Processo nº 5004347-27.2025.8.24.0533
ID: 317804091
Tribunal: TJSC
Órgão: Vara Regional de Garantias da Comarca de Itajaí
Classe: INQUéRITO POLICIAL
Nº Processo: 5004347-27.2025.8.24.0533
Data de Disponibilização:
07/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
DAVID THEODORO FERNANDO CIM
OAB/SC XXXXXX
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INQUÉRITO POLICIAL Nº 5004347-27.2025.8.24.0533/SC
INDICIADO
: FRANCISCO DEMITRY ESTEVAO DE SOUSA
ADVOGADO(A)
: DAVID THEODORO FERNANDO CIM (OAB SC027239)
DESPACHO/DECISÃO
I - Relatório
Trata-se de …
INQUÉRITO POLICIAL Nº 5004347-27.2025.8.24.0533/SC
INDICIADO
: FRANCISCO DEMITRY ESTEVAO DE SOUSA
ADVOGADO(A)
: DAVID THEODORO FERNANDO CIM (OAB SC027239)
DESPACHO/DECISÃO
I - Relatório
Trata-se de auto de prisão em flagrante lavrado em desfavor de
Francisco Demitry Estevao de Sousa
pelo cometimento, em tese, dos crimes previstos no artigo 33,
caput
, e § 3º, e no artigo 35, ambos da Lei n. 11.343/2006.
Consta nos autos que, no dia 03/07/2025, por volta das 16h, a Polícia Civil, por intermédio da Delegacia de Investigação Criminal de Brusque, deflagrou uma operação policial com o intuito de combater os crimes de tráfico de drogas e associação para o tráfico. Durante o cumprimento da ordem judicial de busca e apreensão no endereço situado na rua Azambuja, n. 436, apto 17, bairro Azambuja (autos n. 5003569-57.2025.8.24.0533/SC), estavam
Francisco Demitry Estevao de Sousa
e Nayra Maria de França Silva, oportunidade em que Francisco preparava uma "carreira" de substância semelhante à cocaína, para consumo, informando ainda que no quarto haveriam mais entorpecentes, tendo sido encontrados, em cima da cômoda, 06 (seis) cigarros de maconha, bem como pequena porção bruta dentro de um objeto de borracha de cor azul. Vale ressaltar que na cozinha, próximo ao prato que a continha a cocaína, foi possível localizar uma "bucha" de cocaína aberta e ainda com parte da substância em seu interior. Por fim, ainda na mesa da cozinha foi localizado um aparelho celular, da marca Motorola, de cor azul, de propriedade do conduzido, e com a testemunha Nayra também fora localizado um smartphone da marca Apple.
A autoridade policial representou pela autorização de extração de dados constantes no aparelho celular apreendido e pelo compartilhamento das informações extraídas (evento 1).
O Ministério Público pugnou pela homologação do flagrante e concessão da liberdade provisória ao conduzido, mediante aplicação de medidas cautelares diversas da prisão, bem como pela quebra do sigilo dos dados telefônicos do aparelho celular apreendido (evento 17).
A Defesa requereu a não homologação da prisão em flagrante ao argumento de que inexistentes indícios suficientes quanto ao cometimento do delito de tráfico de drogas, já que os entorpecentes eram para o próprio consumo do conduzido. Subsidiariamente, postulou pela concessão de liberdade provisória ao conduzido.
Foi realizada audiência de custódia.
Os autos vieram conclusos.
Este é o relato.
Decido.
II - Competência
Inicialmente, faz-se necessário verificar se este juízo da Vara Regional de Garantias de Itajaí/SC é competente para análise do feito.
Deve ser observado que, em regra, o juízo competente para análise e processamento do feito será aquele no qual a infração se consumou (CP, art. 14, I) ou, no caso de crime tentado, o local em que tiver sido praticado o último ato executório (CP, art. 14, II), pois é onde a infração penal atingiu o seu resultado, perturbando a tranquilidade social e abalando a paz e o sossego da comunidade (
ratione loci
). É o que dispõe o artigo 70 do Código de Processo Penal:
1
Art. 70. A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução.
Outrossim, a Resolução TJ n. 19/2024, que disciplina a competência desta unidade jurisdicional dispõe que:
Art. 2º Compete privativamente ao juiz de direito da Vara Regional de Garantias da comarca de Itajaí:
I - apreciar:
a) os inquéritos policiais, os procedimentos investigatórios, as notícias-crime e as representações criminais originários das comarcas de
Balneário Piçarras, Brusque, Itajaí, Navegantes e Penha
; e
b) as medidas cautelares e assecuratórias, os pedidos de prisão, de liberdade e de quebra de sigilo de dados e/ou telefônico, a produção antecipada de provas, as exceções e os incidentes formulados em sede de investigação criminal, originários das comarcas de Balneário Piçarras, Brusque, Itajaí, Navegantes e Penha;
[...]
III - analisar os autos de prisão em flagrante originários das comarcas de Balneário Piçarras, Brusque, Itajaí, Navegantes e Penha, e determinar o relaxamento da prisão ilegal, a conversão da prisão em preventiva ou a concessão de liberdade, com ou sem fiança e/ou medidas cautelares, nos moldes do art. 310 do Código de Processo Penal;
IV - realizar as audiências de custódia em todas as prisões em flagrante e por cumprimento de mandado, independentemente da natureza da infração penal, inclusive temporárias, preventivas, definitivas, civis e de execução penal, exceto as decorrentes de cumprimento de mandado de prisão do regime aberto, efetuadas no território das comarcas de Balneário Piçarras, Brusque, Itajaí, Navegantes e Penha;
[...]
§ 2º Nas prisões decorrentes de cumprimento de mandado expedido em processo de outro juízo ou de flagrante submetido a alguma das matérias referidas nas alíneas do inciso I do § 1º deste artigo, a competência da Vara Regional de Garantias da comarca de Itajaí limita-se à realização da audiência de custódia e, se for o caso, à análise do auto de prisão em flagrante.
Em análise às informações colacionadas ao feito, observa-se que este juízo possui encargo para análise e processamento do feito, motivo pelo qual deve ser acolhida a competência.
Ingressa-se, assim, na análise da prisão em flagrante.
III – Prisão em flagrante
Sabe-se que a prisão em flagrante possui dupla função: a primeira e mais importante é a de obstar a prática delituosa, impedindo a sua consumação e o agravamento das consequências; a segunda busca solidificar os elementos de prova que, colhidos imediatamente, permitem uma melhor elucidação acerca dos fatos, especialmente com relação à autoria.
Acerca das garantias constitucionais relativas à prisão, Gilmar Ferreira
1
Mendes argumenta que, acompanhando o valor que se atribui à liberdade pessoal, o artigo 5º da CRFB, especialmente entre os incisos LXI a LXVI, expõe disciplina elementar a ser respeitada quando se cuida de segregação processual penal.
Em seu viés constitucional, a prisão deve observar alguns preceitos
2
:
Tendo em vista o valor primacial da liberdade, a Constituição estabelece condições especiais para a decretação da prisão, bem como para assegurar sua mantença. A prisão somente se dará em flagrante delito ou por ordem escrita e devidamente fundamentada da autoridade judiciária competente, ressalvados os casos de transgressão militar ou crime propriamente militar (CF, arts. 5º, LXI). A análise das normas constitucionais pertinentes art. 5º, LXI, LXV e LXVI assinala não só a possibilidade de prisão cautelar (prisão preventiva e prisão temporária), mas também a necessidade de concessão de liberdade provisória, com ou sem fiança, devendo, em qualquer hipótese, dar-se o relaxamento da prisão ilegal.
Seguindo os ditames processuais ordinários, o Código de Processo Penal também registra um roteiro básico a ser observado diante da apresentação do custodiado à autoridade policial (artigo 301 e ss). Efetivadas as formalidades, constitucionais e legais, a prisão em flagrante passa a ser submetida ao crivo do Poder Judiciário.
Analisando os autos, constata-se que, nessa fase preliminar da persecução penal, foram devidamente observadas as disposições contidas nos incisos LXI, LXII, LXIII e LXIV do artigo 5º da Constituição Federal e nos artigos 302, 304 e 306 do Código de Processo Penal.
As hipóteses que autorizam a prisão em flagrante estão previstas nos incisos I, II, III e IV do artigo 302 do Código de Processo Penal, rol taxativo que não permite interpretação extensiva ou analogia, para evitar que o direito constitucional de locomoção seja ferido. Nestes termos, dispõe o artigo 302 e seus incisos:
Art. 302. Considera-se em flagrante delito quem:
I - está cometendo a infração penal;
II - acaba de cometê-la;
III - é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração;
IV - é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração.
São denominados de flagrante próprio (inc. I e II), impróprio (inc. III) ou presumido (inc. IV) e quando não houver situação de flagrante delito, conforme estampado nestes incisos, será cabível o relaxamento da prisão (CRFB, art. 5º, LXV).
Entende-se por
flagrante próprio
, quando o agente é surpreendido cometendo o ato criminoso ou acabando de cometê-lo, em momento imediatamente após, sem que tenha conseguido se afastar da vítima ou do local do delito. Caso o agente seja surpreendido no momento em que está praticando o verbo núcleo do tipo penal, sua prisão em flagrante poderá ser efetuada.
Já o
flagrante impróprio
, também denominado de imperfeito, ocorre quando o agente é perseguido
logo após
cometer o ato ilícito, sendo encontrado em situação que faça presumir ser ele o autor do delito. Segundo leciona Renato Brasileiro de Lima
3
, "exige o flagrante impróprio a conjugação de 3 (três) fatores: a) perseguição (requisito de atividade); b) logo após o cometimento da infração penal (requisito temporal); c) situação que faça presumir a autoria (requisito circunstancial)".
Por fim, o
flagrante presumido
é aquele em que o agente é encontrado
logo depois
do cometimento da infração com instrumentos, objetos, armas ou papéis que faça presumir ser ele o autor do ilícito, não havendo para esta hipótese previsão de perseguição, como no caso anterior, sendo necessária a prisão do agente com objetos que traduzam um veemente indício da autoria ou participação delitiva.
Ainda, a legislação penal processual prevê a situação de flagrância em
crimes permanentes
, a despeito do que dispõe o artigo 303 do Código de Processo Penal, que descreve: "Nas infrações permanentes, entende-se o agente em flagrante delito enquanto não cessar a permanência".
O crime permanente é aquele cuja a consumação, pela natureza do bem jurídico ofendido, pode protrair-se no tempo, detendo o agente o poder de fazer cessar o estado antijurídico por ele realizado, ou seja, é o delito cuja consumação se prolonga no tempo
4
.
Ou seja, enquanto não cessar a permanência, o agente encontra-se em situação de flagrante delito, permitindo, assim, a efetivação de sua prisão em flagrante.
Na hipótese dos autos, verifica-se que a situação de flagrante delito encontra-se amparada no artigo 302, inciso I, e no artigo 303, ambos do Código de Processo Penal.
Existe, ainda que em um juízo perfunctório, prova da materialidade e indícios suficientes de autoria, razão pela qual o
auto de prisão em flagrante deve ser homologado
.
III.1 - Pedido de relaxamento da prisão em flagrante
A Defesa requereu a não homologação da prisão em flagrante ao argumento de que inexistentes indícios suficientes quanto ao cometimento do delito de tráfico de drogas, já que os entorpecentes eram para o próprio consumo do conduzido.
No entanto, depreende-se do constante nos autos, em suma, que a situação de flagrante foi verificada justamente em cumprimento a operação policial com o intuito de combater os crimes de tráfico de drogas e associação para o tráfico, mediante cumprimento de mandado de busca e apreensão (autos n. 5003569-57.2025.8.24.0533/SC), oportunidade em que foram localizados os entorpecentes.
As circunstâncias da prisão permitem concluir, ao menos em sede de cognição sumária, que as substâncias entorpecentes apreendidas supostamente se destinavam ao tráfico e não ao uso pessoal.
Conforme dispõe o art. 28, § 2º, da Lei 11.343/06, a definição da posse da droga para o tráfico ou para o uso pessoal, deverá levar em consideração a "
natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente
".
Dessarte, apesar da pouca quantidade de entorpecentes apreendidos, no presente caso, em constatação sumária, as circunstâncias apontam para a suposta prática do tráfico.
Anote-se que o fato de o conduzido eventualmente ser usuário de drogas não impede a prática do crime de tráfico (TJSC, Apelação Criminal n. 0000874-91.2019.8.24.0028, de Içara, rel. Luiz Antônio Zanini Fornerolli, Quarta Câmara Criminal, j. 13-08-2020).
Afasta-se, assim, a tese aventada pela Defesa.
Não sendo caso de relaxamento da prisão ilegal, a partir da homologação o juiz poderá
5
conceder ao conduzido a liberdade provisória, com
6
ou sem vinculação, ou decretar a prisão preventiva
7
.
IV – Liberdade provisória sem vinculação
Para decretação da prisão cautelar é preciso a observância de
requisitos, pressupostos
e
fundamentos
específicos.
Analisando os autos, constata-se que os fundamentos específicos autorizadores da segregação cautelar não se fazem presentes.
Os
requisitos
ou condições de admissibilidade
8
da prisão preventiva estão dispostos no artigo 313, e dizem respeito à gravidade abstrata do crime, ao histórico penal do agente, à efetividade das medidas protetivas de urgência ou à correta identificação do infrator.
Em um primeiro momento, observa-se que a prisão preventiva só poderá ser decretada no caso de cometimento de crime doloso
9
, e nunca diante de crime culposo ou de contravenção penal
10
.
Enquanto o primeiro requisito cuida da
figura abstrata do delito
doloso
11
(inc. I), o segundo baliza os antecedentes do agente de forma que possa ser caracterizada a sua reincidência
12
(inc. II). Nessa hipótese, resta indiferente a gravidade do delito, bastando que haja contra o infrator
condenação anterior por outro crime doloso
.
O terceiro requisito (inc. III) busca zelar pelos que se encontram em relação de hipossuficiência com o agressor, como é o caso de algumas mulheres, crianças, adolescentes, idosos, enfermos ou pessoas com deficiência, especialmente diante do
descumprimento
desarrazoado por parte do infrator das medidas cautelares diversas ou protetivas impostas
13
.
Por fim, o último requisito (§ 1º) exige a perfeita
individualização
do agente mediante o esclarecimento da sua identidade civil.
Traçados os requisitos a serem prefacialmente observados, diante da existência de qualquer um
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deles é possível adentrar na análise dos
pressupostos
estampados na parte final do artigo 312 consistentes na
prova da materialidade,
indícios de autoria
e no
perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado
. Em outras palavras, na verificação do
fumus boni iuris
, ou, como destaca a doutrina processual penal,
fumus commissi delicti
15
.
Como é exigido pela norma processual, a materialidade deve estar robustamente comprovada, ainda que em um juízo perfunctório que eventualmente não venha a se confirmar no futuro. Diferentemente é a condição da autoria, para a qual são aceitos meros indícios que possam indicar ser o agente o autor do fato.
Verificados os requisitos e os pressupostos, a decretação da prisão preventiva impõe, em última análise, a aferição de
fundamentos
, também dispostos no artigo 312 do CPP, os quais se traduzem em: a) garantia da ordem pública; b) garantia da ordem econômica; c) por conveniência da instrução criminal, e; d) para assegurar a aplicação da lei penal.
Somam-se a eles o disposto no parágrafo 1º do artigo 312 do CPP, previsão normativa excepcional de decretação de prisão preventiva diante do descumprimento de medidas cautelares anteriormente aplicadas (quando presentes os fundamentos do inc. I do art. 282 do CPP, independentemente do preenchimento dos requisitos, pressupostos e fundamentos da prisão preventiva).
Os quatro fundamentos específicos para a decretação condicionam o fundamento geral atinente à toda e qualquer cautelar: o
periculum in mora
ou, nessa seara, o
periculum libertatis
16
.
Depois de décadas de aperfeiçoamento doutrinário e jurisprudencial,
a ordem pública
parece ter recebido certa dose de definição por parte da doutrina e especialmente da jurisprudência. Recentemente, apesar de ainda haver pontos conflitantes, aparentemente restou pacificado que a prisão preventiva decretada para garantir a ordem pública visa impedir o cometimento reiterado de crimes.
E isso pode ser observado no rol de antecedentes criminais ou extraído pela percepção dos meios de execução do delito: ambos devem indicar que o agente faz do crime um modo de vida, seja por seu histórico pessoal delitivo, participação em organização criminosa ou pelo
modus operandi
17
empregado na atividade
18
.
O fundamento da
ordem econômica
foi inserido no artigo 312 do CPP no ano de 1994 por intermédio da Lei 8.884, juntando-se aos outros três fundamentos pré-existentes. Desde então os juristas vêm percorrendo um tormentoso caminho em busca de uma definição de ordem econômica para balizar a prisão processual, ensejando as mais diversas opiniões e definições, grande parte delas conflitantes e voltadas à direções dissonantes, sendo necessária, portanto, a análise pontual e individual de cada caso concreto.
O abalo à
conveniência da instrução
ocorrerá sempre que “a normalidade da apuração do crime e de sua autoria ou da própria instrução do processo exigir”
19
, como, por exemplo, quando o indiciado ou réu estiver intimidando, influenciando ou aliciando pessoas relacionadas ao fato e ao processo ou consumindo provas.
A salvaguarda da
aplicação da lei
é a genuína cautelar penal
20
, considerando sua função e garantia com relação ao resultado futuro do processo penal de conhecimento de natureza condenatória. Cuida-se de hipótese em que o indiciado ou réu tenta se furtar ao cumprimento da pena, afastando-se imotivadamente do local do crime, desfazendo-se, sem justificativa, de seu patrimônio ou programando alteração de domicílio para local distante
21
.
Por fim, insta destacar que os fatos que justificam a prisão preventiva devem ser contemporâneos à decisão que a decreta
22
e que a motivação da decisão não precisa ser exaustiva
23
.
Neste norte, foi conferida nova redação ao artigo 312 do Código de Processo Penal, com as alterações previstas na Lei n. 13.964/19 (Pacote Anticrime), no que diz respeito à contemporaneidade dos fatos, ou seja, o princípio da atualidade.
Para fins de decretação da prisão preventiva ou qualquer outra medida cautelar, deve-se observar a atualidade dos fatos, pois estas medidas tutelam uma situação fática presente, um risco atual. Assim, "não se admite a decretação de uma medida cautelar para tutelar fatos pretéritos, que não necessariamente ainda se fazem presentes por ocasião da decisão judicial em questão. É exatamente isso o que a doutrina chama de princípio da atualidade (ou contemporaneidade) do perigo (ou do
periculum libertatis
)
24
.
É este o contexto apresentado na parte final do artigo 312, §2º, que dispõe:
"A decisão que decretar a prisão preventiva deve ser motivada e fundamentada em receio de perigo e existência concreta de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada".
Em sentido semelhante, o artigo 315, §1º, do Código de Processo Penal, também incluído pelo Pacote Anticrime, passa a dispor que na motivação da decretação da prisão preventiva ou de qualquer outra cautelar, o juiz deverá indicar concretamente a existência de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada
25
.
Pois bem
. Dito isso, visualizando o caderno processual, apesar de preenchidos os
requisitos
do artigo 313 do CPP (inc. I) e presentes os
pressupostos,
consistentes na prova da materialidade e indícios de autoria, (art. 312,
in fine
, do CPP), não se extrai, por todo o contido, a viabilidade da decretação da prisão preventiva ou a necessidade de imposição de medidas cautelares diversas diante da ausência de fundamentos aptos à segregação cautelar (art. 312 do CPP, primeira parte).
Nesse contexto, é importante registrar que o conduzido é primário, de acordo como conteúdo da folha de antecedentes criminais (eventos 4 e 7), não havendo informações de que trata de pessoa que faz do delito um modo de vida, e a liberdade dele, supostamente, não expõe a risco a sociedade. O
modus operandi
também é atinente à espécie e não foge da normalidade.
Ademais, não há indicativo de eventual intenção de prejudicar a instrução criminal ou, ainda, evitar a aplicação da lei penal. Da mesma forma inexiste notícia acerca de eventual descumprimento de medida cautelar anteriormente imposta.
Além disso, não há pedido do Ministério Público ou representação da autoridade policial para a decretação da prisão preventiva, sendo vedado ao juiz concedê-la de ofício (STF, HC 188.888).
Saliente-se, igualmente, que a prisão provisória não pode ser confundida com a prisão sanção. Em sendo o caso, a competente ação penal poderá ser proposta e aplicada, ao final, eventual futura punição, o que deverá ocorrer, portanto, no momento jurídico adequado:
A privação cautelar da liberdade individual – qualquer que seja a modalidade autorizada pelo ordenamento positivo (prisão em flagrante, prisão temporária, prisão preventiva, prisão decorrente de decisão de pronúncia e prisão resultante de condenação penal recorrível) – não se destina a infligir punição antecipada à pessoa contra quem essa medida excepcional é decretada ou efetivada. É que a ideia de sanção é absolutamente estranha à prisão cautelar (
carcer ad custodiam
), que não se confunde com a prisão penal (c
arcer ad poenam
). Doutrina. Precedentes. A utilização da prisão cautelar com fins punitivos traduz deformação desse instituto de direito processual, eis que o desvio arbitrário de sua finalidade importa em manifesta ofensa às garantias constitucionais da presunção de inocência e do devido processo legal. [
HC 96.219 MC
, rel. min. Celso de Mello, dec. monocrática, j. 9-10-2008,
DJE
de 15-10-2008.] No mesmo sentido:
HC 101.244
, rel. min. Ricardo Lewandowski, j. 16-3-2010, 1ª T,
DJE
de 9-4-2010; e
HC 95.464
, rel. min. Celso de Mello, j. 3-2-2009, 2ª T,
DJE
de 13-3-2009. Supremo Tribunal Federal.
Independentemente disso, é importante ressaltar, nesse ponto, que, em conformidade ao Supremo Tribunal Federal, “
a liberdade é a regra
”
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, muitas vezes não compreendida pela Sociedade e pelo cidadão comum
27
. Essa também é a orientação do Superior Tribunal de Justiça
28
:
A jurisprudência deste Tribunal Superior tem proclamado que a prisão cautelar é medida de caráter excepcional, devendo ser imposta, ou mantida, apenas quando atendidas, mediante decisão judicial fundamentada (art. 93, IX, da Constituição Federal), as exigências do art. 312 do CPP. Isso porque a liberdade, antes de sentença condenatória definitiva, é a regra, e o enclausuramento provisório, a exceção, como têm insistido esta Corte e o Supremo Tribunal Federal em inúmeros julgados, por força do princípio da presunção de inocência, ou da não culpabilidade.
Aliás, esse é o comando insculpido no inciso LXVI do artigo 5º da CRFB, normatização que assegura que
"ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança".
Ainda, em complemento, retira-se dos precedentes da Corte Superior responsável pela uniformização da jurisprudência pátria:
EMENTA AGRAVO REGIMENTAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. INSURGÊNCIA CONTRA A CONCESSÃO LIMINAR DA ORDEM. PRISÃO PREVENTIVA. SUBSTITUIÇÃO POR MEDIDAS CAUTELARES ALTERNATIVAS À PRISÃO. PROPORCIONALIDADE, SUFICIÊNCIA E ADEQUAÇÃO. MANUTENÇÃO DA DECISÃO MONOCRÁTICA QUE SE IMPÕE. 1. De acordo com reiteradas decisões desta Corte Superior, as prisões cautelares são medidas de índole excepcional, somente podendo ser decretadas ou mantidas caso demonstrada, com base em elementos concretos dos autos, a efetiva imprescindibilidade de restrição ao direito constitucional à liberdade de locomoção.2. Não obstante as relevantes considerações feitas pelas instâncias ordinárias e pelo Ministério Público estadual em seu agravo regimental, conforme reiteradamente decidido pelo Superior Tribunal de Justiça, com o advento da Lei n. 12.403/2011, a prisão cautelar passou a ser, mais ainda, a mais excepcional das medidas, devendo ser aplicada somente quando comprovada a inequívoca necessidade, devendo sempre verificar se existem medidas alternativas à prisão adequadas ao caso concreto. [...] 4. Agravo regimental improvido. (AgRg no HC n. 863.516/MG, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 13/8/2024, DJe de 15/8/2024.)
Frise-se que, diante da ausência de elementos específicos (fundamentos do inciso I do art. 282), a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão igualmente se mostram inapropriadas.
V - Quebra do sigilo de dados telefônicos
A autoridade policial e o Ministério Público representaram pelo afastamento do sigilo dos dados do telefone celular apreendido com o conduzido.
Como premissa, é importante consignar que a hipótese em tela não versa sobre a interceptação telefônica disciplinada pela Lei n. 9.296/1996, quando é indispensável a presença dos requisitos cumulativos elencados em seu artigo 2º, a qual possui natureza jurídica diversa da medida cautelar ora pleiteada.
Enquanto a interceptação telefônica trata da comunicação que está acontecendo, a quebra de sigilo dos dados telefônicos guarda relação com informações já armazenadas no aparelho celular.
Sobre o assunto, elucida a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CRIMES DE TRÁFICO DE DROGAS E HOMICÍDIO. LEI DAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS. DADOS CADASTRAIS DE SERVIÇO DE TELEFONIA. ACESSO POR DECISÃO JUDICIAL MOTIVADA. PROCEDIMENTO QUE NÃO SE CONFUNDE COM INTERCEPTAÇÃO DAS COMUNICAÇÕES TELEFÔNICAS PREVISTO NA LEI N.º 9.296/96. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A decisão judicial que determinou autorizou a entrega dos registros de todas as chamadas telefônicas ou mensagens de texto originadas e recebidas em determinadas torres de celular (Estação Rádio Base - ERB), nas datas e horários indicados pelo requerimento da Autoridade Policial, não foi redigida de maneira genérica, tampouco viola o direito à intimidade e à privacidade dos usuários de telefonia móvel que utilizaram as referidas estações de telefonia. 2.
Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a quebra do sigilo dos dados cadastrais do usuários, relações de números de chamadas, horário, duração, dentre outros registros similares, que são informes externos à comunicação telemática, não se submetem a disciplina da Lei n.º 9.296/96, que trata da interceptação do que é transmitido pelo interlocutor ou do teor da comunicação telefônica.
3. Agravo regimental desprovido. (AgRg no REsp 1760815 / PR AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL 2018/0211126-0. Ministra LAURITA VAZ. SEXTA TURMA. Data do julgamento: 23/10/2018).
O referido acórdão destacou a legalidade do pedido de quebra do sigilo de dados a fim de colher provas e informações necessárias à instrução processual conforme o regramento do Código de Processo Penal.
Não se pode olvidar, entretanto, da recente discussão sobre a necessidade de autorização judicial para a verificação dos dados registrados nos aparelhos apreendidos.
A possibilidade da quebra de sigilo dos dados telemáticos deve estar fundamentada no fato de que apesar da Constituição da República
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assegurar ao cidadão a inviolabilidade da intimidade, do sigilo de correspondência, das comunicações telegráficas, bem como dos dados e comunicações telefônicas, tal restrição não é regra absoluta e pode ser afastada quando presente justa causa, consubstanciada no interesse público e coleta de elementos probatórios para auxiliar na investigação ou instrução criminal. Nesta circunstância, o interesse público à investigação prevalece sobre o direito fundamental de proteção à intimidade do indivíduo.
Segundo o ensinamento doutrinário
30
:
Apesar do art. 5º, inciso XII, da Constituição Federal, ressalvar apenas a interceptação das comunicações telefônicas, não se deve compreender que o sigilo de dados tenha natureza absoluta. As liberdades públicas não podem ser interpretadas em sentido absoluto, em face da natural restrição resultante do princípio da convivência das liberdades: não se permite que sejam exercidas de modo danoso à ordem pública e às liberdades alheias;
não podem funcionar como mecanismo de salvaguarda para atividades ilícitas.
Colhe-se também da jurisprudência:
APELAÇÃO CRIMINAL. INCÊNDIO (CP, ART. 250, § 1º, INC. II, ALÍNEA "C") E CORRUPÇÃO DE ADOLESCENTES, (LEI 8.069/90, ART. 244-B). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSOS DOS ACUSADOS. 1. PRELIMINARES 1.1. NULIDADE DO MONITORAMENTO DAS COMUNICAÇÕES TELEFÔNICAS. QUEBRA DE SIGILO DE DADOS TELEFÔNICOS. INEXIGÊNCIA DE CUMPRIMENTO DA LEI 9.296/96. 1.2. SIGILO DE CORRESPONDÊNCIA. DIREITO ABSOLUTO. INEXISTÊNCIA. PONDERAÇÃO. DIREITO QUE NÃO OBSTA O INTERESSE DO ESTADO NA SOLUÇÃO DE DELITOS. JUSTA CAUSA VERIFICADA. 2. MÉRITO 2.1. INCÊNDIO. AUTORIA. DECLARAÇÕES DE TESTEMUNHAS E DE POLICIAIS. DADOS TELEFÔNICOS E CARTAS QUE APONTAM OS ACUSADOS COMO MANDANTES DO CRIME. 2.2. CORRUPÇÃO DE ADOLESCENTE. CRIME FORMAL. PRÁTICA DO DELITO EM COAUTORIA COM ADOLESCENTE. 3. DOSIMETRIA DA PENA. 3.1. CONSEQUÊNCIAS DO CRIME. DANO PATRIMONIAL QUE EXTRAPOLA A NORMALIDADE. 3.2. AGRAVANTE. INSTIGAR ADOLESCENTE A PRATICAR CRIME. BIS IN IDEM. 1.1. A quebra do sigilo de dados telefônicos não se confunde com o monitoramento das comunicações telefônicas e não se submete aos mandamentos da Lei 9.296/96, bastando para seu deferimento justa causa e fundamentação idônea. 1.2.
Segundo entendimento jurisprudencial, os direitos e garantias fundamentais "não podem servir de esteio para impunidade de condutas ilícitas, razão por que não vislumbro constrangimento ilegal na captação de provas por meio da quebra do sigilo de correspondência, direito assegurado no art. 5º, XII, da CF, mas que não detém, por certo, natureza absoluta"
(STJ, HC 93.874, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 15.6.10). [...] (TJSC, Apelação Criminal n. 0001000-73.2013.8.24.0054, de Rio do Sul, rel. Sérgio Rizelo, Segunda Câmara Criminal, j. 25-10-2016).
Neste ponto, registra-se que não pode ser menosprezada a relevância da prova obtida por meio da quebra de sigilo dos dados telemáticos, que poderá servir de importante instrumento para demonstrar - a partir do cruzamento dos dados extraídos - elementos relativos à materialidade e autoria delitivas.
No caso em análise, há indícios do envolvimento do conduzido com o crime de tráfico de drogas e associação para o tráfico, sendo que os dados registrados no celular ou outra mídia eventualmente apreendidos podem constituir importantes elementos de prova.
Considerando as circunstâncias do caso concreto, é necessário o acesso ao conteúdo eventualmente armazenado no aparelho celular apreendido (como, por exemplo, mensagens enviadas), relacionado à prática delitiva, o que poderá auxiliar na elucidação dos fatos e, consequentemente, no bom êxito das investigações.
Desse modo, mostra-se plenamente proporcional e razoável que se quebre o sigilo dos dados porventura existentes no aparelho celular apreendido.
VI - Compartilhamento de provas
A autoridade policial postulou pelo compartilhamento das provas obtidas a partir da quebra do sigilo de dados telefônicos.
Conforme ensina Antônio Magalhães Gomes Filho
31
, Professor de Processo Penal da USP, acerca do
compartilhamento
da prova – ou prova emprestada – o sistema processual penal brasileiro, denominado misto, possui concomitantemente aspectos inquisitórios e acusatórios, dependendo da fase da persecução penal, com diferentes reflexos em matéria de prova. Na primeira delas, por meio da investigação policial, onde alguns princípios constitucionais não necessariamente precisam ser observados, localizam-se os elementos de investigação; na segunda, com instrução probatória submetida ao crivo do contraditório perante um Magistrado e em conformidade ao devido processo legal jurisdicional, encontram-se os elementos de prova.
A partir dessa premissa, torna-se imperioso destacar o conceito operacional da categoria “prova”
32
, especialmente diante da segmentação existente entre “elemento de prova” e “elemento de investigação”.
Acompanhando o contido no artigo 155 do CPP, “o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente com base nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas”. Dessa forma, de acordo com o regramento legal, o juiz formará seu convencimento pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, tendo o legislador consagrado, nesse contexto, a necessária e apropriada diferenciação entre o que é prova e aquilo que constitui resultado da investigação.
Nesse sentido, conclui o referido Maestro: Os dois conceitos não se confundem, até porque constituem resultado de atividades com finalidades diversas: os atos de prova objetivam a introdução de dados probatórios (elementos de prova) no processo, que servem à formulação de um juízo de certeza próprio da sentença; os atos de investigação visam à obtenção de informações que levam a um juízo de probabilidade idôneo a sustentar a
opinio delicti
do órgão da acusação ou de fundamentar a adoção de medidas cautelares pelo juiz.
Diante do exposto, observa-se que “só podem ser considerados provas, no sentido jurídico-processual, os dados de conhecimento introduzidos no processo na presença do juiz e com a participação das partes, em contraditório”
33
, por intermédio dos elementos de prova. Estes, por sua vez, não se confundem com os elementos informativos produzidos na investigação, que não são, tecnicamente, provas.
Efetuada a diferenciação, ingressa-se na análise de
compartilhamento
ou empréstimo de prova, consistente, em conformidade ao referido autor, na possibilidade de utilização de elementos de prova produzidos em um processo judicial, na presença de um Magistrado e com a substancial participação das partes, com observância do devido processo legal, em outro procedimento diverso e autônomo. Destaque-se, nesse ponto, que o contraditório e a ampla defesa derivam do devido processo legal.
O aproveitamento da prova compartilhada no segundo processo ocorre por meio da juntada dos atos de documentação da prova originária, ou seja, a prova emprestada será documental, porém, manterá a natureza e a eficácia probante se os processos por onde elas transitam possuírem as mesmas partes (por ex.: prova testemunhal); caso não sejam as mesmas partes
34
, a prova trasladada terá caráter meramente documental, e deverá ser avaliada e sopesada posteriormente pelo Magistrado. Não obstante, nesse contexto, a prova compartilhada não poderá ser o único elemento de convicção a respaldar o convencimento do julgador
35
, atuando, dessa forma, de modo complementar.
Existe divergência com relação à necessidade de serem ou não as mesmas partes no processo em que foi produzida a prova e no processo em que ela será trasladada. A doutrina majoritária, por exemplo, entende que esse é um requisito essencial, conforme expõe Badaró
36
:
Para que a prova originária de um processo possa ser validamente trasladada para outro processo, é necessário que: (1) a prova do primeiro processo tenha sido produzida perante o juiz natural; (2) a prova produzida no primeiro processo tenha possibilitado o exercício do contraditório perante a parte do segundo processo; (3) que o objeto da prova seja o mesmo nos dois processos; (4) que o âmbito de cognição do primeiro processo seja o mesmo do segundo processo.
O fato de elementos indiciários acerca da prática de crime surgirem no decorrer da execução de medida de quebra de sigilo de dados determinada para apuração de outros crimes não impede, por si só, que os dados colhidos sejam utilizados para a averiguação da suposta prática daquele delito.
Com efeito, pode ocorrer o que se chama de
fenômeno da serendipidade
, que consiste na descoberta fortuita de delitos que não são objeto da investigação.
No caso, considerando a licitude da prova de quebra de sigilo de dados telefônicos produzida neste processo, porquanto precedida de autorização judicial, é legítimo que ela seja utilizada para desvendar outros crimes.
VII - Comandos processuais
VII.1 – Homologo
a prisão em flagrante.
VII.2 –
Concedo a liberdade provisória a
Francisco Demitry Estevao de Sousa
.
Expeça-se
o alvará de soltura.
VII.3 - Autorizo
a quebra do sigilo dos dados armazenados no aparelho celular apreendido, para que seja submetido a exame pericial, ficando autorizado o acesso às informações contidas nos aparelhos, tais como ligações efetuadas e recebidas, mensagens SMS enviadas e recebidas, mensagens do aplicativo Whatsapp, além de outras que interessem à prova da infração.
Havendo a necessidade de desbloqueio para acesso aos dados de aparelho protegido por senha pessoal, incumbirá à autoridade policial e/ou ao IGP diligenciar os meios legais para o desbloqueio do aparelho.
O laudo pericial deverá ser confeccionado no prazo de 15 (quinze) dias.
Cientifiquem-se
o Ministério Público e a autoridade policial acerca do deferimento da medida.
VII.4 - Autorizo
o compartilhamento da prova obtida a partir da quebra de sigilo de dados telefônicos do aparelho celular apreendido nestes autos, a ser produzida neste processo, com outros procedimentos de investigação criminal.
VII.5 -
Remetam-se
os autos ao Ministério Público, onde deverão permanecer até que haja pedido submetido à reserva de jurisdição. O feito deve observar a tramitação direta do Eproc.
VII.6
–
Cumpra-se
.
1
. Curso de direito processual penal / Guilherme de Souza Nucci. – 17. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2020
1. MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 2015.. p. 576.
2. MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 577.
3. LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal: volume único – 8. ed. rev.,ampl. e atual. – Salvador: Ed. JusPodivm, 2020.
4. TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 146-147.
5. "Art. 310. Após receber o auto de prisão em flagrante, no prazo máximo de até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, o juiz deverá promover audiência de custódia com a presença do acusado, seu advogado constituído ou membro da Defensoria Pública e o membro do Ministério Público, e, nessa audiência, o juiz deverá, fundamentadamente: I - relaxar a prisão ilegal; ou II converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou III - conceder liberdade provisória, com ou sem fiança."BRASIL. Congresso Nacional. Código de Processo Penal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689Compilado.htm. Acesso em: maio/2020.
6. Mediante aplicação de Medidas Cautelares diversas da Prisão.
7. A Liberdade Provisória Sem Vinculação, a Liberdade Provisória Condicionada ao cumprimento de Medidas Cautelares Diversas da Prisão e a Prisão Preventiva consistem em Cautelares Processuais Penais aplicáveis após a análise da Prisão e Flagrante, por isso esta transparece natureza jurídica pré-cautelar.
8. GOMES, Luiz Flávio et al. Prisão e Medidas Cautelares: comentários à Lei 12.403, de 4 de maio de 2011. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2011. p. 148.
9. GOMES, Luiz Flávio et al. Prisão e Medidas Cautelares: comentários à Lei 12.403, de 4 de maio de 2011. p. 152 e p. 148 em nota de rodapé.
10. Infração penal é gênero, da qual são espécies: a) crime ou delito, tratados em nosso ordenamento jurídico como sinônimos; b) contravenção penal.
11. “Crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos.”
12. “[...] desde que a anterior condenação não tenha experimentado o período de caducidade de cinco anos, conforme prevê o art. 64, I, do CP.” NUCCI, Guilherme de Souza. Prisão e Liberdade: as reformas processuais penais introduzidas pela Lei 12.403, de 4 de maio de 2011. p. 68.
13. “Por outro lado, a prisão preventiva como sanção ao descumprimento de outras medidas anteriormente impostas e desatendidas deliberadamente pela pessoa submetida à constrição é mecanismo de salvaguarda do sistema e, da forma como estabelecida, cria verdadeira ampliação de controle pessoal no processo penal, vez que pode vir a incidir em searas que até então estavam potencialmente afastadas da segregação cautelar da liberdade [...]”. CHOUKR, Fauzi Hassan. Medidas Cautelares e Prisão Processual: comentários à Lei 12.403/2011. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 96.
14. Não são cumulativos.
15. “O requisito basilar (essencial, nuclear) para a decretação de qualquer medida cautelar no processo penal é o fumus commissi delicti, ou seja, fumaça do cometimento de um fato punível, que se exterioriza na prova da existência do crime (do fato punível) e indícios suficientes de autoria.” GOMES, Luiz Flávio et al. Prisão e Medidas Cautelares: comentários à Lei 12.403, de 4 de maio de 2011. p. 34.
16. “Não se mostra correto falar em periculum in mora no âmbito das medidas cautelares pessoais. Isso se justifica em relação às medidas reais. Não é a mora ou a demora que justifica a adoção de medidas cautelares pessoais, sim, é o estado de liberdade do agente que constitui o fundamento dessas medidas.” GOMES, Luiz Flávio et al. Prisão e Medidas Cautelares: comentários à Lei 12.403, de 4 de maio de 2011. p. 34.
17. Precedentes: HC 100.578/SP, Rel. Min. Luiz Fux, STF, DJe de 8-9-2011.
18. Precedentes: RHC 54423/MG, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, STJ, julgado em 10/03/2015, DJe 17/03/2015.
19. MOSSIN, Heráclito Antônio. Compêndio de Processo Penal: curso completo. Barueri, Manole, 2010. p. 417.
20. MOSSIN, Heráclito Antônio. Compêndio de Processo Penal: curso completo. p. 418.
21. Precedentes: RHC 53927/RJ, Rel Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, STJ, julgado em 05/03/2015, DJe 17/03/2015.
22. Precedentes: HC 214921/PA, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, STJ, julgado em 17/03/2015, DJe 25/03/2015.
23. “A motivação é decisiva para aferir a legitimidade do decreto de prisão preventiva, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal. Sobre a fundamentação da prisão preventiva, o Supremo Tribunal Federal tem decidido que não precisa ser exaustiva, bastando que a decisão analise, ainda que de forma sucinta, os requisitos concretos ensejadores da custódia preventiva, não se admitindo prisões com base em argumentos genéricos, fundados em dados abstratos e fórmulas legais.“ MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 528.
24. Lima, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal: volume único. 8. ed. rev., ampl. e atual. – Salvador: Ed. JusPodivm, 2020.
25. Art. 315. A decisão que decretar, substituir ou denegar a prisão preventiva será sempre motivada e fundamentada. (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019) § 1º Na motivação da decretação da prisão preventiva ou de qualquer outra cautelar, o juiz deverá indicar concretamente a existência de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada.
26. STF - HABEAS CORPUS HC 90398 SP (STF). Data de publicação: 17/05/2007.
27. SAMPAIO JÚNIOR, José Herval et al. Manual de prisão e soltura sob a ótica constitucional: doutrina e jurisprudência. p. 90.
28. STJ - RECURSO ORDINARIO EM HABEAS CORPUS RHC 37334 SP 2013/0136156-8 (STJ). Data de publicação: 17/06/2013.
29. Art. 5º, da Constituição Federal: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, àliberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito aindenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicaçõestelefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para finsde investigação criminal ou instrução processual penal.
30. LIMA, Renato Brasileiro. Legislação criminal especial comentada. 8ª ed. Editora: Juspodivm, 2020.
31. COMPARTILHAMENTO DE PROVAS NO PROCESSO PENAL. Revista Brasileira de Ciências Criminais. RBCCRIM VOL. 122 (AGOSTO 2016). Disponível em: http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/documentacao_e_divulgacao/doc_biblioteca/bibli_servicos_produtos/bibli_boletim/bibli_bol_2006/122.02.PDF. Acesso em: dez 16." data-tipo_marcacao="rodape" title="GOMES FILHO, ANTONIO MAGALHÃES. LIMITES AO COMPARTILHAMENTO DE PROVAS NO PROCESSO PENAL. Revista Brasileira de Ciências Criminais. RBCCRIM VOL. 122 (AGOSTO 2016). Disponível em: http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/documentacao_e_divulgacao/doc_biblioteca/bibli_servicos_produtos/bibli_boletim/bibli_bol_2006/122.02.PDF. Acesso em: dez 16."
32. COMPARTILHAMENTO DE PROVAS NO PROCESSO PENAL." data-tipo_marcacao="rodape" title="Na terminologia processual, fala-se em elemento de prova para indicar cada um dos dados objetivos que confirmam ou negam uma asserção a respeito de um fato que interessa à decisão da causa. Constituem elementos de prova, por exemplo, a declaração de uma testemunha sobre determinado acontecimento, a opinião de um perito sobre a matéria de sua especialidade, o conteúdo de um documento etc. A expressão elemento de prova revela, por sinal, uma característica fundamental da atividade probatória, qual seja a de que o convencimento judicial resulta (ou deve resultar) de uma pluralidade de informações (provas), a partir das quais são realizados procedimentos inferenciais para que se chegue a uma conclusão sobre o fato. GOMES FILHO, ANTONIO MAGALHÃES. LIMITES AO COMPARTILHAMENTO DE PROVAS NO PROCESSO PENAL.
33. Não necessariamente a constituição ou origem da prova observará o contraditório, como, por exemplo, em um contrato pré-existente à instrução probatória. Mas para se falar em prova emprestada ou compartilhada no âmbito da persecução penal, este elemento de prova deverá estar colacionado a um processo jurisdicional. Sem isso, cuida-se, em verdade, de mera prova documental, de onde o interessado em sua produção pode extrair cópia do contido em um processo/procedimento e juntar, por iniciativa própria, no destino onde se quer comprovar determinado fato.
34. Saliente-se que a utilização da prova emprestada quando as partes não forem as mesmas em ambos processos é matéria controvertida e não possui ampla aceitação.
35. HC 180.194/SP, Rel. Min. Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 28/06/2011, DJe 01/08/2011
36. BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo penal. 4 ed. São Paulo: RT, 2016. p. 395.
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