Processo nº 0834564-35.2024.8.20.5001
ID: 276435761
Tribunal: TJRN
Órgão: Gab. Des. Amilcar Maia na Câmara Cível
Classe: APELAçãO / REMESSA NECESSáRIA
Nº Processo: 0834564-35.2024.8.20.5001
Data de Disponibilização:
22/05/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE TERCEIRA CÂMARA CÍVEL Processo: APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA - 0834564-35.2024.8.20.5001 Polo ativo JUÍZO DE DIREITO DA 1ª VARA …
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE TERCEIRA CÂMARA CÍVEL Processo: APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA - 0834564-35.2024.8.20.5001 Polo ativo JUÍZO DE DIREITO DA 1ª VARA DE EXECUÇÃO FISCAL E TRIBUTÁRIA DA COMARCA DE NATAL/RN e outros Advogado(s): Polo passivo FRIGORIFICO ESTRELA COMERCIO ATACADISTA LTDA Advogado(s): VANILDO CUNHA FAUSTO DE MEDEIROS Ementa: DIREITO TRIBUTÁRIO E CONSTITUCIONAL. REMESSA NECESSÁRIA E APELAÇÃO CÍVEL. MANDADO DE SEGURANÇA. ICMS. REGIME ESPECIAL DE FISCALIZAÇÃO E CONTROLE. LEGITIMIDADE. IMPOSIÇÃO DE RECOLHIMENTO DIÁRIO DO TRIBUTO. POSSIBILIDADE. BLOQUEIO DE EMISSÃO DE NOTAS FISCAIS. SANÇÃO POLÍTICA. MEIO COERCITIVO DE COBRANÇA DE TRIBUTOS. INCONSTITUCIONALIDADE. OFENSA AO PRINCÍPIO DA LIVRE INICIATIVA. SEGURANÇA PARCIALMENTE CONCEDIDA. PROVIMENTO PARCIAL DA REMESSA OFICIAL E DO APELO. I. CASO EM EXAME 1. Remessa necessária e apelação cível interpostas pela Fazenda Estadual contra sentença que concedeu integralmente a segurança requerida nos autos de mandado de segurança impetrado contra ato do Coordenador de Fiscalização da Secretaria de Estado da Tributação, reconhecendo a ilegitimidade do ato de inclusão da impetrante no regime especial de fiscalização e controle. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há duas questões em discussão: (i) definir se o Coordenador de Fiscalização da SET/RN possui legitimidade passiva para responder pelo ato administrativo impugnado; e (ii) estabelecer se a imposição do regime especial de fiscalização e controle à contribuinte impetrante, com o tratamento diferenciado para recolhimento do imposto e o consequente bloqueio da emissão de notas fiscais constituem medidas legítimas do Fisco ou sanções políticas inconstitucionais. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O Coordenador de Fiscalização da SET/RN detém competência delegada para a adoção e execução de medidas relacionadas ao regime especial de fiscalização e controle, razão pela qual possui legitimidade passiva para figurar como autoridade coatora, nos termos da jurisprudência do STJ e da Súmula 510 do STF. 4. A jurisprudência consolidada do STF (Súmulas 70, 323 e 547 e Tema 856 da repercussão geral) e do STJ veda a adoção de medidas que impliquem em restrição ao exercício de atividade econômica como forma coercitiva de cobrança de tributos inadimplidos, caracterizando tais atos como sanções políticas. 5. É legítima, no entanto, a inclusão de contribuinte inadimplente em regime especial de fiscalização e controle, com previsão de recolhimento diferenciado do ICMS, desde que tal medida não se traduza em impedimento ao exercício regular da atividade empresarial, como o bloqueio da emissão de notas fiscais. 6. A sentença, ao afastar integralmente a portaria que submeteu a impetrante ao regime especial de fiscalização e controle, contrariou a jurisprudência dominante, devendo ser reformada parcialmente para manter a inclusão da apelada no referido regime, vedando-se apenas o bloqueio de emissão de notas fiscais como forma de coerção para pagamento de tributos. IV. DISPOSITIVO E TESE 7. Remessa necessária e apelação cível parcialmente providas. Tese de julgamento: “1. O Coordenador de Fiscalização da SET/RN possui legitimidade passiva para responder por ato administrativo que impõe regime especial de fiscalização, quando detém competência delegada para execução ou correção do ato. 2. É constitucional a imposição de regime especial de fiscalização a contribuinte inadimplente, desde que não implique em impedimento ao exercício regular da atividade econômica. 3. O bloqueio da emissão de notas fiscais como meio de cobrança indireta de tributos configura sanção política inconstitucional e deve ser afastado.” Dispositivos relevantes citados: CF/1988, arts. 5º, XIII; 170, parágrafo único; Lei Estadual nº 6.968/1996, art. 56, par. ún.; Decreto Estadual nº 31.825/2022 (RICMS/RN), art. 711, § 1º. Jurisprudência relevante citada: STF, Súmulas 70, 323, 510 e 547; STF, ARE 914.045 RG (Tema 856), rel. Min. Edson Fachin, Pleno, j. 15.10.2015; STJ, RMS 51.523/CE, rel. Min. Gurgel de Faria, 1ª Turma, j. 08.06.2017; STJ, AgRg no RMS 27.138/SE, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, 1.ª Turma, j. 17.03.2016; STJ, RMS 22.968/SE, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, j. 10.08.2010; TJRN, AC 0810664-72.2014.8.20.5001, Rel. Juiz Convocado Diego de Almeida Cabral, 3.ª C. Cível, j. 27.10.2022; TJRN, AC 0815387-66.2021.8.20.5106, rel.ª Juíza Convocada Maria Neíze de Andrade Fernandes, 3.ª C. Cível, j. 11.05.2022; TJRN, RN/AC 0840620-84.2024.8.20.5001, rel. Des. Ibanez Monteiro, 2.ª C. Cível, j. 05.12.2024. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima identificadas: Acordam os Desembargadores que integram a Terceira Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, em Turma, à unanimidade de votos, em conhecer e prover parcialmente a remessa necessária e a apelação cível interposta pela Fazenda Estadual, reformando a sentença recorrida, nos termos do voto do relator, que fica fazendo parte integrante deste acórdão. RELATÓRIO Remessa necessária e apelação cível interposta pelo ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE contra sentença proferida pelo Juízo da 1.ª Vara de Execução Fiscal e Tributária da Comarca de Natal que concedeu a segurança requerida pela empresa FRIGORÍFICO ESTRELA COMÉRCIO ATACADISTA LTDA., ora apelada, no mandado de segurança registrado sob o n.º 0834564-35.2024.8.20.5001, impetrado contra ato do Coordenador de Fiscalização da Secretaria de Estado da Tributação do Rio Grande do Norte, reconhecendo “a nulidade/inconstitucionalidade da Portaria-SEI Nº 449, de 29 de Junho de 2023 (ID 122160701 - Pág. 3), e por conseguinte, afastar a técnica da antecipação tributária imposta pelo Fisco Estadual em face da Empresa Impetrante, afastando-se os atos que lhe imponham a submissão a regime especial de fiscalização, com a consequente emissão regular de suas notas fiscais” (p. 198). Na sua peça recursal (p. 230-49), o ESTADO alega que: (i) a empresa apelada impetrou mandado de segurança “se insurgindo contra a cobrança antecipada do ICMS e a instituição de Regime Especial de Fiscalização e Controle” (p. 232); (ii) “o regime especial de fiscalização e controle não foi determinado pela autoridade impetrada, mas sim, pela Secretária Adjunta da Secretaria da Fazenda” (p. 233), daí a ilegitimidade passiva das autoridades apontadas como coatoras, impondo-se a extinção do processo; (iii) “a lei de regência do ICMS no Estado do Rio Grande do Norte, a Lei Estadual nº 6.968/1996, dispõe que o contribuinte que se enquadrar nos incisos do art. 55 da referida lei, será submetido a regime especial de fiscalização e controle, sem prejuízo das multas e demais penalidades” (p. 235), sendo certo que “tal providência inibe a concorrência desleal que seria provocada quando o sujeito passivo se furta de recolher o tributo devido, em flagrante vantagem competitiva em relação aos contribuintes regularmente inscritos e cumpridores de suas obrigações tributárias” (p. 236); (iv) “a instituição do Regime Especial de Fiscalização não impede, de qualquer forma, o regular funcionamento da empresa apelada, mas apenas retira dela determinadas facilidades que são concedidas apenas aos contribuintes que cumprem regularmente com suas obrigações tributárias. Cai por terra, assim, toda a argumentação atinente à suposta “sanção política”, inexistente na hipótese” (p. 236, destaques originais); (v) “quanto à possibilidade de se instituir o Regime Especial de Tributação nas empresas irregulares perante o Fisco, cumpre trazer à baila o ‘Leading case’ julgado pelo Supremo Tribunal Federal nos autos do RE 627.543/RS, no qual a Suprema Corte fixou entendimento no sentido da constitucionalidade da inclusão no Regime Especial de contribuintes em débito com o Fisco, sem que houvesse sanção política, haja vista a inexistência de restrição desproporcional ao exercício da atividade econômica, não se tratando de forma de cobrança indireta de tributo, mas sim de garantia da livre concorrência, por meio da neutralidade tributária” (p. 241, destaques originais); (vi) “conferir tratamento igualitário às empresas inadimplentes e às empresas que, não obstante o álibi da crise financeira, efetuam regularmente o pagamento de seus impostos e adquirem seus produtos licitamente, implica em afronta ao Princípio da Isonomia, beneficiando quem está errado em detrimento de quem está certo” (p. 243). Requer, o ESTADO, assim, o conhecimento e provimento do seu apelo para, reformando a sentença, denegar-se a segurança pleiteada pela apelada. Contrarrazões pela apelada às p. 254-60 pugnando pelo desprovimento do recurso estatal, com a manutenção da sentença. O Ministério Público deixou de intervir no feito (p. 263). É o relatório. VOTO Presentes os requisitos de admissibilidade recursal, conheço da remessa necessária e da apelação interposta pela Fazenda Estadual. De início, ressalto que a tese de ilegitimidade passiva da autoridade impetrada (Coordenador de Fiscalização da SET/RN) suscitada pelo ESTADO somente foi arguida nesta instância recursal, não constando da sua defesa do ato coator (p. 162-84), o que poderia levar à conclusão de que se cuida de inadmissível inovação recursal, não tendo sido matéria submetida ao crivo do Juízo de origem. No entanto, observo que a autoridade impetrada levantou a questão da sua ilegitimidade passiva nas informações prestadas (vide p. 73), sem mencionar que, por se tratar de matéria de ordem pública, a alegação de ilegitimidade pode ser arguida em qualquer tempo e grau de jurisdição, bem como que se está a analisar, no caso, também uma remessa necessária. Assim sendo, a despeito da omissão da sentença em tratar deste ponto, passo a examiná-lo a seguir. Para o ESTADO, uma vez que o ato de enquadramento da impetrante/apelada no regime especial de fiscalização e controle (Portaria-SEI n.º 449/2024) foi assinado pela Secretária Adjunta da Secretaria da Fazenda deveria o mandamus ter sido impetrado contra tal autoridade, e não contra o Coordenador de Fiscalização da SET/RN. Entendo, todavia, que, conquanto também se possa atribuir à Secretária Adjunta da Secretaria da Fazenda a legitimidade para figurar no polo passivo da ação mandamental, por ter assinado o ato de inclusão da apelada no regime especial de fiscalização e controle, não se pode negar que o Coordenador de Fiscalização da SET/RN detém, por delegação, atribuição para adotar providências tendentes a executar ou corrigir o ato combatido (art. 56, par. ún., da Lei Estadual n.º 6.968/1996 e art. 711, § 1.º, do RICMS – Decreto Estadual n.º 31.825/2022) e, conforme compreende o STJ, “[a] autoridade coatora, para fins de impetração de mandado de segurança, é aquela que pratica ou ordena, de forma concreta e específica, o ato ilegal, ou, ainda, aquela que detém competência para corrigir a suposta ilegalidade” (AgRg no RMS 37.924/GO, Segunda Turma, rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. em 9-4-2013, DJe de 16-4-2013). Outrossim, enuncia a Súmula 510 do STF que “[p]raticado o ato por autoridade, no exercício de competência delegada, contra ela cabe o mandado de segurança ou a medida judicial”. Assim sendo, rejeito a alegação de ilegitimidade passiva ad causam da autoridade apontada como coatora. Dito isso, passo ao exame da questão de fundo objeto da impetração. A empresa apelada ingressou com ação mandamental contra ato do Coordenador de Fiscalização da SET/RN em razão do seu enquadramento em regime especial de fiscalização e controle que lhe “impôs [...], como medida coercitiva, ato denegatório para emissão de nota fiscal, em flagrante abuso de poder e contrária ao ordenamento jurídico vigente, ferindo seu direito líquido e certo” (p. 2), daí por que requereu a concessão de segurança para “[a]fastar a aplicação da técnica da antecipação tributária pelo Fisco Estadual, possibilitando [...] o recolhimento do ICMS após a ocorrência do fato gerador” e determinando “que a autoridade coatora se abstenha de praticar qualquer ato que imponha a [sua] submissão [...] a regime especial de fiscalização, permitindo-se a regular emissão de suas notas fiscais” (p. 17). Pois bem. O STF tem firme compreensão no sentido da vedação da adoção de sanções políticas pelo poder tributante como meio de cobrança de exações fiscais, o que resta espelhado nos enunciados das Súmulas 32, 70 e 547. A inconstitucionalidade das restrições impostas pelo Estado ao livre exercício de atividade econômica ou profissional, quando utilizadas como meio de cobrança indireta de tributos, foi, inclusive, reafirmada pela Suprema Corte no julgamento do ARE 914.045/MG, com repercussão geral (Tema 856), cuja ementa transcrevo abaixo: “RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. REPERCUSSÃO GERAL. REAFIRMAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. DIREITO TRIBUTÁRIO E DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CLÁUSULA DA RESERVA DE PLENÁRIO. ART. 97 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL PLENO DO STF. RESTRIÇÕES IMPOSTAS PELO ESTADO. LIVRE EXERCÍCIO DA ATIVIDADE ECONÔMICA OU PROFISSIONAL. MEIO DE COBRANÇA INDIRETA DE TRIBUTOS. 1. A jurisprudência pacífica desta Corte, agora reafirmada em sede de repercussão geral, entende que é desnecessária a submissão de demanda judicial à regra da reserva de plenário na hipótese em que a decisão judicial estiver fundada em jurisprudência do Plenário do Supremo Tribunal Federal ou em Súmula deste Tribunal, nos termos dos arts. 97 da Constituição Federal, e 481, parágrafo único, do CPC. 2. O Supremo Tribunal Federal tem reiteradamente entendido que é inconstitucional restrição imposta pelo Estado ao livre exercício de atividade econômica ou profissional, quanto aquelas forem utilizadas como meio de cobrança indireta de tributos. 3. Agravo nos próprios autos conhecido para negar seguimento ao recurso extraordinário, reconhecida a inconstitucionalidade, incidental e com os efeitos da repercussão geral, do inciso III do §1º do artigo 219 da Lei 6.763/75 do Estado de Minas Gerais.” (STF – Pleno – ARE 914.045 RG – rel. Min. EDSON FACHIN – j. 15-10-2015 – Dje-232, 18-11-2015) – Grifei. Isso não significa, porém, que seja vedada ao Fisco a inclusão de contribuinte em regime especial de fiscalização e controle, desde que isso não implique em inibição de sua atividade econômica. Cito, a propósito, o seguinte julgado do STJ, que faz menção ao que decidido pelo STF no ARE 914.045/MG: “TRIBUTÁRIO. REGIME ESPECIAL DE FISCALIZAÇÃO. MEDIDA FISCALIZATÓRIA DE AUMENTO DA BASE DE CÁLCULO DO ICMS COM A INCLUSÃO DE ‘MARGEM DE VALOR AGREGADO’. DESPROPORCIONALIDADE. SANÇÃO POLÍTICA COM A FINALIDADE DE ARRECADAÇÃO. ATIVIDADE ECONÔMICA. PREJUÍZO. 1. A Suprema Corte, após reconhecer a repercussão geral da matéria, no julgamento do RE 914.045/MG, à luz dos arts. 5º, XIII, e 170 da Constituição Federal, decidiu ser ‘inconstitucional restrição imposta pelo Estado ao livre exercício de atividade econômica ou profissional, quanto aquelas forem utilizadas como meio de cobrança indireta de tributos’ (ARE 914045 RG, Rel. Min. Edson Fachin, DJe-232). 2. A depender do caso concreto, este Tribunal Superior tem permitido a inclusão de contribuintes/responsáveis em Regimes Especiais de Fiscalização quando habituados a infrações tributárias, não se admitindo, porém, que as medidas fiscais impostas pelo respectivo regime possam inibir a regular atividade empresarial. 3. Hipótese em que a impetrante, incluída no Regime Especial de Fiscalização do Estado do Ceará, está sendo obrigada a pagar o ICMS durante o transporte das mercadorias que comercializa, por ocasião da passagem nos postos fiscais em rodovias, com a majoração da base de cálculo do imposto, por meio do aumento da Margem de Valor Agregado, a ser aplicada nos casos de substituição tributária, situação que evidencia ser a medida fiscal imposta à impetrante meio indireto de coerção para cobrança de tributos, eventualmente em atraso, pois o tratamento tributário diferenciado dificulta o exercício da atividade econômica, com o aumento da carga tributária enquanto vigente o Regime Especial de Fiscalização, o que não deve ser tolerado, à luz dos arts. 5º, XIII, e 170 da Constituição Federal. 4. Recurso ordinário parcialmente provido.” (STJ – 1.ª T. – RMS 51.523/CE – rel. Min. GURGEL DE FARIA – j. 8-6-2017 – DJe 7-8-2017) – Grifei. Assim sendo, não me parece que a inclusão da apelada no regime especial de fiscalização e controle, obrigando-lhe a recolher diariamente o ICMS relativo às operações de saídas de mercadorias ou prestação de serviço e a emitir GRI de acordo com seu faturamento diário, seja conduta ilegítima do Fisco ou tampouco se consubstancie em meio obliquo de cobrança tributária, dado que, pelo fato de aquela estar inadimplente, a legislação estadual do ICMS autoriza tal proceder, não caracterizando obstáculo ao livre exercício da sua atividade econômica. Em verdade, o contribuinte inadimplente tão somente continuará a se sujeitar à sistemática comum de tributação do ICMS, deixando de fazer jus ao benefício de recolhimento do imposto a posteriori, mormente porque “[a] lei tributária pode conferir tratamento diferenciado a contribuintes que se encontrem em situações desiguais, em obediência ao princípio constitucional da igualdade” (STJ, 1.ª Turma, AgRg no RMS 27.138/SE, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. em 17-3-2016, DJe 1.º-4-2016). Para o STJ, aliás, “deve ser considerada legítima a instituição de regime especial no qual se objetiva apenas a diferenciação de fiscalização e recolhimento de tributos, como forma de coibir as infrações à legislação tributária, sem que isso constitua penalidade por ato ilícito” (1.ª Turma, RMS 22.968/SE, rel. Ministro Luiz Fux, j. em 10-8-2010, DJe de 3-9-2010). Da mesma forma já decidiu esta Terceira Câmara Cível: “EMENTA: DIREITO TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO ORDINÁRIA. CONTRIBUINTE QUE FOI INCLUÍDO EM REGIME ESPECIAL DE FISCALIZAÇÃO. EXIGÊNCIA DE PAGAMENTO ANTECIPADO DO ICMS DECORRENTE DE MULTA. LEGALIDADE. VEDAÇÃO À BARREIRA DE MERCADORIA PARA ENTRADA NO ESTADO. COBRANÇA DE TRIBUTOS POR MEIOS INDIRETOS. AUSÊNCIA DE RAZOABILIDADE. EXISTÊNCIA DE OUTROS MEIOS PARA A COBRANÇA DO TRIBUTO. VIOLAÇÃO A DIREITO LÍQUIDO E CERTO. PRECEDENTES DO STF E STJ. RECURSO DO ESTADO CONHECIDO E DESPROVIDO. PROVIMENTO PARCIAL DA APELAÇÃO DO CONTRIBUINTE.” (TJRN – 3.ª C. Cível – AC 0810664-72.2014.8.20.5001 – rel. Juiz Convocado Diego de Almeida Cabral – ass. em 27-10-2022) – Grifei. Saliento, todavia, que, conquanto possível a imposição de regime especial de fiscalização e controle a contribuinte inadimplente com o Fisco, o tratamento diferenciado que implique na inaptidão da sua inscrição ou na restrição da liberação de documentos fiscais e acesso a sistemas de órgãos tributários, constitui flagrante violação ao princípio da livre concorrência e impede mesmo o exercício da atividade comercial pelo contribuinte. Logo, não se pode admitir a possibilidade de estabelecer, no regime especial de fiscalização e controle, impedimento à apelada para a emissão de notas fiscais, como no caso, pois isto constitui ato abusivo e ilegal da Administração Tributária, revestindo-se de natureza de meio dissimulado de coerção para pagamento do tributo inadimplido. Neste sentido, confiram-se os julgados a seguir: “Ementa: TRIBUTÁRIO. APELAÇÃO. MANDADO DE SEGURANÇA. REGIME ESPECIAL DE FISCALIZAÇÃO. ICMS. DEVEDOR CONTUMAZ. BLOQUEIO DE EMISSÃO DE NOTAS FISCAIS. SANÇÃO POLÍTICA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Apelação em face de sentença que concedeu parcialmente a segurança para reconhecer o direito da empresa impetrante de continuar exercendo suas atividades econômicas, sem restrição à emissão de notas fiscais, ao declarar a nulidade dos efeitos da Portaria-SEI nº 323/2023 e 561/2024, utilizada como meio coercitivo pelo Fisco Estadual. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há duas questões em discussão: (i) definir se a inclusão da impetrante no Regime Especial de Fiscalização e Controle, com imposição de recolhimento diário do ICMS, caracteriza medida legítima ou sanção política; e (ii) determinar se o bloqueio do sistema de emissão de notas fiscais constitui restrição inconstitucional ao livre exercício da atividade econômica. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A inclusão de contribuintes com histórico de inadimplência contumaz em Regime Especial de Fiscalização e Controle é medida legítima prevista em norma estadual, fundada no princípio da legalidade e com o objetivo de combater a inadimplência reiterada e evitar distorções concorrenciais. 4. A imposição de recolhimento diário do ICMS para contribuintes inadimplentes não configura sanção política, pois não impede o exercício da atividade econômica, limitando-se a reduzir vantagens e benefícios próprios dos contribuintes regulares. 5. O bloqueio do sistema de emissão de notas fiscais, ao contrário, constitui sanção política, por configurar meio coercitivo indireto para cobrança de tributos, obstando o livre exercício da atividade econômica e violando o princípio da livre iniciativa, conforme entendimento consolidado pelo STF (Súmulas 70, 323 e 547) e pelo Tema 856 da Repercussão Geral. IV. DISPOSITIVO 6. Apelação parcialmente provida, reformando a sentença para afastar a declaração de nulidade da Portaria-SEI nº 323/2023 e 561/2024, mantendo a concessão parcial da segurança para impedir o bloqueio do sistema de emissão de notas fiscais. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 170; Lei Estadual nº 6.968/1996, art. 56, I; Regulamento de ICMS, art. 711, I. Jurisprudência relevante citada: STF, ARE 914045 RG (Tema 856), Rel. Min. Edson Fachin, Tribunal Pleno, j. 15-10-2015; STJ, AREsp nº 1.241.527/RS, Rel. Min. Francisco Falcão, Segunda Turma, j. 19/3/2019; STF, RE 1.084.307/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 11/3/2019; TJRN, AC 0815387-66.2021.8.20.5106; TJ-RN, AC 0847906-26.2018.8.20.5001.” (APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA, 0840620-84.2024.8.20.5001, Des. Ibanez Monteiro, Segunda Câmara Cível, JULGADO em 05/12/2024, PUBLICADO em 06/12/2024) – Grifei. “EMENTA: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. ORDEM CONCEDIDA. REMESSA NECESSÁRIA. INSERÇÃO DO CONTRIBUINTE NO REGIME ESPECIAL DE FISCALIZAÇÃO E CONTROLE POR AUSÊNCIA DO RECOLHIMENTO DE ICMS. IMPEDIMENTO PELO ESTADO DE EMISSÃO DE NOTAS FISCAIS ELETRÔNICAS. MEIO DE COBRANÇA INDIRETA DE TRIBUTOS. AFRONTA AO LIVRE EXERCÍCIO DA ATIVIDADE ECONÔMICA. DIREITO LÍQUIDO E CERTO DEMONSTRADO. CONCESSÃO DA SEGURANÇA. SENTENÇA QUE ANALISOU DE FORMA MINUCIOSA TODOS OS ARGUMENTOS E DOCUMENTOS ACOSTADOS AOS AUTOS. POSSIBILIDADE DE ADOÇÃO DA TÉCNICA DE FUNDAMENTAÇÃO PER RELATIONEM. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA NESTE SENTIDO. CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DA REMESSA NECESSÁRIA.” (TJRN – 3.ª C. Cível – AC 0815387-66.2021.8.20.5106 – rel.ª Juíza Convocada Maria Neíze de Andrade Fernandes – ass. em 11-5-2022) – Grifei. Na espécie, a magistrada a quo concedeu integralmente a segurança almejada pela empresa apelada “tendo em vista o disposto nos artigos 5º, inciso XIII e 170, parágrafo único, da CF/88, que garantem os princípios do Livre Exercício de Qualquer Trabalho e da Atividade Econômica, e ponderando ainda, que a cobrança dos créditos fazendários deve ser procedida através da execução fiscal, na forma prevista na Lei nº 6.830/80, resta evidenciada a abusividade no auto da autoridade impetrada quanto ao regime mais severo de arrecadação do ICMS imposto à Empresa Impetrante” (p. 196). Assim sendo, a julgadora de origem reconheceu “a nulidade/inconstitucionalidade da Portaria-SEI Nº 449, de 29 de Junho de 2023” (p. 198), afastando “a técnica da antecipação tributária imposta pelo Fisco Estadual em face da Empresa Impetrante, afastando-se os atos que lhe imponham a submissão a regime especial de fiscalização, com a consequente emissão regular de suas notas fiscais” (p. 198). Ocorre que, como destacado alhures, ao contrário do que se concluiu no julgado impugnado, não se pode considerar ilegítima a inclusão da apelada no regime especial de fiscalização e controle (com a sua sujeição a tratamento diferenciado de recolhimento do imposto), de forma que a sentença não espelha a jurisprudência dos tribunais superiores e desta Casa e, portanto, merece reforma para que a segurança seja concedida parcialmente, sem excluir a recorrida do referido regime especial, mas apenas proibindo a autoridade impetrada de praticar quaisquer atos que venham a impedir a emissão de notas fiscais pela contribuinte. Posto isso, conheço e provejo parcialmente a remessa necessária e a apelação cível interposta pelo ESTADO, reformando a sentença impugnada para conceder parcialmente a segurança, determinando à autoridade impetrada e, por consequência, ao Fisco Estadual, que se abstenha de praticar qualquer ato que impeça a emissão de notas fiscais pela impetrante/apelada em razão da sua inclusão no regime especial de fiscalização e controle. É como voto. Natal/RN, 5 de Maio de 2025.
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