade civil, administrativa e penal. Aliás, “a legislação brasileira prevê que a mesma conduta ilícita pode gerar consequências diversas, em diferentes instâncias da Justiça. Se, por exemplo, um servidor público comete um ato considerado crime durante o expediente, ele poderá ser processado e condenado em três esferas diferentes: penal (para apuração do crime), civil (caso a vítima reclame uma indenização) e administrativa (para exame da sanção aplicável no serviço público). Em regra, essas instâncias funcionam de forma independente e podem adotar decisões distintas, sem que a eventual condenação em mais de uma delas configure indevida punição pelo mesmo fato, o chamado princípio do non bis in idem” (STJ, “Um fato, diversas consequências: a independência e as implicações entre as esferas civil, penal e administrativa”, 18 de fevereiro de 2024, 6h55. Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2024/18022024-Um-fato--diversas-consequencias-a-independencia-e-as-implicacoes-entre-as-esferas-civil--penal-e-administrativa.aspx. Acesso em 30 de junho de 2025, 8h). Nesse ponto, válida se apresenta a assertiva do órgão do Ministério Público, na qual “a eventual responsabilidade civil do Município [...] restringe-se à esfera indenizatória e não interfere na responsabilização penal do condutor do veículo oficial. A ação penal tem por objeto a conduta individual do apelante, cuja culpa restou demonstrada nos autos, sendo irrelevante, para esse fim, qualquer discussão sobre o dever de reparar danos por parte do ente público” (Rhyzea Lúcia Cavalcanti de Morais, promotora de Justiça – ID 285628910). Registre-se, ainda, que o Juízo singular não condenou o apelante à reparação de danos por entender que “na denúncia não houve indicação do valor mínimo requerido e nem instrução específica”. Logo, impõe-se manter a condenação do apelante. Quanto à majorante da omissão de socorro, verifica-se que o apelante não aguardou a chegada das equipes policial e médica e evadiu-se do local do acidente, segundo depoimentos da testemunha presencial [Jucélio Miranda de Almeida] e dos investigadores de Polícia [Ana Aparecida Chaves da Silva e Luiz Fernando Ferreira de Almeida], em ambas as fases de persecução penal. Ademais, a escusa do apelante de que “foi embora do local porque estaria passando mal, sendo levado por uma pessoa para o hospital” não está corroborada por quaisquer provas, seja documental [como laudo e/ou prontuário médico] ou testemunhal. Na essência, as declarações da testemunha e dos investigadores de Polícia comprovam que o apelante se evadiu do local do acidente sem prestar qualquer auxílio às vítimas, de modo a preservar a majorante da omissão de socorro (TJMG, Ap nº 1.0133.18.000207-2/001 – Relator: Dr. José Luiz de Moura Faleiros [juiz de Direito convocado] – 24.11.2021) Passa-se à revisão da dosimetria. Na primeira fase, o Juízo singular fixou a pena-base no mínimo-legal, qual seja, 2 (dois) anos de detenção. Na segunda fase, inexistentes atenuantes ou agravantes, transformou a pena basilar em intermediária [2 (dois) anos de detenção]. Na terceira fase, ausentes causas de diminuição de pena, o juiz da causa reconheceu a causa de aumento de omissão de socorro e exasperou a pena na fração de 2/5 (dois quintos), sob a fundamentação de que “ocorreu o falecimento de duas pessoas, as quais tiveram suas vidas interrompidas aos 54 (cinquenta e quatro) anos de idade e 11 (onze) anos de idade”, totalizando 2 (dois) anos, 9 (nove) meses e 18 (dezoito) dias de detenção. Como bem pontuado pela i. PGJ, “mostra-se necessária a manutenção da fração de aumento utilizada pelo magistrado, [...] pela omissão de socorro, na fração intermediária de 2/5 (dois quintos), considerando o falecimento de 02 (duas) pessoas” (Antonio Sergio Cordeiro Piedade, procurador de Justiça – ID 292728365). Em seu turno, a juíza da causa aplicou o concurso formal por entender que o apelante cometeu dois homicídios “mediante uma única ação, com unidade de desígnios” (ID 285628896), e exasperou a pena em 1/6 (um sexto), resultando em 3 (três) anos, 3 (três) meses e 6 (seis) dias de detenção. Segundo entendimento do c. STJ, “havendo pluralidade de vítimas [...] configura-se o concurso formal de crimes, não sendo cabível a alegação de crime único.” (AREsp nº 2.791.895/PA, Rel.ª: Min.ª Daniela Teixeira – Quinta Turma – 26.2.2025), a elidir a tese de afastamento. Quanto à fração, “deve ser aferida em função do número de delitos, revelando-se adequada a fixação de 1/6 para dois, de 1/5 para três, de 1/4 para quatro, de 1/3 para cinco e de 1/2 para seis ou mais infrações perpetradas” (Enunciado nº 35 do TJMT). Considerada a prática de dois homicídios, mostra-se adequada a fração de 1/6 (um sexto) aplicada pelo Juízo singular. Note-se que a pena corporal foi substituída por duas restritivas de direito, consistentes em: “1) Prestação pecuniária de 08 (oito) salários-mínimos [...]” e “2) Prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas” (ID 285628896). Em relação à suspensão da habilitação para dirigir veículo automotor, “é possível a suspensão da habilitação pelo mesmo prazo da pena privativa de liberdade em casos de crime de homicídio culposo” (STJ, AgRg nos EDcl nos EREsp nº 1.817.950, Rel.: Min Reynaldo Soares da Fonseca, Terceira Seção – 30.11.2020). Com essas considerações, recurso conhecido, mas DESPROVIDO. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 15/07/2025
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