Processo nº 1002479-30.2023.8.11.0011
ID: 305011784
Tribunal: TJMT
Órgão: Terceira Câmara de Direito Público e Coletivo
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 1002479-30.2023.8.11.0011
Data de Disponibilização:
23/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
JESSICA FRANCISQUINI LADEIRA
OAB/MG XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO Número Único: 1002479-30.2023.8.11.0011 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Tratamento Domiciliar (Home Care)] …
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO Número Único: 1002479-30.2023.8.11.0011 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Tratamento Domiciliar (Home Care)] Relator: Des(a). MARCIO VIDAL Turma Julgadora: [DES(A). MARCIO VIDAL, DES(A). JONES GATTASS DIAS, DES(A). VANDYMARA GALVAO RAMOS PAIVA ZANOLO] Parte(s): [ROSALINO RANDOLFO FILHO - CPF: 918.539.581-15 (APELADO), ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 03.507.415/0001-44 (APELANTE), MUNICIPIO DE CURVELANDIA - CNPJ: 04.217.647/0001-20 (APELANTE), MUNICIPIO DE CURVELANDIA - CNPJ: 04.217.647/0001-20 (APELADO), ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 03.507.415/0020-07 (APELANTE), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (CUSTOS LEGIS), JESSICA FRANCISQUINI LADEIRA - CPF: 095.418.566-83 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). MARCIO VIDAL, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, NEGOU PROVIMENTO AO RECURSO, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR, DES. MÁRCIO VIDAL. Ementa: DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO CÍVEL. SAÚDE PÚBLICA. FORNECIMENTO DE TRATAMENTO DOMICILIAR ESPECIALIZADO (HOME CARE). PACIENTE IDOSO E ACAMADO. CLASSIFICAÇÃO POR MÉDIA COMPLEXIDADE CONFORME TABELA ABEMID. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERATIVOS. DIRECIONAMENTO AO ESTADO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CRITÉRIO DE ARBITRAMENTO POSTERGADO. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Recurso de Apelação Cível interposto pelo Estado de Mato Grosso contra sentença proferida em ação de obrigação de fazer ajuizada por Rosalino Randolfo Filho, que determinou o fornecimento integral de tratamento domiciliar especializado (home care), conforme laudos médicos, condenando ainda o Estado ao pagamento de honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da causa, além de bloquear valores para custeio do tratamento. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há duas questões em discussão: (i) definir se é devido o fornecimento do tratamento domiciliar especializado (home care) ao autor, pessoa idosa e com múltiplas comorbidades, à luz da Tabela ABEMID e da responsabilidade solidária dos entes federativos; (ii) estabelecer o critério adequado para fixação dos honorários advocatícios nas demandas envolvendo o fornecimento de prestações de saúde pelo Poder Público. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A documentação médica constante nos autos é suficiente para comprovar a necessidade do tratamento domiciliar especializado, demonstrando a dependência total do paciente para atividades básicas da vida diária e a urgência da assistência contínua. 4. A pontuação máxima no quesito "Dependente Total", nos termos da Tabela ABEMID, implica migração automática para classificação de média complexidade, independentemente do somatório geral de pontos. 5. O Estado de Mato Grosso possui maior capacidade estrutural e operacional para o fornecimento do tratamento requerido, justificando o direcionamento da obrigação conforme os princípios da descentralização e da hierarquização do SUS, nos termos do Tema 793 do STF. 6. A responsabilidade solidária dos entes federativos, prevista no art. 23, II, da CF, não impede a imposição da obrigação a apenas um deles, cabendo eventual ressarcimento posterior entre os entes. 7. A negativa de fornecimento do tratamento pleiteado, diante do quadro clínico grave do autor, configura violação ao direito fundamental à saúde, previsto nos arts. 6º e 196 da CF, e reiteradamente reconhecido como de eficácia plena pelo STF. 8. A controvérsia quanto ao critério de fixação dos honorários advocatícios encontra-se pendente de uniformização no IRDR n. 1023732-44.2022.8.11.0000 (TJMT) e no Tema 1313 (STJ), sendo prudente postergar a definição da base de cálculo para a fase de cumprimento de sentença. 9. O princípio da efetividade processual impõe a prevalência do julgamento do mérito quanto ao direito à saúde, devendo a fixação definitiva da verba honorária observar o que vier a ser decidido pelos Tribunais competentes. IV. DISPOSITIVO E TESE 10. Recurso desprovido. Tese de julgamento: 1. A pontuação máxima no critério “Dependente Total” da Tabela ABEMID impõe reclassificação automática do paciente como caso de média complexidade, autorizando a concessão de tratamento domiciliar especializado. 2. A responsabilidade solidária dos entes federativos na prestação de serviços de saúde permite ao Judiciário direcionar o cumprimento da obrigação ao ente com maior capacidade operacional. 3. A definição da base de cálculo para os honorários advocatícios deve ser postergada para a fase de cumprimento de sentença, à luz do IRDR n. 1023732-44.2022.8.11.0000 (TJMT) e do Tema 1313 (STJ). Dispositivos relevantes citados: CF/1988, arts. 6º, 23, II, 196; CPC, art. 85, §§ 2º, 3º, 4º e 8º; Lei n. 8.080/1990, art. 2º, §1º. Jurisprudência relevante citada: STF, Tema 793, RE 855.178/SE, Rel. Min. Luiz Fux; TJMT, AI 1001319-66.2024.8.11.0000, Rel. Des. José Luiz Leite Lindote, j. 27.05.2024; TJMT, AC 1006936-95.2024.8.11.0003, Rel. Des. Luiz Octavio Oliveira Saboia Ribeiro, j. 17.12.2024. R E L A T Ó R I O EXMO. SR. DES. MÁRCIO VIDAL Egrégia Câmara: Trata-se de Recurso de Apelação Cível interposto pelo Estado de Mato Grosso, contra sentença proferida pelo juízo da Segunda Vara Cível da Comarca de Mirassol D’Oeste/MT, nos autos da ação de obrigação de fazer ajuizada por Rosalino Randolfo Filho, que julgou procedente o pedido para determinar ao ente estadual o fornecimento integral de tratamento domiciliar especializado (home care), conforme as especificações constantes nos laudos médicos acostados aos autos. A sentença também condenou o Estado ao pagamento de honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da causa. A sentença indeferiu o pedido com base na ausência de comprovação da urgência e imprescindibilidade do tratamento, ressaltando que o menor encontra-se em fila de espera, sem negativa expressa da Administração, e que a situação configura demanda eletiva. Em suas razões recursais, o Apelante alega, em síntese, ausência de prova inequívoca da imprescindibilidade do tratamento domiciliar, destacando que o laudo médico apresentado não foi emitido por profissional da rede pública nem validado por autoridade sanitária competente. Sustenta, ainda, que o NAT recomendou apenas a disponibilização de cuidador, não indicando necessidade de home care, e que a obrigação deve recair sobre o Município de Curvelândia, responsável pela atenção básica. Invoca a incidência dos princípios da reserva do possível e da discricionariedade administrativa. Pede, dessa feita, a reforma da sentença, inclusive para afastar ou minorar os honorários de sucumbência. Por sua vez, em sede de contrarrazões recursais, o Recorrido argumenta que a documentação médica é suficiente, inclusive com parecer favorável do NAT ao home care, e que a gravidade do quadro clínico do autor, pessoa idosa e acamada, justifica a prestação do serviço. Defende a responsabilidade solidária dos entes federativos e o direcionamento da obrigação ao Estado, por deter maior capacidade estrutural e financeira, à luz do Tema 793 do STF. Pede o desprovimento do recurso, com a manutenção da condenação em honorários, conforme o princípio da causalidade. A Procuradoria de Justiça, por meio de parecer, manifestou-se pelo desprovimento do recurso, com a retificação do decidido pela r. sentença vergastada, determinando-se o fornecimento integralmente do tratamento prescrito, e, ainda, deve haver um direcionamento prioritário da questão ao Estado de Mato Grosso, subsistindo a responsabilidade do Município de forma subsidiária, havendo o eventual descumprimento da obrigação de fazer, id.287812860. É o relatório. V O T O EXMO. SR. DES. MÁRCIO VIDAL (RELATOR) Egrégia Câmara: Conforme registrado nos autos, trata-se de ação cominatória, objetivando compelir o Estado de Mato Grosso e o Município de Curvelândia à disponibilização de tratamento contínuo, multiprofissional – home care. Os autos versam sobre ação de obrigação de fazer, com pedido de tutela específica, ajuizada por Rosalino Randolfo Filho, objetivando o fornecimento de tratamento domiciliar especializado (home care), em decorrência do grave quadro de saúde apresentado pelo demandante, pessoa idosa de 71 anos, acometida por diversas comorbidades que incluem acidente vascular encefálico isquêmico, hemiparesia esquerda, disfagia severa, cegueira e surdez há mais de 20 anos. A sentença reconheceu a necessidade urgente do tratamento domiciliar, confirmou a tutela provisória anteriormente deferida e condenou o Estado de Mato Grosso ao fornecimento integral do home care no prazo de 10 dias. Fixou, ainda, honorários advocatícios em 10% sobre o valor da causa R$ 137.467,70 (cento e trinta e sete mil quatrocentos e sessenta e sete reais e setenta centavos), além de determinar o bloqueio de numerário no valor de R$ 93.000,00 (noventa e três mil reais), para custear seis meses de tratamento. O Apelante insurge-se contra a decisão, sustentando preliminarmente a indispensabilidade de relatório médico detalhado e avaliação pelo médico regulador, bem como a competência municipal para casos de baixa complexidade. No mérito, postula a improcedência dos pedidos ou, subsidiariamente, o redirecionamento da responsabilidade ao ente municipal, considerando que a avaliação ABEMID teria indicado baixa complexidade. Quanto aos honorários advocatícios, requer arbitramento por equidade no valor de R$ 1.000,00 (mil reais) ou, a fixação com base no efetivo proveito econômico, com divisão proporcional entre os réus. Sustenta a existência de IRDR pendente sobre critérios de arbitramento de honorários na judicialização da saúde pública e do Tema 1255 do STF, sobre arbitramento por equidade em causas de alto valor. Pois bem. Inicialmente, cumpre analisar as preliminares suscitadas pelo Apelante. A documentação médica apresentada nos autos é suficiente e adequada para demonstrar a necessidade do tratamento domiciliar especializado, não se exigindo formalidades adicionais que possam retardar ou inviabilizar o acesso ao direito fundamental à saúde. Os laudos médicos acostados evidenciam, com clareza, o quadro clínico grave do demandante, caracterizado por dependência total para atividades básicas da vida diária, alimentação por gastrostomia, estado acamado e necessidade de cuidados especializados contínuos. A alegação de competência exclusivamente municipal para casos de baixa complexidade não prospera diante da análise técnica adequada do caso concreto. Conforme se verifica na Tabela de Avaliação de Complexidade Assistencial – ABEMID (id. 271879879), embora o somatório geral tenha resultado em pontuação 09 (nove), o que inicialmente indicaria baixa complexidade, a própria metodologia da tabela estabelece critério específico de migração automática. As observações constantes do documento técnico são categóricas ao dispor que "ao obter um score 5, o paciente migra automaticamente para média complexidade", independentemente da pontuação total obtida. No presente caso, o demandante obteve pontuação máxima (5 pontos) no quesito "Dependente Total" relacionado ao Grau de Atividade da Vida Diária, o que determina automaticamente sua classificação como paciente de média complexidade. Esta migração decorre do reconhecimento técnico de que determinadas condições clínicas, pela sua gravidade intrínseca, exigem nível diferenciado de assistência, transcendendo a mera soma aritmética de pontos. A dependência total para atividades básicas da vida, somada às múltiplas comorbidades apresentadas, justifica plenamente esta reclassificação e afasta qualquer possibilidade de direcionamento exclusivo ao ente municipal. Nesse sentido, já se posicionou este Sodalício: RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER - SAÚDE - HOME CARE - IMPRESCINDIBILIDADE COMPROVADA – TABELA ABEMID – ARTIGO 196 DA CRFB – OBRIGAÇÃO DO PODER PÚBLICO - TRATAMENTO DE MÉDIA/ ALTA COMPLEXIDADE – DIRECIONAMENTO DA OBRIGAÇÃO – DECISÃO REFORMADA - RECURSO PROVIDO EM PARTE. 1 - O artigo 198, caput e § 1º, da CRFB, estabelece que o Sistema Único de Saúde é composto por uma rede regionalizada e hierarquizada, e que será financiado com recursos do orçamento da Seguridade Social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes, cabendo, portanto, a todos os entes públicos a disponibilização do tratamento indispensável para manutenção e restabelecimento da saúde dos cidadãos, de forma solidária. 2- Dessa previsão constitucional, extrai-se que, embora solidária à responsabilidade, às três esferas da Federação é dado organizar-se, administrativamente, de modo a estabelecer o modus operandi da regionalização e hierarquização da efetiva prestação de serviço. 3- Decisão reformada parcialmente . Recurso provido parcialmente. (TJ-MT - AGRAVO DE INSTRUMENTO: 1001319-66.2024.8 .11.0000, Relator.: JOSE LUIZ LEITE LINDOTE, Data de Julgamento: 27/05/2024, Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo, Data de Publicação: 03/06/2024) Assim, no que tange à responsabilidade dos entes federativos, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Tema 793 da repercussão geral, firmou entendimento no sentido de que União, Estados e Municípios possuem responsabilidade solidária nas demandas prestacionais de saúde. Ressaltou-se, contudo, que o juiz pode, observando os princípios da descentralização e da hierarquização, direcionar o cumprimento da obrigação ao ente federado mais adequado à sua execução. Nesse sentido, o julgado fixou a seguinte tese: TEMA 793. Os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde, e diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro. Portanto, ainda que se reconheça que o Município de Curvelândia detém, por organização do SUS, a competência administrativa primária para o fornecimento de tratamento de baixa complexidade, tal fato não exclui a legitimidade passiva dos demais entes federativos, tampouco afasta a possibilidade de imposição solidária da obrigação, conforme previsto no art. 23, II, da Constituição Federal, notadamente porque, o laudo apresentado, apontou a pontuação máxima em um dos critérios apresentados, fato que eleva a classificação, independente da soma dos pontos nas demais categorias. No caso em análise, considerando-se que a avaliação ABEMID migrou automaticamente o paciente para média complexidade em razão da dependência total para atividades básicas da vida, não há fundamento para o redirecionamento exclusivo da responsabilidade ao ente municipal. O Estado de Mato Grosso, por possuir maior capacidade operacional e estrutura adequada para tratamentos de média complexidade, deve assumir a responsabilidade primária pelo fornecimento do home care, sem prejuízo da responsabilização subsidiária dos demais entes em caso de descumprimento. Cumpre destacar, ainda, que eventuais controvérsias relativas à divisão administrativa de competências ou ao repasse de verbas entre entes federativos devem ser solucionadas pelas vias adequadas, sem prejuízo à parte vulnerável, que não pode ser compelida a suportar as consequências de entraves administrativos. A repartição de responsabilidades no âmbito do SUS tem caráter meramente administrativo e visa à sua operacionalização, não podendo prevalecer sobre a solidariedade constitucionalmente assegurada, especialmente quando em jogo o direito fundamental à saúde. Nesse sentido, eis a jurisprudência desta Corte de Justiça: EMENTA DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO. FORNECIMENTO DE HOME CARE. IDOSO. TABELA ABEMID. PONTUAÇÃO COMPATÍVEL COM MÉDIA COMPLEXIDADE. RECURSO PROVIDO. I. Caso em exame 1. Agravo interno interposto contra decisão monocrática que negou provimento a recurso de apelação em ação de obrigação de fazer, na qual se busca o fornecimento de serviço de “home care” pelo Sistema Único de Saúde. II. Questão em discussão 2. A questão em discussão consiste em verificar se estão presentes os requisitos técnicos para o fornecimento de atendimento domiciliar na modalidade “home care”, conforme os critérios estabelecidos na tabela ABEMID. III. Razões de decidir 3. A saúde é um direito fundamental previsto no artigo 196 da Constituição Federal, impondo ao Estado e aos Municípios o dever de fornecer o tratamento adequado à manutenção da vida e dignidade da paciente. 4. A concessão de assistência de internação domiciliar pelo Sistema Único de Saúde exige o preenchimento de critérios mínimos previstos na Tabela ABEMID, que serve como parâmetro nacional para demonstrar o nível de necessidade clínica do assistido. 5. A responsabilidade solidária entre os entes federativos no fornecimento de serviços de saúde é prevista constitucionalmente, mas, conforme o Tema 793 do STF, o cumprimento da obrigação deve ser direcionado prioritariamente ao ente competente para o serviço de alta complexidade, no caso, o ente estadual. 6. A responsabilidade do município permanece, podendo ser acionada caso o ente estadual descumpra a decisão. IV. Dispositivo e tese 7. Recurso provido. Tese de julgamento: "1. A obtenção de pontuação 5 em qualquer dos requisitos da tabela ABEMID indica automaticamente a necessidade de atendimento ‘home care' em nível de média complexidade, independentemente do somatório total dos pontos. 2. A responsabilidade solidária dos entes federativos permite o direcionamento do cumprimento da obrigação ao ente competente, conforme a repartição de competências do SUS. 3. O fornecimento do tratamento de 'home care' deve ser direcionado ao ente estadual, sem prejuízo de posterior redirecionamento ao município em caso de descumprimento". ________________ Dispositivos relevantes citados: CF, art. 196; Instrução Normativa CIS n. 16/2021. Jurisprudência relevante citada: STF, Tema 793; TJMT, N.U 1012652-15.2024.8.11.0000, Rel. Des. Jose Luiz Leite Lindote, j. 09.07.2024. (N.U 1011875-55.2023.8.11.0003, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO, RODRIGO ROBERTO CURVO, Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 12/02/2025, Publicado no DJE 12/02/2025) Quanto ao mérito, consigno, de início que a Constituição da República Federativa do Brasil, em seu art. 6º, expressamente assegura a saúde como direito social fundamental. Mais do que isso, o art. 196 estabelece que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.” Trata-se de norma de eficácia plena e aplicabilidade imediata, cujo desrespeito compromete diretamente o núcleo essencial da dignidade humana (art. 1º, III, da CRFB). De igual modo, a Lei nº 8.080/90 – Lei Orgânica da Saúde – define, em seu art. 2º, §1º, que o dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que assegurem o acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Assim, não há como se admitir, à luz do ordenamento constitucional e legal vigente, que ao demandante, que apresenta grave condição clínica e necessita de atendimento médico especializado, seja negado a devida assistência. Desse modo, a negativa do tratamento indicado ao caso concreto, implicaria em lesão ao direito constitucional do Requerente de acesso à saúde e à dignidade humana, consagrado na Constituição Federal. A solicitação de tratamento home care encontra respaldo inequívoco nos laudos médicos que indicam a dependência total do paciente para a realização das atividades diárias e a necessidade de acompanhamento contínuo por equipe multidisciplinar, com especialização em fisioterapia, fonoaudiologia e enfermagem. O quadro clínico apresentado – acidente vascular encefálico isquêmico com sequelas neurológicas graves, hemiparesia esquerda, disfagia severa, cegueira e surdez preexistentes – configura situação de extrema vulnerabilidade que demanda intervenção estatal imediata e eficaz. A jurisprudência consolidada reconhece que o direito à saúde possui aplicabilidade imediata, não se limitando a norma programática, conforme sedimentado pelo Supremo Tribunal Federal. Neste sentido, a alegação de comprometimento orçamentário ou de desequilíbrio do sistema não pode prevalecer sobre o direito fundamental à vida e à saúde, mormente quando comprovada a urgência e necessidade do tratamento pleiteado. A propósito, colaciono jurisprudência desta E. Corte de Justiça: DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. RECURSO DE APELAÇÃO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. SAÚDE. HOME CARE. ALTO CUSTO. NECESSIDADE DE ATENDIMENTO MULTIDISCIPLINAR. RESPONSABILIDADE DO ESTADO E MUNICÍPIO. OBRIGAÇÃO DE ASSISTÊNCIA PÚBLICA. DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE. RECURSO PROVIDO. I. Caso em exame 1. Trata-se de Recurso de Apelação interposto contra sentença proferida pelo Juízo da 2ª Vara Especializada da Fazenda Pública de Rondonópolis, que julgou parcialmente procedente os pedidos, determinando o fornecimento de acompanhamento por equipe multidisciplinar de saúde (PSF) na residência do autor. A sentença não acolheu o pedido de tratamento na modalidade home care. II. Questão em discussão 2. A questão central consiste em verificar a obrigação do Estado de Mato Grosso e do Município de Rondonópolis em fornecer tratamento home care ao autor, diagnosticado com paraplegia, em decorrência de acidente automobilístico, e se a assistência médica domiciliar indicada é uma necessidade insubstituível. III. Razões de decidir 3. O direito à saúde, consagrado no artigo 196 da Constituição Federal, impõe ao Estado a obrigação de fornecer o tratamento adequado à preservação da vida, especialmente nos casos de alta complexidade, como o do autor, que apresenta grave condição clínica e necessita de atendimento médico especializado. 4. A solicitação de tratamento home care é respaldada pelos laudos médicos que indicam a dependência total do paciente para a realização das atividades diárias e a necessidade de acompanhamento contínuo por equipe multidisciplinar, com especialização em fisioterapia, fonoaudiologia e enfermagem. 5. A pontuação de 13 pontos, conforme a Tabela de Avaliação de Complexidade Assistencial, evidencia que o tratamento de home care, de média complexidade, é adequado para a condição clínica do autor. A negativa de fornecimento do tratamento por parte do ente público, sem justificativa plausível, configura violação do direito à saúde e à dignidade humana. 6. O direito à saúde é de caráter universal e deve ser garantido pelo Estado, independentemente da existência de outros meios de atendimento. Assim, a negativa do tratamento solicitado, por se tratar de um direito fundamental, não encontra respaldo no ordenamento jurídico. IV. Dispositivo e tese 7. Recurso de Apelação provido, para determinar o fornecimento de tratamento home care ao autor, com responsabilidade primária do Estado de Mato Grosso, e, em caso de descumprimento, do Município de Rondonópolis. Tese de julgamento: "1. O Estado tem a obrigação de fornecer tratamento home care, em caráter urgente, quando comprovada a necessidade de atendimento especializado e a dependência total do paciente. 2. A responsabilidade do fornecimento do tratamento home care é do Município, em caráter primário, sendo subsidiária a responsabilidade do Estado em caso de descumprimento." Dispositivos relevantes citados: CF/1988, arts. 5º, caput; 6º; 196; 197; Lei n. 8.080/1990, art. 2º. Jurisprudência relevante citada: Tema 793 (STF), TJ-MT - AC: 10143551420208110002, Rel. Maria Aparecida Ferreira Fago, j. 07/02/2023 (N.U 1006936-95.2024.8.11.0003, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO, LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO, Terceira Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 17/12/2024, Publicado no DJE 17/12/2024) Dos honorários advocatícios Trata-se de análise quanto à condenação em honorários advocatícios em demanda que versa sobre prestações de saúde em face do Poder Público, considerando que o magistrado de primeiro grau arbitrou os honorários com base nos critérios escalonados previstos no artigo 85, §§ 2º, 3º e 4º do CPC. Verifico que a matéria referente ao critério de fixação de honorários advocatícios encontra-se pendente de uniformização de entendimento em dois procedimentos: IRDR n. 1023732-44.2022.8.11.0000 em trâmite perante o Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso; Tema 1313 do STJ (REsp 2169102/AL e REsp 2166690/RN), afetado em 25/02/2025, que discute "se, nas demandas em que se pleiteia do Poder Público o fornecimento de prestações em saúde, os honorários advocatícios devem ser fixados com base no valor da prestação ou do valor atualizado da causa (art. 85, §§ 2º, 3º e 4º, III, CPC), ou arbitrados por apreciação equitativa (art. 85, parágrafo 8º, do CPC)". Inicialmente, cumpre destacar que o artigo 85 do Código de Processo Civil estabelece parâmetros para a fixação dos honorários advocatícios sucumbenciais, dispondo em seus parágrafos 2º, 3º e 4º critérios escalonados para o arbitramento quando a Fazenda Pública for parte. Ocorre que, em se tratando de demandas de saúde contra o Poder Público, existe controvérsia jurídica quanto à aplicação dos critérios previstos no art. 85, §§ 2º, 3º e 4º, III (valor da causa/valor da prestação) ou do critério de apreciação equitativa previsto no § 8º do mesmo dispositivo. Esta questão, de relevante impacto processual e econômico, foi reconhecida como de repercussão geral pelo Superior Tribunal de Justiça, mediante afetação ao rito dos recursos repetitivos sob o Tema 1313, bem como pelo Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, que instaurou o IRDR n. 1023732-44.2022.8.11.0000. No entanto, observa-se que a presente demanda versa sobre direito fundamental à saúde, cuja efetivação não pode ficar paralisada em razão de questão acessória relativa à fixação de honorários advocatícios, que constitui pedido subjacente e causa de pedir remota. Nesse sentido, o princípio da razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII, CF) e o dever de priorizar o julgamento de mérito (art. 4º, CPC) impõem que a prestação jurisdicional sobre o direito principal à saúde não seja obstada por controvérsia acerca de critério de fixação de verba honorária. A jurisprudência dos tribunais superiores é firme no sentido de que o direito à saúde, corolário do direito à vida, possui status de direito fundamental e deve ser assegurado com primazia e celeridade, conforme entendimento pacificado pelo STF no julgamento do RE 855.178/SE (Tema 793). Ademais, é possível postergar a definição quanto à base de cálculo dos honorários advocatícios para a fase de cumprimento de sentença, ocasião em que já estarão definidos os parâmetros uniformes pelos Tribunais competentes, sem que isso comprometa a prestação jurisdicional referente ao direito material à saúde. Dessarte, determino o prosseguimento do feito quanto ao mérito principal relativo ao direito à saúde, com a condenação genérica da parte sucumbente ao pagamento de honorários advocatícios, postergando-se a definição da base de cálculo para fins de arbitramento dos honorários advocatícios para a fase de cumprimento de sentença, nos termos do que restar decidido no IRDR n. 1023732-44.2022.8.11.0000 do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso e no Tema 1313 do Superior Tribunal de Justiça. Essa solução harmoniza o princípio da efetividade processual com a necessidade de uniformização de entendimentos em matéria de honorários advocatícios, garantindo a primazia do direito fundamental à saúde sem descurar da adequada remuneração do trabalho do advogado conforme os critérios que vierem a ser uniformizados pelos Tribunais. Forte nessas razões, NEGO PROVIMENTO ao Recurso de Apelação, mantendo integralmente a sentença de primeiro grau que determinou ao Estado de Mato Grosso o fornecimento de tratamento domiciliar especializado (home care) ao demandante Rosalino Randolfo Filho. Em razão do desprovimento do recurso, deve ser majorada a verba sucumbencial, contudo, postergando-se a definição da base de cálculo para fins de arbitramento dos honorários advocatícios para a fase de cumprimento de sentença, nos termos do que restar decidido no IRDR n. 7 do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso e no Tema 1313 do Superior Tribunal de Justiça. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 17/06/2025
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