Processo nº 0120933-28.2024.8.17.2001
ID: 335570906
Tribunal: TJPE
Órgão: Seção A da 12ª Vara Cível da Capital
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 0120933-28.2024.8.17.2001
Data de Disponibilização:
28/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ANDRE MENESCAL GUEDES
OAB/CE XXXXXX
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Tribunal de Justiça de Pernambuco Poder Judiciário Seção A da 12ª Vara Cível da Capital Avenida Desembargador Guerra Barreto - Fórum do Recife, S/N, Ilha Joana Bezerra, RECIFE - PE - CEP: 50080-900 -…
Tribunal de Justiça de Pernambuco Poder Judiciário Seção A da 12ª Vara Cível da Capital Avenida Desembargador Guerra Barreto - Fórum do Recife, S/N, Ilha Joana Bezerra, RECIFE - PE - CEP: 50080-900 - F:(81) 31810303 Processo nº 0120933-28.2024.8.17.2001 AUTOR(A): Y. C. R. S. REPRESENTANTE: TARCIANA RAFAEL DO CARMO RÉU: HAPVIDA ASSISTENCIA MEDICA LTDA SENTENÇA Vistos etc. Y. C. R.S., impúbere devidamente qualificado e representado por sua genitora, Tarciana Rafael do Carmo, igualmente individualizada, por intermédio de Advogado a tanto constituído, manejou a presente AÇÃO ORDINÁRIA em desfavor da pessoa jurídica denominada HAPVIDA ASSISTÊNCIA MÉDICA LTDA., também identificada nos autos. Alegou a parte autora em sua exordial de Id 186111256 -Págs.1/17, em síntese, figurar como beneficiário em contrato firmado com a demandada e, mesmo estando adimplente com suas obrigações, não iniciou o tratamento conforme prescrito pelo seu médico assistente. Detalhou que foi diagnosticada como portadora de Transtorno do Espectro Autista - TEA (CID 10: F84 CID 11 6A0.2), conforme laudo emitido por médico especialista, (Id’s 186111257 e 186111258), tendo-lhe sido prescrito tratamento multidisciplinar, todavia, a Operadora de Saúde demandada não possui profissionais habilitados, destacando que após 02 anos de tratamento o infante não teve melhora clínica significativa, ao revés, houve uma piora, haja em vista a precariedade do tratamento que está sendo oferecido pela demandada. Arguiu estar arcando, de forma particular, com atendimento de médico neuropediatra, tendo gasto, desde o início do tratamento, o valor total de R$ 750,00 (setecentos e cinquenta reais). Pontuou ter tentado solucionar o problema administrativamente, porém não obteve êxito. Ao final, depois de defender a legalidade do pedido de cobertura contratual, pugnou, em sede de tutela de urgência, que a demandada seja compelida a autorizar o tratamento, conforme prescrição de seu médico assistente. Por fim, requereu a confirmação da liminar, bem como o reembolso dos valores pagos, além de uma compensação por danos morais. Pugnou, também, pelo benefício da Justiça gratuita. Em Decisão de Id 186262577 houve deferida a gratuidade da Justiça, a outro tanto, o pleito de urgência foi indeferido, tendo em vista não terem restados preenchidos os requisitos autorizadores do art.300 do CPC. Citada, a Operadora de Saúde demandada apresentou Contestação de Id 189366819, ocasião em que, preliminarmente, impugnou a gratuidade da Justiça outrora deferido. Ainda em sede de preliminar pugnou pelo sobrestamento do presente feito, sob a assertiva de se dever esperar o trânsito em julgado do IAC nº 0534706-2, uma vez não ter havido a estabilização do julgamento. No mérito, alegou inexistir prova de negativa de cobertura de atendimento, tendo havido apenas a incompatibilidade de agendas. Aduziu que a menor Maria Luiza (sic) não se encontra desassistida, haja vista existir rede credenciada que oferece os serviços de que necessita. Pontuou possuir em sua rede credenciada clínicas estruturadas e profissionais capacitados, com experiência técnica em áreas de atuação tais como ABA, TEACCH, PECS e BOBATH. Destacou que todas as terapêuticas cobertas contratualmente e necessárias à saúde do infante foram autorizadas, encontrando-se à disposição da parte autora, não havendo que se falar em custeio e/ou reembolso de tratamento em rede particular. Insurgiu-se contra o Acompanhante Terapêutico em ambiente escolar, ao argumento de não ser obrigatória a sua cobertura, por se tratar de serviço educacional. Arguiu não que às Operadoras de Planos de Saúde não pode ser imposta obrigação para custeio de tratamento fora de ambiente médico-ambulatorial e hospitalar credenciado. Defendeu a necessidade de se observar os procedimentos previstos no Rol da ANS. Rebelou-se contra o pedido de reembolso, ao argumento de não existir dever de reembolsar eventuais despesas particulares com prestador não credenciado. Argumentou não ter cometido qualquer ilicitude, não havendo que se falar em dever de reparação por danos morais. A parte autora interpôs Agravo de Instrumento de nº 0055543-66.2024.8.17.9000 (Id 189435945/189435947). Réplica extemporânea Id 201135821. Manifestação do Parquet no Id 207285912. É o relatório no essencial. Decido. De início é de se frisar que em função de emergir suficiente a documentação constante dos autos à formação de convicção, tem-se como despicienda a produção de outros meios de prova, circunstância que a teor do disposto no artigo 355, inciso I, do Estatuto de Ritos autoriza o julgamento antecipado da lide. A priori, antes de adentrar no mérito da causa, faz-se mister analisar as preliminares suscitada na peça de bloqueio. Relativamente à impugnação ao já deferido benefício da gratuidade da Justiça, mantenho tal decisão pelos seus próprios fundamentos, isto por não identificar qualquer elemento concreto trazido pelo impugnante, que altere o status quo ao tempo da decisão. Concretamente, nada foi dito que tenha o condão de afastar a presunção relativa de que a parte não pode arcar com as despesas sem prejuízo próprio ou de sua família. Acrescente-se que, basta a afirmação da parte de que não possui condições de arcar com custas e honorários, sem prejuízo próprio e de sua família, na própria petição inicial ou em seu pedido, a qualquer momento do processo, para a concessão do benefício. O art. 99, §3º do CPC presume como verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural. Ou seja, há incidência de presunção legal a respeito que deve o Magistrado observar e, daí - excetuando-se o caso em que há elementos nos autos que comprovem a falta de veracidade do mesmo- prontamente deferir. Doutra banda, observe-se que as normas legais mencionadas não exigem que os requerentes da assistência judiciária sejam miseráveis para fins de sua concessão, bastando que comprovem a insuficiência de recursos para custear o processo, ou, como reza a norma constitucional (art. 5º, inciso LXXIV), que não estão em condições de pagar custas do processo sem prejuízo próprio ou de sua família. Dito isto, reitero entendimento no sentido de que a autora preenche os requisitos legais para a concessão do benefício. No tocante ao sobrestamento do feito, ao argumento de dever-se esperar o trânsito em julgado do IAC nº 0534706-2, de igual modo, não deve prosperar. Explico: É cediço que a finalidade do IAC é firmar tese jurídica vinculante para garantir a isonomia e a segurança jurídica. Todavia, a aplicação da tese firmada em precedente qualificado não está condicionada ao seu trânsito em julgado, mas sim à publicação do respectivo acórdão, conforme a sistemática processual vigente. Ademais, este juízo tem conhecimento de que, em abril de 2025, a 1ª Vice-Presidência do TJPE, na análise do Recurso Especial interposto contra o acórdão do IAC nº 0018952-81.2019.8.17.9000 (processo nº 0004470-21.2025.8.17.9000), acolheu em parte o pedido de efeito suspensivo. Contudo, tal decisão deve ser interpretada de forma restritiva. O efeito suspensivo concedido a um recurso excepcional, em regra, não tem o condão de paralisar a prestação jurisdicional em todos os processos que versem sobre a matéria, especialmente quando se trata de direitos fundamentais e urgentes, como o direito à saúde de uma criança com deficiência. A suspensão indiscriminada dos feitos implicaria em grave prejuízo ao desenvolvimento do menor autor, o que viola o princípio da prioridade absoluta e do melhor interesse da criança e do adolescente, insculpidos no art. 227 da Constituição Federal. A matéria de fundo já foi amplamente debatida e pacificada no âmbito deste Egrégio Tribunal, notadamente pelo julgamento do próprio IAC nº 0018952-81.2019.8.17.9000, cujas teses devem orientar o presente julgamento. Portanto, considerando a natureza do direito em litígio e a ausência de determinação expressa de sobrestamento de todos os feitos, rejeito a preliminar. Ultrapassadas as questões preliminares aventadas, vamos ao mérito propriamente dito do dissídio. O cerne da questão posta a deslinde se refere à obrigatoriedade de a demandada fornecer o tratamento integral e sem limitação de sessões dos procedimentos indicados na inicial, e se deve fazê-lo por prestadores credenciados ou se tais devem ser realizados por experts indicados pela parte autora e custeados pela ré. Da leitura dos autos verifico ser inegável que a parte suplicante sofre de Transtorno do Espectro Autista -TEA (CID 11 6A02.Z 0) e que, segundo relatório médico coligido aos autos, deve se sujeitar a tratamento continuado de equipe multidisciplinar, conforme laudo emitido por médico especialista (Id’s 186111257 e 186111258). No caso em epígrafe, tem-se por imperioso chamar atenção que o autor requer na Petição Inicial o custeio de assistência multidisciplinar, por meio dos métodos indicados, a exemplo do ABA. Inicialmente destaco que o contrato de plano/seguro saúde se submete aos ditames do Código de Defesa do Consumidor e da Lei n. 9.656/98. É dizer, à correlata relação jurídica, são aplicáveis os princípios estatuídos na legislação consumerista, em especial a incidência do princípio da boa-fé objetiva, bem como o reconhecimento da vulnerabilidade dos consumidores e a facilitação de sua defesa (artigo 4º, incisos I e III, e artigo 6º, inciso VIII, ambos da Lei 8.078/90). Ora, de ciência, à semelhança do ocorrente no contrato de plano de saúde, o seguro-saúde tem como objeto o custeio de despesas médico-hospitalares do segurado, quando acometido de algum mal à sua saúde, dando-se tal mediante pagamento direto dos custos pela seguradora aos prestadores diretos dos serviços, quer pelo posterior reembolso de valores. Quanto à indicação do tratamento ou procedimento a ser observado para fins de especificamente se ter o correlato tratamento, tal deve incumbir ao médico que realiza o acompanhamento do paciente e, não à Operadora e/ou Seguradora. Inclusive, havendo expressa indicação médica, tem-se por consolidado jurisprudencialmente o entendimento de se configurar como abusiva a negativa de cobertura de custeio de tratamento, mesmo que tal seja vertido sob o argumento da sua natureza experimental ou por não estar previsto no rol de procedimentos da ANS, significando dizer que a eventual circunstância de o tratamento e/ou técnica solicitados pelo médico-assistente não constar do rol da ANS não resulta, por si só, automaticamente, na exclusão da cobertura. Sendo certo que qualquer limitação atinente à realização de procedimentos necessários expressamente prescritos por médicos à efetivação de tratamentos na realidade traduz objetiva exclusão da prestação dos serviços contratados, configurando-se como abusiva, consoante o artigo 51, "caput", incisos I e IV, do Código de Defesa do Consumidor. Ainda a respeito do imediatamente acima comentado, tem-se que não restam dúvidas de que a exclusão de procedimentos, exames, terapias, tratamentos, deve ser escrita, legível, clara e definida, não se admitindo a exclusão na forma implícita, como bem dispõe o artigo 54, § 4º, do Código de Defesa do Consumidor, assim vertido: "As cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão.". Ademais, deve-se levar em conta o entendimento do STJ que “reconhece a possibilidade do plano de saúde estabelecer as doenças que terão cobertura, mas não o tipo de tratamento utilizado para a cura de cada uma delas.” (AgRg no REsp 1325733/DF, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 15/12/2015, DJe 03/02/2016). Pondere-se ainda, por oportuno, que o C. TJPE já reconheceu que o tratamento de autismo impõe cuidados emergenciais e que qualquer cláusula que negue ou limite o seu tratamento é nula de pleno direito, consoante disposição contida no art. 51, IV do CPC. Neste sentido confira-se: “EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO DE AGRAVO REGIMENTAL INTERPOSTO CONTRA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA PROFERIDA EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO DO CONSUMIDOR. PLANO DE SAÚDE. LIMITAÇÃO DE TRATAMENTO DE CARÁTER EMERGENCIAL. CLÁUSULA ABUSIVA. OMISSÃO NÃO CARACTERIZADA. 1. A decisão aqui impugnada bem destacou que, ao celebrar um contrato de plano de saúde, o consumidor tem a legítima expectativa de que, no caso de ser acometido por determinada enfermidade, a operadora contratada arcará com os custos necessários ao seu pronto restabelecimento. 2. No presente caso, verificou-se que a criança sofre de autismo, necessitando de cuidados emergenciais e que a cláusula que limita o número das sessões de tratamento se enquadra na hipótese elencada no art. 51, IV, do Código de Defesa do Consumidor, sendo, portanto, nula de pleno direito. 3. Desnecessidade de verificação de dispositivo de criação da Agência Nacional de Saúde Suplementar. 4. Embargos de Declaração Improvidos.” (4ª Câmara Cível Embargos de Declaração nº 0195584-0/02, Embargante: Unimed Agreste Meridional - Cooperativa de Trabalho Médico Embargado: J. R. M. S. Relator: Des. Tenório dos Santos). Tal entendimento é inclusive acolhido em outros Tribunais Estaduais. Veja-se: “Ementa: Apelação. Plano de saúde. Ação de obrigação de fazer c.c. indenização por danos morais. Pretensão de compelir a operadora de saúde requerida a custear as terapias prescritas para tratamento de Transtorno do Espectro Autista que acomete a autora. Sentença de parcial procedência. Recurso da ré. Expressa prescrição médica para realização das terapias que torna injustificável a negativa manifestada pela requerida, consubstanciada na falta de previsão no rol editado pela ANS e ausência de comprovação de eficácia. Inteligência da Súmula 102 do E.TJSP. Não cabe ao plano de saúde a escolha dos tratamentos, exames e medicamentos necessários na busca da cura de doença coberta pelo plano de saúde, e tampouco limitar a quantidade de sessões terapêuticas necessárias para o tratamento do paciente. Ademais, à míngua de comprovação de que a empresa requerida disponibilizou em sua rede credenciada clínicas e profissionais aptos para a realização do tratamento "sub judice" em localidades não afastadas a residência da autora, deve a requerida custear direta e integralmente o tratamento de saúde realizado nas clínicas particulares indicadas pela autora. Todavia, a sentença deve ser reformada para excluir a psicopedagogia da cobertura deferida em favor da autora, uma vez que que tal prescrição supera os limites do próprio serviço de assistência médica prestado pela requerida, por se tratar de serviço de natureza educacional. Recurso provido em parte. (TJSP; Apelação Cível 1056435-36.2021.8.26.0100; Relator (a): Emerson Sumariva Júnior; Órgão Julgador: 5ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 40ª Vara Cível; Data do Julgamento: 12/06/2025; Data de Registro: 12/06/2025)”. “Ementa: DIREITO PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. OBRIGAÇÃO DE FAZER. COBERTURA DE DESPESAS PELO PLANO DE SAÚDE. TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA. ROL ANS EXEMPLIFICATIVO. TRATAMENTO INDICADO PELO MÉDICO ASSISTENTE. SENTENÇA MANTIDA. 1. Os planos de saúde podem estabelecer as doenças que irão ofertar cobertura, contudo, o tipo de tratamento adequado para o enfrentamento da doença cabe ao médico que assiste o beneficiário. 2. Negar o tratamento prescrito ao paciente restringe direitos inerentes à natureza do contrato e impede o acesso ao tratamento indispensável e adequado, violando o direito à saúde e o princípio da dignidade da pessoa humana. 3. Apelação não provida. Unânime. (TJDFT-Acórdão 2002964, 0729637-43.2024.8.07.0001, Relator(a): FÁTIMA RAFAEL, 3ª TURMA CÍVEL, data de julgamento: 22/05/2025, publicado no DJe: 11/06/2025.)”. Vale salientar, também, que a Lei nº 12.764/2012, que instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, assegura como direito subjetivo das pessoas autistas o acesso à saúde por meio de atendimento multiprofissional, conforme art. 3º do referido diploma legal: “Art. 3o São direitos da pessoa com transtorno do espectro autista: I - a vida digna, a integridade física e moral, o livre desenvolvimento da personalidade, a segurança e o lazer; II - a proteção contra qualquer forma de abuso e exploração; III - o acesso a ações e serviços de saúde, com vistas à atenção integral às suas necessidades de saúde, incluindo: a) o diagnóstico precoce, ainda que não definitivo; b) o atendimento multiprofissional;” No mais, firme-se que apesar dos julgamentos recentes sobre o tema (C. 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, datado em 08/06/2022; EREsp 1886929 e EREsp 1889704), que decidiram, sem caráter vinculante, que o rol de procedimentos da saúde suplementar seria em regra taxativo, tem-se que diante da superveniente vigência da Lei 14.454/2022, que estabelece critérios que permitam a cobertura de exames ou tratamentos de saúde que não estão incluídos no rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar, o conceito de “rol taxativo” ficou flexibilizado. Daí constatado o overrruling a respeito do tema, circunstância a afastar a incidência na espécie do preconizado no inc. VI do § 1º do art. 489 do Código de Processo Civil, ressalte-se, não ampara a Defesa a tese de que o rol da ANS é taxativo. Portanto, deve ser dada primazia ao tratamento sugerido pela médica-assistente, sobretudo porque há efetiva indicação de eficácia e prescrição médica específica a respeito. Sobrevindo ainda a respeito, mais particularmente na data de 23/06/2022, a edição da Resolução Normativa ANS nº 539/2022, com o seguinte texto: "Altera a Resolução Normativa - RN nº 465, de 24 de fevereiro de 2021, que dispõe sobre o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde no âmbito da Saúde Suplementar, para regulamentar a cobertura obrigatória de sessões com psicólogos, terapeutas ocupacionais e fonoaudiólogos, para o tratamento/manejo dos beneficiários portadores de transtorno do espectro autista e outros transtornos globais do desenvolvimento.". Assim, com a Resolução Normativa acima referida, o art. 6º, da RN nº 539/2022, passou a vigorar acrescido do § 4º, com a seguinte redação: "§ 4º -Para a cobertura dos procedimentos que envolvam o tratamento/manejo dos beneficiários portadores de transtornos globais do desenvolvimento, incluindo o transtorno do espectro autista, a operadora deverá oferecer atendimento por prestador apto a executar o método ou técnica indicados pelo médico assistente para tratar a doença ou agravo do paciente”. Ainda, a ANS editou o Comunicado 95/2022 sobre o tema: "A Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS, no uso das atribuições que lhe confere o inciso III, do art. 55, da Resolução Regimental nº 21, de 26 de janeiro de 2022, considerando a decisão proferida na 14ª Reunião Extraordinária de Diretoria Colegiada, contida no processo SEI nº 33910.019120/2022-91, COMUNICA para todas as operadoras de planos de saúde que por determinação judicial ou por mera liberalidade, dentre outras hipóteses, já estiverem atendendo os beneficiários portadores de transtorno do espectro autista e todos os beneficiários diagnosticados com CIDs que se referem aos Transtornos Globais do Desenvolvimento (CID-10 - F84) em determinada técnica/método/abordagem indicado pelo médico assistente, reconhecidos nacionalmente, tal como a ABA (Análise Aplicada do Comportamento), não poderão suspender o tratamento, sob pena de vir a configurar negativa de cobertura.”. Tem-se, pois, assim, conclusivamente, que fundada em Lei específica, a recente instrução normativa ampliou a cobertura de procedimentos que envolvam o tratamento dos beneficiários portadores de transtornos globais do desenvolvimento, incluindo o Transtorno do Espectro Autista (TEA), objetivando justamente determinar que as operadoras de Plano de saúde ofereçam atendimentos por prestadores aptos a executarem os métodos ou as técnicas indicadas pela médica para o tratamento da doença do autor. Vê-se, pois, que a solução do dissídio posto a deslinde deve se dar mediante a prevalência das indicações explicitadas pelo médico que assiste o requerente, em conjunto com demais terapias, pois evidentemente tais profissionais tem melhores condições técnicas de analisar o caso e objetivamente acompanhar o histórico de saúde da paciente, não se devendo interferir na dinâmica multiprofissional do tratamento indicado, que gira em torno especificamente da doença que acomete dito autor, com justificativa técnica nesse sentido, motivo pelo qual a condenação da requerida em custear parte do tratamento multiprofissional, obviamente nos termos da prescrição médica, afigura-se ser medida que se impõe. Destaca-se ainda que o prescritivo médico específico da situação de saúde do autor não trata de uma terapia isolada, mas sim conjunto de técnicas propostas para aumentar significativamente a resposta futura do requerente. Trata-se basicamente de uma aglutinação de intervenções, que, levando-se em conta a idade e os severos comprometimentos associados ao Transtorno do Espectro Autista, não se deve e não se pode suprimir, face ao recomendado expressamente pelo médico que atende o suplicante. Observe-se por pertinente o enunciado de nº 99, incluído na III Jornada de Direito da Saúde, do Conselho Nacional de Justiça, assim dispõe: "Enunciado 99 - O tratamento multiprofissional do transtorno do espectro autista é de cobertura obrigatória por parte das operadoras de saúde, as quais devem viabilizar ao beneficiário ou equipe multiprofissional credenciada pela operadora de saúde, desde que o método seja reconhecido pelos respectivos conselhos de classe dos profissionais integrantes da referida equipe multiprofissional, ou que esteja expressamente previsto no rol de procedimentos e eventos em saúde da ANS." Deve-se também observar que fere o Princípio da Boa-fé objetiva excluir cobertura de exames, métodos, que possam se tornar indispensáveis ao adequado tratamento do paciente, já que o objetivo do contrato é zelar pela saúde do contratante, e que, consoante expressamente preconiza o caput do art. 47 do Código de Defesa do Consumidor, "As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.". Observem-se ainda as ementas dos seguintes Julgados que socorrem a tese autoral: “PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RESSARCIMENTO DE DESPESAS MÉDICAS C/C COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. PLANO DE SAÚDE . TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA. TERAPIAS MULTIDISCIPLINARES. COBERTURA. NEGATIVA INDEVIDA . 1. A Segunda Seção, por ocasião do julgamento do EREsp 1.889.704/SP, em 8/6/2022, embora tenha fixado a tese quanto à taxatividade, em regra, do rol de procedimentos e eventos em saúde da ANS, negou provimento aos embargos de divergência opostos pela operadora do plano de saúde para manter acórdão da Terceira Turma que concluiu ser abusiva a recusa de cobertura de sessões de terapia especializada prescritas para o tratamento de transtorno do espectro autista (TEA) . 2. Superveniência de normas regulamentares de regência e de determinações da ANS que tornaram expressamente obrigatória a cobertura de qualquer método ou técnica indicado pelo médico assistente, em número ilimitado de sessões com fonoaudiólogos, psicólogos, terapeutas ocupacionais e fisioterapeutas, para o tratamento/manejo do transtorno do espectro autista (TEA). 3. Agravo interno não provido. (STJ - AgInt no REsp: 2023983 SP 2022/0275399-6, Data de Julgamento: 06/03/2023, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 09/03/2023).” "Apelação cível. Plano de saúde. Cobertura para tratamento pelos métodos ABA, Denver. Sentença improcedência. 1.Relação de consumo configurada. Aplicação da Lei 12.764/2012. Aplicação da Súmula 608 do STJ. Contrato que deve ser interpretado em favor do consumidor. Resolução Normativa da ANS prevê cobertura para sessões de fisioterapia, fonoterapia, psicologia e terapia ocupacional. Norma regulamentadora não especifica metodologias e não deve ser interpretada restritivamente. Cláusula que limita tratamento prescrito pelo médico que acompanha o paciente fere a boa-fé objetiva e desnatura a própria finalidade do contrato. Se a doença tem cobertura contratual, os tratamentos disponíveis pelo avanço da medicina também terão. Limitação não pode atingir objeto central do contrato. Aplicação da Súmula 96 desta Corte de Justiça. Interpretação da Súmula 102 desta Corte. 2.Tratamento amplamente indicado pela comunidade médica. Não se trata de método experimental ou educacional. Reembolso integral, visto que a ré não dispõe de profissionais habilitados em sua rede credenciada. Limitação imposta ao número de sessões fere a natureza do contrato e coloca o consumidor em desvantagem exagerada. 3.Neste momento processual, não há aplicabilidade do EREsp 1.886.929, vez se tratar de decisão não unânime, sem caráter vinculante, envolvendo direitos protegidos constitucionalmente. Apelação provida." (TJSP; Apelação Cível 1008708-84.2021.8.26.0002; Relator (a): Edson Luiz de Queiróz; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional II - Santo Amaro - 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 29/08/2022)”. "APELAÇÃO. PLANO DE SAÚDE. AUTISMO. Negativa de cobertura de tratamento. Sentença de improcedência da ação. Inconformismo da parte autora. Abusividade. Artigo 51, "caput", incisos IV e XV, e § 1º, incisos I e II, do Código de Defesa do Consumidor, e Súmula nº 102, desta Corte. Previsão de cobertura mínima que não se impõe irrestritamente aos contratos. Avença celebrada entre as partes que não possui qualquer limitação.Violação dos princípios da boa-fé objetiva, função social do contrato, vedação das práticas abusivas e dignidade da pessoa humana. Criança portadora de transtorno do espectro autista (TEA). Necessidade de tratamento multidisciplinar específico – terapia e fonoterapia, ambas sob o método de integração sensorial) e terapia cognitivo – comportamental. Método ABA - atendimento multidisciplinar, composto por análise de profissionais e áreas do conhecimento já custeadas pelos planos de saúde, como psicólogos, psicoterapeutas, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos, entre outros, mas com uma abordagem diferenciada e especializada, não se tratando de método experimental. Estudo técnico NAT/JUS/SP concluiu que se trata de uma possibilidade terapêutica. Tutela dos superiores interesses dos menores com absoluta prioridade (artigo 227, "caput", da Constituição Federal) e do direito à saúde integral e ao atendimento multidisciplinar dos portadores do espectro autista, nos termos do artigo 3º, inciso III, da Lei da Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, nº 12.764/2012. Sentença reformada. Recurso provido." (TJSP; Apelação Cível 1009090-93.2019.8.26.0084; Relator (a): Rogério Murillo Pereira Cimino; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional de Vila Mimosa - 5ª Vara; Data do Julgamento: 20/04/2021).” Ressalte-se que estando o tratamento multidisciplinar prescrito por médico especializado, de confiança do autor, tem a ré a obrigação contratualmente assumida de arcar com as despesas para sua realização. A cobertura securitária é, portanto, obrigatória, desde que vigente o contrato, de modo que a negativa da requerida configura ilícito contratual. Firme-se que nos termos do já pacificado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, em não havendo na rede conveniada por Operadora de Plano de Saúde ou Seguradora de Saúde profissional apto para atender à necessidade de prescrição pertinente a tratamento necessário à cura e/ou óbice a agravamento de doença, cabe a cobertura, devendo, ditos entes, assumir o ônus pertinente, inclusive de forma integral. Observe-se: “AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PLANO DE SAÚDE. TRATAMENTO MÉDICO EM REDE NÃO CREDENCIADA. URGÊNCIA. REEMBOLSO. DANO MORAL AFASTADO. AGRAVO INTERNO PROVIDO PARA CONHECER DO AGRAVO E DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL. 1. Nos casos em que não seja possível a utilização dos serviços médicos próprios, credenciados ou conveniados, a operadora de assistência à saúde responsabiliza-se pelo custeio das despesas médicas realizadas pelo segurado, mediante reembolso. 2. Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o descumprimento contratual por parte da operadora de saúde que culmina em negativa ilegítima de cobertura para procedimento de saúde somente enseja reparação a título de danos morais quando houver agravamento da condição de dor, abalo psicológico e prejuízos à saúde já debilitada do paciente, o que não ficou demonstrado no caso dos autos. 3. Agravo interno provido para, reconsiderando a decisão agravada, conhecer do agravo para dar parcial provimento ao recurso especial. (AgInt no AREsp n. 1.982.261/SP, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 14/11/2022, DJe de 24/11/2022).” “PLANO DE SAÚDE. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRATAMENTO REALIZADO FORA DA REDE CREDENCIADA EM VIRTUDE DA EXCLUSIVIDADE DA TÉCNICA UTILIZADA. REEMBOLSO INTEGRAL DE DESPESAS MÉDICO-HOSPITALARES. CABIMENTO. REEXAME DE FATOS E PROVAS (SÚMULA 7/STJ). AGRAVO NÃO PROVIDO. PROCESSUAL CIVIL. SEGUNDO AGRAVO INTERNO CONTRA A MESMA DECISÃO. PRINCÍPIO DA UNIRRECORRIBILIDADE. SEGUNDO AGRAVO NÃO CONHECIDO. 1. A colenda Segunda Seção firmou o entendimento de que "o reembolso das despesas médico-hospitalares efetuadas pelo beneficiário com tratamento/atendimento de saúde fora da rede credenciada pode ser admitido somente em hipóteses excepcionais, tais como a inexistência ou insuficiência de estabelecimento ou profissional credenciado no local e urgência ou emergência do procedimento" (EAREsp 1.459.849/ES, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, j. em 14/10/2020, DJe de 17/12/2020). 2. O Tribunal de origem, com arrimo no acervo fático-probatório carreado aos autos, concluiu que não há na rede credenciada da recorrente estrutura necessária ao tratamento da enfermidade que acomete o recorrido, razão pela qual se impõe o dever da operadora de arcar com os custos do tratamento realizado com o profissional médico contratado pelo paciente. A pretensão de modificar tal entendimento demandaria a análise do acervo fático-probatório dos autos, o que é vedado pela Súmula 7 do STJ. 3. Também é entendimento desta Corte Superior que, nos casos em que não seja possível a utilização dos serviços médicos próprios, credenciados ou conveniados, o reembolso, pela operadora de assistência à saúde, do custeio das despesas médicas realizadas pelo segurado deve ficar limitado aos valores indicados na tabela da operadora de plano de saúde, ainda que se trate de inexistência de estabelecimento credenciado no local ou impossibilidade de utilização dos serviços próprios da operadora. 4. No caso, existe a peculiaridade, destacada no acórdão recorrido, de ser o tratamento pleiteado prestado, com exclusividade, pelo serviço médico utilizado pelo paciente, ou seja, não é ofertado pelo plano de saúde da ré através da rede credenciada, razão pela qual não há como se falar em aplicação da tabela da operadora do plano de saúde para atendimentos semelhantes, devendo o reembolso ser realizado de forma integral. 5. A interposição de dois recursos pela mesma parte e contra a mesma decisão impede o conhecimento do segundo recurso, haja vista a preclusão consumativa e o princípio da unirrecorribilidade das decisões. 6. Primeiro agravo interno não provido. Segundo agravo interno não conhecido (STJ - AgInt no AgInt nos EDcl no AREsp: 1704048 SP 2020/0118641-2, Relator: Ministro RAUL ARAÚJO, Data de Julgamento: 24/08/2021, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 01/09/2021. No mesmo sentido: STJ - AgInt no AREsp 1632886 SP 2019/0361498-5, Relator: Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, Data de Julgamento: 22/11/2021, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 26/11/2021)”. Urge aludir que o art. 2º da Lei nº14.454/2022, alterou o §12 do art.10 da Lei nº 9656/1998, o qual passou a ter a seguinte redação: “§12 - O rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar, atualizado pela ANS a cada nova incorporação, constitui a referência básica para os planos privados de assistência à saúde contratados a partir de 1º de janeiro de 1999 e para os contratos adaptados a esta Lei e fixa as diretrizes de atenção à saúde. (Incluído dada pela Lei nº 14.454, de 2022).” No tocante à psicopedagogia, deve ser contemplada nas sessões de psicologia, as quais, de acordo com a ANS, têm cobertura obrigatória e ilimitada pelas operadoras de planos de saúde, especialmente no tratamento multidisciplinar do beneficiário com TEA. Todavia, no que concerne ao aplicador Assistente Terapêutico em ambiente escolar, melhor sorte não assiste a parte autora, uma vez que o Superior Tribunal de Justiça já firmou entendimento no sentido da desnecessidade de cobertura pelo plano de saúde para assistente terapêutico domiciliar e escolar, dada a ausência de regulamentação da profissão. Nessa toada, veja-se: DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. PLANO DE SAÚDE. TRATAMENTO MULTIDISCIPLINAR PARA TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA. NEGATIVA PARCIAL DE COBERTURA. MÉTODO ABA. AMBIENTE ESCOLAR E DOMICILIAR. COBERTURA OBRIGATÓRIA RESTRITA AO ÂMBITO CLÍNICO. DANO MORAL CONFIGURADO. REEXAME DE PROVAS E CLÁUSULAS CONTRATUAIS. SÚMULAS 5, 7 E 83 DO STJ. RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO. I. CASO EM EXAME 1. Recurso especial interposto por plano de saúde contra acórdão que, mantendo parcialmente sentença de procedência, reconheceu a obrigação da operadora em custear tratamento multidisciplinar indicado a menor com Transtorno do Espectro Autista, inclusive pelo método ABA em ambiente clínico, afastando a obrigatoriedade de cobertura em ambiente escolar e domiciliar. O acórdão também fixou indenização por danos morais no valor de R$ 5.000,00. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há duas questões em discussão: (i) definir se é devida a cobertura do tratamento com assistente terapêutico pelo método ABA em ambiente escolar, domiciliar e de consultório; (ii) apurar se é cabível a indenização por danos morais em razão da negativa parcial de cobertura de tratamento de saúde necessário. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O STJ tem firmado entendimento de que a cobertura de terapias multidisciplinares para pacientes com Transtorno do Espectro Autista é obrigatória, inclusive quanto ao método ABA, desde que realizado em ambiente clínico e por profissionais habilitados. 4. A jurisprudência da Terceira Turma do STJ é unânime no sentido de que a cobertura contratual não se estende, salvo previsão expressa, ao acompanhamento em ambiente escolar ou domiciliar realizado por profissionais do ensino ou não habilitados pela área da saúde. 5. A revisão do entendimento do Tribunal de origem demandaria reexame do conjunto probatório e das cláusulas contratuais, providência vedada em recurso especial, conforme as Súmulas 5 e 7 do STJ. 6. O acórdão recorrido encontra-se em consonância com a jurisprudência consolidada do STJ, atraindo a aplicação da Súmula 83/STJ. IV. DISPOSITIVO 7. Recurso especial não conhecido. (REsp n. 2.192.617/RN, relatora Ministra Daniela Teixeira, Terceira Turma, julgado em 23/6/2025, DJEN de 26/6/2025).” À vista de tais considerações, conclusivamente, reconheço a procedência parcial do pedido de condenação da demandada a custear alguns dos tratamentos multidisciplinares, conforme recomendação do médico-assistente. No tocante aos danos morais, entendo ser hipótese de acolhimento da pretensão relativa ao reconhecimento da sua incidência. Com efeito, tendo-se constatado que a demandada na prática ilicitamente negou a integral cobertura contratual à realização de tratamento multidisciplinar prescrito e que se afigurava por ocasião necessário, exsurge relação de direito material entre si e o autor, decorrente essa de violação perpetrada pela mesma aos direitos daquele constitucionalmente consubstanciados no 5º, X, da Magna Carta. Respaldando-se daí a assertiva inicial e constitutiva do nexo causal (evento ilícito - dano moral). De fato, sabidamente, tem-se que diante da própria disposição explícita da Constituição Federal (art. 5º, incs. V e X), o Dano Moral é realidade inquestionável, sendo daí pertinente o reconhecimento da possibilidade de se ter oportunização à compensação pecuniária diante da incidência de condutas que não atingem o patrimônio material da vítima. Como, aliás, salienta Yussef Said Cahali[1], “ ... a Constituição de 1988 apenas elevou à condição de garantia dos direitos individuais a reparabilidade dos danos morais, pois esta já estava latente na sistemática legal anterior; não sendo aceitável, assim, pretender-se que a reparação dos danos dessa natureza somente seria devida se verificados posteriormente à referida Constituição.”. Ora, em conclusão, de detida análise das definições supracitadas, advém inarredável percepção de incidência de estreita relação entre dano moral e direitos da personalidade, ou seja, daqueles que compõem a integridade física (vida, partes do corpo, cadáver), direitos concernentes à liberdade e à integridade espiritual (honra, imagem, intimidade, identidade e segredo). Ou, ainda, se quiser se dar caráter negativo à definição ou noção a respeito, em linhas gerais, pode-se dizer que o dano moral seria aquele que não repercute no patrimônio material da vítima. Essa é atingida em aspectos de sua personalidade. A lesão, em lugar de resultar uma diminuição patrimonial, acarreta a sensação de desconforto, de dor. Conforme já de há muito pretoriamente asseverado, “Tratando-se de contrato de seguro-saúde sempre haverá a possibilidade de conseqüências danosas para o segurado, pois este, após a contratação, costuma procurar o serviço já em evidente situação desfavorável de saúde, tanto a física como a psicológica.” (STJ - REsp 657717/RJ). Sendo, aliás, no âmbito estadual, matéria já sumulada (Súmula 35 – A negativa de cobertura fundada em cláusula abusiva de contrato de assistência à saúde pode dá ensejo à indenização por dano moral). Veja-se que sendo negado tal pleito, viu-se o autor, a despeito da relação contratual existente, injustamente impedida de objetivamente gozar integralmente da justa expectativa que possui relativamente aos serviços contratados. Sofrendo então injusto vilipêndio. Hábil a possibilitar a compensação pecuniária pleiteada, segundo, aliás, como visto, já pacificado no âmbito do STJ. A outro tanto se registre pacificado o entendimento no sentido da desnecessidade de demonstração acerca da incidência dos danos morais respectivos, vez que de âmbito interno. Daí já ter decidido o Superior Tribunal de Justiça que o reconhecimento de respectiva incidência “Independe de reflexo patrimonial, pois, do contrário, estar-se-ia a reparar o dano econômico indireto. ” (STJ, 3ª Turma, Resp. 64.699-5-RO, rel. Min. Costa Leite, j. 19.11.96, DJU 16.03.98, IOB 10/195). Pertinente ainda a lembrança de que nos termos do enunciado da Tese 1.4. advinda do julgamento pelo Egrégio TJPE do IAC n° 0018952-81.2019.8.17.900: “A negativa de custeio das terapias multidisciplinares de cobertura contratual obrigatória para tratamento do Transtorno do Espectro Autista poderá ensejar reparação por danos morais, mesmo antes da entrada em vigor da Resolução Normativa da ANS nº 539/2022.” Destaque-se que, não obstante o IAC nº 0018952-81.2019.8.17.9000, não ter força vinculante, em razão do efeito suspensivo modulado ao Recurso Especial interposto pela Sul América Companhia de Seguro Saúde, no entanto, permanece a eficácia persuasiva das teses fixadas, até ulterior pronunciamento do STJ. Observe-se a respeito a ementa do seguinte Julgado: “RECURSO DE APELAÇÃO.DIREITO CIVIL. DIREITO DO CONSUMIDOR. PLANO DE SAÚDE. TRATAMENTO MULTIDISCIPLINAR. AUTISMO. CUSTEIO FORA DA REDE CREDENCIADA QUANDO INEXISTENTE PROFISSIONAL OU ESTABELECIMENTO APTO AO EFETIVO TRATAMENTO. POSSIBILIDADE.DANO MORAL CONFIGURADO. QUANTUM DEVIDAMENTE FIXADO. PRECEDENTES DO STJ E DO TJPE. APELO IMPROVIDO. 1. O plano de saúde deve cobrir integral e efetivamente o tratamento do transtorno do espectro autista, conforme previsão da Lei nº 9.656/98, para as doenças listadas no CID 10. 2. Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor ao caso em exame, em observância à Súmula 608 do STJ. 3. Não tendo a apelante comprovado a existência, em sua rede credenciada, de profissionais e/ou estabelecimentos habilitados para o tratamento prescrito pelo médico assistente, deverá arcar com o custo do tratamento realizado com profissionais não conveniados. 4. A privação de efetivo tratamento quando a doença é grave e requer cuidados imediatos e contínuos, pois do contrário compromete-se a própria sobrevivência do paciente, configura dano moral, por acarretar abalo psicológico, apreensão e aflição. 5. Os danos morais, no caso em exame, devem ser mantidos no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), por ser adequado às peculiaridades do caso concreto, não se mostrando exorbitante e nem irrisório. (TJPE - Apelação Cível nº 0018097-55.2016.8.17.2001, Relator Des. Raimundo Nonato de Souza Braid Filho (1ª CC), Julgado em 24/02/2023). Relativamente ao quantum compensatório pelo reconhecimento do dano moral sofrido pela parte autora, tenho inicialmente que de há muito incide no âmbito do STJ a sugestão de parâmetros de fixação, pois dita Corte assim já se pronunciou: "o valor da indenização por dano moral sujeita-se ao controle do Superior Tribunal de Justiça, sendo certo que, na fixação da indenização a esse título, recomendável que o arbitramento seja feito com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao nível socioeconômico dos autores e, ainda, ao porte econômico dos réus, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e do bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso" (REsp. n°s. 214.381-MG, 145.358-MG, e 135.202-SP, Rel. Min. Sálvio Figueiredo Teixeira, DJU, respectivamente, 29.11.99, 01.03.99 e 03.08.98). Destarte, consideradas as peculiaridades do caso em questão e tendo em vista os princípios de moderação e razoabilidade, entendo ser justo e necessário fixar o importe compensatório pertinente em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), sendo tal imposição plenamente justificável para que de um lado se tenha a devida compensação pelos transtornos passados pelo autor e, de outro, medida verdadeiramente pedagógica, pois destinada a de tentar evitar conduta explicitamente prejudicial aos seus contratantes/consumidores. Ainda no que tange ao arbitramento do quantum compensatório, utilizo-me do método bifásico definido pelo STJ para sua fixação. Insta salientar que neste método se estabelece primeiro um valor base a ser estipulado a partir da observação de precedentes semelhantes, assegurando-se a justiça comutativa. Decidido o valor base, deve-se então analisar as especificidades do caso para adequar o quantum primário a um valor final que reflita de maneira concreta e adequada compensação pecuniária pelo dano sofrido. Assim, com base nos precedentes encontrados referentes às hipóteses semelhantes e consideradas as peculiaridades do caso, fixo o dano moral em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), o que certamente não importará em enriquecimento sem causa ao autor e, tampouco, empobrecimento da ré. Urge elucidar que ter o autor comprovado o dispêndio de R$ 750,00 com consultas particulares (Id. 186111263), em razão da alegada ausência de profissional na rede da ré, conquanto a operadora não produziu prova em contrário. Assim, com base na Tese 1.3, alínea 'b', do IAC nº 0018952-81.2019.8.17.9000, o reembolso integral do valor é medida que se impõe. Diante o exposto, nos termos do inciso I, do art. 487 do Código de Processo Civil, julgo parcialmente procedentes os pedidos autorais para o fim de imputar à ré, no prazo de 10 (dez) dias, a obrigação de custear integralmente a inserção do autor nos seguintes programa de assistência multidisciplinar com equipe especializada em portadores de TEA e com experiência nos métodos solicitados no laudo de Id 186111257, a saber: Terapia Comportamental baseada em Análise do Comportamento Aplicada (ABA), aplicada por mediador terapêutico (AT) sendo 10h/semana em clínica; Fonoaudiólogo com CAA/PROMPT avançado/ABA 3h/semana; Terapeuta Ocupacional com Integração Sensorial 3h/semana (ou 06 sessões) e Psicopedagogo Clínico 2h/semana, enquanto durar o tratamento da doença da qual o autor é portador, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 (mil reais), limitada a R$ 100.000,00 (cem mil reais). Todos os tratamentos deverão ser realizados preferencialmente na rede credenciada da demandada ressalvada a hipótese de inexistência de locais e profissionais aptos e habilitados e/ou de disponibilidade de horários, a ensejar a possibilidade de realização dos procedimentos em rede particular, desde que através de profissionais aptos e habilitados, com custeio pela parte demandada. Para tanto, deverá a parte autora, futura e oportunamente, diligenciar nestes autos, apresentando, sempre que necessário, orçamento detalhado, com montante específico o suficiente para tratamento ininterrupto por 3 meses futuro, bem como, deverá colacionar aos autos as notas fiscais de cada serviço já prestado. Fica a demandada condenada ainda a pecuniariamente compensar o demandante pelos danos morais que lhe impingiu, no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), quantia arbitrada levando em conta a gravidade objetiva do dano, a personalidade da vítima, a conduta reprovável aperfeiçoada e a necessidade de fazer com que a ré, sendo empresa de abrangência nacional, atue com fidelidade e respeito aos direitos constitucionais e infraconstitucionais dos consumidores. Sobre tal montante a correção monetária deverá ser realizada nos termos da Lei nº 14.905/2024. Frise-se que os juros legais e a correção monetária incidem a partir do arbitramento, conforme entendimento consolidado pelo C. Superior Tribunal de Justiça segundo o qual a indenização por dano moral só passa a ter expressão em dinheiro a partir da decisão judicial que a arbitrou. Condeno, também, a demandada a reembolsar o valor de R$ 750,00 (setecentos e cinquenta reais), acrescido de correção monetária, nos termos da Lei nº 14.905/2024, a partir do desembolso e juros de mora de 1% ao mês a contar da citação. Por fim, diante da sucumbência recíproca, condeno a parte autora ao pagamento de 20% (cinquenta por cento) das custas processuais, valor esse monetariamente corrigido, bem como ao pagamento de honorários advocatícios que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor dado à causa, esse monetariamente corrigido, na forma do artigo 85, §2º, do Código de Processo Civil, mas a exigibilidade da condenação ficará suspensa, ante o deferimento da gratuidade da justiça. Por outro lado, fica a ré condenada ao pagamento do equivalente a 80% (oitenta por cento) das custas processuais, valor esse monetariamente corrigido, cujo adimplemento deve ser comprovado nos autos, no prazo de 15 (quinze) dias e, ainda, a pagar honorários advocatícios de sucumbência que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor dado à causa, valor esse monetariamente corrigido, na forma do artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil. Publique-se. Intimem-se, dando-se ciência ao Representante do Ministério Público em atuação perante este Juízo de Direito. Em caso de oposição de Embargos de Declaração, proceda-se imediatamente à conclusão dos autos. Para a hipótese de ser interposto Recurso de Apelação, proceda-se à intimação da parte recorrida para que apresente Contrarrazões, querendo, no prazo de 15 dias. Encerrado dito prazo, remetam-se os autos ao Tribunal de Justiça. Certifique-se quanto a eventuais despesas processuais remanescentes, oficiando a Fazenda Pública Estadual na hipótese de débito superior a R$ 4.000,00, forma do art. 3º, I do Provimento nº 3/2022-CM (DJe de 16/03/2022), ou, alternativamente informando ao Comitê gestor de Arrecadação caso inferior tal débito, sempre indicando acerca da suspensão de exigibilidade nos casos em que a parte gozar dos benefícios da justiça gratuita. Certificado o trânsito em julgado e inocorrentes pendências relativas ao custeio da atividade jurisdicional, ao arquivo. Recife, data da assinatura eletrônica. Dario Rodrigues Leite de Oliveira Juiz de Direito [1] Cahali, Yussef Said, in Dano Moral, 2.ª ed., rev., atual. e ampl., 3.ª tir. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 53.
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