Processo nº 5003199-58.2024.4.03.6183
ID: 263076914
Tribunal: TRF3
Órgão: 3ª Vara Previdenciária Federal de São Paulo
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 5003199-58.2024.4.03.6183
Data de Disponibilização:
30/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
VANDERLEI DE MENEZES PATRICIO
OAB/SP XXXXXX
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DANIELA BARRETO DE SOUZA
OAB/SP XXXXXX
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PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) Nº 5003199-58.2024.4.03.6183 AUTOR: BRUNA SILVA DE AZEVEDO CURADOR: SANDRA MARCIA SILVA DE AZEVEDO Advogados do(a) AUTOR: DANIELA BARRETO DE SOUZA - SP353994, VANDERLEI D…
PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) Nº 5003199-58.2024.4.03.6183 AUTOR: BRUNA SILVA DE AZEVEDO CURADOR: SANDRA MARCIA SILVA DE AZEVEDO Advogados do(a) AUTOR: DANIELA BARRETO DE SOUZA - SP353994, VANDERLEI DE MENEZES PATRICIO - SP275809, REU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS SENTENÇA (Tipo A) Vistos, em sentença. Trata-se de ação de rito comum ajuizada por BRUNA SILVA DE AZEVEDO, representada por sua genitora e curadora, Sandra Marcia Silva de Azevedo, com qualificação nos autos, contra o INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL (INSS), objetivando o restabelecimento do benefício de AMP. SOCIAL PESSOA PORTADORA DEFICIENCIA; a inexigibilidade de débito no valor de R$78.542,17 para 01/2024, bem como o pagamento de atrasados desde 01/10/2020 (data da cessação indevida do NB 87/ 123.459.978-0). Inicialmente, o feito foi distribuído perante a 1ª Vara Previdenciária Federal de São Paulo. O benefício da justiça gratuita foi deferido. O INSS ofereceu contestação; arguiu a prescrição quinquenal das parcelas vencidas e, no mérito propriamente dito, defendeu a improcedência do pedido (id. 318649748). Houve réplica (id. 319647137). Foi designada perícia médica judicial, com o dr. Paulo Cesar Pinto, em 01/10/2024. Apresentado o laudo (id. 343687908), houve manifestação da parte autora (id. 347195934) e do INSS (id. 347258076). Foi realizada perícia social com o Sr. Márcio Pasqual Rodrigues Soares, Assistente Social, em 05/10/2024. Apresentado o laudo (id. 349893605, p. 1 a 33), houve manifestação da parte autora (id. 350840692) e do INSS (id. 355296914). O feito veio redistribuído para esta 3ª Vara Federal Previdenciária. Constam alegações finais da parte autora (id. 355676403). Os autos vieram conclusos. É o relatório. Fundamento e decido. DA PRESCRIÇÃO. Rejeito a arguição de prescrição das parcelas pretendidas, por não ter transcorrido prazo superior a cinco anos (cf. artigo 103, parágrafo único, da Lei n, 8.213/91) entre a cessação do benefício e a propositura da presente demanda. DO PEDIDO DE RESTABELECIMENTO DO BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA O artigo 203, inciso V, da Constituição Federal prevê “a garantia de um salário-mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei”. Tal benefício veio a ser disciplinado pela Lei n. 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social, LOAS) e regulamentado, no âmbito infralegal, pelos Decretos n. 1.744/95 e n. 6.214/07. O artigo 20 da LOAS prescreve seus requisitos: Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011) (Vide Lei nº 13.985, de 2020) § 1o Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011) § 2o Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência) § 3º Observados os demais critérios de elegibilidade definidos nesta Lei, terão direito ao benefício financeiro de que trata o caput deste artigo a pessoa com deficiência ou a pessoa idosa com renda familiar mensal per capita igual ou inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 14.176, de 2021) § 4º O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo os da assistência médica e da pensão especial de natureza indenizatória, bem como as transferências de renda de que tratam o parágrafo único do art. 6º e o inciso VI do caput do art. 203 da Constituição Federal e o caput e o § 1º do art. 1º da Lei nº 10.835, de 8 de janeiro de 2004. (Redação dada pela Lei nº 14.601, de 2023) § 5o A condição de acolhimento em instituições de longa permanência não prejudica o direito do idoso ou da pessoa com deficiência ao benefício de prestação continuada. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011) § 6º A concessão do benefício ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de impedimento de que trata o § 2o, composta por avaliação médica e avaliação social realizadas por médicos peritos e por assistentes sociais do Instituto Nacional de Seguro Social - INSS. (Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011) § 6º-A. O INSS poderá celebrar parcerias para a realização da avaliação social, sob a supervisão do serviço social da autarquia. (Incluído pela Lei nº 14.441, de 2022) § 7o Na hipótese de não existirem serviços no município de residência do beneficiário, fica assegurado, na forma prevista em regulamento, o seu encaminhamento ao município mais próximo que contar com tal estrutura. (Incluído pela Lei nº 9.720, de 1998) § 8o A renda familiar mensal a que se refere o § 3o deverá ser declarada pelo requerente ou seu representante legal, sujeitando-se aos demais procedimentos previstos no regulamento para o deferimento do pedido. (Incluído pela Lei nº 9.720, de 1998) § 9º Os valores recebidos a título de auxílio financeiro temporário ou de indenização por danos sofridos em decorrência de rompimento e colapso de barragens, bem como os rendimentos decorrentes de estágio supervisionado e de aprendizagem, não serão computados para fins de cálculo da renda familiar per capita a que se refere o § 3º deste artigo. (Redação dada pela Lei nº 14.809, de 2024) § 10. Considera-se impedimento de longo prazo, para os fins do § 2o deste artigo, aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos. (Incluído pela Lei nº 12.470, de 2011) § 11. Para concessão do benefício de que trata o caput deste artigo, poderão ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, conforme regulamento. (Incluído pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência) § 11-A. O regulamento de que trata o § 11 deste artigo poderá ampliar o limite de renda mensal familiar per capita previsto no § 3º deste artigo para até 1/2 (meio) salário-mínimo, observado o disposto no art. 20-B desta Lei. (Incluído pela Lei nº 14.176, de 2021) (Vigência) § 12. São requisitos para a concessão, a manutenção e a revisão do benefício as inscrições no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) e no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal - Cadastro Único, conforme previsto em regulamento. (Incluído pela Lei nº 13.846, de 2019) § 12-A. Ao requerente do benefício de prestação continuada, ou ao responsável legal, será solicitado registro biométrico nos cadastros da Carteira de Identidade Nacional (CIN), do título eleitoral ou da Carteira Nacional de Habilitação (CNH), nos termos de ato conjunto dos órgãos competentes. (Incluído pela Lei nº 14.973, de 2024) Parágrafo único. Na impossibilidade de registro biométrico do requerente, ele será obrigatório ao responsável legal. (Incluído pela Lei nº 14.973, de 2024) § 13. O requerimento, a concessão e a revisão do benefício ficam condicionados à autorização do requerente para acesso aos seus dados bancários, nos termos do disposto no inciso V do § 3º do art. 1º da Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001 (Redação dada pela Medida Provisória nº 871, de 2019) (Vigência) § 14. O benefício de prestação continuada ou o benefício previdenciário no valor de até 1 (um) salário-mínimo concedido a idoso acima de 65 (sessenta e cinco) anos de idade ou pessoa com deficiência não será computado, para fins de concessão do benefício de prestação continuada a outro idoso ou pessoa com deficiência da mesma família, no cálculo da renda a que se refere o § 3º deste artigo. ' (Incluído pela Lei nº 13.982, de 2020) § 15. O benefício de prestação continuada será devido a mais de um membro da mesma família enquanto atendidos os requisitos exigidos nesta Lei. (Incluído pela Lei nº 13.982, de 2020). Os requisitos necessários para obtenção do benefício são, portanto, os seguintes: (i) a situação subjetiva de pessoa idosa ou portadora de deficiência; e (ii) a situação objetiva de miserabilidade. De acordo com a súmula 29 da TNU: “Para os efeitos do art. 20, § 2º, da Lei n. 8.742, de 1993, incapacidade para a vida independente não é só aquela que impede as atividades mais elementares da pessoa, mas também a impossibilita de prover ao próprio sustento”. Ademais, possui um prazo mínimo de permanência do quadro, que é expressamente fixado pelos artigos 20, § 10 e 21, da lei n. 8742/93, em 02 (dois) anos. O art. 20 da Lei n.º 8.742/93, em seu § 3º considera “incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência” o grupo familiar “cuja renda ‘per capita’ seja inferior a ¼ (um quarto) do salário-mínimo”, considerando-se como parte do mesmo grupo familiar “o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto” (§ 1º). Quanto à forma de apuração da renda “per capita”, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. No entanto, ao julgar os REs 567.985 e 580.963 e a Rcl 4374, o Plenário deste Supremo Tribunal Federal superou o entendimento adotado na referida ação direta e declarou a inconstitucionalidade do dispositivo em questão, por considerar que esse critério está defasado para caracterizar a situação de miserabilidade. Transcreve-se a ementa do RE 567985 (Tema STF 27), representativo de controvérsia: “Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2. Art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que “considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo”. O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade do critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993. 5. Recurso extraordinário a que se nega provimento”. (RE 567985, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 18/04/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-194 DIVULG 02-10-2013 PUBLIC 03-10-2013 RTJ VOL-00236-01 PP-00113) Prosseguindo, novas alterações do artigo 20 da LOAS foram verificadas. A Lei n. 13.981, de 23/03/2020, majorou o critério objetivo para 1/2 (meio) salário-mínimo. Todavia, teve a sua eficácia suspensa pelo C. STF, por liminar concedida na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 662. Em maio de 2022, o feito foi extinto, sem resolução do mérito, nos termos dos artigos 485, VI, do CPC e 21, IX, do RISTF, restando prejudicado o agravo regimental interposto (eDOC 60), por perda superveniente de objeto (DJE nº 102, divulgado em 26/05/2022), com trânsito em julgado em 21/06/2022. Com efeito, a Lei n. 13.982, de 02/04/2020, alterando novamente o § 3º do artigo 20 da LOAS, fez retornar a sua redação original, sendo que a redação conferida pela Lei 14.176/2021, mantém a fração utilizada pela redação original do dispositivo (1/4 do salário-mínimo). A Lei 14.176/2021 promoveu adições e substanciais modificações na regência normativa da concessão do Benefício de Prestação Continuada, veiculadas sobretudo no § 11-A do Art. 20 e no Art. 20-B, ambos incluídos na Lei 8.742/1993. O § 11-A pela lei 14.176/2021 prevê a possibilidade de ampliar o limite de renda mensal familiar per capita previsto no § 3º deste artigo para até 1/2 (meio) salário-mínimo em determinadas situações. O artigo 20-B da LOAS, incluído pela Lei n. 14.176, de 22/06/2021, estabeleceu que para ampliação do critério de aferição da renda familiar mensal per capita, prevista no § 11 do mesmo artigo, devem ser avaliados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade e da situação de vulnerabilidade. São eles: I – o grau da deficiência; II – a dependência de terceiros para o desempenho de atividades básicas da vida diária; e. III – o comprometimento do orçamento do núcleo familiar de que trata o § 3º do art. 20 desta Lei exclusivamente com gastos médicos, com tratamentos de saúde, com fraldas, com alimentos especiais e com medicamentos do idoso ou da pessoa com deficiência não disponibilizados gratuitamente pelo SUS, ou com serviços não prestados pelo Suas, desde que comprovadamente necessários à preservação da saúde e da vida. A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em recurso repetitivo (tema 640), firmou o entendimento de que, para fins do recebimento do benefício de prestação continuada, deve ser excluído do cálculo da renda da família o benefício de um salário mínimo que tenha sido concedido a outro ente familiar idoso ou deficiente (STJ, Primeira Seção, Resp 1355052 / SP, rel. Min. Benedito Gonçalves, j. 25/2/2015, DJe 05/11/2015). Nesse sentido, houve inclusão do § 14, no art. 20, da lei n. 8.742/93, através da lei nº 13.982, de 2020. Todavia, não se pode perder de vista que a finalidade do benefício assistencial é amparar as pessoas em situação de penúria e não complementar a renda do núcleo familiar que já se mostre capaz de prover o sustento de seus membros mais vulneráveis. Nesse sentido, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU), ao analisar um pedido de uniformização do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), fixou a tese que "o benefício assistencial de prestação continuada pode ser indeferido se ficar demonstrado que os devedores legais podem prestar alimentos civis sem prejuízo de sua manutenção". Quanto ao mérito, o relator afirmou em seu voto que a interpretação do art. 20, §1º, da Lei n. 8.742/93, conforme as normas veiculadas pelos arts. 203, V, 229 e 230, da Constituição da República de 1988, deve ser no sentido de que "a assistência social estatal não deve afastar a obrigação de prestar alimentos devidos pelos parentes da pessoa em condição de miserabilidade socioeconômica (arts. 1694 e 1697, do Código Civil), em obediência ao princípio da subsidiariedade". A lei 14.809/24 trouxe mais uma alteração no cômputo da renda familiar, estabelecendo mais uma excludente no art. 20, § 9º: “§ 9º Os valores recebidos a título de auxílio financeiro temporário ou de indenização por danos sofridos em decorrência de rompimento e colapso de barragens, bem como os rendimentos decorrentes de estágio supervisionado e de aprendizagem, não serão computados para fins de cálculo da renda familiar per capita a que se refere o § 3º deste artigo”...... Fixadas tais premissas, passo à análise do caso em concreto. No que concerne ao requisito da deficiência, foi realizada perícia médica judicial em 01/10/2024, com as seguintes conclusões: 10.Discussão e Conclusão:... De acordo com as informações obtidas na documentação médica anexada aos autos do processo, conclui-se que a pericianda é portadora de encefalopatia crônica não evolutiva e de diparesia espástica decorrente de prematuridade, baixo peso e de intercorrências ocorridas durante o período neonatal. Secundariamente, a pericianda apresenta grande comprometimento motor, locomovendo-se em cadeira de rodas e com dificuldade para a realização de atividades manuais, especialmente pelo severo comprometimento do membro superior esquerdo. Associadamente, a pericianda também apresenta discreto déficit cognitivo e incontinência urinária, com necessidade do uso de fraldas. Por fim, a pericianda apresenta hipertensão arterial sistêmica desde 2020 e de calculose renal diagnosticada em fevereiro de 2024. Portanto, considerando-se sua condição neurológica, fica definida uma incapacidade total e permanente e com dependência de terceiros para a realização das atividades básicas de vida diária desde o nascimento. (id. 343687908, p. 5). Ante o exposto no laudo pericial, é de se reconhecer que a parte autora preenche o requisito da deficiência para usufruir do benefício assistencial, à luz do Art. 20, § 2º da Lei 8.742/93. No que concerne ao requisito miserabilidade, temos: O benefício da autora (NB 87/123.459.978-0, DIB 16/01/2002; DCB 01/10/2020), foi suspenso em razão de apuração administrativa de irregularidade na manutenção do BPC com indício de superação de renda per capita acima de 1/2 salário-mínimo (id. 318651801, p 1 a 66). Foram encaminhados ofícios ao sr. André Silva de Azevedo, responsável por Bruna Silva de Azevedo, em 13/10/2020 (id. 318651801, p. 27/28) e outro em 22/01/2024 (id. 318651801, p. 64/65), nos quais constam que, muito embora tenha sido apresentada defesa de forma tempestiva, não houve prova suficiente, ou novos elementos que pudessem modificar a decisão do INSS e caracterizar o direito à manutenção do benefício assistencial. Consta que houve “manutenção irregular do benefício nos períodos de 06/05/2002 a 01/09/2004, de 01/07/2005 a 17/07/2006 e de 06/11/2006 a 30/09/2020, uma vez que após a concessão, houve alteração no grupo familiar, aonde o pai André Silva de Azevedo passou a exercer atividade remunerada com renda superior ao estabelecido em legislação (CNIS), sendo que a renda per capita passou a ser superior a ¼ (um quarto) do salário-mínimo vigente, havendo, portanto, a superação dos requisitos para a manutenção do benefício assistencial ....” O Benefício foi suspenso e apurado valores recebidos indevidamente no montante de R$ 78.542,17 (setenta e oito mil, quinhentos e quarenta e dois reais e dezessete centavos), corrigido monetariamente até 01/2024, referente ao período de 01/09/2015 a 30/09/2020 (considerando a prescrição quinquenal), conforme art. 175 do Decreto n.º 3048/99. No P.A. foi juntado o CADÚNICO, cadastrado em 07/12/2018 (id. 318651801, p. 13), em que constam como membros da família: André Silva de Azevedo (pai), Sandra Márcia Silva de Azevedo (mãe) e Bruna Silva de Azevedo, residentes na Rua Paulo da Fonseca, 102, Viela 1, Jd Santa Margarida, CEP 04915-100: No Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS), consta que o sr. André Silva de Azevedo exerceu atividade remunerada com renda superior ao estabelecido em legislação (id. 318651801, p. 20/23), na empresa Avon Industrial Ltda. desde 06/11/2006: No presente feito, foi realizada perícia por assistente social, nomeado pelo juízo, em 05/10/2024 (id. 349893605, p. 1 a 33), em que se constatou: “Concluindo a avaliação pericial podemos analisar tecnicamente que a autora, a jovem Bruna Silva de Azevedo, atualmente com 25 anos de idade, se encontra em situação de vulnerabilidade.”. Retira-se do laudo socioeconômico que o núcleo familiar é composto pela autora, com 25 anos, nascida em 02.01.1999, escolaridade: ensino médio completo; o genitor, sr. André Silva de Azevedo, 52 anos, nascido em 29/09/1972, exerce atividade laboral formal em cargo de operador de máquina, com ensino médio completo; a mãe, sra. Sandra Márcia Silva de Azevedo, 48 anos, nascida em 31/08/1976, escolaridade ensino médio completo. Conforme informações prestadas, a subsistência da família é provida pela renda do genitor no valor de R$3.363,72. Quanto à situação habitacional: “O imóvel onde a parte autora reside é próprio, pertence ao seu grupo familiar, sendo utilizado de forma continuada após o falecimento do antigo proprietário, toda vizinhança encontra-se em situação semelhante. Construído em alvenaria, possui acabamento e é composto por quatro cômodos, sendo dois dormitórios, uma cozinha e uma sala, além de um banheiro, lavanderia, quintal, área de serviço e garagem. Não foi possível mensurar as dimensões exatas dos cômodos, mas estes se encontram em boas condições de habitabilidade e conservação.”. A renda bruta mensal do grupo familiar é composta pelo salário do genitor da autora, sr. André, no valor de R$3.363,72 (três mil trezentos e sessenta e três reais e setenta e dois centavos), referente a agosto/2024. Foram declaradas as seguintes despesas: Água e esgoto Ref. agosto/2024 no valor R$ 35,00; Energia elétrica ref. agosto/2024 no valor de R$ 88,00; Gás de cozinha Botijão 13 kg no valor de R$ 110,00; Alimentação conf. declaração e apresentação de comprovantes R$ 1.000,00; Telefone fixo com internet ref. agosto/2024 no valor de R$ 130,00. Total de gastos: R$1.636,00. Gastos com Saúde e Educação, exclusivos da parte autora: Complementação escolar 2 x por semana - conforme declaração R$ 150,00; Fraldas e absorvente geriátrico, lenço umedecido, conforme declaração R$ 400,00; Farmácia Baclofen + omeprazol R$ 60,00; Terapias Equoterapia, fisioterapia e fonoaudiologia R$ 480,00; Convênio médico Desconto no demonstrativo de pagto. do genitor R$ 26,21. Total de gastos com saúde e educação exclusivos da parte autora R$1.116,21. Componentes do grupo familiar: 03 Renda bruta mensal: R$2.247,51 (Total de R$3.363,72 – R$ 1.116,21) Renda per capita familiar: R$ 749,17 A residência é guarnecida com: "dois televisores, uma máquina de lavar roupas, uma geladeira, um aparelho de som, um aparelho de DVD, um forno micro-ondas, um fogão e um ventilador. Além de um jogo de sofá com dois e três lugares, dois bancos, dois painéis para televisor, uma mesa pequena, uma pia com gabinete, uma mesa com quatro cadeiras, um armário de cozinha, um balcão, dois guarda-roupas, duas camas de casal, uma mesa de computador, um lavatório sem gabinete, um vaso sanitário e um chuveiro.". Com efeito, os autos revelam haver razoáveis condições de moradia e de sobrevivência, pois a autora reside em imóvel próprio, localizado em bairro abastecido pelos serviços de água encanada, esgoto e energia elétrica. Conta, ainda, com mobília, utensílio domésticos basilares e, segundo o relato do estudo social, em condições de habitabilidade e conservação. Na data do estudo social realizado nestes autos em 05/10/2024, a renda per capta familiar, tendo em vista o núcleo familiar de três pessoas superou o valor de ½ do salário mínimo (R$749,17). As despesas essenciais declaradas, por sua vez, eram, em princípio, cobertas pela renda mensal do núcleo familiar. Nesse contexto, analisando o conjunto probatório, não se evidenciou, na espécie, situação de vulnerabilidade social, hipossuficiência econômica ou de desamparo atual a se abater sobre a autora, visto que, embora a família tenha modo de vida simples e com algumas restrições, as necessidades básicas da autora estão sendo supridas por meio da renda do seu genitor, o que não impedirá novo requerimento administrativo do benefício se esse quadro vier a se alterar. DA OBRIGAÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE VALORES PAGOS PELA PREVIDÊNCIA SOCIAL MEDIANTE FRAUDE E DA LEGITIMIDADE DE DESCONTOS EM BENEFÍCIOS. O dever moral de não lesar outrem é guardado no sistema jurídico de qualquer sociedade minimamente civilizada. É notória a formulação que recebeu de Ulpiano, colacionada no início das Institutas de Justiniano (livro I, título I): “Juris praecepta sunt haec: honeste vivere, alterum non laedere, suum cuique tribuere” (“estes são os preceitos do direito: viver honestamente, não ofender ninguém, atribuir a cada um o que lhe pertence”). Como corolário da regra neminem laedere, exsurge a obrigação de reparar o dano injustamente infligido. No ordenamento jurídico nacional, essas normas são expressas nos artigos 186 e 927 do Código Civil de 2002: Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. No que concerne à Previdência Social, é prevista no artigo 115 da Lei n. 8.213/91 a autorização do INSS para descontar de benefícios os valores outrora pagos indevidamente: Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios: [...] II – pagamento de benefício além do devido; [...] § 1º Na hipótese do inciso II, o desconto será feito em parcelas, conforme dispuser o regulamento, salvo má-fé. [Lê-se no Decreto n. 3.048/99 (RPS): Art. 154. O Instituto Nacional do Seguro Social pode descontar da renda mensal do benefício: [...] II – pagamentos de benefícios além do devido, observado o disposto nos §§ 2º ao 5º; [...] § 2º A restituição de importância recebida indevidamente por beneficiário da previdência so¬cial, nos casos comprovados de dolo, fraude ou má-fé, deverá ser atualizada nos moldes do art. 175, e feita de uma só vez ou mediante acordo de parcelamento na forma do art. 244, in-dependentemente de outras penalidades legais. (Redação dada pelo Decreto n. 5.699/06).] Bem se vê que a pretensão de esquivar-se da responsabilidade pelo dano voluntariamente produzido é repugnada pela lei. Cabe frisar que o Art. 21, da Lei 8.742/93, assegura à Autarquia o direito à revisão periódica do benefício, a cada dois anos, a fim de aferir a persistência das condições que autorizaram a sua concessão. O benefício assistencial amp. Social pessoa portadora deficiência, NB 87/123.459.978-0 foi deferido à parte autora com DIB em 16/01/2002. Processo de Apuração de Irregularidade constatou a manutenção irregular do benefício, considerando os rendimentos recebidos pelo genitor da titular. Assim, foi encaminhado Ofício de Defesa em 25/08/2020, cuja ciência ocorreu em 24/09/2020, informando sobre a possível irregularidade encontrada. Houve apresentação de defesa pela interessada, mantendo-se o parecer da irregularidade inicial. O Superior Tribunal de Justiça publicou, em 23/04/2021, o acórdão de mérito do Recurso Especial 1.381.734/RN, representativo da controvérsia repetitiva descrita no Tema 979, cuja tese foi firmada nos seguintes termos: “Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) de valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido” (STJ, REsp 1381734/RN, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, julgado em 10/03/2021, DJe 23/04/2021). Houve modulação, pelo STJ, dos efeitos do julgamento do recurso especial representativo da controvérsia no tema 979/STJ. Nesse sentido: "Tem-se de rigor a modulação dos efeitos definidos neste representativo da controvérsia, em respeito à segurança jurídica e considerando o inafastável interesse social que permeia a questão sub examine, e a repercussão do tema que se amolda a centenas de processos sobrestados no Judiciário. Desse modo somente deve atingir os processos que tenham sido distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação deste acórdão." (Acórdão publicado no DJe de 23/4/2021). Os valores recebidos indevidamente em razão de erro material ou operacional da Administração são passíveis de devolução, salvo comprovação da boa-fé do segurado; a comprovação da boa-fé será exigida para as ações ajuizadas a partir de 23/04/2021 (publicação do acórdão paradigma); a repetição, quando admitida, permite o desconto do percentual de até 30% do valor do benefício do segurado. Cabe salientar que o processo administrativo não padece de nenhum vicio, porquanto foi assegurado à autora os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Neste caso, está claro erro administrativo pelo não cumprimento da determinação legal, prevista no artigo 21 da Lei n. 8.742/1993 (LOAS), de rever o benefício assistencial a cada 2 (dois) anos, para avaliação da continuidade das condições que lhe deram origem. O INSS se manteve inerte durante anos para apurar eventual irregularidade que poderia ser verificada com uma simples busca em seus cadastros. Nesse sentido: E M E N T A PREVIDENCIÁRIO - AÇÃO DE RESSARCIMENTO AO ERÁRIO - PERCEPÇÃO DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL JUNTAMENTE COM APOSENTADORIA POR IDADE PELO PAI DO AUTOR - INEXISTÊNCIA DE MISERABILIDADE - ERRO DA ADMINISTRAÇÃO. 1- No caso concreto, a controvérsia reside na viabilidade do ressarcimento de parcelas de benefício assistencial percebidos juntamente com a aposentadoria por idade recebida pelo pai do autor, descumprindo o requisito de miserabilidade previsto na Lei Federal nº. 8.742/93. 2 - Nesse contexto, conclui-se pela existência de erro administrativo na avaliação do caso, pois a irregularidade deveria ter sido verificada quando da concessão da aposentadoria por idade ao pai do autor, pois este já era beneficiário de benefício assistencial à época. 3- E não se pode afirmar que o homem médio perceberia o erro, pois a foi a própria autoridade competente quem manteve o benefício a partir da análise dos fatos e das informações contidas nos sistemas de controle. 4- Apelação do INSS desprovida. (APELAÇÃO CÍVEL ..SIGLA_CLASSE: ApCiv 5020265-61.2018.4.03.6183 ..PROCESSO_ANTIGO: ..PROCESSO_ANTIGO_FORMATADO:, Desembargador Federal MARCELO GUERRA MARTINS, TRF3 - 7ª Turma, DJEN DATA: 16/11/2022 ..FONTE_PUBLICACAO1: ..FONTE_PUBLICACAO2: ..FONTE_PUBLICACAO3:.) Destarte, considerando o caráter alimentar da prestação e a ausência de demonstração de que o valores não foram recebidos de boa-fé pela autora, eis que não há nada nos autos a indicar que houve intenção do grupo familiar de ocultar o recebimento do benefício cujos registros constam do CNIS, concluo pela impossibilidade de restituição dos valores pagos pelo INSS. Desta forma, afasto a cobrança dos valores pagos em favor da parte autora referente ao benefício Amp. Social Pessoa Portadora Deficiência, no período de 01/09/2015 a 30/09/2020, no montante de R$ 78.542,17 (setenta e oito mil, quinhentos e quarenta e dois reais e dezessete centavos para 01/2024 (id. 318651801, p. 61/63). DISPOSITIVO Diante do exposto, julgo parcialmente procedentes os pedidos formulados nesta ação, resolvendo o mérito (artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil), para declarar a inexigibilidade do débito apurado pela Autarquia, no período de 01/09/2015 a 30/09/2020, no montante atualizado de R$78.542,17 para 01/2024 (NB 123.459.978-0), nos termos da fundamentação. Tendo em vista os elementos constantes dos autos, defiro a tutela provisória para determinar ao INSS que se abstenha de promover medidas para a execução dos débitos aludidos, inclusive o desconto disciplinado no artigo 115, inciso II, da Lei n. 8.213/91. Em face da sucumbência recíproca, condeno o INSS e a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios (cf. artigos 85, § 14, e 86, parágrafo único, do Código de Processo Civil), os quais, sopesados os critérios legais (incisos do § 2º do artigo 85), arbitro no percentual legal mínimo (cf. artigo 85, § 3º), incidente, respectivamente, sobre: (a) o valor das parcelas vencidas, apuradas até a presente data (cf. STJ, REsp 412.695-RS, Rel. Min. Jorge Scartezzini), caso em que a especificação do percentual terá lugar quando liquidado o julgado (cf. artigo 85, § 4º, inciso II, da lei adjetiva); e (b) o correspondente a metade do valor atualizado da causa (cf. artigo 85, § 4º, inciso III), observada a suspensão prevista na lei adjetiva (§§ 2º e 3º do artigo 98), por ser a parte beneficiária da justiça gratuita. Sem custas para a autarquia, em face da isenção de que goza, nada havendo a reembolsar, ainda, à parte autora, beneficiária da justiça gratuita. Sentença não sujeita ao reexame necessário, conforme disposto no artigo 496, §3º, inciso I, do Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015). P. R. I. São Paulo, na data da assinatura eletrônica.
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