1. O J T (Agravante) e outros x 9. Ministério Público Federal (Agravado)
ID: 330895832
Tribunal: STJ
Órgão: SPF COORDENADORIA DE PROCESSAMENTO DE FEITOS DE DIREITO PENAL
Classe: AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL
Nº Processo: 0007118-59.2014.4.03.6000
Data de Disponibilização:
22/07/2025
Advogados:
CAMILA CORREA ANTUNES PEREIRA
OAB/MS XXXXXX
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THAÍS VASCONCELLOS DE SOUZA
OAB/SP XXXXXX
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CRISTIANO MEDINA DA ROCHA
OAB/SP XXXXXX
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CARLOS OLIMPIO DE OLIVEIRA NETO
OAB/MS XXXXXX
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TADEU HENRIQUE OLIVEIRA CAMPOS
OAB/SP XXXXXX
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MARIANNE CARVALHO GARCIA
OAB/MS XXXXXX
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MARCOS IVAN SILVA
OAB/MS XXXXXX
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VINICIUS MACHADO LEMOS FOCHI
OAB/SP XXXXXX
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LUCIE ANTABI
OAB/SP XXXXXX
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DIEGO HENRIQUE
OAB/SP XXXXXX
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MAYRA MALLOFRE RIBEIRO CARRILLO
OAB/SP XXXXXX
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ANDRE GUSTAVO SALES DAMIANI
OAB/SP XXXXXX
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DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO
AREsp 2360905/MS (2023/0156723-4)
RELATOR
:
MINISTRO RIBEIRO DANTAS
AGRAVANTE
:
O J T
ADVOGADO
:
DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO
AGRAVANTE
:
O S C
ADVOGADOS
:
ANDRE GUSTAVO SALES DAMIANI - SP154782
MAYRA…
AREsp 2360905/MS (2023/0156723-4)
RELATOR
:
MINISTRO RIBEIRO DANTAS
AGRAVANTE
:
O J T
ADVOGADO
:
DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO
AGRAVANTE
:
O S C
ADVOGADOS
:
ANDRE GUSTAVO SALES DAMIANI - SP154782
MAYRA MALLOFRE RIBEIRO CARRILLO - SP219452
DIEGO HENRIQUE - SP337917
LUCIE ANTABI - SP428786
VINICIUS MACHADO LEMOS FOCHI - SP450706
AGRAVANTE
:
O F S C
ADVOGADOS
:
MARCOS IVAN SILVA - MS013800
MARIANNE CARVALHO GARCIA - MS023425
AGRAVANTE
:
G DE O C
ADVOGADO
:
TADEU HENRIQUE OLIVEIRA CAMPOS - SP226865
AGRAVANTE
:
O C T
ADVOGADO
:
CARLOS OLIMPIO DE OLIVEIRA NETO - MS013931
AGRAVANTE
:
A A
ADVOGADO
:
CRISTIANO MEDINA DA ROCHA - SP184310
AGRAVANTE
:
A F E
ADVOGADO
:
THAÍS VASCONCELLOS DE SOUZA - SP390821
AGRAVANTE
:
G DA S G
ADVOGADO
:
CAMILA CORREA ANTUNES PEREIRA - MS018491
AGRAVADO
:
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
CORRÉU
:
R C M
CORRÉU
:
P H DE O
CORRÉU
:
L C L
CORRÉU
:
M M
CORRÉU
:
C C A P
CORRÉU
:
L DE A S
CORRÉU
:
O DE J L J
CORRÉU
:
M B DOS S
CORRÉU
:
A L DE A A
CORRÉU
:
W S DOS S
CORRÉU
:
A M S
CORRÉU
:
O C DOS S
CORRÉU
:
A M M
CORRÉU
:
S H DE A
CORRÉU
:
F M R
DECISÃO
Trata-se de agravo contra a decisão que inadmitiu o recurso especial interposto por O S C, com fundamento na alínea "a" do permissivo constitucional, em oposição a acórdão proferido pelo TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO, cuja ementa, na parte que interessa ao presente exame, assim dispõe (fls. 21727-21748):
"PENAL E PROCESSO PENAL. "OPERAÇÃO NEVADA". PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL - TRANSNACIONALIDADE DO DELITO DE ASSOCIAÇÃO PARA A TRAFICÂNCIA COMO CRITÉRIO FIXADOR DA COMPETÊNCIA - ART. 109, V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL - ELEMENTOS CONSTANTES DOS AUTOS A INDICAR QUE A ASSOCIAÇÃO, EM TESE, FORMADA POR AGENTES PROCESSADOS NESTA RELAÇÃO PROCESSUAL PENAL GUARDARIA RELAÇÃO COM A TRAFICÂNCIA DE ESTUPEFACIENTE (COCAÍNA) DE ORIGEM ESTRANGEIRA (BOLIVIANA), ASPECTO QUE TEM O CONDÃO DE FIRMAR A COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL, INCLUSIVE PARA JULGAMENTO DE CRIMES CONEXOS (APLICAÇÃO DO ENTENDIMENTO PLASMADO NA SUM. 122 DO C. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA).
- A transnacionalidade dos crimes de tráfico ou de associação para o tráfico de drogas enseja a fixação de competência junto à Justiça Federal nos termos do art. 70 da Lei n° 11.343/2006 c. c. art. 109, V, da Constituição Federal. Imperioso destacar que a transnacionalidade difere da antiga internacionalidade, então prevista no diploma revogado, a qual pressupunha transação criminosa envolvendo agentes de dois ou mais Estados soberanos. Na realidade, para a configuração da transnacionalidade, cujo alcance é mais dilatado, o delito deve, tão-somente, ultrapassar os limites da soberania nacional, com ou sem identificação de vinculo entre nacionais e estrangeiros, de modo que serão as circunstâncias do fato, a natureza e a procedência da substância que servirão para evidenciar se a hipótese é ou não de delito transnacional. Em outras palavras, basta que a droga seja originária de outro país e que não tenha havido interrupção do fluxo de comércio com o exterior, sem outros questionamentos, para que se assevere a transnacionalidade do tráfico de entorpecentes ou da associação que tinha por escopo traficar a droga. Se ao menos um dos atos executórios se iniciar fora do território nacional, a competência será da Justiça Federal.
- A República Federativa do Brasil ratificou e aprovou o texto da Convenção contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e de Substâncias Psicotrópicas, aprovada em Viena, em 20 de dezembro de 1988, por meio do Decreto Legislativo n° 162, de 14 de junho de 1991, promulgado pelo Decreto n° 154, de 26 de junho de 1991, bem como é signatária do Acordo sobre Prevenção, Controle, Fiscalização e Repressão ao Uso Indevido e ao Tráfico Ilícito de Entorpecentes e de Substâncias Psicotrópicas, por meio do Decreto Legislativo n° 239, de 17 de dezembro de 1991, promulgado pelo Decreto n° 441, de 6 de fevereiro de 1992.
- Compulsando os elementos fático-probatórios amealhados nos autos, não se verifica espaço para dúvidas acerca da constatação de que a droga apreendida era procedente do exterior (mais precisamente da Bolívia), bem como existiriam, em tese, associações para a traficância internacional, de molde que o julgamento desta Ação Penal deve ficar a cargo da Justiça Federal. Ademais, nota-se a existência de efetiva situação de conexão entre os fatos atribuídos aos acusados (nos termos do art. 76 do Código de Processo Penal, especialmente a situação prevista em seu inciso III) à luz de que todos os fatos, ainda que divisíveis, permitiriam (tempo verbal empregado com o escopo de indicar que neste estágio não se está fazendo um juízo de mérito acerca das imputações, mas apenas analisando-se a questão da competência com supedâneo na teoria da asserção, ou seja, de acordo com o que indicado pelo Parquet federal com base na justa causa então obtida pelos elementos investigativos coletados) um melhor enfoque e um melhor entendimento acerca dos diversos núcleos da associação para a traficância internacional que teriam sido descortinados (com as respectivas nuances de seus funcionamentos, estruturas e hierarquias), sem se descurar que esses mesmos elementos probatórios também se coadunariam para a demonstração de atos de traficância específicos e para a constatação de que os ganhos ilícitos teriam, em tese, sido objeto de lavagem.
- Outrossim, tem cabimento invocar, para fins de fixação de competência, o entendimento firmado pelo C. Superior Tribunal de Justiça por meio de sua Súmula 122, segundo a qual (...) compete à Justiça Federal o processo e julgamento unificado dos crimes conexos de competência federal e estadual, não se aplicando a regra do art. 78, II, 'a', do Código de Processo Penal (..). Portanto, delitos que, em tese, seriam de competência da Justiça Estadual (como, por exemplo, crimes previstos nos arts. 12 e 16, ambos do Estatuto do Desarmamento, ou situação possibilitadora do reconhecimento de tráfico de drogas "doméstico") passam (e devem) ser julgados pela Justiça Federal tendo em vista a existência de situação configuradora de conexão.
PRELIMINAR DE INÉPCIA DA DENÚNCIA - ANÁLISE DA EXORDIAL APRESENTADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL: ADIMPLEMENTO DOS REQUISITOS PREVISTOS NO ART. 41 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL - DEVIDA DESCRIÇÃO DOS FATOS TIDOS COMO CRIMINOSOS PELO ÓRGÃO ACUSATÓRIO - PRESENÇA DE JUSTA CAUSA PARA O INICIO DESTA RELAÇÃO PROCESSUAL PENAL - REFUTAMENTO DAS ALEGAÇÕES TECIDAS PELOS ACUSADOS.
- Dispõe o art. 41 do Código de Processo Penal serem requisitos da inicial acusatória (seja ela denúncia, em sede de ação penal pública, seja ela queixa-crime, em sede de ação penal privada) a exposição do fato criminoso (o que inclui a descrição de todas as circunstâncias pertinentes), a qualificação do acusado (ou dos acusados) ou os esclarecimentos pelos quais se faça possível identificá-lo(s), a classificação do crime e o rol de testemunhas (quando tal prova se fizer necessária). A consequência imposta pelo ordenamento jurídico à peça acusatória que não cumpre os elementos anteriormente descritos encontra-se prevista no art. 395 também do Diploma Processual Penal, consistente em sua rejeição.
- Mostra-se impossível aquiescer com as alegações de inépcia na justa medida em que a análise da exordial acusatória permite inferir, cabal e corretamente, quais imputações são impingidas a cada um dos arguentes do tema ora em apreciação, possibilitando, ademais, a efetiva compreensão da questão de fundo (com todas as peculiaridades que este feito contém) a possibilitar o escorreito exercício do constitucional direito de defesa (em sua forma mais ampla possível).
- Sem prejuízo, ainda que fosse possível, apenas por amor ao debate, enxergar alguma pecha de inépcia à denúncia protocolizada pelo Ministério Público Federal no seio desta "Operação NEVADA" (o que, frise-se, não ocorre), cumpre trazer à tona entendimento majoritariamente predominante na jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça que teria o condão de afastar qualquer eiva (ainda remanescente) de nulidade. Com efeito, o entendimento em tela guarda relação com a constatação de que, em crimes classificados como de autoria coletiva (como, por exemplo, o de associação para a traficância), não se mostra imprescindível que o Parquet descreva, na denúncia, as condutas imputadas a cada um dos agentes de forma minuciosa e com todos os pormenores possíveis (na justa medida em que a tarefa de delimitação das condutas - inclusive quanto à autoria - deverá ficar a cargo do que restar devidamente demonstrado após a fase instrutória processual penal, repercutindo, assim, quando da prolação de r. sentença).
- O se acaba de expor não quer significar que o órgão acusatório possa apresentar uma denúncia em que se imputa a prática de crimes (ainda que de autoria coletiva) a diversas pessoas sem ter o trabalho de descrever minimamente as condutas de acordo com o lastro probatório mínimo amealhado ao longo da investigação (tanto que se exige a presença de justa causa para a deflagração da persecução penal) - na realidade, o posicionamento da C. Instância Superior refere-se à desnecessidade de descrição minuciosa (vale dizer, detalhada) de todos os aspectos (muitos deles laterais) que se referem ao ilícito imputado a um determinado agente, o que deverá ser perquirido, com a devida detença, quando da fase de instrução processual visando à prolação do ato sentencial.
- Nesse diapasão, à luz de que a "Operação NEVADA" trouxe à tona a potencial perpetração de delitos de autoria coletiva (associação para a traficância transnacional), não seria lícito exigir do Ministério Público Federal (ainda que o caso concreto confirme que ele o fez) a descrição minudente e detalhada de cada uma das imputações, mas apenas que da exordial apresentada pelo órgão acusatório seja possível compreender as respectivas imputações a permitir o exercício do constitucional e necessário direito de defesa garantido a todos os acusados, aspecto que corrobora a impossibilidade de se reconhecer a inépcia vindicada.
FIXAÇÃO DA PREMISSA QUE BALIZARÁ A ANÁLISE DAS DEMAIS PRELIMINARES DE NULIDADE AVENTADAS PELOS ACUSADOS - ART. 563 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL: PRINCÍPIO PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF.
- O Código de Processo Penal, em seu art. 563, aduz que nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa, razão pela qual qualquer decretação de nulidade passa pela perquirição da sobrevinda de prejuízo àquele que foi prejudicado pelo ato impugnado sob o pálio do princípio pas de nullité sans grief. Ressalte-se que a jurisprudência de nossas C. Cortes Superiores, bem como deste E. Tribunal Regional, acolhem a dicção do preceito transcrito, fazendo coro à disposição do legislador no sentido de que qualquer nulidade somente será decretada caso efetivamente haja a comprovação do prejuízo daquele que a requer. Assim, as demais preliminares de nulidade aventadas pelos acusados serão devidamente enfrentadas tendo como norte a perquirição da ocorrência de prejuízo como substrato para que o ato questionado seja declarado nulo.
PRELIMINAR DE NULIDADE DA R. DECISÃO QUE RECEBEU A EXORDIAL ACUSATÓRIA.
- A jurisprudência pátria oriunda de nossas C. Cortes Superiores é uníssona no sentido de referendar a aplicação do rito processual ordinário previsto no Código de Processo Penal (com as alterações promovidas pela Lei n° 11.719, de 20 de junho de 2008), sintetizado, para o que interessa para a resolução da preliminar em tela, no recebimento da denúncia com posterior citação do réu para apresentação de Resposta à Acusação (nos termos dos arts. 396 e 396-A, ambos do Código de Processo Penal), em situações em que há a imputação de crime conexo a algum delito tipificado na Lei n° 11.343/2006 (que, a princípio, possuiria rito processual especial e, assim, próprio para situações relacionadas à traficância) à luz de que o procedimento ordinário do Código de Processo se mostra mais dilargado no que tange ao asseguramento do direito de defesa ao acusado (cite-se, apenas como exemplo, a possibilidade de serem arroladas até 08 - oito - testemunhas, conforme rito comum ordinário, contra apenas 05 - cinco -, caso adotado o rito processual da legislação especial - art. 55, § 1º, da Lei n° 11.343/2006).
- Assim, simplesmente inconcebível enxergar uma pretensa mácula ao devido processo legal (em sua vertente da ampla defesa) em situação em que assegurada ao acusado a aplicação de rito processual que tem o condão de potencializar seus direitos defensivos (o ordinário previsto no Código de Processo Penal), ainda mais se se levar em conta que, após o recebimento da exordial acusatória, o agente é devidamente citado para apresentar Resposta à Acusação, cujo espectro de dedução de teses defensivas é tão amplo a ponto de permitir, para além de um absolvição sumária (art. 397 do Código de Processo Penal), que o magistrado singular reveja o anterior recebimento da denúncia (rejeitando-a, por exemplo, por qualquer vício processual pertinente).
[...]
PRELIMINARES DE NULIDADE DAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS.
- A questão afeta ao levantamento do sigilo (no caso específico dos autos, das comunicações telefônicas e telemáticas) decorre da proteção constitucional dispensada à privacidade, erigida à categoria de direito fundamental do cidadão (a teor do disposto no art. 5°, X, da Constituição Federal), previsão esta que objetiva proteger o cidadão da atuação indevida estatal (e até mesmo do particular, sob o pálio da aplicação horizontal dos direitos fundamentais) no âmbito de sua esfera pessoal. Importante consignar que o direito ora em comento não pode ser interpretado como absoluto, de modo a figurar como uma salvaguarda a práticas delitivas, podendo, assim, ceder diante do caso concreto quando aplicáveis aspectos atinentes à ponderação de interesses constitucionais em jogo. Desta forma, ainda que se proteja a privacidade inerente ao cidadão, justamente porque não há que se falar em direitos fundamentais absolutos, mostra-se plenamente possível o afastamento da proteção que recai sobre esse interesse individual a fim de que prevaleça no caso concreto outro interesse, também constitucionalmente valorizado, que, no mais das vezes, mostra-se titularizado por uma coletividade ou por toda a sociedade.
- Tratando-se, a interceptação telefônica, de captação sem que haja o conhecimento pelas pessoas em face das quais estão sendo colhidos os diálogos, o procedimento revela-se um importante meio de prova em investigação criminal. Exatamente porque o crime organizado tem conseguido agir com elevado poder de detecção de brechas no sistema repressivo estatal, o Estado deve atuar com rapidez e efetividade, conjugando os direitos dos investigados com os princípios da integridade estatal (art. 1°, caput, da Constituição Federal), da promoção do bem de todos (art. 3º, IV, da Constituição Federal) e da segurança pública (art. 5°, caput, da Constituição Federal), adotando, ademais, ações de inteligência para frear esta modalidade criminosa. Contudo, a fim de impedir intromissão desmedida na esfera privada, a aplicação do expediente investigativo em tela deve ser balizada pelos princípios da intimidade, da privacidade, da proporcionalidade, da legalidade, da presunção de inocência, da não autoincriminação (nemo tenetur se detegere), da razoável duração do processo, da inadmissibilidade de provas ilícitas e da instrumentalidade constitucional do processo penal.
- As interceptações telefônicas são consideradas uma das Técnicas Especiais de Investigação (T. E. I.) e guardam simetria com as obrigações assumidas pelo Brasil, por meio da Convenção das Nações Unidas Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas (Convenção de Viena de 1988, arts. 1°, "1", e 11, que preveem a entrega vigiada ou controlada), da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Convenção de Palermo de 2000, cujo artigo 20 versa sobre a entrega vigiada e outras técnicas de investigação como vigilância eletrônica e operações encobertas), da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (Convenção de Mérida de 2003, notadamente artigo 50, que disciplina a entrega vigiada, a vigilância eletrônica e outras de mesma índole e as operações secretas, assim como permite a admissibilidade das provas derivadas dessas técnicas em seus tribunais), da Recomendação do Grupo de Ação Financeira Internacional sobre Lavagem de Dinheiro (GAFI/FATF, Recomendação 31) e do Regulamento Modelo da Comissão Interamericana para o Controle do Abuso de Drogas (CICAD/O.E.A, art. 5°), sem se esquecer da própria legislação nacional (Lei n° 9.613, de 03 de março de 1998).
- Coube ao Poder Legislativo, cumprindo a ordem emanada do Poder Constituinte, editar a Lei n° 9.296, de 24 de julho de 1996, com o escopo de regulamentar a parte final do inciso XII do art. 50 da Constituição de 1988. O parágrafo único do art. 1° da Lei mencionada estabelece que o disposto naquela legislação aplica-se à interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e de telemática, motivo pelo qual o diploma normativo pode ser empregado para a interceptação de e-mails, de conversas estabelecidas pela internet e de diálogos levados a efeito por intermédio de programas de computador - assim, o arcabouço legal abarca as comunicações por fac símile, por messenger, por whatsapp etc., já que estas são modalidades de comunicações telefônicas e de dados realizadas por sofisticados sistemas fornecidos por operadoras de telefonia (por cabos óticos, torres de transmissão, dentre outros).
- A interceptação telefônica e/ou telemática possui natureza cautelar, sendo admitida para a coleta de indícios suficientes à propositura de ação penal (medida cautelar preparatória) ou no curso da instrução penal (medida cautelar incidental), nos casos em que haja apuração de infração penal punida com pena de reclusão. Coube ao art. 2° da Lei n° 9.296/1996 elencar os requisitos necessários para que a ordem judicial de interceptação seja válida, quais sejam, (i) haver indícios razoáveis de autoria ou de participação em infração penal, (ii) impossibilidade de obtenção da prova por outros meios disponíveis previstos no ordenamento e (iii) necessidade de que o fato investigado seja punido com pena de reclusão, em evidente indicação de aplicação do princípio da proporcionalidade.
- Adentrando ao caso dos autos, nota-se a existência de diligências prévias, devidamente formalizadas, no sentido de apurar a presença de indícios de autoria e/ou de participação em infrações penais, especialmente relacionadas a potencial perpetração do ilícito de lavagem de dinheiro tendo como infração penal subjacente o tráfico ilícito de drogas, nos exatos termos preconizados pelo inciso I do art. 2° da Lei n° 9.296/1996 (interpretado a contrário senso), aspecto que tem o condão de afastar ilações aventadas pelos acusados no sentido de que não havia motivo razoável a ensejar o afastamento do sigilo das comunicações telefônicas, cabendo destacar, ademais, que delitos cometidos por meio do emprego de sistemas informáticos e de tecnologia da informação demandam investigações que se compaginam do mesmo requinte tecnológico a sufragar o deferimento de interceptações de conversas telefônicas - precedentes do C. Supremo Tribunal Federal e desta E. Corte Regional.
- Ressalte-se, ainda, que a propalada "denúncia" (decorrente de "fonte humana") apresentada aos agentes de Polícia Federal não deu base direta (ou imediata) ao pedido de afastamento do sigilo que permeia as comunicações telefônicas e/ou telemáticas. Na realidade, a situação demonstrada nos autos da Medida Cautelar n° 0007098-68.2014.403.6000, materializada em um Relatório de Inteligência Policial e em uma Informação Policial, tem o condão de indicar que, a partir das informações vertidas por pessoas ("informantes"), iniciou-se uma apuração preliminar com a intenção de se aferir se aqueles dados fornecidos tinham alguma pertinência e, uma vez tendo, possibilitar o desenrolar de uma investigação (agora sim lastreada na Representação da autoridade policial pelo afastamento do sigilo).
- Não procede a argumentação defensiva de que as interceptações seriam nulas porque a Representação policial vindicando o afastamento do sigilo das conversas telefônicas e a instauração do Inquérito Policial ocorreram exatamente no mesmo dia - ainda que, de fato, os expedientes ostentem a mesma data de subscrição/instauração, denota-se dos autos a preexistência da já mencionada investigação preliminar (de caráter sumário) a fim de angariar os necessários indícios de autoria e/ou de participação em infrações penais, expediente que se mostra o bastante para fins de implemento do requisito exigido pela Lei n° 9.296/1996 (que, aliás, não faz qualquer menção à necessidade de que a formalização do Apuratório preceda a Representação concernente ao afastamento do sigilo das comunicações).
- Os elementos amealhados pela autoridade policial por meio do Relatório de Inteligência Policial e da Informação Policial indicavam a total impertinência do emprego de qualquer técnica tradicional de investigação (basicamente aquelas elencadas no art. 6° do Código de Processo Penal) tendo em vista a constatação de uma potencial criminalidade que não seria sequer descoberta (e muito menos, ulteriormente, defenestrada) com diligências como, por exemplo, a oitiva dos investigados em "termos de declarações" ou singelos "trabalho em campo" - aliás, a situação concreta com que se deparou a autoridade policial, após o escorreito implemento das interceptações (e com o resultado frutífero delas), também permitiu (vale dizer, de forma subsidiária) o implemento de abordagens (como, exemplificativamente, aquelas realizadas em face de [O F] em viagem à Bolívia e após retornar de São Paulo Capital em voo particular fretado) e de colheita de declarações, contudo, tais expedientes não se coadunavam com a criminalidade organizada que estava, em tese, sendo descoberta dia após dia envolvendo os agentes imbricados nesta "Operação NEVADA". Outrossim, a complexidade dos fatos descortinados por meio desta "Operação NEVADA" também serve de fundamento a validar o deferimento de interceptações telefônicas que se mostram como último (e único) mecanismo apto a levar adiante investigação criminal que estava em curso.
- O compulsar dos autos da Medida Cautelar n° 0007098-68.2014.403.6000 revela que todas as r. decisões concessivas de prorrogação dos monitoramentos telefônicos foram devidamente fimdamentadas (após a detida análise da Representação protocolizada pela autoridade policial, do Auto Circunstanciado de Interceptação de Sinais atinente ao período de monitoramento e do parecer exarado pelo Ministério Público Federal), de molde que não se divisa deste feito a presença de qualquer nulidade passível de ser declarada tendo como supedâneo uma pretensa ausência de fundamentação dos r. provimentos judiciais que acabaram por estender a vigência dos monitoramentos.
- A jurisprudência pátria (C. Supremo Tribunal Federal, C. Superior Tribunal de Justiça e E. Tribunal Regional Federal da 3' Região) é uníssona no sentido de não ser possível acoimar de ilegal a interceptação prorrogada para além dos interregnos previstos no art. 5° da Lei n° 9.296/1996 (15 - quinze - dias, prorrogáveis por mais 15 - quinze - dias) se, à luz da proporcionalidade e da razoabilidade, notar-se a complexidade da investigação que está em curso e houver a necessidade de se continuar a perquirir os meandros do intento criminoso (até mesmo para se descobrir novas infrações que estão para ser cometidas).
- Ainda que a regra geral deva ser o cumprimento literal da norma (art. 5° da Lei n° 9.296/1996), verifica-se excepcionalmente a possibilidade de se aceitar o prazo de 30 (trinta) dias por ciclo de interceptação - precedentes do C. Supremo Tribunal Federal, do E. Superior Tribunal de Justiça, desta C. Corte Regional e do E. Tribunal Regional Federal da 4' Região. Especificamente no que toca ao caso concreto, nota-se a existência de fundamentação adequada e pertinente a permitir a fixação de ciclos de interceptação telefônica por prazo de 30 (trinta) dias consecutivos durante os meses compreendidos entre janeiro e novembro de 2015 - a autoridade judicante monocrática, sabedora da excepcionalidade do monitoramento por 30 (trinta) dias consecutivos, apresentou razoável e bem fundamentada justificativa a respaldar seu posicionamento fincado na inferência prática de que uma operação como do quilate da "NEVADA" (com constantes pedidos de prorrogação de interceptações e com uma enormidade de linhas analisadas e em utilização) demandava excepcionar-se a regra constante do art. 5º da Lei n° 9.296/1996 sob pena de se atravancar a atividade jurisdicional (e dos órgãos acusatório e investigativo) simplesmente pela movimentação processual de uma única investigação.
- Esta C. Corte Regional, debruçando-se sobre o caso concreto (julgamento meritório do Habeas Corpus n° 0030694-39.2014.403.0000), não visualizou qualquer pecha de ilegalidade a acoimar o procedimento levado a efeito pelo MM. Juizo da 3ª Vara Federal Criminal de Campo Grande/MS, seja no que se refere ao prazo de deferimento das senhas pelas companhias de telefonia aos agentes de Policia Federal, seja, principalmente, aos dados passíveis de acesso por meio de tais expedientes (que, em última instância, poderiam até mesmo se referir àqueles acobertados pelo manto da cláusula de reserva de jurisdição, pois, seguindo a lógica de que as senhas somente fariam sentido em razão do afastamento do sigilo das comunicações telefônicas e/ou telemáticas anteriormente determinado, por certo a obtenção de extratos de ligações efetivadas estava contemplada pela ordem judicial de relevação da privacidade e da intimidade).
- Não há que se falar em monitoramento a descoberto (e sequer em interceptação de comunicações de forma ininterrupta) na justa medida em que há nos autos a informação pormenorizada do período em que cada linha foi objeto de monitoramento (de acordo com o implemento por cada uma das operadoras das respectivas ordens judiciais), havendo, ademais, uma plêiade de ofícios da lavra justamente de tais empresas privadas dando conta da data de início e de término de cada um dos períodos de afastamento do sigilo em relação a cada uma das linhas investigadas. Sem prejuízo, todas as r. decisões judiciais proferidas durante o tramitar da Medida Cautelar n° 0007098-68.2014.403.6000 que afastaram o sigilo das comunicações telefônicas e/ou telemáticas indicavam expressamente, ao longo de seu corpo, os números de terminais telefônicos que deveriam ser interceptados - em consequência, todos os ofícios endereçados às empresas de telefonia também continham em seus respectivos corpos a menção aos números telefônicos que deviam ser monitorados.
IMPUTAÇÕES EXISTENTES NESTA "OPERAÇÃO NEVADA" - ANÁLISE DA SITUAÇÃO JURÍDICA DE CADA UM DOS ACUSADOS.
[...]
- Acusado [O S C]. Manutenção de suas condenações às penas dos seguintes delitos: (i) art. 35 c. c. art. 40, I, ambos da Lei n° 11.343/2006 (associação para a traficância internacional); (ii) art. 1°, caput, da Lei n°9.613/1998 (ocultação de propriedade do veículo possuidor das placas QAA-2635); e (iii) art. 1°, caput e § 4º, da Lei n° 9.613/1998 (utilização de contas bancárias de terceiras pessoas para movimentação de recursos advindos do tráfico internacional de drogas), chegando-se a uma pena unificada na casa de 12 anos e 10 meses de reclusão, a ser cumprida no regime inicial fechado, e de 844 dias-multa (cada qual no importe de 1/5 do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos, importância esta que deverá ser atualizada monetariamente até o efetivo pagamento).
[...]
- DADO PARCIAL PROVIMENTO ao recurso de Apelação interposto pelo acusado [O S C] para: (b.1) ajustar a fração majorante empregada a titulo de causa de aumento de pena (art. 40, I, da Lei n° 11.343/2006) quando da dosimetria do delito de associação para a traficância internacional; e (b.2) adequar o critério de cálculo da pena de multa (repercutindo quando da unificação de tal reprimenda), procedendo-se, DE OFICIO, para: (b.3) ajustar a fração majorante empregada a titulo da rubrica da "culpabilidade" quando da dosimetria do delito de associação para a traficância internacional; (b.4) ajustar a fração majorante empregada a titulo da rubrica dos "maus antecedentes" quando da dosimetria do delito de lavagem de dinheiro (veiculo possuidor de placas QAA-2635); e (b.5) ajustar a fração majorante empregada a titulo da rubrica dos "maus antecedentes" quando da dosimetria do delito de lavagem de dinheiro (movimentação fmanceira por meio de contas de terceiras pessoas)."
Embargos de declaração rejeitados por meio do acórdão de fls. 22433-22581.
Em suas razões recursais (fls. 111409-111464), a parte recorrente aponta as seguintes violações a dispositivos da legislação federal:
1. Art. 381, III e art. 315, § 2º, IV e V, ambos do CPP - ausência de adequada fundamentação do acórdão recorrido, já que, "no caso em apreço, basta ver o levantamento do sumário do voto recorrido, com quase mil páginas de simples transcrições (a cópia da íntegra dos relatórios de inteligência policial da medida cautelar de interceptação é algo inédito e revela que a intenção do voto é “fundamentar-se” nela somente) de outras peças processuais para desvendar a ausência de fundamentação adequada, com indesejável técnica que ofende desabridamente a garantia da motivação dos atos judiciais, notadamente um acórdão em apelação" (fl. 111418);
2. Art. 619 e art. 315, § 2º, IV, ambos do CPP - ausência de esclarecimentos, por ocasião do julgamento dos embargos de declaração opostos pelo recorrente, a respeito das circunstâncias levadas em consideração para a imputação na denúncia do crime de lavagem de capitais, decorrente do uso de contas bancárias de terceiros - segundo o recorrente: "o v. acórdão ofendeu o disposto no art. 619 e art. 315, §2º, inciso IV, ambos do Código de Processo Penal, pois deixou de apreciar expressamente os questionamentos apresentados pela defesa, os quais, como visto, caso apreciados, poderiam alterar a conclusão do julgamento e, consequentemente, resultar em eventual absolvição do recorrente" (fl. 111423);
3. Art. 41 do CPP - denúncia não teria individualizado, de forma satisfatória, a conduta de ocultação de valores ilícitos decorrentes do tráfico de entorpecentes por meio do uso da conta bancária de terceiros - aduz o recorrente que: "a partir da leitura da denúncia ofertada e dos elementos descritos/delineados no acórdão, não é possível identificar quais seriam os valores movimentos pelo recorrente (individualizando e indicando precisamente tais dados), quando isso teria ocorrido e quais foram operações" (fl. 111424), o que ensejaria a inépcia da denúncia;
4. Art. 70 da Lei n. 11.343/2006 - incompetência da Justiça Federal, diante da ausência de provas da transnacionalidade do crime de associação para fins de tráfico de drogas - defende o recorrente que: "não restou demonstrada de forma individualizada, nem a real existência de transnacionalidade da associação para o tráfico, nem a conexão entre os delitos de associação para o tráfico internacional composta pelos demais corréus, o acórdão recorrido ofende o Art. 70 da Lei de Drogas [...]" (fl. 111428);
5. Art. 2º, I e II, da Lei n. 9.296/1996 - deferimento de interceptação telefônica sem justa causa e sem realização de diligências investigativas prévias - argumenta, no ponto, que: "não havia qualquer elemento que autorizasse o magistrado deferir a primeira interceptação, seja pela ausência de elementos caracterizadores de crime, seja porque a medida teve nítido caráter prospectivo, além de se revestir, por isso mesmo, da primeira diligência investigativa" (fl. 111441);
6. Art. 35 da Lei n. 11.343/2006 - ausência de provas de vínculo estável e permanente com associação criminosa - segundo o recorrente: "inexiste, nos autos, elementos de estabilidade e permanência, bastando, para tanto, analisar os termos da Denúncia, que não aponta nenhum ato de tráfico de drogas imputável ao recorrente, e tampouco descreve como estaria demonstrado o elemento subjetivo do injusto" (fl. 111443);
7. Art. 1º da Lei n. 9.613/1998 - ausência de provas dos crimes de lavagem de dinheiro, seja quanto ao veículo de placa QAA-2635, uma vez que "o bem em comento, móvel, ficou o tempo todo na posse do recorrente, sem qualquer tipo de “ocultação” (fl. 111450), seja quanto à movimentação de valores em contas bancárias de terceiros, já que "mesmo após a oposição de embargos de declaração (matéria, aliás, objeto do presente apelo especial), o v. acórdão não apontou os valores, datas nem movimentações suspeitas" (fls. 111455-111456).
Para além do pleito absolutório, acrescenta o recorrente que a dosimetria da pena estaria em dissonância com os seguintes dispositivos legais: a) art. 59, do CP - indevida exasperação da pena-base; b) art. 40, I, da Lei n. 11.343/2006 - já que ausente a prova da transnacionalidade; c) art. 1º, § 4º, da Lei n. 9.613/1998 - afastamento da causa de aumento por ausência de prova do uso das contas bancárias de terceiros com o objetivo de ocultação de valores provenientes de crime; d) art. 71 do CP - necessário reconhecimento de continuidade delitiva entre os crimes de lavagem de dinheiro; e) art. 1º, § 4º, da Lei n. 9.613/1998 - não reconhecida a continuidade delitiva entre os crimes de lavagem, necessário seria a incidência da causa de aumento prevista no dispositivo legal; f) art. 49, § 1º, do CP - desproporcionalidade da pena de multa.
Com contrarrazões (fls. 111798-111837), o recurso especial foi inadmitido na origem (fls. 111898-111922), ao que se seguiu a interposição de agravo.
Remetidos os autos a esta Corte Superior, o MPF manifestou-se pelo desprovimento do recurso (fls. 112601-112633).
É o relatório.
Decido.
O agravo impugna adequadamente os fundamentos da decisão agravada, devendo ser conhecido.
Passo, portanto, ao exame do recurso especial propriamente dito.
1. Da violação ao dever de fundamentação (art. 381, III e art. 315, § 2º, IV e V, ambos do CPP):
Defende o recorrente que (fl. 111416): "[...] o voto do acórdão impugnado, longe de ser uma legítima fundamentação judicial, incorre em vício insanável de ser produto apenas de um ctrl+c/ctrl+v, o qual, longe de ser a fundamentação adequada de um acórdão proferido pelo maior Tribunal Regional Federal do País, reflete apenas a ofensa direta ao disposto no art. 315, §2º, IV e V do CPP".
A questão, todavia, conforme identificado pela decisão agravada, não foi objeto de prequestionamento perante a Corte local.
Como se sabe, nos termos das Súmulas n. 211/STJ e n. 282/STF, o recurso especial não pode ser admitido nas hipóteses em que ausente o necessário prequestionamento da matéria.
A mera circunstância da suposta nulidade, por falta de fundamentação, ter surgido no próprio acórdão recorrido não afasta a necessidade de prévio debate perante as instâncias ordinárias, cabendo à parte interessada, em sendo o caso, opor embargos de declaração com a finalidade de suscitar a suposta violação aos dispositivos da legislação federal.
Cabe recordar, inclusive, que esta Corte Superior admite a figura do denominado prequestionamento ficto, desde que, contudo, haja a oportuna oposição de embargos de declaração perante a Corte local e, em caso de persistência de indevida omissão, a indicação, no recurso especial, de eventual ofensa ao art. 619 do CPP.
Nesse sentido:
"PENAL. PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 282/STF. PREQUESTIONAMENTO FICTO. INAPLICABILIDADE. REINCIDÊNCIA DO RÉU E PENA-BASE ESTABELECIDA NO MÍNIMO LEGAL. REGIME SEMIABERTO. POSSIBILIDADE. CRIMES DE VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO E LESÃO CORPORAL. DELITOS AUTÔNOMOS. BENS JURÍDICOS DISTINTOS. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. "Entende esta Corte que o prequestionamento ficto é possível até mesmo na esfera penal, desde que no recurso especial tenha o recorrente apontado violação ao art. 619 do CPP (dispositivo do CPP correspondente ao art. 1.022 do CPC), a fim de permitir que o órgão julgador analise a (in)existência do vício assinalado e, acaso constatado, passe desde então ao exame da questão suscitada, suprimindo a instância inferior, se necessário, consoante preleciona o art. 1.025 do CPC. Precedentes." (AgRg no REsp 1.669.113/MG, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 19/4/2018, DJe 11/5/2018). [...]
4. Agravo regimental desprovido".
(AgRg no REsp 1902294/SP, de minha relatoria, QUINTA TURMA, julgado em 02/03/2021, DJe 08/03/2021, grifei)
No caso, todavia, sequer houve a oposição de embargos de declaração suscitando a tese de nulidade por ausência de fundamentação, o que impediu a Corte local de apreciar a irresignação do recorrente, pelo que evidente a ausência de prequestionamento, ainda que sob sua modalidade ficta.
Ademais, cumpre lembrar que, nos termos da jurisprudência desta Corte Superior, até mesmo matérias de ordem pública exigem prequestionamento, conforme indica o julgado a seguir reproduzido:
"PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RECEPTAÇÃO. NECESSÁRIO DEMONSTRAR PREJUÍZO. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA DOS FUNDAMENTOS DA DECISÃO QUE INADMITIU O RECURSO ESPECIAL. NULIDADE. IRRELEVÂNCIA. NECESSIDADE DE PREENCHIMENTO DOS PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE.
I - A ausência de impugnação dos fundamentos da decisão que não admitiu o recurso especial impõe o não conhecimento do agravo em recurso especial.
II - In casu, parte agravante deixou de infirmar, de maneira adequada e suficiente, as razões apresentadas pelo eg. Tribunal de origem para negar trânsito ao recurso especial com relação à incidência das Súmulas 282, 356 e 284, todas do STF.
III - 'A alegação de que seriam matérias de ordem pública ou traduziriam nulidade absoluta não constitui fórmula mágica que obrigaria as Cortes a se manifestar acerca de temas que não foram oportunamente arguidos ou em relação aos quais o recurso não preenche os pressupostos de admissibilidade' (AgRg no AREsp n. 982.366/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Nefi Cordeiro, DJe de 12/03/2018). Agravo regimental desprovido".
(AgRg nos EDcl no AREsp 1721960/SC, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 20/10/2020, DJe 12/11/2020, grifei)
Deste modo, o recurso especial, quanto ao tema de ausência de fundamentação do acórdão recorrido, não merece ser conhecido, ante a falta do necessário prequestionamento.
2. Da ausência de integração do acórdão por ocasião do julgamento dos embargos de declaração (art. 619 e art. 315, § 2º, IV, ambos do CPP):
O recorrente sustenta que (fls. 111421-111423):
"[...]
6.2.1 Denota-se do acórdão recorrido clara ofensa ao disposto no art. 619 e art. 315, §2º, inciso IV, ambos do Código de Processo Penal. Isso porque, o E. Tribunal a quo, malgrado tenha afirmado que apreciou a matéria atinente a inépcia da denúncia (violação art. 41 do CPP), especificadamente em relação a imputação de lavagem de dinheiro pelo uso de contas bancárias de terceiros, não o fez de forma individualizada em RELAÇÃO AO RECORRENTE.
6.2.2 Isto é, mesmo após a oposição dos embargos de declaração, o eg. Tribunal a quo não esclareceu, em relação ao recorrente e as contas bancárias de terceiros: quais foram os valores por [O] movimentados? Que dia foram depositados? Quem realizou os depósitos? Todos os valores pertencem ao recorrente [O]? Constatou-se algum saque em favor de [O]?
[...]
6.2.10 Assim, aguarda-se o provimento do apelo especial para o fim de anular o v. acórdão e, por conseguinte, determinar que o Tribunal a quo aprecie expressamente a matéria posta nos embargos de declaração, suprindo a omissão e procedendo à análise dos pontos arguidos. Caso essa Corte entenda, também, pode julgar desde já e, apreciando os pontos omissos, reconhecer a inépcia da denúncia, conforme arguido e afastar a condenação do recorrente no ponto."
Segundo o recorrente, portanto, nada obstante a oposição de embargos de declaração para sanar os vícios apontados, a Corte local deixou de oferecer os necessários esclarecimentos a respeito das evidências que justificariam a imputação pelo crime de lavagem de capitais, especificamente no que diz respeito ao uso de contas bancárias de terceiros, com a finalidade de ocultar valores de origem criminosa, pelo que violado o art. 619 e art. 315, § 2º, IV, ambos do CPP.
Os embargos de declaração foram rejeitados nos seguintes termos (fls. 22550-22580):
"[...]
(c.2) Segundo vício apontado. Sob o pálio de um pretenso vício de obscuridade (que macularia o enfrentamento dado pelo Colegiado a matéria preliminar afeta ao refutamento de tese de inépcia da exordial acusatória no que tange à imputação do crime de lavagem de dinheiro pelo uso de contas bancárias de terceiras pessoas pelo embargante), aponta o acusado [O] que a não descrição dos valores que teriam sido supostamente movimentados por sua pessoa teria impedido a exata compreensão da acusação.
A temática ora invocada restou expressamente enfrentada pela Décima Primeira Turma deste E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região quando do julgamento dos recursos de Apelação então aviados em face da r. sentença monocrática, oportunidade em que a tese arguida pelo acusado [O] foi afastada e, nessa medida, firmou-se entendimento no sentido de que a denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal adimplia os requisitos estampados no art. 41 do Código de Processo Penal. Aliás, pedindo-se vênia pela repetição de extenso conteúdo que já constou do v. acórdão embargado, todavia, de suma importância para o desiderato de demonstrar o completo enfretamento da matéria, vide o excerto que segue (ID 254540541 – págs. 18/32):
(...) DA PRELIMINAR DE INÉPCIA DA DENÚNCIA ARGUIDA PELOS ACUSADOS [O S C], [G DA S G] E [O C T] - ANÁLISE DA EXORDIAL APRESENTADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL: ADIMPLEMENTO DOS REQUISITOS PREVISTOS NO ART. 41 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL - DEVIDA DESCRIÇÃO DOS FATOS TIDOS COMO CRIMINOSOS PELO ÓRGÃO ACUSATÓRIO EM RELAÇÃO AOS ARGUENTES DO TEMA - PRESENÇA DE JUSTA CAUSA PARA O INÍCIO DESTA RELAÇÃO PROCESSUAL PENAL - REFUTAMENTO DAS ALEGAÇÕES TECIDAS PELOS ACUSADOS. (i) Das alegações tecidas pelos acusados. Alega o acusado [O S C] que a denúncia apresentada pelo Parquet federal seria inepta em razão da ausência de descrição das condutas que se subsumiriam ao art. 1º, caput, da Lei nº 9.613/1998 - para tanto, aduz que a imputação de que teria se valido de contas bancárias dos agentes [A L] e [C], de tão lacônica e genérica (sem menção aos supostos valores que teriam transitado por elas), desaguaria no vício da inépcia e, nessa medida, teria impossibilitado o regular exercício do direito de defesa. [...]. (ii) Do art. 41 do Código de Processo Penal. Dispõe o art. 41 do Código de Processo Penal serem requisitos da inicial acusatória (seja ela denúncia, em sede de ação penal pública, seja ela queixa-crime, em sede de ação penal privada) a exposição do fato criminoso (o que inclui a descrição de todas as circunstâncias pertinentes), a qualificação do acusado (ou dos acusados) ou os esclarecimentos pelos quais se faça possível identificá-lo(s), a classificação do crime e o rol de testemunhas (quando tal prova se fizer necessária) - a propósito: ‘A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas’. Cumpre salientar, ademais, que a consequência imposta pelo ordenamento jurídico à peça acusatória que não cumpre os elementos anteriormente descritos encontra-se prevista no art. 395 também do Diploma Processual Penal, consistente em sua rejeição (‘A denúncia ou queixa será rejeitada quando: I - for manifestamente inepta; II - faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal; ou III - faltar justa causa para o exercício da ação penal’). Importante ressaltar que a jurisprudência de nossos C. Tribunais Superiores se mostra pacífica no sentido de que, tendo os ditames insculpidos no art. 41 do Código de Processo Penal sido respeitados pela denúncia ou pela queixa, impossível o reconhecimento da inépcia - a propósito: [transcrição dos julgados]. (iii) Do caso concreto. Os acusados [O S C], [G DA S G] e [O C T] pleiteiam o reconhecimento de nulidade deste feito (desde seu nascedouro) sob o argumento de que a denúncia ofertada pelo Ministério Público Federal padeceria de vício insanável consistente na ausência de individualização (descrição) das condutas que lhe são imputadas, o que macularia o devido processo legal (e seus corolários: ampla defesa e do contraditório). A despeito da argumentação tecida pelos acusados, mostra-se impossível aquiescer com as alegações de inépcia na justa medida em que a análise da exordial acusatória colacionada às fls. 2124/2202 deste feito (transcrita no relatório que precede esse voto) permite inferir, cabal e corretamente, quais imputações são impingidas a cada um dos arguentes do tema ora em apreciação, possibilitando, ademais, a efetiva compreensão da questão de fundo (com todas as peculiaridades que este feito contém) a possibilitar o escorreito exercício do constitucional direito de defesa (em sua forma mais ampla possível). Nesse diapasão, partindo-se das ilações tecidas pelo acusado [O S C], depreende-se da denúncia mencionada que a imputação relacionada com a perpetração do crime de lavagem de dinheiro encontra-se adstrita aos itens ‘3.15’ e ‘3.16’ contidos em tal peça processual, itens estes que permitem a compreensão, por completo, das condutas que eram (e são) imputadas ao agente, consistentes, segundo visão acusatória, no uso de contas bancárias de terceiros (no caso, de [A L] e de [C]) com o desiderato de ocultar os proveitos econômicos que teriam sido obtidos, em tese, com a atividade ilícita do tráfico internacional de drogas. Importante ressaltar que o ‘Parquet’ federal indicou a cifra que reputava como sendo fruto de lavagem de dinheiro (créditos que se aproximariam de R$ 14.000.000,00 - catorze milhões de reais), de molde que, também sob tal ótica, não se verifica como prosperar a alegação de inépcia. Ademais, diferentemente do alegado por referido acusado, não se mostra lacônica ou genérica a descrição levada a efeito pelo Procurador da República a fim de imputá-lo a execução do crime previsto na Lei nº 9.613/1998. Aliás, com o objetivo de bem demonstrar, contrariamente ao alegado pelo acusado [O], tanto a existência de efetiva descrição de fatos que seriam típicos (segundo o entender ministerial) como a impossibilidade de se aderir à ilação de que a denúncia seria lacônica e/ou genérica, mostra-se pertinente transcrevê-la no ponto: ‘(...) 3.15. Contas bancárias de [A L] e de sua empresa. Lavagem de dinheiro sob a forma de ocultação de origem, movimentação e propriedade de valores provenientes do tráfico internacional de drogas (art. 1º caput, e art. 1º, § 1º, II, da Lei 9.613/98). O esquema de lavagem de dinheiro de tráfico internacional de drogas mediante ocultação de propriedade de bens e valores em nome de [A L] também foi pensado com o propósito de integração desses ativos à atividade econômica regular. Adicionalmente à ocultação patrimonial, a lavagem de dinheiro foi planejada para propiciar a fusão, a mescla de ativos lícitos e ilícitos. Parte significativa dos valores movimentados nas contas de [A L] e sua empresa eram de origem criminosa e serviram a dar novo fluxo financeiro às atividades de revenda de veículos. Assim, quer de forma direta quer indiretamente os ativos financeiros de [A L] são provenientes de crimes antecedentes de tráfico de drogas. Restou comprovado que em comunhão de propósitos criminosos com [O] e [O], [A] passou a movimentar valores em suas contas bancárias mesmo sabendo que tais créditos eram resultantes de atividade criminosa antecedente de tráfico internacional de drogas promovida (sic) por aqueles. Tudo, com o propósito criminoso de ocultar propriedade, movimentação e origem de tais recursos de fonte criminosa. Conversas captadas corroboram a certeza de que as contas bancárias de [A L] eram movimentadas a serviço dos recursos ilícitos dos irmãos [O F] e [O]. (...). Como [O F] e [O] não tinham contas bancárias próprias, parte significativa do dinheiro ficava em poder de [A L], conforme fica bem evidente na seguinte passagem: (...). Para bem compreender o vulto disso, cabe mencionar que no período de 2011 a maio de 2015, [A L] e sua empresa receberam créditos de cerca de R$ 14 milhões. Só na conta bancária do HSBC ingressaram R$ 7.935.775,76 (sete milhões, novecentos e trinta e cinco mil, setecentos e setenta e seis reais). Créditos da empresa Agropecuária Jesus de Nazaré Ltda., comandada por [O F], somaram R$ 1.395.000,00 (um milhão, trezentos e noventa e cinco mil reais). Dado o volume de recursos suspeitos que movimentaram (sic) na conta bancária, uma funcionária da instituição financeira manteve contato com [A L], que tentou justificar tais valores como sendo referentes a comissões por venda de propriedade rural em Bonito/MS. Tentou passar a imagem de empresário bem sucedido para ocultar a real origem da vultosa movimentação bancária. (...). Em reinquirição (fls. 1570/1571) na Polícia Federal, [A L] resolveu contar a verdade, admitindo que se tratava de dinheiro de [O F]. [A L] recebeu R$ 130.000,00 (cento e trinta mil reais) repassados por [O F] (por intermédio da conta bancária de [L], sua ex-namorada): (...). Valores transferidos da região de fronteira ingressaram nas contas bancárias de [A L]. É o que revelam as interceptações telefônicas e extratos bancários: (...). Além disso, boa parte dos recursos recebidos na conta bancária de [A L] eram provenientes de 'contas bancárias de passagem' administradas por doleiros. Só de contas bancárias da empresa GILSON M FERREIRA TRANSPORTE, constituída em nome de um 'laranja' e vinculada ao doleiro nacionalmente conhecido Carlos Habib Chater da 'Operação Lava-Jato' foram mais de R$ 110.000,00 (cento e dez mil reais). (...). Toda essa movimentação financeira gerou suspeita de lavagem de dinheiro pelo sistema de 'compliance' do HSBC. (...). O fato é que essa movimentação financeira não seguia o mesmo ritmo das vendas de veículo. Um funcionário da loja I9 chegou a comentar sobre o fraco desempenho comercial no período: (...). 3.16. Contas bancárias de [C]. Lavagem de dinheiro sob a forma de ocultação de origem, movimentação e propriedade de valores provenientes direta ou indiretamente do tráfico internacional de drogas (art. 1º, caput, e art. 1º, § 1º, II, da Lei 9.613/98). Contas bancárias de [C] também foram utilizadas na movimentação financeira de [A L]. É certo que parcelas dos recursos ingressados nas contas bancárias de [C] eram provenientes direta ou indiretamente do tráfico internacional de drogas promovido por [O F], [O] e [O]. [C] sabia exatamente que [A L] era 'testa de ferro' de seus tios [O F], [O] e [O] em atos de lavagem de dinheiro consistente na ocultação de propriedade de veículos, imóveis e valores auferidos com o tráfico internacional de drogas. Anuiu conscientemente com [A L]. Assim agindo em unidade de vontades, [C] e [A L] ocultaram propriedade, movimentação e origem de valores que sabia (sic) serem direta ou indiretamente provenientes de tráfico internacional de drogas. Na Delegacia de Polícia (fls. 501/508), [C] não negou que sua conta foi utilizada para recebimento de valores por [A L]. Disse, entretanto, que era valor relativo a venda de caminhonete. De todo modo, sabia que [A L] era 'testa de ferro' ['já ouviu dizer isso na cidade'] de seus tios ['fazem coisa errada'] e que enriqueceram pelo tráfico de drogas ['ao que tudo indica, é isso, né?']. As interceptações telefônicas trazem detalhes do caso. [C] abriu uma conta bancária para movimentação financeira com [A L]. Advogada, [C] chegou a orientar fracionamento de valores de operações financeiras. Tudo para evitar comunicação a órgãos públicos como a Receita Federal. (...)’ - destaques no original. (...) Sem prejuízo do exposto, ainda que fosse possível, apenas por amor ao debate, enxergar alguma pecha de inépcia à denúncia protocolizada pelo Ministério Público Federal no seio desta ‘Operação NEVADA’ (o que, frise-se, não ocorre), cumpre trazer à tona entendimento majoritariamente predominante na jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça que teria o condão de afastar qualquer eiva (ainda remanescente) de nulidade. Com efeito, o entendimento em tela guarda relação com a constatação de que, em crimes classificados como de autoria coletiva (como, por exemplo, o de associação para a traficância), não se mostra imprescindível que o ‘Parquet’ descreva, na denúncia, as condutas imputadas a cada um dos agentes de forma minuciosa e com todos os pormenores possíveis (na justa medida em que a tarefa de delimitação das condutas - inclusive quanto à autoria - deverá ficar a cargo do que restar devidamente demonstrado após a fase instrutória processual penal, repercutindo, assim, quando da prolação de r. sentença). Importante salientar que o se acaba de expor não quer significar que o órgão acusatório possa apresentar uma denúncia em que se imputa a prática de crimes (ainda que de autoria coletiva) a diversas pessoas sem ter o trabalho de descrever minimamente as condutas de acordo com o lastro probatório mínimo amealhado ao longo da investigação (tanto que se exige a presença de justa causa para a deflagração da persecução penal) - na realidade, o posicionamento da C. Instância Superior refere-se à desnecessidade de descrição minuciosa (vale dizer, detalhada) de todos os aspectos (muitos deles laterais) que se referem ao ilícito imputado a um determinado agente, o que deverá ser perquirido, com a devida detença, quando da fase de instrução processual visando à prolação do ato sentencial. Nesse sentido, mostra-se pertinente colacionar os precedentes abaixo que materializam o posicionamento ora sustentado: [transcrição dos julgados]. Nesse diapasão, à luz de que a ‘Operação NEVADA’ trouxe à tona a potencial perpetração de delitos de autoria coletiva (associação para a traficância transnacional), não seria lícito exigir do Ministério Público Federal (ainda que o caso concreto confirme que ele o fez) a descrição minudente e detalhada de cada uma das imputações, mas apenas que da exordial apresentada pelo órgão acusatório seja possível compreender as respectivas imputações a permitir o exercício do constitucional e necessário direito de defesa garantido a todos os acusados, aspecto que corroboran a impossibilidade de se reconhecer a inépcia vindicada. (iv) Conclusão. Forte na constatação de que não se pode falar em ofensa aos ditames do art. 41 do Código de Processo Penal, mostra-se de rigor o refutamento, por vários fundamentos, da preliminar de inépcia da exordial acusatória formulada pelos acusados [O S C], [G DA S G] e [O C T]. Ressalte-se, por oportuno, que os acusados mencionados apresentaram Resposta à Acusação nos termos preconizados pelos arts. 396 e 396-A, ambos do Código de Processo Penal (fls. 3046/3075 - [O]; fls. 3027/3031 e 3359/3361 - [G]; e fls. 2830/2839 - [O]), momento em que declinaram as teses defensivas que entenderam por bem apresentar na tentativa de formação do convencimento do magistrado monocrático no sentido de absolvê-los dos fatos que lhe eram imputados, donde se conclui, estreme de dúvidas, que a denúncia contida nestes autos não era inepta, tanto que possibilitou o exercício do direito de defesa (...) – destaques, em caixa alta, em negrito e em sublinhado, no original.
Desta forma, à luz do completo enfrentamento da questão pelo Colegiado, não se nota do julgado qualquer obscuridade a ser sanada, defluindo-se deste feito a plena constatação do conteúdo da imputação que o acusado [O] pretende dar indícios de que seria inepta. Na realidade, constata-se, dos termos vertidos em seus Aclaratórios, seu intento de não se conformar com o que restou decidido pelo Colegiado, utilizando-se, entretanto, de via processual manifestamente inadequada.
[...]
(c.4) Quarto vício apontado. Sob as rubricas da necessidade de esclarecimento e de obscuridade, requer o acusado [O] que este E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região se manifeste a respeito da (in)existência de provas a indicar o uso de contas bancárias de terceiras pessoas para fins de ocultação/dissimulação de dinheiro que teria sido obtido pelo exercício da traficância transnacional, oportunidade em que deverá indicar se havia, de fato, provas suficientes para uma condenação (a míngua da indicação de valores que pertenceriam a sua pessoa, de operações que seriam ilegítimas e de datas em que elas teriam ocorrido).
Com efeito, forte na constatação de ser assente na jurisprudência entendimento segundo o qual o magistrado não está obrigado a responder “questionário” formulado pelas partes (vide, a propósito, STJ, EDRESP nº 92.0027261, 1ª Turma, rel. Min. Garcia Vieira, DJ 22.03.93, p. 4515 – precedente transcrito na parte inicial teórica deste v. voto), mas, apenas, a apreciar as questões suscitadas declinando as razões e os fundamentos que balizaram seu convencimento, há que ser pontuada a existência, sim, de efetivos elementos probatórios a referendar a execução do delito de lavagem de dinheiro pelo acusado [O] em contexto em que se utilizava de contas bancárias de terceiras pessoas para escamotear (ocultar/dissimular) a propriedade de numerário angariado em razão do exercício da narcotraficância transnacional, tanto que a Décima Primeira Turma desta C. Corte Regional, à unanimidade, chancelou a r. sentença monocrática no ponto. Aliás, pedindo-se vênia pela repetição de extenso conteúdo que já constou do v. ponto acórdão embargado, todavia, de suma importância para o desiderato de demonstrar o completo enfretamento da matéria (e a presença de elementos mais do que suficientes para a manutenção do édito penal condenatório) vide o excerto que segue (ID 254540542 – págs. 452/471): [...]" (grifei)
Sem razão o recorrente.
Conforme pode se perceber a partir da leitura do acórdão que julgou os recursos de apelação (fls. 20343-21713), bem como daquele que rejeitou os embargos de declaração (fls. 22436-22581), a tese defensiva, segundo a qual a denúncia seria inepta por não declinar, de forma individualizada, as circunstâncias que vinculariam o recorrente ao crime de lavagem de capitais (praticado por meio do uso do contas bancárias de terceiros), foi satisfatoriamente apreciada e rechaçada, não restando configurada a suposta violação ao art. 619 e art. 315, § 2º, IV, ambos do CPP.
Destacou a Corte local que a denúncia ofereceu elementos suficientes para permitir o exercício do direito de defesa, descrevendo que o réu se valeria das contas bancárias de [A L] e [C] com o objetivo de ocultar os proveitos econômicos auferidos com a atividade ilícita de tráfico internacional de drogas, apontando que a lavagem de capitais alcançaria a cifra de R$ 14.000.000,00 (quatorze milhões de reais); segundo a peça acusatória, provas obtidas por meio de interceptação telefônica confirmariam que as contas bancárias de [A L] e [C] eram movimentadas a serviço dos irmãos [O F] e [O], fato que o próprio [A L] teria confirmado em depoimento prestado na Polícia Federal.
Para o recorrente, todavia, as informações declinadas na peça acusatória não seriam suficientes para justificar a imputação pelo crime de lavagem de capitais, remanescendo dúvida sobre: "quais foram os valores por [O] movimentados? Que dia foram depositados? Quem realizou os depósitos? Todos os valores pertencem ao recorrente [O]? Constatou-se algum saque em favor de [O]?" (fl. 111421)
O cenário descrito não configura, no entanto, vício a ser reparado via embargos de declaração.
Como se sabe, o julgador não é obrigado a rebater, um a um, todos os argumentos das partes, bastando que resolva a situação que lhe é apresentada sem se omitir sobre os fatores capazes de influir no resultado do julgamento; é dizer, só há ofensa ao art. 619 do CPP se o juízo deixar de se pronunciar sobre aspectos relevantes para a definição da causa.
Nesse sentido:
"AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO PENAL. FALSIDADE IDEOLÓGICA. PROMOTOR DE JUSTIÇA. REQUISIÇÃO DE DIÁRIAS. DECLARAÇÃO FALSA SOBRE MOTIVO DE DESLOCAMENTO. TIPO PENAL QUE EXIGE POTENCIALIDADE LESIVA DO DOCUMENTO. VERIFICAÇÃO OBRIGATÓRIA PELA AUTORIDADE ADMINISTRATIVA COMPETENTE. ATIPICIDADE DA CONDUTA. ALTERAÇÃO DO ENTENDIMENTO QUE DEMANDA REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. ÓBICE DA SÚMULA N. 7/STJ. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INEXISTÊNCIA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. QUESTÕES DEVIDAMENTE ENFRENTADAS. FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. Para a configuração do crime de falsidade ideológica, é necessário que o documento falsificado possua potencialidade lesiva, ou seja, que tenha aptidão para produzir efeitos jurídicos.
2. A conclusão fático-probatória, aferida pela instância ordinária, de que o documento falsificado estava necessariamente sujeito à verificação administrativa anterior ao seu deferimento não pode ser revista em sede de recurso especial, conforme óbice da Súmula n. 7/STJ.
3. Os embargos de declaração, nos termos do art. 619 do Código de Processo Penal, supõem defeitos na mensagem do julgado, em termos de ambiguidade, omissão, contradição ou obscuridade, isolada ou cumulativamente. Nesse contexto, não há que se falar em ofensa ao art. 619 do CPP quando o Tribunal aprecia os aspectos relevantes da controvérsia para a definição da causa, como ocorreu na espécie, ressaltando-se que "o julgador não é obrigado a rebater, um a um, todos os argumentos das partes, bastando que resolva a situação que lhe é apresentada sem se omitir sobre os fatores capazes de influir no resultado do julgamento" (AgRg no AREsp n. 2.218.757/MS, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 7/2/2023, DJe de 13/2/2023).
4. No caso dos autos, o Tribunal de origem manifestou-se expressamente sobre o ponto central da controvérsia, concluindo, com base nas provas produzidas, pela ausência de potencialidade lesiva do documento falsificado, não havendo negativa de prestação jurisdicional a justificar a desconstituição do julgado.
5. Agravo regimental desprovido."
(AgRg no REsp n. 2.049.933/RS, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 14/5/2025, DJEN de 20/5/2025, grifei)
Ademais, rejeitada a tese defensiva de forma fundamentada (no caso, concluindo a Corte local pela satisfatória descrição do crime de lavagem de capitais, imputado ao recorrente com base em robusto conjunto probatório, que revelaria o uso de contas de terceiros para ocultar os valores provenientes do tráfico internacional de drogas), não se mostra viável que, por meio de embargos de declaração, procure a parte respostas para dúvidas subjetivas que alegue possuir.
A propósito:
"PENAL E PROCESSO PENAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. 1. AUSÊNCIA DE OMISSÃO. MERA IRRESIGNAÇÃO. NÃO CABIMENTO. 2. FORMULAÇÃO DE QUESTIONÁRIOS. INVIABILIDADE. SITUAÇÃO QUE NÃO SE REVELA CONSENTÂNEA COM A MISSÃO CONSTITUCIONAL DO STJ. 3. DÚVIDAS SUBJETIVAS. NÃO CABIMENTO DE EMBARGOS. HIPÓTESES OBJETIVAS DO ART. 619 DO CPP. 4. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS.
1. Os embargos de declaração possuem fundamentação vinculada. Dessa forma, para seu cabimento, é necessária a demonstração de que a decisão embargada se mostrou ambígua, obscura, contraditória ou omissa, conforme disciplina o art. 619 do Código de Processo Penal.
A mera irresignação com o entendimento apresentado no acórdão embargado não viabiliza a oposição dos aclaratórios.
2. O Superior Tribunal de Justiça não é órgão de consulta, motivo pelo qual não se revela consentâneo com a sua missão constitucional responder questionário da parte, principalmente em hipótese como a dos autos, na qual efetivamente declinada fundamentação suficiente.
- "Não cabe ao tribunal, que não é órgão de consulta, responder a 'questionários' postos pela parte sucumbente, que não aponta de concreto nenhuma obscuridade, omissão ou contradição no acórdão, mas deseja, isto sim, esclarecimentos sobre sua situação futura e profliga o que considera injustiças decorrentes do decisum (...)".
(EDCLREsp 739/RJ, Relator Ministro Athos Carneiro, in DJ 12/11//90).
3. Os embargos de declaração não se prestam para sanar dúvidas subjetivas ou para que se escolha a abordagem que mais agrada ao embargante, uma vez que se trata de instrumento processual vocacionado ao saneamento de vícios objetivos da decisão.
- Como é de conhecimento, "a dúvida que enseja a declaração não é a dúvida subjetiva residente apenas na mente do embargante, mas aquela objetiva, resultante da ambiguidade, dubiedade ou indeterminação das proposições, inibidoras da apreensão do sentido do julgado embargado". (EDcl no AgRg no Ag 27.557/SP, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, Segunda Turma, DJ 26/04/1993).
4. Embargos de declaração rejeitados."
(EDcl no AgRg no AREsp n. 1.815.720/PR, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 22/2/2022, DJe de 25/2/2022, grifei)
"PROCESSO PENAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DOS VÍCIOS INDICADOS NO ART. 619 DO CPP. MERA REDISCUSSÃO. FINALIDADE DE ATRIBUIÇÃO DE EFEITO MODIFICATIVO DO JULGADO. DESCABIMENTO. PLEITO DE CONCESSÃO DE HABEAS CORPUS DE OFÍCIO. INVIABILIDADE.
1. Os embargos de declaração possuem fundamentação vinculada. Dessa forma, para seu cabimento, é necessária a demonstração de que a decisão embargada se mostrou ambígua, obscura, contraditória ou omissa, conforme disciplina o art. 619 do Código de Processo Penal, sendo-lhe impróprio o manejo para o fim de se rediscutir a matéria decidida e conferir meros efeitos modificativos.
2. Outrossim, não cabe ao tribunal, que não é órgão de consulta, responder a 'questionários' postos pela parte sucumbente, que não aponta de concreto nenhuma obscuridade, omissão ou contradição no acórdão, mas deseja, isto sim, esclarecimentos sobre sua situação futura e profliga, o que considera injustiças decorrentes do decisum (EDcl no REsp n. 739/RJ, Ministro Athos Carneiro, Quarta Turma, DJ 12/11/1990, p. 12871, DJ 11/3/1991, p. 2395).
3. É descabido postular a concessão da ordem de habeas corpus de ofício, como forma de tentar burlar a inadmissão do recurso especial. A concessão da ordem de ofício ocorre por iniciativa do próprio órgão jurisdicional, quando constatada a existência de ilegalidade flagrante ao direito de locomoção, não servindo para suprir eventuais falhas na interposição do recurso, ou mesmo para que sejam apreciadas alegações trazidas a destempo.
4. Não é possível falar-se em omissão, a fim de exigir do órgão julgador a apreciação exaustiva de tema cuja análise foi obstada por descumprimento de pressuposto recursal. Entender de modo contrário implicaria tornar inócuos, em âmbito penal, os pressupostos recursais, pois bastaria à parte, diante do não conhecimento do recurso, alegar que o seu objeto constitui ilegalidade flagrante, a fim de obrigar o órgão julgador a se manifestar sobre o tema.
5. Embargos de declaração rejeitados."
(EDcl no AgRg no REsp n. 1.849.766/AC, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 2/3/2021, DJe de 9/3/2021, grifei)
Não há, pois, evidência de violação ao art. 619 e art. 315, § 2º, IV, ambos do CPP, pelo que, neste ponto, o recurso especial não comporta provimento.
3. Da inépcia da denúncia (art. 41 do CPP):
Pleiteia o recorrente (fl. 111424): "[...] o provimento do apelo especial, para o fim de reconhecer a violação ao art. 41 do Código de Processo Penal, pois a partir da leitura da denúncia ofertada e dos elementos descritos/delineados no acórdão, não é possível identificar quais seriam os valores movimentos pelo recorrente (individualizando e indicando precisamente tais dados), quando isso teria ocorrido e quais foram operações."
Com visto em tópico anterior, sustenta o recorrente que a denúncia seria inepta quanto ao crime de lavagem de capitais praticado mediante uso de contas bancárias de terceiros, uma vez que não teria apontado, com precisão, valores e datas das respectivas movimentações ilícitas.
A tese foi assim rejeitada (fl. 20523):
"[...]
Nesse diapasão, partindo-se das ilações tecidas pelo acusado [O S C], depreende-se da denúncia mencionada que a imputação relacionada com a perpetração do crime de lavagem de dinheiro encontra-se adstrita aos itens "3.15" e "3.16" contidos em tal peça processual, itens estes que permitem a compreensão, por completo, das condutas que eram (e são) imputadas ao agente, consistentes, segundo visão acusatória, no uso de contas bancárias de terceiros (no caso, de [A L] e de [C]) com o desiderato de ocultar os proveitos econômicos que teriam sido obtidos, em tese, com a atividade ilícita do tráfico internacional de drogas. Importante ressaltar que o Parquet federal indicou a cifra que reputava como sendo fruto de lavagem de dinheiro (créditos que se aproximariam de R$ 14.000.000,00 - catorze milhões de reais), de molde que, também sob tal ótica, não se verifica como prosperar a alegação de inépcia. Ademais, diferentemente do alegado por referido acusado, não se mostra lacônica ou genérica a descrição levada a efeito pelo Procurador da República a fim de imputá-lo a execução do crime previsto na Lei n° 9.613/1998."
De fato, não se vislumbra a alegada inépcia da denúncia.
O crime de lavagem de capitais, praticado mediante uso de contas bancárias de terceiros, para ocultar a origem criminosa dos valores recebidos, está assim delimitado na inicial (fls. 10444-10452):
"[...]
O esquema de lavagem de dinheiro de tráfico internacional de drogas mediante ocultação de propriedade de bens e valores em nome de [A L] também foi pensado com o propósito de integração desses ativos à atividade econômica regular. Adicionalmente à ocultação patrimonial, a lavagem de dinheiro foi planejada para propiciar a fusão, a mescla de ativos lícitos e ilícitos.
Parte significativa dos valores movimentados nas contas de [A L] e sua empresa eram de origem criminosa e serviram a dar novo fluxo financeiro às atividades de revenda de veículos. Assim, quer de forma direta quer indiretamente os ativos financeiros de [A L] são provenientes de crimes antecedentes de tráfico de drogas.
Restou comprovado que em comunhão de propósitos criminosos com [O] e [O], [A L] passou a movimentar valores em suas contas bancárias mesmo sabendo que tais créditos eram resultantes de atividade criminosa antecedente de tráfico internacional de drogas promovida por aqueles. Tudo, com o propósito criminoso de ocultar propriedade, movimentação e origem de tais recursos de fonte criminosa.
Conversas captadas corroboram a certeza de que as contas bancárias de [A L] eram movimentadas a serviço dos recursos ilícitos dos irmãos [O F] e [O].
[...]
Como [O F] e [O] não tinham contas bancárias próprias, parte significativa do dinheiro ficava em poder de [A L], conforme fica bem evidente na seguinte passagem:
[...]
Para bem compreender o vulto disso, cabe mencionar que no período de 2011 a maio de 2015, [A L] e sua empresa receberam créditos de cerca de R$ 14 milhões. Só na conta bancária do HSBC ingressaram R$ 7.935.775,76 (set milhões, novecentos e trinta e cinco mil, setecentos e setenta e seis reais).
Créditos da empresa Agropecuária Jesus de Nazaré Lida, comandada por [O F], somaram R$ 1.395.000,00 (um milhão, trezentos e noventa e cinco mil reais).
Dado o volume de recursos suspeitos que movimentaram na conta bancária, uma funcionária da instituição financeira manteve contato com [A L], que tentou justificar tais valores como sendo referentes a comissões por venda de propriedade rural em Bonito/MS. Tentou passar a imagem de empresário bem sucedido para ocultar a real origem da vultosa movimentação bancária.
[...]
Em reinquirição (fis.1570/1571) na Polícia Federal, [A L] resolveu contar a verdade, admitindo que se tratava de dinheiro de [O F].
[A L] recebeu R$ 130.000,00 (cento e trinta mil reais) repassados por [O F] (por intermédio da conta bancária de [L], sua ex-namorada):
[...]
Valores transferidos da região de fronteira ingressaram nas contas bancárias de [A L]. É o que revelam as interceptações telefônicas e extratos bancários:
[...]
Além disso, boa parte dos recursos recebidos na conta bancária de [A L] eram provenientes de "contas bancárias de passagem" administradas por doleiros. Só de contas bancárias da empresa GILSON M FERREIRA TRANSPORTE, constituída em nome de um "laranja" e vinculada ao doleiro nacionalmente conhecido Carlos Habib Chater da "Operação LavaJato" foram mais de R$ 110.000,00 (cento e dez mil reais).
[...]
Toda essa movimentação financeira gerou suspeita de lavagem de dinheiro pelo sistema de compliance do HSBC.
[...]
O fato é que essa movimentação financeira não seguia o mesmo ritmo das vendas de veículos. Um funcionário da loja 19 chegou a comentar sobre o fraco desempenho comercial no período:
[...]
Contas bancárias de [C] também foram utilizadas na movimentação financeira de [A L].
É certo que parcelas dos recursos ingressados nas contas bancárias de [C] eram provenientes direta ou indiretamente do tráfico internacional de drogas promovido por [O F], [O] e [O].
[C] sabia exatamente que [A L] era "testa de ferro" de seus tios [O F], [O] e [O] em atos de lavagem de dinheiro consistente na ocultação de propriedade de veículos, imóveis e valores auferidos com o tráfico internacional de drogas. Anuiu conscientemente com [A L]. Assim agindo em unidade de vontades, [C] e [A L] ocultaram propriedade, movimentação e origem de valores que sabia serem direta ou indiretamente provenientes de tráfico internacional de drogas.
Na Delegacia de Polícia (fls.501/508), [C] não negou que sua conta foi utilizada para recebimento de valores por [A L]. Disse, entretanto, que era valor relativo a venda de caminhonete. De todo modo, sabia que [A L] era "testa de ferro" ["já ouviu dizer isso na cidade] de seus tios [fazem coisa errada"] e que enriqueceram pelo tráfico de drogas ["ao que tudo indica, é isso, né ?"].
As interceptações telefônicas trazem detalhes do caso. [C] abriu uma conta bancária para movimentação financeira com [A L]. Advogada, [C] chegou a orientar fracionamento de valores de operações financeiras. Tudo para evitar comunicação a órgãos públicos como a Receita Federal." (grifei)
Como visto, nada obstante a complexidade dos fatos objeto de investigação, que envolviam associação criminosa dedicada ao tráfico internacional de drogas de grandes proporções, a denúncia atendeu, adequadamente, as exigências do art. 41 do CPP, descrevendo, com suficiente detalhamento, o crime de lavagem de capitais praticado mediante o uso das contas bancárias de terceiros.
As informações constantes da peça acusatória, com referência expressa aos elementos de prova angariados no decorrer das investigações, com destaque para conversas telefônicas interceptadas e depoimentos prestados na Polícia Federal (a exemplo do próprio [A L], que teria confirmado o uso de suas contas bancárias para viabilizar o intento criminoso), permitiram clara compreensão quanto à imputação formulada, de modo que assegurado o pleno exercício do direito de defesa.
A propósito:
"RECURSO EM HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA ORDEM TRIBUTÁRIA. IRREGULARIDADES NO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. QUESTÃO NÃO DIRIMIDA NA SEARA CÍVEL. INVIABILIDADE DE DESCONSTITUIÇÃO NO JUÍZO CRIMINAL. INÉPCIA DA INICIAL. REQUISITOS DO ARTIGO 41 DO CPP PREENCHIDOS. ILEGALIDADE NÃO VERIFICADA. RECURSO EM HABEAS CORPUS NÃO PROVIDO.
1. Conforme orientação desta Corte Superior, "a tese de nulidade do procedimento fiscal não pode ser dirimida no bojo da ação penal, na qual a Fazenda Pública não é parte ou exerce o contraditório, porquanto o Juízo criminal não possui competência para anular o lançamento tributário, passível de revisão apenas por meio de recurso administrativo, ação cível ou mandado de segurança (RHC n. 61.764/RJ, Ministro Rogério Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe de 2/5/2016, grifou-se) 2. Se a alegação de nulidade no procedimento não chegou a ser dirimida em ação anulatória na seara cível, é inviável a pretensão de desconstituição do crédito tributário no juízo criminal, sobretudo na via mandamental.
3. Verificando-se que houve clara exposição do liame existente entre as supostas condutas do recorrente e os fatos delitivos em apuração, de forma suficiente a dar início à persecução penal na via judicial e garantir o pleno exercício da defesa ao acusado, inviável o acolhimento da pretensão de inépcia da denúncia.
4. Recurso improvido, cassando-se a liminar deferida."
(RHC n. 113.899/AC, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 6/10/2020, DJe de 15/10/2020, grifei)
Não fosse isso o bastante, cabe recordar que o entendimento consolidado nesta Corte Superior é no sentido de que a prolação da sentença condenatória, após regular instrução probatória, na qual assegurado respeito ao contraditório e ampla defesa, torna prejudicada a tese de inépcia da denúncia.
Ilustrativamente:
"PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AMEAÇA NO ÂMBITO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. INÉPCIA DA DENÚNCIA. PREJUDICIALIDADE COM A SUPERVENIÊNCIA DE SENTENÇA. NULIDADE. AUSÊNCIA DE CORPO DE DELITO E DA NÃO REALIZAÇÃO DE PERÍCIA NO ÁUDIO ACOSTADO AOS AUTOS. SÚMULA 283/STF. ABSOLVIÇÃO. REVOLVIMENTO DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. Quanto à violação do art. 41 do CPP, o entendimento do STJ é no sentido de que a superveniência da sentença penal condenatória torna esvaída a análise do pretendido reconhecimento de inépcia da denúncia, isso porque o exercício do contraditório e da ampla defesa foi viabilizado em sua plenitude durante a instrução criminal (AgRg no AREsp n. 537.770/SP, Relator Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Sexta Turma, julgado em 4/8/2015, DJe 18/8/2015), como no presente caso.
2. Ademais, como visto, pela leitura da inicial acusatória, bem como do acórdão recorrido, verifica-se que a denúncia é suficientemente clara e concatenada, demonstrando a efetiva existência de justa causa, consistente na materialidade e nos indícios de autoria.
Assim, atende aos requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, não revelando quaisquer vícios formais. Realmente, o fato criminoso está descrito com todas as circunstâncias necessárias a delimitar a imputação, encontrando-se devidamente assegurado o exercício da ampla defesa.
[...]
5. Agravo regimental não provido."
(AgRg no AREsp n. 2.765.689/GO, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 17/12/2024, DJEN de 23/12/2024, grifei)
"AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. ESTUPRO. CONDENAÇÃO COM TRÂNSITO EM JULGADO. ILEGALIDADE DA PRISÃO SEM TRÂNSITO EM JULGADO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. INÉPCIA DA DENÚNCIA. SENTENÇA CONDENATÓRIA. ANÁLISE DURANTE A INSTRUÇÃO CRIMINAL. ABSOLVIÇÃO. REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. A tese da ilegalidade da prisão sem trânsito em julgado não foi apreciada pelo acórdão impugnado, não podendo esta Corte dela conhecer, sob pena de indevida supressão de instância.
2. No tocante à alegada inépcia da denúncia, é pacífico nesta Corte Superior o entendimento de que o advento de sentença condenatória acaba por fulminar a tese de inépcia, pois o provimento da pretensão punitiva estatal denota a aptidão da inicial acusatória para inaugurar a ação penal, implementando-se a ampla defesa e o contraditório durante a instrução processual, que culmina na condenação lastreada no arcabouço probatório dos autos. Precedentes.
(AgRg no AREsp n. 1.828.230/PR, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 18/6/2024, DJe de 20/6/2024).
3. Quanto ao pleito de absolvição, entende esta Corte que o writ não é a via adequada para apreciar pedido de absolvição ou de desclassificação de condutas, tendo em vista que, para se desconstituir o decidido pelas instâncias de origem, mostra-se necessário o reexame aprofundado dos fatos e das provas constantes dos autos, procedimento vedado pelos estreitos limites do writ, caracterizado pelo rito célere e por não admitir dilação probatória.
Precedentes. (AgRg no HC n. 904.513/ES, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 21/5/2024, DJe de 28/5/2024).
4. Agravo regimental não provido."
(AgRg no HC n. 913.653/RJ, relator Ministro Otávio de Almeida Toledo (Desembargador Convocado do Tjsp), Sexta Turma, julgado em 4/11/2024, DJe de 6/11/2024, grifei)
Diante deste contexto, não há como ser acolhida a tese recursal de inépcia da denúncia.
4. Da incompetência da Justiça Federal, diante da ausência de prova de transnacionalidade (art. 70 da Lei n. 11.343/2006):
Aduz o recorrente (fl. 111428): "[...] Considerando, portanto, que não restou demonstrada de forma individualizada, nem a real existência de transnacionalidade da associação para o tráfico, nem a conexão entre os delitos de associação para o tráfico internacional composta pelos demais corréus, o acórdão recorrido ofende o Art. 70 da Lei de Drogas".
A tese recursal, em resumo, é no sentido de que não haveria qualquer evidência de transnacionalidade do crime de associação para o tráfico de drogas imputado ao recorrente e ao núcleo supostamente coliderado por ele, o que seria reforçado pela circunstância de que sequer fora denunciado pelo crime de tráfico de drogas, imputado apenas a integrantes de núcleo associativo diverso.
Deste modo, à falta de demonstração de vinculação do recorrente (ou de seu núcleo) com a apreensão de droga proveniente do exterior, nada justificaria a fixação da competência da Justiça Federal, em violação ao disposto no art. 70 da Lei n. 11.343/2006, segundo o qual: "O processo e o julgamento dos crimes previstos nos arts. 33 a 37 desta Lei, se caracterizado ilícito transnacional, são da competência da Justiça Federal."
O tema foi assim enfrentado pela Corte local (fls. 20511-20520):
"[...]
(iii) Da análise do caso concreto. Compulsando os elementos fático-probatórios amealhados nos autos, não se verifica espaço para dúvidas acerca da constatação de que a droga apreendida era procedente do exterior (mais precisamente da Bolívia), sendo imperioso transcrever, diante da escorreita conclusão, os fundamentos lançados pelo magistrado em sua r. sentença penal quando do enfrentamento e a refutação da questão ora em apreciação (fls. 7832/7835), transcrição esta que, por si só, já possui o condão de refutar a ilação de que o r. provimento judicial padeceria de vício por ausência de fundamentação:
[...]
84. A denúncia traz imputações relacionadas à prática do tráfico internacional de cocaína e associação para o tráfico, assim como de lavagem de capitais, situação em que a competência é da Justiça Federal, nos termos do art. 109, V, da Constituição Federal, e do art. 70 da Lei 11.343/06. 85. Para o encadeamento das ações e conexões entre os membros de cada grupo, além da transcrição de conversas telefônicas interceptadas, a narrativa acusatória enunciou episódios específicos de apreensão de drogas intermetidos no contexto estável de cada grupo. 86. Nesse aspecto, o episódio relativo à apreensão de 4 kg de cocaína, que é imputado a [O], em que pese ser objeto de apuração em Juízo diverso quanto às pessoas identificadas e presas no flagrante, não é determinante para que ali seja fixada a competência para o processamento das imputações que sobre ele recaem neste. Fosse esta a inteligência, a 'Operação Nevada' deveria ter sido declinada para São Paulo tão logo havido o flagrante. Não é, concessa venia, um raciocínio sustentável. 87. Com efeito, conforme ressaltado pelo MPF, elementos de provas e informações reproduzidas na inicial acusatória apontam para a existência de interligação dos excipientes com um especifico grupo voltado à prática de tráfico transnacional. Houve plena contextualização com movimentações financeiras vastas, inclusive episódio de evasão de divisas, em tese, rumo à Bolívia. Como de sabença, o Brasil não é um produtor natural da folha de coca, de modo que a circulação da cocaína, nas condições apresentadas, inclusive - em casos especificos, mas conectados a um todo conexo - com drogas arremessadas de aeronaves. Esse tipo de narcotraficância é típica. 88. A competência desta Vara vem reforçada pela conexão probatória com o delito de lavagem de dinheiro, nos termos do art. 76, I e III, do CPP. Isso se justificava pela competência especializada para os crimes contra o sistema financeiro e pela lavagem. A conexão implica unidade de processo e julgamento. No mesmo sentido é o art. 2°, II, da Lei 9.613/98. (..). 89. Ademais, com relação aos argumentos gerais sobre bis in idem, os mesmos devem ser, pela própria formatação dos pleitos, analisados no mérito. 90. Assim sendo, o delito de tráfico pelo qual [O] é denunciado, ainda que julgado na Justiça Estadual no tocante a outros agentes, ou seja, sem e característica da transnacionalidade (pelo que presumível um declínio de competência), é passível de apuração e processamento" nesta esfera federal por estar, segundo o contexto acusatório, em conexão com a associação para o tráfico internacional aqui descrita. A conexão aqui - tão evidente que há - justifica-se tanto no aspecto intersubjetivo, quanto no probatório e no teleológico (art. 76, I , II e III do CPP). 91. Nesse aspecto, pelo que se extrai da acusação formulada, o episódio da apreensão de drogas relacionado a [O] por certo não é o único fato criminoso a ele imputado, pois inserido numa série de atos determinados por uma estrutura maior, organizada de maneira estável para a prática reiterada de tráfico de drogas. Houve até uma insistência prosaica em afirmar que, não se comprovando a origem da droga, o tráfico haveria de ser considerado doméstico. O caso dos autos não se refere a atos de narcotraficância 'de varejo', que pode acontecer em área de fronteira ou não, e em geral caracteriza o tráfico doméstico, mas de narcotraficância 'de atacado', com estrutura e aparato logístico, que, em contexto de fronteira e de diversos pontos de conexão com remessa de dinheiro (para fim de pagamento) com a Bolívia, evidencia que a droga era lá obtida e caracteriza a transnacionalidade, para além de qualquer dúvida. [...] 94. Veja-se que o reconhecimento da ausência de elementos demonstrativos da transacionalidade do delito pelo Juízo paulistano (vide trecho transcrito àfl. 7077, item 112, vol. 30) deu-se à míngua dos elementos coletados no bojo da investigação realizada neste feito; ora, a decisão proferida pela Justiça Federal de São Paulo por certo não poderia deter sequer o conhecimento da extensa (e prévia) investigação que vinha sendo realizada pela Polícia Federal do Mato Grosso do Sul - dado que a prisão em São Paulo deu-se antes da própria deflagração da operação. 95. Repita-se: o Brasil não é pais produtor de cocaína, mas nem todo tráfico desta substância é, à luz da Lei de Drogas, transnacional: o que distingue a competência é justamente a evidência sobre as circunstâncias de ingresso do entorpecente no território brasileiro ou os pontos de conexão com redes internacionais. A denúncia oferecida, a partir dos elementos coletados durante da investigação, descreve detalhadamente a existência de associação criminosa voltada à aquisição de cocaína no território boliviano e posteriormente revendida em território nacional. 96. O fato de não ter sido identificado o trajeto percorrido por esta remessa especifica de entorpecente não possui o condão de afastar a sua transacionalidade de modo apriorístico, o que é matéria a ser enfrentada no mérito, visto que o modus operandi deste grupo, introduzindo a partir do território boliviano o entorpecente em solo nacional, já vinha sendo objeto da investigação pela Polícia Federal, estando a associação criminosa suficientemente descrita na denúncia. Para fins de fixação da competência federal, é mais do que basta. 97. A tese defensiva de [O] e [O], assim, depende de que se desconsidere todo o contexto fático e as demais imputações contidas na denúncia; não comporta, portanto, acolhimento (..) - destaque em caixa alta no original e em negrito nosso.
Nesse diapasão, depreende-se dos autos a existência de elementos indicativos de que a competência para a apreciação e para o julgamento desta Ação Penal deve ficar a cargo da Justiça Federal na justa medida em que demonstrada, em tese, a existência de associações para a traficância transnacional, sem prejuízo da existência de dados a indicar que estupefacientes apreendidos, de fato, tinham origem estrangeira (especificamente boliviana), de molde que plenamente adimplidas as regras contidas tanto no art. 109, V, da Constituição Federal, como no art. 70 da Lei n° 11.343/2006.
Ressalte-se, por oportuno, a existência de efetiva situação de conexão entre os fatos atribuídos aos acusados (nos termos do art. 76 do Código de Processo Penal, especialmente a situação prevista em seu inciso III: A competência será determinada pela conexão: (..) III - Quando a prova de uma infração ou de qualquer de suas circunstâncias elementares influir na prova de outra infração) à luz de que todos os fatos, ainda que divisíveis, permitiriam (tempo verbal empregado com o escopo de indicar que neste estágio não se está fazendo um juizo de mérito acerca das imputações, mas apenas analisando-se a questão da competência com supedâneo na teoria da asserção, ou seja, de acordo com o que indicado pelo Parquet federal com base na justa causa então obtida pelos elementos investigativos coletados) um melhor enfoque e um melhor entendimento acerca dos diversos núcleos da associação para a traficância internacional que teriam sido descortinados (com as respectivas nuances de seus funcionamentos, estruturas e hierarquias), sem se descurar que esses mesmos elementos probatórios também se coadunariam para a demonstração de atos de traficância específicos e para a constatação de que os ganhos ilícitos teriam, em tese, sido objeto de lavagem. Assim, plenamente adimplido o ideário atinente à conexão probatória tendo como base a inferência de que a prova de uma infração penal teria o potencial de influir na demonstração de outro(s) crime(s).
[...]
Na linha da aplicabilidade irrestrita da Súm. 122/STJ ao caso concreto, verifica-se que delitos que, em tese, seriam de competência da Justiça Estadual (como, por exemplo, crimes previstos nos arts. 12 e 16, ambos do Estatuto do Desarmamento, ou situação possibilitadora do reconhecimento de tráfico de drogas "doméstico") passam (e devem) ser julgados pela Justiça Federal tendo em vista a existência de situação configuradora de conexão (probatória, nos termos anteriormente indicados), não havendo que se falar, sob tal matiz, em vício competencial a macular a atividade jurisdicional oriunda da Justiça Federal neste caso concreto.
[...]
(v) Conclusão. À luz dos argumentos tecidos, mostra-se defeso acolher pleito de decretação de nulidade desta relação processual penal em razão de suposta incompetência da Justiça Federal, não merecendo, assim, guarida as teses suscitadas pelos acusados [O F S C] e [O S C] no sentido de que (i) teria ocorrido violação aos comandos contidos nos arts. 70 da Lei n° 11.343/2006 e 109, V, da Constituição Federal (os elementos constantes dos autos indicam a existência de pechas de transnacionalidade a permear tanto a imputação do crime de associação para a traficância como as imputações de tráfico de drogas); (ii) não teria havido a demonstração da transnacionalidade dos delitos imputados (haja vista a presença de aspectos fático-probatórios a chancelar a conclusão de que as imputações de associação para o tráfico e de tráfico de droga decorreriam de negociações de estupefaciente originário da Bolívia); (iii) não haveria que se falar em conexão entre os crimes descritos ao longo dos cadernos processuais (os fatos sob apuração se permeariam intrinsecamente para fins de comprovação, avocando, por consequência, regra de conexão - especialmente aquela prevista no art. 76, III, do Código de Processo Penal: conexão probatória - na justa medida em que a demonstração de um crime possibilitaria a inferência de que outro(s) teria(m) sido executado(s)); (iv) a r. decisão de 1° grau, que firmou a competência da Justiça Federal, seria desprovida de fundamentação (basta a conferência do conteúdo de mencionado r. provimento judicial - transcrito acima -, denotador de que o magistrado monocrático apreciou a temática por diversos vieses, sempre declinando os fundamentos que entendia pertinentes para sustentar seu ato de decidir); e (v) o delito de tráfico doméstico (04 quilos de cocaína) pelo qual restou condenado o acusado [O F] não teria qualquer relação com o crime de associação, potencialmente transnacional, para o tráfico de drogas (situação que avoca a aplicação da Súm. 122/STJ a prevalecer a competência da Justiça Federal)." (grifei)
Por ocasião do julgamento dos embargos de declaração, a Corte local deixou consignado (fl. 22550):
"[...]
Desta forma, à luz do completo enfrentamento do tema, não se nota do julgado qualquer obscuridade a ser sanada, ainda mais por ser assente na jurisprudência entendimento segundo o qual o magistrado não está obrigado a responder “questionário” formulado pelas partes (vide, a propósito, STJ, EDRESP nº 92.0027261, 1ª Turma, rel. Min. Garcia Vieira, DJ 22.03.93, p. 4515 – precedente transcrito na parte inicial teórica deste v. voto), mas, apenas, a apreciar as questões suscitadas declinando as razões e os fundamentos que balizaram seu convencimento. Todavia, apenas por amor ao debate, assevere-se que a fixação de competência para o julgamento da “Operação NEVADA” perante a Justiça Federal decorreu de uma análise conglobante dos fatos que estavam sendo investigados, especialmente a inequívoca constatação de que os núcleos associativos atuavam ou na intermediação da negociação de cocaína boliviana ou na aquisição de cocaína boliviana – logo, inegavelmente presente a pecha de transnacionalidade a impor a atuação do Poder Judiciário Federal." (grifei)
Constata-se, portanto, que as instâncias ordinárias, à luz do extenso conjunto probatório produzido ao longo da denominada "Operação Nevada", durante a fase investigativa e, posteriormente, no decorrer da instrução processual, concluíram que a competência da Justiça Federal estaria justificada, em sintonia com o art. 70 da Lei n. 11.343/2006 e 109, V, da Constituição da República, diante de concretas evidências de que o recorrente (e demais denunciados) integrariam associação criminosa dedicada à prática de narcotraficância internacional.
Ainda que as investigações tenham revelado a existência de distintos núcleos associativos, não sendo imputado a todos os denunciados a prática de crimes específicos de tráfico de entorpecente com origem estrangeira, verificou-se que o grupo criminoso do qual faria parte (com posição de destaque) o recorrente se dedicava, de maneira estável, à negociação de cocaína de origem boliviana, a atrair a competência da Justiça Federal, dada a natureza transnacional do delito.
Firmadas tais premissas, o acolhimento da tese recursal, no sentido de que não restaria demonstrada a transnacionalidade do crime de associação para fins de tráfico de drogas, demandaria inevitável reexame do conjunto fático-probatório, providência incabível em sede de recurso especial, nos termos do entendimento consagrado na Súmula n. 7 desta Corte Superior.
A propósito:
"AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. COMPETÊNCIA E TRANSNACIONALIDADES DEVIDAMENTE FIXADAS. PROVA EMPRESTADA. OBSERVÂNCIA DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO. NULIDADE NÃO CARACTERIZADA. PENA-BASE. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. PROPORCIONALIDADE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. A competência se firmou com a análise de elementos concretos dos fatos, motivo pelo qual sua análise demandaria revolvimento de fatos e provas incabível por esta via.
2. No que se refere à ilegalidade da prova emprestada, não há constatação de efetivo prejuízo e foi assegurado o devido contraditório e ampla defesa, com acesso aos autos no curso da ação penal.
3. Transnacionalidade reconhecida com base em premissas fáticas adotadas pelo Tribunal de origem, cuja análise demandaria incursão no acervo fático- probatório, incabível nesta via, ante o teor da Súmula 7/STJ.
4. A dosimetria da pena configura matéria restrita ao âmbito de certa discricionariedade do magistrado e é regulada pelos critérios da razoabilidade e da proporcionalidade. No caso dos autos, há idoneidade e concretude na fundamentação utilizada.
5. Agravo regimental desprovido."
(AgRg no REsp n. 1.967.086/RS, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 19/3/2025, DJEN de 25/3/2025, grifei)
"PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. TRANSNACIONALIDADE. PRETENSÃO DE AFASTAMENTO. IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME FÁTICO/PROBATÓRIO. SÚMULA 7/STJ. PENA-BASE. QUANTIDADE E NATUREZA DA DROGA E CIRCUNSTÂNCIAS DO DELITO. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. PROPORCIONALIDADE. INCABÍVEL A REDUÇÃO DA PENA ABAIXO DO MÍNIMO LEGAL. SÚMULA 231/ STJ. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. A jurisprudência deste Tribunal Superior é pacífica é no sentido de que para o reconhecimento da transnacionalidade (art. 40, I, da Lei n. 11.343/2006) não se faz necessária a efetiva transposição de fronteiras, bastando a existência de provas suficientes a evidenciar que os entorpecentes tinham como destino ou origem local fora dos limites do território nacional.
2. A Corte regional, ao confirmar a competência da Justiça Federal, consignou a presença de elementos suficientes e idôneos para comprovar a transnacionalidade do delito.
3. A desconstituição dos fundamentos adotados pela instância ordinária em relação à origem da droga apreendida demandaria incursão no acervo fático-probatório dos autos, tarefa inviável em recurso especial, a teor do disposto na Súmula n. 7/STJ.
4. Na hipótese do tráfico ilícito de entorpecentes, é indispensável atentar para o que disciplina o art. 42 da Lei n. 11.343/2006, segundo o qual o juiz, na fixação das penas, considerará, com preponderância sobre o previsto no art. 59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da substância ou do produto, a personalidade e a conduta social do agente. Precedentes.
5. Salienta-se, que a ponderação das circunstâncias judiciais não constitui mera operação aritmética, em que se atribuem pesos absolutos a cada uma delas, mas sim exercício de discricionariedade, devendo o julgador pautar-se pelo princípio da proporcionalidade e, também, pelo elementar senso de justiça.
6. A Corte local ao exasperar a pena base em 1 ano e 6 meses, em atenção às diretrizes do art. 59 do CP e do art. 42 da Lei de Drogas, apontou a quantidade e natureza do entorpecente apreendido - 18kg de haxixe - bem como a valoração negativa das circunstâncias do crime, não havendo qualquer ilegalidade a ser sanada, uma vez que o aumento não se mostrou desproporcional.
7. É inviável a superação da Súmula n. 231 do STJ, porquanto sua aplicação representa a jurisprudência pacífica e atualizada do Superior Tribunal de Justiça sobre a questão nela tratada.
8. Agravo regimental não provido."
(AgRg no AREsp n. 2.352.792/PR, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 17/10/2023, DJe de 30/10/2023, grifei)
Acrescente-se que a questão já foi objeto de deliberação por esta Corte ao tempo do julgamento do HC n. 527825/MS, impetrado em favor de [O F S C], quando se concluiu nos seguintes termos:
"[...]
Inicialmente, deve-se destacar que o Tribunal local, com substrato na sentença de primeiro grau, é bastante enfático ao concluir não haver "dúvidas de que a droga apreendida era procedente do exterior, mais precisamente da Bolívia" (e-STJ, fl. 68).
Por sua vez, o decisum de primeiro grau, de forma detalhada, demonstra a transnacionalidade da associação para o tráfico de drogas, notadamente ante os seguintes aspectos da organização criminosa: (a) narcotraficância "de atacado", com estrutura e aparato logístico, em contexto de fronteira; (b) vastas movimentações financeiras rumo à Bolívia; e (c) investigações da Polícia Federal que indicam a aquisição da droga na Bolívia com a posterior revenda no território nacional.
[...]
Com efeito, note-se que são vários os indícios a apontar a transnacionalidade do delito e, portanto, firmar a competência federal. Dentre esses indícios, aponte-se, em especial, a narcotraficância "de atacado", com estrutura e aparato logístico, em contexto de fronteira; as vastas movimentações financeiras rumo à Bolívia; e as investigações da Polícia Federal que indicam a aquisição da droga na Bolívia com a posterior revenda no território nacional.
Se a sentença, apesar disso, decidiu condenar o ora paciente apenas por tráfico doméstico (e-STJ, fl. 424), é tema que ainda está em aberto nas instâncias ordinárias. Tendo condenado, porém, por associação para o tráfico internacional (e-STJ, fl. 428), já deixou justificada a competência da Justiça Federal.
Assim, diante da complexidade dos fatos e das conclusões assertivas das instâncias de origem quanto à transnacionalidade, resta inviável este Superior Tribunal de Justiça afastar a competência da Justiça Federal." (grifei)
Assim, considerando a detalhada fundamentação ofertada pela Corte de origem, descrevendo em minúcia as circunstâncias que evidenciariam o caráter transnacional da associação criminosa integrada pelo recorrente, não há como ser conhecido, no ponto, o recurso especial, diante da incidência da Súmula n. 7/STJ.
5. Da nulidade da interceptação telefônica (suposta violação ao art. 2º, I e II, da Lei n. 9.296/1996):
A tese recursal está assim delimitada (fl. 111432): "No caso, também, ocorreu frontal ofensa e violação do disposto no art. 2º, II da Lei n. 9.296/96 (lei da interceptação telefônica) pois a primeva decisão na medida cautelar respectiva foi proferida sem a indícios mínimos de cometimento de crime e muitos menos REAIS diligências prévias - até porque instaurado o inquérito policial exatamente no mesmo dia em que se encaminha o pedido de interceptação – revelando-se essa diligência invasiva a primeira medida investigativa levada a efeito, contrariando totalmente o que disciplina a lei."
A nulidade foi rechaçada pela Corte local diante das seguintes razões (fls. 20573-20587):
"[...]
(e.2) Alegação de nulidade das interceptações telefônicas em razão da falta de justa causa para se iniciar as investigações, uma vez que existiria apenas uma denúncia anônima não respaldada por qualquer outro elemento de prova, exceto a presença de antecedentes criminais por parte de alguns investigados (tese formulada pelos acusados [O F], [O], [G] e [G]). Aduzem os acusados [O F], [O], [G] e [G] que a Representação protocolizada pela Autoridade Policial com o fito de ver afastado o sigilo das comunicações telefônicas dos agentes que acabaram sendo investigados nesta "Operação NEVADA" foi baseada tão somente em uma "denúncia anônima", que teria sido apenas guarnecida pelo acompanhamento de pessoas que frequentavam a residência localizada na Rua Serra Nevada e, ulteriormente, pela identificação dos veículos utilizados por [O F] e por [O] (pessoas que ostentavam condenação anterior, firmada em 2003, por tráfico de drogas). Diante de tal cenário, asseveram os acusados que não haveria que se falar em motivo razoável para o início das investigações, uma vez que não há o declínio de qual delito estaria sendo cometido naquela casa para fins de implemento do requisito atinente à necessidade de indícios razoáveis de autoria ou de participação em infração penal (art. 2°, I, da Lei n° 9.296/1996), motivo pelo qual acoimam de nulas as interceptações telefônicas em razão da ausência de qualquer sustentáculo para o deferimento do primeiro ciclo de interceptação, acrescentando, ainda, como forma de demonstrar o raciocínio, que tanto a data da Representação subscrita pelo Delegado de Polícia Federal como a data de instauração do Inquérito Policial coincidiriam.
Adentrando ao caso concreto, depreende-se que a Representação inaugural pelo afastamento do sigilo das comunicações telefônicas (materializada às fls. 03/08 da Medida Cautelar n° 0007098-68.2014.403.6000) veio lastreada em um Relatório de Inteligência Policial (fls. 09/31 de mencionada Medida Cautelar) e em uma Informação Policial (fls. 32/33 também de indicada Medida Cautelar) - com o escopo de bem aquilatar os fatos e a apuração preliminar que ensejaram o pedido de quebra de sigilo, mostra-se de rigor transcrever os expedientes anteriormente apontados:
[...]
Desta feita, nota-se a existência de diligências prévias, devidamente formalizadas, no sentido de apurar a presença de indícios de autoria e/ou de participação em infrações penais, especialmente relacionadas a potencial perpetração do ilícito de lavagem de dinheiro tendo como infração penal subjacente o tráfico ilícito de drogas, nos exatos termos preconizados pelo inciso I do art. 2° da Lei n° 9.296/1996 (interpretado a contrário senso), aspecto que tem o condão de afastar ilações aventadas pelos acusados no sentido de que não havia motivo razoável a ensejar o afastamento do sigilo das comunicações telefônicas, cabendo destacar, ademais, que delitos cometidos por meio do emprego de sistemas informáticos e de tecnologia da informação demandam investigações que se compaginam do mesmo requinte tecnológico a sufragar o deferimento de interceptações de conversas telefônicas - acerca do ora exposto, seguem dois julgados que corroboram o entendimento ora defendido, o primeiro exarado pelo C. Supremo Tribunal Federal ao passo que o segundo, desta E. Corte Regional:
[...]
Importante asseverar que a propalada "denúncia" (decorrente de "fonte humana") apresentada aos agentes de Policia Federal não deu base direta (ou imediata) ao pedido de afastamento do sigilo que permeia as comunicações telefônicas e/ou telemáticas. Na realidade, a situação demonstrada nos autos da Medida Cautelar n° 0007098-68.2014.403.6000, materializada em um Relatório de Inteligência Policial e em uma Informação Policial (ambos transcritos), tem o condão de indicar que, a partir das informações vertidas por pessoas ("informantes"), iniciou-se uma apuração preliminar com a intenção de se aferir se aqueles dados fornecidos tinham alguma pertinência e, uma vez tendo, possibilitar o desenrolar de uma investigação (agora sim lastreada na Representação da autoridade policial pelo afastamento do sigilo).
Desta forma, nota-se que a autoridade policial analisou a consistência e a plausibilidade dos termos fornecidos pela "fonte humana" (por meio de uma investigação preliminar com cruzamento de dados, principalmente relacionados às pessoas que frequentavam a residência da Rua Serra Nevada em cotejo com os respectivos históricos criminais de parcela de tais agentes e com a inferência de ausência de fonte lícita de rendimento a sustentar padrão financeiro tão elevado) a ponto de, ao cabo de tal investigação precedente, ter-se material suficiente para se postular pelo afastamento de sigilo das comunicações telefônicas e/ou telemáticas (expediente que se mostrava necessário ao enfrentamento da organização criminosa que potencialmente teria sido descoberta diante dos indícios então amealhados), procedimento que encontra o beneplácito da jurisprudência do C. Supremo Tribunal Federal, do E. Superior Tribunal de Justiça e deste E. Tribunal Regional Federal da 3' Região:
[...]
Ademais, não procede a argumentação defensiva de que as interceptações seriam nulas porque a Representação policial vindicando o afastamento do sigilo das conversas telefônicas e a instauração do Inquérito Policial ocorreram exatamente no mesmo dia - ainda que, de fato, os expedientes ostentem a mesma data de subscrição/instauração, denota-se dos autos a preexistência da já mencionada investigação preliminar (de caráter sumário) a fim de angariar os necessários indícios de autoria e/ou de participação em infrações penais, expediente que se mostra o bastante para fins de implemento do requisito exigido pela Lei n° 9.296/1996 (que, aliás, não faz qualquer menção à necessidade de que a formalização do Apuratório preceda a Representação concernente ao afastamento do sigilo das comunicações).
[...]
(e.3) Alegação de nulidade das interceptações telefônicas em razão da existência de outros meios investigativos aptos à apuração dos delitos (tese formulada pelo acusado [G]). Aduz o acusado [G] que, em razão da existência de outros meios de apuração e de investigação dos delitos que teriam sido descobertos no seio da "Operação NEVADA" (como, por exemplo, a intimação para que os envolvidos prestassem esclarecimentos e o tradicional trabalho de campo), as interceptações telefônicas seriam nulas por violarem a regra constante do art. 2°, II, da Lei n° 9.296/1996.
Com efeito, nota-se desta relação processual penal a formulação de pleito de anulação das provas obtidas por meio das interpretações telefônicas em razão de que a r. decisão que deferiu o inicial pedido de quebra de sigilo não teria demonstrado, de forma concreta, a indispensabilidade da medida, ou seja, que o monitoramento telefônico dos acusados seria o único meio à disposição da autoridade policial para o fim de obtenção de informações acerca dos supostos crimes objetos da investigação que se iniciava. Todavia, impossível o acolhimento da argumentação aventada.
De início, mostra-se relevante asseverar que a criminalidade organizada, ainda mais aquela que possui tentáculos transnacionais, exige ser enfrentada por meios e por técnicas de investigação que superam aquelas tradicionalmente empregadas em perpetrações de delitos de menor gravidade (como, exemplificativamente, a tomada de declarações pela autoridade policial, o reconhecimento de pessoas ou de coisas, a guarda do local em que o delito se consumou e a realização de campana ou de blitz por agentes estatais) justamente porque os níveis de aporte de recursos dos mais variados tipos (humanos, financeiros, de logística e, principalmente, tecnológicos) em tais organizações a colocam em patamares que somente uma atuação estatal pautada na inteligência investigativa teria o condão de fazer frente aos influxos criminosos.
[...]
Adentrando ao caso concreto, depreende-se que os elementos amealhados pela autoridade policial por meio daquele Relatório de Inteligência Policial (fls. 09/31 da Medida Cautelar n° 0007098- 68.2014.403.6000) e daquela Informação Policial (fls. 32/33 da Medida Cautelar n° 0007098-68.2014.403.6000), cujos respectivos conteúdos já foram transcritos neste voto, indicavam a total impertinência do emprego de qualquer técnica tradicional de investigação (basicamente aquelas elencadas no art. 6° do Código de Processo Penal) tendo em vista a constatação de uma potencial criminalidade que não seria sequer descoberta (e muito menos, ulteriormente, defenestrada) com diligências como, por exemplo, a oitiva dos investigados em "termos de declarações" ou singelos "trabalho em campo" - aliás, a situação concreta com que se deparou a autoridade policial, após o escorreito implemento das interceptações (e com o resultado frutífero delas), também permitiu (vale dizer, de forma subsidiária) o implemento de abordagens (como, exemplificativamente, aquelas realizadas em face de [O F] em viagem à Bolívia e após retomar de São Paulo Capital em voo particular fretado) e de colheita de declarações, contudo, tais expedientes não se coadunavam com a criminalidade organizada que estava, em tese, sendo descoberta dia após dia envolvendo os agentes imbricados nesta "Operação NEVADA".
Cabe, aqui, a apresentação de mais um argumento com o objetivo de bem demonstrar a necessidade do afastamento do sigilo das comunicações telefônicas e/ou telemáticas (que, até mesmo, pode permitir que se vislumbre quão defasada estaria a diligência investigativa - portanto, a inteligência do Estado - em face dos avanços, a passos largos, do cometimento de delitos por organizações criminosas por meio das mais atuais tecnologias existentes). Com efeito, há diversas passagens ao longo da investigação materializadas nos Autos Circunstanciados de Interceptação de Sinais acostados na Medida Cautelar n° 0007098-68.2014.403.6000 dando conta de que os interlocutores, de súbito, no meio de uma conversa telefônica (sempre com as pechas de diálogos truncados e aparentemente sem sentido ao leigo que o analisa), indicam que continuaram o engendro criminoso por outro veículo (como, por exemplo, troca de mensagens por comunicadores instantâneos do tipo "BlackBerry Messenger - BBM" ou "Whatsapp") porque a tecnologia empregada ou o atual estágio do aparato institucional do Estado não permitiria o acesso (e, portanto, a interceptação) de tais comunicações.
[...]
Portanto, não se vislumbra dos autos qualquer mácula, por ofensa ao art. 2°, II, da Lei n° 9.296/1996, a atingir as interceptações telefônicas que foram deferidas no bojo da Medida Cautelar n° 0007098-68.2014.403.6000, tendo em vista que a relevação do sigilo ocorreu como mecanismo apto e imediato (no sentido de único previsto no ordenamento) a permitir a devida identificação dos agentes que, em tese, estariam cometendo ilícitos (posteriormente tipificados como tráfico internacional de drogas, associação para o tráfico internacional de estupefacientes e lavagem de dinheiro), respeitando, assim, os estritos limites insculpidos pela Lei n° 9.296/1996." (grifei)
Cumpre registrar que o inciso XII do artigo 5º da Constituição da República assegura o sigilo das comunicações telefônicas, de modo que, para que haja o seu afastamento, é imprescindível ordem judicial, devidamente fundamentada, segundo o comando constitucional estabelecido no artigo 93, inciso IX.
Nessa esteira, o art. 5º da Lei n. 9.296/1996 determina, quanto à autorização judicial de interceptação telefônica, que “a decisão será fundamentada, sob pena de nulidade, indicando também a forma de execução da diligência, que não poderá exceder o prazo de quinze dias, renovável por igual tempo, uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova”.
Por sua vez, o art. 2º da norma em referência preceitua:
"Não será admitida a interceptação de comunicações telefônicas quando ocorrer qualquer das seguintes hipóteses:
I - não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal;
II - a prova puder ser feita por outros meios disponíveis;
III - o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção. Parágrafo único. Em qualquer hipótese deve ser descrita com clareza a situação objeto da investigação, inclusive com a indicação e qualificação dos investigados, salvo impossibilidade manifesta, devidamente justificada."
No caso, como se depreende do acórdão recorrido, inexiste qualquer evidência de violação aos pressupostos autorizadores da quebra de sigilo de comunicações telefônicas, tendo sido a medida deferida com fundamento em consistentes indícios da prática de crimes de lavagem de capitais e tráfico ilícito de entorpecentes, resultantes de investigação preliminar detalhadamente descrita pelas instâncias ordinárias.
Diferentemente do que sustenta o recorrente, a medida não se apoiou exclusivamente em denúncia anônima, que foi apenas ponto de partida para diversas diligências explicitadas em Relatório de Inteligência Policial constante da Medida Cautelar n° 0007098-68.2014.403.6000, cabendo destacar, apenas em caráter exemplificativo: a) cruzamento de dados das pessoas que frequentavam a residência na Rua Serra Nevada; b) identificação de que várias dessas pessoas possuíam vínculos prévios com o tráfico de entorpecentes; c) elevado padrão financeiro, sem aparente justificativa, das pessoas que frequentavam a residência, revelado pela propriedade de veículos de alto valor; d) diligência confirmatória da ausência de funcionamento de empresa titularizada pelos investigados [O] e [O F] (Imperatriz Empreendimentos e Participações Ltda., situada em São Paulo); e) registros de passagens de veículos (avistados com frequência no imóvel) pelo sistema SINIVEM do Posto Guaicurus da Policia Rodoviária Federal, na BR 262, que interliga Campo Grande-MS com a cidade de Corumbá-MS.
Válido transcrever o seguinte trecho do Relatório de Inteligência Policial (fl. 20577):
"[...] É comum, no meio delinquente que envolve atividade de tráfico de entorpecentes, o envio de dinheiro em espécie para a aquisição da droga, fato que encaixa perfeitamente com as movimentações dos irmãos em tão curto tempo de permanência naquela cidade fronteiriça com a Bolívia. Nota-se que seus últimos deslocamentos, duas vezes no mês corrente, de idas e retornos se deram na mesma data, diferindo apenas de algumas horas no dia 09.07.2014, acima registrados. Os envolvimentos com outros traficantes de drogas, outrora presos e investigados por esta Polícia, reforçam suspeitas de suas atuações em atividades ilícitas, assim como o patrimônio que procuram ostentar com veículos, imóvel em região de destaque da cidade e festas, além de empresa situada em outro estado federativo, que, conforme resposta à nossa solicitação de diligência, não existe de fato no endereço registrado no cadastro da Receita Federal, contudo constando como ativa, possivelmente fachada para negócios espúrios."
Como se vê, não há que se falar em ausência de justa causa para o deferimento da medida de interceptação telefônica, ou mesmo na suposta existência de meios alternativos para ser dada continuidade às investigações que estavam em curso, cabendo reiterar que as evidências até então apuradas davam conta da provável prática de crimes praticados em contexto de criminalidade organizada, envolvendo diversos personagens que já teriam atuado conjuntamente na prática do crime de tráfico de entorpecentes, inclusive com condenações anteriores, o que revelou a imprescindibilidade da interceptação para confirmar as concretas suspeitas identificadas pela autoridade policial.
Ademais, o acolhimento da pretensão do recorrente, no sentido de ser reconhecida a ausência de justa causa para decretação da interceptação telefônica, ou que esta não se revelava imprescindível, demandaria inevitável reexame do conjunto fático-probatório, o que encontra óbice na Súmula n. 7 desta Corte Superior.
Sobre o tema:
"AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ALEGAÇÃO DE NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE. UTILIZAÇÃO DA TÉCNICA PER RELATIONEM. VALIDADE. ALEGADAS OMISSÕES NÃO DEMONSTRADAS. SÚMULA N. 284//STF. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. INEXISTÊNCIA DE INDÍCIOS CONCRETOS DE TRANSNACIONALIDADE. NULIDADE DAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS. ANÁLISE FÁTICA. SÚMULA N. 7/STJ. ART. 212 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. ALTERAÇÃO NA ORDEM DE INQUIRIÇÃO DAS TESTEMUNHAS. AUSÊNCIA DE NULIDADE. PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF. MAJORANTE DE INTERESTADUALIDADE E CRIME DE ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. COMPATIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. Não há negativa de prestação jurisdicional quando os dispositivos mencionados pelo agravante são enfrentados de forma suficiente pelo Tribunal de origem, mesmo que contrariamente ao interesse da parte.
2. A fundamentação per relationem é válida quando os fundamentos estão delineados nos autos e abordam os pontos controvertidos, conforme pacífico entendimento jurisprudencial. Partindo-se de tal pressuposto, são insuficientes as alegações da defesa de que houve omissão no acórdão para demonstrar a violação dos dispositivos legais citados, atraindo a incidência, por analogia, da Súmula 284 do Supremo Tribunal Federal:
3. A competência da Justiça Estadual foi corretamente reconhecida, diante da ausência de indícios concretos que caracterizem a transnacionalidade do delito. A alteração dessa conclusão demandaria reexame de provas, vedado em recurso especial pela Súmula n. 7/STJ.
4. Do mesmo modo, as interceptações telefônicas foram autorizadas judicialmente com fundamentação em conformidade com os parâmetros legais. A incursão aprofundada nos elementos de prova, a fim de examinar se as razões apresentadas seriam suficientes em face dos elementos colhidos na investigação e da dificuldade de obtenção de provas por outros meios esbarra no óbice contido na Súmula n. 7/STJ.
5. A mera alteração da ordem de inquirição das testemunhas não implica nulidade, especialmente se o advogado pôde se manifestar plenamente em audiência, sendo plenamente atendido o princípio da ampla defesa.
6. O reconhecimento de nulidade no curso do processo penal, seja absoluta ou relativa, reclama a efetiva demonstração de prejuízo à parte, sem a qual prevalecerá o princípio da instrumentalidade das formas positivado no art. 563 do CPP (pas de nullité sans grief).
7. A aplicação da majorante prevista no art. 40, inciso V, da Lei n. 11.343/06 se aplica tanto ao tráfico quanto à associação para o tráfico. Precedentes.
8. Agravo regimental desprovido."
(AgRg no AREsp n. 2.655.281/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 4/2/2025, DJEN de 13/2/2025, grifei)
"AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. NULIDADE DAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS. NÃO OCORRÊNCIA. MOTIVAÇÃO IDÔNEA. FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 7 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - STJ. TESE DE ILEGALIDADE NA APREENSÃO E ACESSO AOS DADOS DE APARELHO CELULAR. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. O art. 5º, inciso XII, da Constituição Federal assegura a inviolabilidade das comunicações. A mesma norma ressalva a possibilidade de quebra de sigilo telefônico, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma estabelecida pela Lei n. 9.296/1996, para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.
Cuidando-se de norma que excepciona direito fundamental, estabelece o inciso II do art. 2º da Lei n. 9.296/1996 que não será admitida a interceptação telefônica se a prova puder ser feita por outros meios disponíveis, a denotar, assim, seu caráter subsidiário. Ademais, deve haver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal punida com reclusão.
2. No caso em concreto, a interceptação telefônica foi autorizada judicialmente após autorização de acesso às conversas de indivíduo investigado por receptação onde se identificou mensagens relacionadas ao tráfico de drogas, atendendo aos requisitos do art. 2º da Lei n. 9.296/1996, sem evidências de ilegalidade. Assim, as interceptações telefônicas, pelo contexto delineado nos autos, mostraram ser medida necessária e imprescindível para revelar o modus operandi dos acusados que atuavam no delito.
3. A decisão de quebra de sigilo telefônico não exige fundamentação exaustiva, podendo o magistrado decretar a medida mediante fundamentação sucinta, desde que demonstre o preenchimento dos requisitos autorizadores da interceptação telefônica (AgRg no RHC n. 163.613/MS, Ministro João Otávio de Noronha, Quinta Turma, DJe 19/8/2022).
4. Além disso, o exame da pretensão esbarra no óbice da Súmula n. 7/STJ, uma vez que, para dissentir da conclusão do Tribunal estadual quanto à imprescindibilidade das medidas cautelares ou da existência de outros meios de obtenção da prova, seria necessária a incursão no conjunto fático-probatório carreado aos autos.
5. Eventual vício no consentimento para acesso aos dados do celular apreendido não foi debatido no acórdão recorrido, o que impede o exame direto por esta Corte, sob pena de indevida supressão de instância.
6. Agravo regimental desprovido."
(AgRg no AREsp n. 2.010.244/SP, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 18/3/2025, DJEN de 25/3/2025, grifei)
Destaque-se, por fim, que esta Corte Superior já teve a oportunidade de examinar a alegação de nulidade da interceptação telefônica deferida no âmbito da Operação Nevada por ocasião do julgamento do RHC n. 82868 (Rel. Min. Felix Fischer; Data de julgamento: 27/6/2017), assim concluindo:
"PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. OPERAÇÃO "NEVADA". TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS, EVASÃO DE DIVISAS, IMPORTAÇÃO IRREGULAR DE ARMAS E LAVAGEM DE DINHEIRO. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. NULIDADES DIVERSAS. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS. INOCORRÊNCIA. DENÚNCIA ANÔNIMA. OUTROS ELEMENTOS DE PROVA. JUNTADA AOS AUTOS DE OFÍCIOS DAS OPERADORAS DE TELEFONIA E DA ÍNTEGRA DAS CONVERSAS INTERCEPTADAS. REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. PRORROGAÇÃO DAS INTERCEPTAÇÕES E INFORMAÇÃO DE DADOS TELEFÔNICOS. POSSIBILIDADE. EXCLUSÃO DE NÚMERO DOS MONITORAMENTOS SOLICITADA PELA AUTORIDADE POLICIAL. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. FORNECIMENTO DE SENHAS AOS AGENTES POLICIAIS. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. FUNDAMENTAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA. REITERAÇÃO DE PEDIDO. RECURSO ORDINÁRIO CONHECIDO EM PARTE, E, NESSA EXTENSÃO, DESPROVIDO.
I - As teses relativas à utilização de "maleta" para identificação de número celular; monitoramento indevido de correio eletrônico (e-mail); quebra de sigilo bancário; troca direta de informações da polícia com operadora de telefonia no exterior e excesso de prazo não foram apreciadas pelo eg. Tribunal de origem, razão pela qual fica esta Corte impedida de examinar tais alegações, sob pena de indevida supressão de instância (precedentes).
II - Na hipótese, a análise da possibilidade de exaurimento de outros meios de prova, a fim de viabilizar a interceptação telefônica, nos moldes do disposto no art. 2º, incisos I e II, da Lei 9.296/1996, esbarra no impreterível revolvimento de material fático-probatório dos autos, o que, na linha da jurisprudência desta Corte, mostra-se incabível na presente via.
III - Ademais, "é ônus da defesa, quando alega violação ao disposto no artigo 2º, inciso II, da Lei 9.296/1996, demonstrar que existiam, de fato, meios investigativos às autoridades para a elucidação dos fatos à época na qual a medida invasiva foi requerida, sob pena de a utilização da interceptação telefônica se tornar absolutamente inviável" (HC n. 254.976/RN, Quinta Turma, Rel. Min. Jorge Mussi, D Je de 31/10/2014).
IV - Por outro lado, no presente caso, a denúncia anônima não foi o único elemento a justificar a decretação das interceptações telefônicas, uma vez que acompanhada de outros meios de prova, conforme diligências prévias conduzidas pela polícia federal, que teriam revelado a suposta existência de organização criminosa especializada em diversos delitos, dentre eles, tráfico internacional de drogas e de armas, além de lavagem de dinheiro.
[...]
Recurso ordinário parcialmente conhecido, e, nessa extensão, desprovido." (grifei)
Não há, pois, como prosperar a tese de nulidade da interceptação telefônica, inexistindo demonstração de violação ao art. 2º, I e II, da Lei n. 9.296/1996.
6. Da ausência de provas em relação ao crime de associação para fins de tráfico internacional de drogas (alegada violação ao art. 35 da Lei n. 11.343/2006):
Sustenta o recorrente (fl. 111446): "[...] Não estando caracterizada a tipicidade do delito de associação para fins de tráfico, justamente pela falta de demonstração da estabilidade da associação criada, e não havendo indicativos da prática de delitos dessa natureza, merece ser provido o apelo especial para o fim de cassar a decisão proferida pelo Tribunal a quo e absolver o recorrente da injusta condenação como incurso no art. 35 da Lei de Drogas, inclusive por ausência de descrição (inépcia já aventada) e atipicidade."
O acórdão recorrido, por sua vez, manteve a condenação do recorrente nos seguintes termos (fls. 21239-21251):
"[...]
(ii.1.2) Elementos que supedaneiam a condenação de [O S C] em razão da perpetração do crime estampado no art. 35 c. c. art. 40, I, ambos da Lei n° 11.343/2006. De acordo com o que já foi exposto até o presente momento, nota-se um efetivo entrelaçamento de [O F] e de [O] na ocupação da "cúpula" da associação criminosa firmada com o objetivo de praticar tráficos internacionais de droga (cocaína boliviana).
Com efeito, na mesma linha de seu irmão [O F], [O] também era proprietário de um patrimônio considerável basicamente composto pelos mesmo itens já descritos no tópico atinente a [O F] (haja visto ambos figurarem como "sócios" de tais bens) - nesse diapasão, é possível elencar, como integrante de seu patrimônio, a mansão da Rua Serra Nevada, a chácara localizada na saída para São Paulo e o apartamento de São Paulo localizado na Rua Estevão Baião. Ao lado de indicados bens imóveis, [O] também titularizava alguns veículos de luxo como, por exemplo, um "quadriciclo" (avaliado em R$ 85.000,00 - oitenta e cinco mil reais), uma "Toyota Hilux" (possuidora das placas QAA-2635, avaliada em R$ 170.000,00 - cento e setenta mil reais) e outra "Toyota Hilux" (possuidora das placas 00R-1415, avaliada em R$ 130.000,00 - cento e trinta mil reais), sendo que, quando o assunto era "joias", ao que consta dos autos (ou seja, tendo como premissa o que foi amealhado por força da busca e apreensão deferida), [O] mostrava-se mais comedido do que seu irmão [O F] à luz de que "apenas" foi apreendida uma corrente de metal grossa dourada, guarnecida de uma "Estrela de David", cravejada com pedras, conjunto este avaliado em R$ 79.000,00 (setenta e nove mil reais).
Conforme indicado outrora, possuir patrimônio elevado (como o descrito) não conduz à constatação, ipso facto, de execução de qualquer infração penal. Ocorre, entretanto, que tal patrimônio milionário não restou amealhado por meio do emprego de recursos obtidos de fonte lícita de trabalho (aliás, não houve qualquer interceptação de diálogo relacionado ao exercício de labor lícito desempenhado pelo acusado em tela) na justa medida em que os elementos dos autos indicam de forma clarividente o envolvimento de [O] com a narcotraficância internacioncional (justamente na qualidade de "parceiro" de seu irmão [O F]). Aliás, pertinente trazer o dado concreto de que [O] também possui condenação transitada em julgado exatamente em decorrência da consecução, nos idos de 2003, do delito de tráfico de drogas (frise-se, juntamente com [O F]), havendo relatos testemunhais no sentido de que ambos, ao saírem do sistema prisional, não possuíam qualquer patrimônio relevante a dar lastro à ascensão repentina de riqueza ostentada e amealhada em curto lapso temporal.
[...]
Dentro de tal contexto, verifica-se dos autos a inexistência de demonstração de qualquer fonte de recurso lícito a fazer frente à aquisição de tão valiosos bens. Na realidade, a atividade desempenhada por [O] que o permitiu amealhar tanto patrimônio relacionava-se com o exercício da narcotraficância internacional. Poder-se-ia argumentar, contudo, que nenhum entorpecente foi encontrado com referida pessoa e que, diante de tal inferência, cairia por terra qualquer possibilidade de condenação pelo crime de associação para o tráfico internacional de drogas. De fato, não houve a apreensão de qualquer grama de estupefaciente na posse de indicado agente, o que, contudo, não leva à conclusão de que ele não estaria imbricado com o tráfico internacional de drogas. Justamente por ser o "chefe" do grupo que se organizou ao seu entorno (ao lado de seu irmão [O F]), não era esperado (ainda que fosse almejado) o encontro de narcótico com pessoa ocupante de tão alto posto na organização criminosa - aliás, exatamente em razão do tal posto hierárquico "de topo" ocupado, também não era esperada a interceptação de diálogos comprometedores oriundos exatamente de eventual linha telefônica portada por tal agente.
Desta feita, os elementos probatórios indicativos de seu mister no mundo criminoso da traficância decorrem do cotejo de aspectos obtidos ao longo da investigação (como, por exemplo, diálogos de pessoas próximas) e da corroboração de tais inferências pelas testemunhas acusatórias ouvidas sob o manto do devido processo legal, fechando-se, assim, a compreensão de que [O] liderava (ao lado de seu irmão [O F]) o núcleo associativo firmado com pechas de permanência e de estabilidade levado a efeito para fins de consecução de delitos de tráfico internacional ao lado de "[S]", de "[F]", de "[W]" e de [G].
Vamos a tais elementos probatórios referendadores da conclusão acima tecida (destacando-se a ausência de pretensão, por parte deste Desembargador Federal Relator, do esgotamento do arcabouço fático-probatório que aponta nesse sentido, reportando-se, para tanto, a todo o conjunto de provas que já foi elencado ao longo deste voto):
(ii.1.2.1) A prova oral colhida sob o manto do devido processo legal (e seus corolários: ampla defesa e contraditório) foi assertiva em indicar que [O] trabalhava sempre diretamente vinculado a [O F] - nesse sentido, vide, exemplificativamente, o depoimento prestado por "[R G A]" (fl. 3878 e mídia digital acostada à fl. 3880), que o definiu como sendo "o braço direito de [O F]", trabalhando ambos em conjunto.
(ii.1.2.2) Conforme é possível ser inferido do documento acostado às fls. 499/543 da Medida Cautelar n° 0007098-68.2014.403.6000, os "Irmãos Santos Correa" (a abarcar a pessoa de [O]) notaram a presença de equipe policial que estava investigando os fatos, razão pela qual passaram a adotar ainda mais cautela nos seus respectivos dia a dias. Aliás, o evento que permitiu a inferência de que os "Irmãos" estavam sendo investigados decorreu do fato de que [O F] teria constatado a existência de vigilância no instante em que "[F M R]" chegou à residência localizada na Rua Serra Nevada, momento em que [O F] o pegou com o veículo "Land Rover" possuidor de placas "00N-0705" e rumou para destino ignorado.
(ii.1.2.3) A relação de [O] com "[F M R]" também é denotadora da existência da tal associação para o tráfico internacional. Com efeito, descortinou-se nos autos que a pessoa de "[F M R]", casada com "[S H de A]", era o "braço" operacional de [O] (e também de [O F]) no desembaraço da droga (cocaína) em solo boliviano, exercendo a função de intermediar e de obter o estupefaciente dos fornecedores bolivianos com vias a ulterior remessa para o Brasil.
[...]
(ii.1.2.4) De acordo com o documento encartado às fls. 1173/1174 e 1180/1242 da Medida Cautelar n° 0007098-68.2014.403.6000, foi possível a captação de diálogo da esposa de [O] (de nome "[L]") com seus pais em que ela manifestou consternação em razão da morte de bolivianos possuidores das alcunhas "Tite", "Perrobom" e "Cachorro". Há que ser recapitulado que [O F] também teve diálogo seu interceptado com "[S]" (também fls. 1173/1174 e 1180/1242 da Medida Cautelar n° 0007098- 68.2014.403.6000) por meio do qual informou com pesar o passamento de "dois amigos" bolivianos, ressaltando-se que, a partir do cruzamento de dados investigativos, a tal remissão a "amigos bolivianos" referia-se a traficantes bolivianos que morreram em um acidente de carro, havendo coincidência com as alcunhas declinadas por "[L]". Desta forma, infere-se dos autos que, para além de [O] possuir relações com bolivianos, estas se davam com pessoas vinculadas ao tráfico de drogas.
(ii.1.2.5) Foi possível a materialização, por meio de abordagem policial levada a efeito nos idos de 05 de dezembro de 2015 pela Polícia Rodoviária Federal no Posto de Guaicurus, de viagem à Bolivia na qual [O] encontrava-se na presença, para além de seu "parceiro" e irmão [O F], de [A M S] e de [G DE O C] (fls. 2276/2332 da Medida Cautelar n° 0007098- 68.2014.403.6000).
[...]
Ressalte-se que os diálogos em tela têm o desiderato de demonstrar que [A] era "parceiro comercial" dos irmãos [O F] e [O] na mercancia de droga advinda da Bolívia, ressaltando-se que a ira manifestada por [O F] em razão de [A] ter aceitado negociar droga com o seu irmão [O], ao que tudo indica, poderia caracterizar uma "traição" a "parceria" que já estava consolidada (principalmente diante da ruptura havida entre os "Irmãos Santos Correa").
(ii.1.2.6) A apreensão de vultosa quantia na posse de "[W]" e de [G] (US$ 1.300.000,00 - um milhão e trezentos mil dólares) também tem o condão de corroborar a inferência de que [O] se dedicava à traficância internacional de drogas com ares de estabilidade e de permanência. Frise-se, por oportuno, que a importância apreendida, uma vez convertida pela taxa de câmbio vigente ao tempo dos fatos, redundava na extraordinária quantia de R$ 5.159.595,32 (cinco milhões, cento e cinquenta e nove mil, quinhentos e noventa e cinco reais e trinta e dois centavos), conforme é possível ser inferido da Representação Fiscal para Fins Penais acostada às fls. 3430/3495 desta Ação Penal.
Com efeito, descortinou-se ao longo desta persecução penal que tal cifra pertencia a [A] (receptor do estupefaciente localizado em Guarulhos/SP) e estava sendo remetida em benefício de [O F] e de [O] com o fito de que estes procedessem ao desembaraço de carregamentos de cocaína boliviana, cabendo ressaltar que a importância foi apreendida na posse de "[W]" (sobrinho de [O F] e de [O] e filho de [O]) e de [G] (efetivo "faz tudo" de [O F], havendo referências de que [G] seria desde o "cozinheiro" de [O F] até a pessooa que detinha a "chave do cofre" deste, ou seja, administrava a contabilidade do negócio espúrio da organização criminosa - fls. 815/877 da Medida Cautelar n° 0007098-68.2014.403.6000).
[...]
Saliente-se a existência de diálogos interceptados que demonstram o envolvimento de [O] (e também de [O F]) com o numerário em tela. Conforme é possível ser inferido do documento acostado às fls. 2050/2110 da Medida Cautelar n° 0007098- 68.2014.403.6000, verifica-se que [O] (e [O F]) viajaram a São Paulo para preparar e para encaminhar os dólares apreendidos ulteriormente com "[W]" e com [G]. Após a efetiva apreensão do numerário, captou-se diálogo travado entre "Boi" e "Betão" cujo tema mais relevante era justamente o ocorrido, sintetizado na afirmação de que o "cozinheiro" (em alusão a [G]) e o "guri" (em alusão a "[W]") tinham sido presos na posse de importância que era de propriedade do "irmão de [O]" (ou seja, de [O F], cujo figura do "braço direito" era ocupada por [O]) - fls. 2185/2232 da Medida Cautelar n° 0007098-68.2014.403.6000.
[...]
Não se mostra verdadeira a afirmação de que os elementos probatórios levados em consideração para fins de condenação de [O] estariam relacionados muito mais a [O F] (do que ao próprio [O]) - isso porque, apenas a título exemplificativo, [O] foi flagrado em abordagens policiais com as pessoas de "[F M R]" (braço operacional da traficância empreendida pelos irmãos [O F] e [O]) e com "[A M S]" e com [G DE O C] (compradores paulistas do estupefaciente boliviano intermediado pela dupla [O F] e [O]). Além disso, [O] estava com seu irmão [O F] no episódio que motivou este, após blitz policial realizada no retorno a Campo Grande decorrente de voo fretado para São Capital, determinar que "[S]" destruísse seu telefone celular e que avisasse o "rapaz" sobre o ocorrido. Portanto, não se está usando de "prova emprestada" (oriunda do irmão [O F]), mas, sim, de prova direta, para fins de exaração de uma condenação em detrimento de [O], decorrente de fatos efetivamente demonstrados e documentados nos autos.
Ressalte-se, por oportuno, que a configuração do tipo penal insculpido no art. 35 da Lei n° 11.343/2006 sequer exige o real cometimento de atos materiais de traficância, contentando-se o legislador, para o implemento típico, com a demonstração de que os associados tinham tal intenção - nessa toada, ressoa desta persecução penal muito mais do que a mera intenção exigida pelo tipo (ainda que, na realidade, a equipe investigativa não tenha logrado êxito em apreender estupefaciente nas mãos de ou vinculado a [O], a despeito de ser mais do que sintomático que o transporte de US$ 1.300.000,00 - um milhão e trezentos mil dólares - era exatamente para remunerar atos materiais de traficância internacional, ainda mais diante do diálogo travado entre [O F] e "[A]" dantes já mencionado justamente relacionado a tal "prejuízo" e ao objetivo de continuarem com suas respectivas empreitadas criminosas).
[...]
Nesse diapasão, não foram poucas as conversas em que "[F M R]" manteve com sua esposa "[S]" acerca das "caminhadas" em beneficio de [O] e de seu irmão [O F] (o que possui o condão de indicar que os atos materiais de traficância de estupefaciente boliviano se deram por período de tempo juridicamente relevante e, assim, o vínculo associativo que unia aquela organização criminosa se dava, sim, com pechas de estabilidade e de permanência tais quais as exigidas pelo tipo penal), havendo que ser indicado, outrossim, que a apreensão de dólares na posse de [G] e de "[W]" tem o condão de denotar que as tais estabilidade e permanência associativas, de fato, existiam, pois somente um prévio convívio (a permitir a amealhação de laços fortes de confiança) supedanearia o transporte de dinheiro tão vultuoso (na casa de US$ 1.300.000,00 - um milhão e trezentos mil dólares).
Aliás, por tudo o que já se expôs e também pelo o que está sendo exposto nesse momento, deflui-se dos autos a comprovação do elemento subjetivo exigido pelo art. 35 da Lei n° 11.343/2006 (animus associativo), uma vez que [O], de forma estável e permanente, quis se unir a mais pessoas (união com [O F, com "[S]", com "[F]", com "[W]" e com [G]) com o objetivo de praticar, de forma reiterada ou não, delitos de tráfico internacional de droga. Ademais, infere-se desta persecução penal a existência de hierarquia entre os membros da associação, ocupando a posição de topo (portanto, gerencial) [O] e [O F], ao passo que a parte operacional ficava a cargo de "[F]" (desembaraço do entorpecente em solo boliviano) e de "[W]"/[G] (recebimento dos valores negociados com o traficante destinatário final da cocaína." (grifei)
Com efeito, percebe-se que o acórdão impugnado está amparado em farto material probatório, colhido durante as investigações realizadas no decorrer da denominada "Operação Nevada", contando com detalhadas informações obtidas a partir de interceptações telefônicas sucessivamente autorizadas judicialmente, bem como em diligências de busca e apreensão, confirmadas, posteriormente, durante a instrução criminal, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa.
Segundo constataram as instâncias ordinárias, ao examinar o robusto conjunto probatório amealhado nos autos, o recorrente não só integraria a associação criminosa investigada, como exerceria nela papel de liderança, em conjunto com o seu irmão [O F], dedicando-se, de forma estável, à narcotraficância internacional, por meio da negociação de entorpecentes provenientes da Bolívia.
Dessa forma, devidamente fundamentada a condenação, a pretensão de absolvição demandaria, necessariamente, o revolvimento do conteúdo fático-probatório dos autos, providência inviável em sede de recurso especial (Súmula 7/STJ).
Ilustrativamente:
“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS, ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO, ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. MATERIALIDADE E AUTORIA. SÚMULA 7 DO STJ. DOSIMETRIA DA PENA. PENA-BASE RAZOÁVEL E PROPORCIONAL. QUANTIDADE DE DROGA. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. TIPOS PENAIS AUTÔNOMOS. AGRAVOS IMPROVIDOS.
1. O acórdão recorrido concluiu pela consistência do conjunto probatório para amparar a condenação, bem como pela comprovação da estabilidade e permanência para o delito de associação para o tráfico, para se chegar à conclusão diversa, seria necessário o reexame de todo o conjunto fático-probatório, o que é vedado em recurso especial, tendo em vista o óbice da Súmula 7/STJ.
2. Quanto à condenação pelos crimes de associação para o tráfico e de organização criminosa, já decidiu esta Corte que 'Sendo autônomos os tipos penais descritos nos arts. 35, caput, (...) da Lei n. 11.343/06 e no artigo 2º, caput, da Lei 12.850/13, correta a denúncia pela prática de ambas as imputações' (RHC 80.688/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 07/03/2017, Dje 13/03/2017).
[...]
5. Agravos regimentais improvidos."
(AgRg no AREsp 1593941/TO, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 22/09/2020, DJe 29/09/2020, grifei).
"PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. ALEGADA INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. COMPROVADA AUTORIA E MATERIALIDADE. ANIMUS ASSOCIATIVO DEMONSTRADO. SÚMULA N. 7/STJ. DOSIMETRIA DA PENA. PENA-BASE FIXADA ACIMA DO MÍNIMO. CIRCUNSTÂNCIAS DESFAVORÁVEIS. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. Quanto ao crime de associação para o tráfico, vale destacar que, para a sua configuração, o fato deve ser revestido de caráter permanente e duradouro. In casu, consta dos autos que as provas colhidas, durante toda a investigação policial, notadamente, por meio das interceptações telefônicas, demonstram o animus associativo de estabilidade e permanência entre a agravante e os demais corréus para a prática do narcotráfico, ou seja, a apelante e os demais acusados tinham um esquema organizado para a comercialização das substâncias entorpecentes.
2. As instâncias de origem, soberanas na análise das provas dos autos, apresentaram substancial conjunto probatório que justificou a condenação da agravante pelo delito tipificado no art. 33, caput, e 35, caput, ambos da Lei n. 11.343/2006. A inversão do julgado, de maneira a fazer prevalecer o pleito absolutório, demandaria, necessariamente, revolvimento dos fatos e provas que instruem o caderno processual, o que encontra óbice na Súmula n. 7 do Superior Tribunal de Justiça.
[...]
4. Agravo regimental a que se nega provimento."
(AgRg no AREsp 1699205/AC, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 08/09/2020, DJe 15/09/2020).
Deste modo, inadmissível, no ponto, o recurso especial, ante a incidência da Súmula n. 7/STJ.
7. Da ausência de provas quanto aos crimes de lavagem de dinheiro (alegada violação ao art. 1º da Lei n. 9.613/1998):
O recorrente contesta, ainda, sua condenação pela prática de dois crimes de lavagem de dinheiro, ao argumento de ausência de provas.
Quanto crime envolvendo o veículo com placa QAA-2635, argumenta (fl. 111447): "[...] a ausência completa de dolo de ocultação ou dissimulação, até porque, desde que adquiriu o veículo, sempre esteve na posse, não havendo falar em qualquer tentativa de “lavar ativo” ou de dissimular produto de valores de origem ilícita."
Por sua vez, no que diz respeito à lavagem praticada por meio de uso de contas bancárias de terceiros, afirma (fl. 111452): "[...] não se verifica, a partir da leitura do v. acórdão combatido, qualquer elemento apto a ratificar a conclusão de que [O S C] de fato utilizava-se das contas de [A] e [C] para movimentar dinheiro, em tese, de origem espúria."
A Corte local manteve a condenação do recorrente nos seguintes termos (fls. 21473-21500):
"[...]
(iv.1) Imputação relacionada à ocultação de propriedade do veículo possuidor das placas QAA-2635 - art. 1°, caput, da Lei n° 9.613/1998. Compulsando o arcabouço fático-probatório existente nesta "Operação NEVADA", verifica-se que o automotor possuidor das placas QAA-2635, a despeito de estar formalmente registrado em nome de "[S R de M]", pertencia de fato a [O], estando, assim, caracterizado o ato de lavagem de dinheiro na justa medida em que o capital necessário para a aquisição era proveniente de crimes subjacentes perpetrados por [O] de tráfico internacional de drogas (justamente tendo como panorama de fundo aquela associação para a traficância transnacional em que figuravam como lideres as pessoas de [O F] e de [O], objeto de ampla digressão em tópico especifico e anterior deste voto).
Com efeito, a teor do "Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo - CRLV" e do "Certificado de Registro de Veiculo - CRV" materializados à fl. 3376 da Medida Cautelar n° 0007098-68.2014.403.6000, verifica-se que o automóvel em tela encontrava-se formalmente registrado em nome de "[S R de M]", apesar de se aferir dos autos, de maneira clarividente, que tal bem era de propriedade de [O], firmando-se tal convicção à luz de elementos trazidos à baila pelo próprio [O] em cotejo com outros dados fornecidos por [G DA S G] e pelo próprio "Saymon".
Nesse diapasão, conforme é possível ser inferido do ciclo de interceptação telefônica encartado às fls. 3349-3366 da Medida Cautelar nº 0007098-68.2014.403.6000, blitz policial foi realizada nos idos de 29 de maio de 2016, oportunidade em que parado exatamente o veículo ora em comento (que seguia em direção à fronteira com a Bolívia), cabendo destacar que [O], quando indagado pelo agente policial, foi assertivo ao indicar: (...) QUE vieram em uma camioneta Toyota Hilux de sua propriedade [...] Aliás, a confirmação da propriedade do automóvel em tela também foi realizada perante a autoridade judicante, momento em que [O], quando interrogado (fl. 4646 e mídia digital acostada à fl. 4649), declinou que teve um veiculo "Toyota" que estava em nome de "[S]", ressaltando que "[S]" trabalhava com o irmão dele (de "[S]"), fazendo serviços de ar condicionado, sendo que, em dado momento, [O] falou que estava com problemas em sua habilitação, de modo que "[S]" se ofereceu para colocar um veiculo em seu nome por apenas 01 (um) ano.
[...]
Outrossim, a versão acima restou corroborada pelos termos do interrogatório judicial de [G DA S G] (fl. 4653 e mídia digital acostada à fl. 4656), oportunidade em que este destacou que, em relação ao veiculo "Toyota" placas QAA-2635, sabia que ele era de propriedade de [O] e que estava em nome de "[S]", salientando, ademais, que [O] perguntou se "[S]" poderia colocar o veículo em seu nome, não sabendo o motivo para tanto.
Há que ser pontuado, ainda, que o surgimento da pessoa de "[S]" ocorreu nos instantes finais da fase investigativa desta "Operação NEVADA", sendo pertinente mencionar que a testemunha "[F A M]" (fl. 3879 e mídia digital acostada à fl. 3880) bem esclareceu a existência de liame entre [O] e "[S]" (fazendo, para tanto, uma correlação com "[A L]" e seu papel na empreitada criminosa) - a propósito: sobre a conexão existente entre "[A L", [O F], [O] e [O], declinou que "[A L]" tinha ligação praticamente com todos os alvos da operação, pois comprava automóveis para eles, movimentava dinheiro (por exemplo, em favor de "[L]"), colocava os veículos em seu próprio nome ou em nome de sua empresa "I9" ou em nome de "[C]" (sua ex-esposa), sendo que, ao final, passou a colocar os automotores em nome de "[S]" - acrescentou também que o nome de "[S]" surgiu no final da operação em razão da parada de uma "Hilux" dirigida por [O] (veículo que este disse ser seu, porém estava registrada em nome de "[S]").
Portanto, plenamente demonstrada a ocultação da propriedade do veiculo automotor possuidor das placas QAA-2635 por parte de [O], sendo imperioso destacar que, quando de sua aquisição, empregou numerário proveniente de delitos de tráfico internacional de droga (oriundos do núcleo associativo que encabeçava conjuntamente com seu irmão [O F]).
[...]
(iv.2) Imputação relacionada à utilização de contas bancárias de terceiras pessoas para movimentação de recursos advindos do tráfico internacional de drogas - art. 1°, caput e § 4°, da Lei n° 9.613/1998. Conforme já aduzido, a autoridade policial, no curso desta "Operação NEVADA", apresentou Representação ao MM. Juízo da 3ª Vara Federal Criminal de Campo Grande/MS (especializada em Crimes de Lavagem de Dinheiro, Ocultação de Bens e Valores e em Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional) por meio da qual pugnou, para além de outras medidas investigativas, pelo afastamento dos sigilos bancário e fiscal dos então alvos da investigação, cabendo ressaltar que a autoridade judicante, nos termos da r. decisão exarada à ft 2796 da Medida Cautelar n° 0007098-68.2014.403.6000, determinou suas respectivas autuações em apartado, dando ensejo, assim, a formação dos Autos n°s 0002783-26.2016.403.6000 (para fins de deliberação do pleito de afastamento do sigilo bancário) e 0002784-11.2016.403.6000 (para fins de deliberação do pleito de afastamento do sigilo fiscal). Há que se pontuar, ainda, que o magistrado monocrático deferiu as 02 (duas) pretensões (a teor das r. decisões constantes às fls. 273/284 do Feito n° 0002783-26.2016.403.6000 e fls. 270/280 do Feito n° 0002784-11.2016.403.6000).
Antes, contudo, dos r. provimentos judiciais indicados, o Delegado de Polícia Federal já tinha apresentado Representação com o mesmo escopo de afastamento dos sigilos declinados (porém, englobando período menor), o que culminou na instauração do Feito n° 0013129-07.2014.403.6000, de onde se infere a existência de r. decisão acolhendo a pretensão investigativa (fls. 22/24 do Feito n° 0013129-07.2014.403.6000). Tendo como base esta última r. decisão, foi possível cotejar os dados bancários dos envolvidos com as informações fiscais prestadas à Receita Federal do Brasil, tendo a autoridade policial sintetizado a conclusão de tal cotejo no bojo da Representação encartada às fls. 805/814 da Medida Cautelar n° 0007098-68.2014.403.6000 - a propósito:
[...]
Aliás, a inferência de que os irmãos [O] e [O F] (líderes de uma das associações para a traficância internacional apreciada ao longo deste voto) lançavam mão de contas correntes de "laranjas" (especialmente do casal "[A L" e "[C]") para a movimentação da fortuna que amealharam por meio do tráfico internacional de droga vem baseada em uma série de diálogos interceptados com autorização judicial ao longo da fase investigativa desta "Operação NEVADA" - a propósito, mostra-se pertinente elencá-los:
(a) A teor do ciclo de interceptação telefônica materializado no documento acostado às fls. 287/326 da Medida Cautelar n° 0007098-68.2014.403.6000, houve a captação de diálogo realizado em 02 de outubro de 2014 por meio do qual "[A L]" é contatado por pessoa funcionária de uma instituição fininceira a respeito de um saque no valor de R$ 210.000,00 (duzentos e dez mil reais), cabendo destacar que "[A L]" deu como justifiçativa que faria o pagamento de um "empréstimo" junto ao "tio" de sua esposa. Importante pontuar que, em tal ocasião, "[A L]" mantinha relacionamento afetivo com "[C C A P]", sobrinha de [O F] e de [O], sendo sintomática a movimentação de recursos financeiros de vulto justamente pela conta corrente de "[A L]" tendo como beneficiários finais os irmãos [O F] e [O];
(b) Ainda a teor do ciclo de interceptação telefônica materializado no documento acostado às fls. 287/326 da Medida Cautelar n° 0007098-68.2014.403.6000, houve a captação, ao longo do dia 24 de outubro de 2014, de uma sequência de conversas em que imbricados [G DA S G], [O F] e "[R]", destacando-se que "[R]" pede para falar com [O F] ou com [O] a respeito de dinheiro que "[A L]" tinha ficado de lhe entregar - posteriormente, "[R]" comenta com [O F] que o valor que tinha a receber de "[A L]" era de R$ 65.000,00 (sessenta e cinco mil reais) e que "[A L]" queria pagar em dólares - passado algum tempo, o próprio [O F] combina de encontrar "[R]" para entregar- lhe o numerário - ao cabo, "[R]" telefona para [G] chorando e fala que [O F] não poderia encostar um dedo sequer em sua pessoa (o que tem o condão de denotar que [O] a agrediu).
[...]
Para o que interessa à imputação ora em apreciação, nota-se que "[R]" procurou a pessoa de "[A L]" para ver-se paga da quantia de R$ 65.000,00 (sessenta e cinco mil reais), cifra esta que, na realidade, era devida por [O F]/[O] (tanto que "[R]" procurou contato com um deles, sendo que, ao depois, [O F], após desencontro ocorrido em razão de "A L" querer saldar o importe por meio da entrega de dóláres, prontamente providenciou o numerário em moeda nacional corrente) - nessa medida, vislumbra-se cabalmente que o dinheiro pertencente a [O F]/ [O], auferido, pedindo-se vênia pela repetição, por força do tráfico internacional de droga, transitava por meio da pessoa de "[A L]" (haja vista uma credora justamente procurar por "[A L]" para ver-se paga por dívida contraída por [O F]/ [O]).
(c) A teor do ciclo de interceptação telefônica materializado no documento acostado às fls. 815/877 da Medida Cautelar n° 0007098-68.2014.403.6000, houve a captação de diálogo realizado em 23 de janeiro de 2015 por meio do qual "[A L]" é contatado por pessoa funcionária de uma instituição financeira acerca de cheques que foram depositados em sua conta cuja somatória ultrapassava a cifra de R$ 900.000,00 (novecentos mil reais) - em tal oportunidade, "[A L]" declinou justificativa no sentido de que tinha recebido uma comissão decorrente da venda de um imóvel rural, sendo que, ao cabo do telefonema, asseverou que seu patrimônio seria de aproximadamente R$ 4.000.000,00 (quatro milhões de reais) dos quais algo como R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais) estavam alocados em veículos.
[...]
Nesse diapasão, a análise do diálogo ora em comento em cotejo com outros elementos probatórios mostra-se evidenciador de que as contas bancárias de "[A L]" eram empregadas para ocultar a propriedade de dinheiro oriundo do tráfico internacional de drogas encabeçado pelos irmãos [O] e [O F]. Aliás, não é despropositado relembrar que o próprio "[A L]", quando reinquirido pela Policia Federal (fls. 1570/1571 desta Ação Penal - transcrição integral do ato já realizada no inicio deste voto), indicou expressamente ter cedido sua conta bancária para o recebimento de valor relacionado à venda de uma fazenda pertencente a [O F] - a propósito: (..) QUE o depósito de R$ 1.000.000,00 feito em sua conta corrente foi referente à venda de uma fazenda na região de Bonito/MS pertencente a [O F]; QUE foi [O F] quem lhe deu o cheque com o referido valor; QUE acredita que o dinheiro foi sendo sacado posteriormente e entregue a [O] (.) - destaques em caixa alta no original e em negrito nossos.
(d) Ainda a teor do ciclo de interceptação telefônica materializado no documento acostado às fls. 815/877 da Medida Cautelar n° 0007098-68.2014.403.6000, houve a captação de diálogo também realizado em 23 de janeiro de 2015 por meio do qual "[A L]" conversa com sua então namorada e/ou esposa "[C]" (sobrinha de [O] e de [O F]), oportunidade em que, diante da consternação demonstrada por "Camila" em razão de um depósito realizado em conta corrente no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais), "[A L]", na tentativa de acalmá-la, indica que movimentava R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) por mês em sua própria conta.
[...]
(e) A teor do ciclo de interceptação telefônica materializado no documento acostado às fls. 1326/1327 e 1336/1412 da Medida Cautelar n° 0007098-68.2014.403.6000, houve a captação de diálogo realizado em 07 de maio de 2015 por meio do qual "[A L]" informa a "[C]" a respeito de uma "dívida" que tinha com [O], oportunidade em que declinou a existência de vários cheques que, ao que indicava, necessitavam ser compensados em benefício de [O] (nos valores de R$ 125.000,00 - cento e vinte e cinco mil reais, R$ 40.000,00 - quarenta mil reais, R$ 20.000,00 - vinte mil reais e R$ 15.000,00 - quinze mil reais);
(f) A teor do ciclo de interceptação telefônica materializado no documento acostado às fls. 1820/1889 da Medida Cautelar n° 0007098-68.2014.403.6000, houve a captação de diálogo realizado em 21 de agosto de 2015 por meio do qual um funcionário do "Banco HSBC" (gerente da instituição) informa "[A L]" que sua conta seria encerrada em razão de indícios de lavagem de dinheiro e de fraude (justamente porque a movimentação financeira executada por meio da tal conta seria suspeita), cabendo destacar que "[A L] confirma que a origem do numerário constante da conta era paraguaia, argumentando que sempre recebia valores como, por exemplo, R$ 70.000,00 (setenta mil reais) ou R$ 100.000,00 (cem mil reais) - [...]
Destaque-se, por oportuno, que as contas de "[A L]" (tanto pessoa física como pessoa jurídica) foram, de fato, encerradas pelo "Banco HSBC", uma vez que, tendo como base diálogos captados no ciclo de interceptação telefônica materializado no documento encartado às fls. 1929/1999 da Medida Cautelar n° 0007098-68.2014.403.6000, houve a gravação de conversas em que "[A L]" passou a indicar as contas correntes de seu pai ("["C A]") e de um funcionário da "19" ("[J L F M") para creditamento de numerário. Ademais, conforme é possível depreender da Representação protocolizada pela Autoridade Policial às fls. 1917/1928 da Medida Cautelar n° 0007098-68.2014.403.6000, (...) [A L] movimentou, entre os anos de 2011 a 2014, mais de R$ 8.000.000,00 em contas correntes de sua titularidade e de sua pessoa jurídica, apesar de não possuir declaração de IR no período em questão, tendo sido sua conta corrente no banco HSBC encerrada compulsoriamente por orça de movimentação financeira suspeita
[...]
Sem prejuízo de tudo o que se indicou até o presente momento, há que ser pontuado, ainda, que "[C C A P]" (sobrinha de [O] e de [O F]), quando ouvida por força do cumprimento de Mandado de Condução Coercitiva (fls. 501/508 desta Ação Penal), asseverou expressamente o que segue: (...) QUE perguntada se confirma a qualidade de [A L] de 'Testa de Ferro' da ORCRIM coordenada por seus tios [O], [O] e [O], RESPONDEU QUE não confirma tal fato; QUE já ouviu falar isso na cidade; (...) QUE perguntada se emprestou sua conta corrente para as citadas movimentações, chegando a orientar [A] (sic) que os depósitos que ultrapassem R$ 100.000,00, fossem feitos 'picados' de forma a evitar comunicações compulsórias aos órgãos de controle, RESPONDEU QUE emprestou a conta corrente para [A L] (sic), porque [A L] (sic) havia recebido R$ 165.000,00 da venda de uma caminhonete; QUE a interrogada, quando foi abrir sua conta bancária, foi orientada pela gerente a não fazer depósitos superiores a R$ 100.000,00 (cem mil reais) porque a Receita Federal seria informada; QUE por tal motivo, orientou [A L] (sic) a depositar o que ultrapassasse R$ 100.000,00 (cem mil reais) na conta corrente da interrogada (.) - destaques em caixa alta no original e em negrito nossos.
Portanto, à luz de todos os elementos fático-probatórios trazidos à colação, verifica-se cabalmente que [O] (bem como seu irmão [O F]) ocultou a propriedade de recursos que obteve por meio de atividade ilícita (tráfico internacional de drogas), utilizando-se, para tanto, de contas bancárias de terceiras pessoas (de "[A L]" e de "[C]") para suas respectivas movimentações - desta feita, de rigor a manutenção de sua condenação às penas do delito de lavagem de dinheiro." (grifei)
Os trechos transcritos, para além dos demais elementos de provas mencionados pelas instâncias ordinárias, evidenciam, de maneira muito clara, que a condenação do recorrente pela prática dos crimes de lavagem de capitais mostra-se satisfatoriamente fundamentada, não havendo espaço para que seja acolhida, na via do recurso especial, a pretensão absolutória.
Com amparo em consistente conjunto probatório produzido no âmbito da "Operação Nevada", com destaque para as informações colhidas por meio de quebra de sigilo telefônico, avaliadas em conjunto com a prova documental e depoimentos colhidos (na fase investigativa e em juízo), conclui-se que o recorrente, com o objetivo de ocultar valores de origem criminosa (provenientes do tráfico internacional de drogas), se utilizou de um "laranja" para não ser identificado como real proprietário de veículo automotor (prática, como visto, também utilizada por outros integrantes do grupo criminosa), assim como se valia das contas bancárias de [A L] e da namorada/esposa deste ([C]) para viabilizar a movimentação de valores milionários advindos dos negócios ilícitos mantidos pela associação liderada por ele e por seu irmão [O F].
O contexto descrito revela, mais uma vez, que a pretensão recursal encontra-se interditada pela Súmula n. 7/STJ, já que o seu acolhimento dependeria, necessariamente, de amplo revolvimento fático-probatório, não havendo que se falar em mera revaloração jurídica das provas levadas em consideração para a condenação.
Sobre o tema:
"DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS. PRORROGAÇÕES FUNDAMENTADAS. CONDENAÇÃO POR LAVAGEM DE DINHEIRO E ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA. DOSIMETRIA DA PENA. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME
1. Agravo regimental interposto por Salvador Costa Arostegui contra decisão monocrática que conheceu em parte do recurso especial e, nesta extensão, negou-lhe provimento. A parte agravante sustenta a nulidade das interceptações telefônicas prorrogadas sem fundamentação específica, a ausência de provas suficientes para a condenação por lavagem de dinheiro e associação criminosa, além da desproporcionalidade na dosimetria da pena.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
2. Há três questões em discussão: (i) verificar a legalidade das sucessivas prorrogações das interceptações telefônicas; (ii) examinar se há provas suficientes para a condenação por lavagem de dinheiro e associação criminosa; (iii) avaliar a adequação da dosimetria da pena.
III. RAZÕES DE DECIDIR
3. As prorrogações das interceptações telefônicas possuem fundamentação específica, sendo justificadas pela complexidade dos crimes investigados, o elevado número de envolvidos e o alcance internacional dos atos ilícitos.
4. As interceptações não foram utilizadas isoladamente, mas em conjunto com outros meios de prova, como a atuação das polícias brasileira e espanhola e decisões cautelares devidamente fundamentadas.
5. A revisão das provas para afastar a condenação por lavagem de dinheiro e associação criminosa exigiria reexame do conjunto fático-probatório, o que é vedado pela Súmula 7 do STJ.
6. A dosimetria da pena foi estabelecida de acordo com os precedentes da Corte, não havendo desproporcionalidade ou fundamentação insuficiente.
IV. DISPOSITIVO E TESE
7. Agravo regimental desprovido."
(AgRg no REsp n. 2.173.544/RN, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 26/2/2025, DJEN de 7/3/2025, grifei)
"AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL. ESTELIONATO. LAVAGEM DE DINHEIRO. DECISÃO DE INADMISSIBILIDADE. MÚLTIPLOS FUNDAMENTOS. IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA. AUSÊNCIA. SÚMULA 182/STJ. REEXAME DE PROVAS. INADMISSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA. SÚMULA 83/STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. COTEJO ANALÍTICO. AUSÊNCIA. PRECLUSÃO CONSUMATIVA. INOVAÇÃO RECURSAL. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. É inviável o agravo que deixa de atacar especificamente todos os fundamentos da decisão agravada. A ausência de impugnação a qualquer fundamento autônomo e suficiente atrai a incidência da Súmula 182/STJ.
2. A decisão de inadmissibilidade do recurso especial possui dispositivo único e incindível, não comportando impugnação parcial, devendo ser atacada em sua integralidade, conforme precedente da Corte Especial.
3. A pretensão de modificar conclusões do acórdão recorrido sobre a potencialidade lesiva de documentos falsificados, a existência de dolo e a configuração da dissimulação na lavagem de dinheiro demanda reexame do conjunto fático-probatório, vedado pela Súmula 7/STJ.
4. Não se conhece do recurso especial quando a jurisprudência invocada não guarda similitude fática com o caso concreto ou quando a tese defendida encontra-se em consonância com o entendimento desta Corte (Súmula 83/STJ).
5. A demonstração do dissídio jurisprudencial não prescinde do cotejo analítico entre os julgados, com indicação precisa das circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados, não bastando alegações genéricas.
6. É inviável suprir em agravo regimental as deficiências existentes na fundamentação do agravo em recurso especial, em razão da preclusão consumativa.
7. Agravo regimental desprovido."
(AgRg nos EDcl no AREsp n. 2.703.592/RS, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 10/6/2025, DJEN de 16/6/2025, grifei)
Assim, também quanto à suposta violação ao art. 1º da Lei n. 9.613/1998, mostra-se inadmissível o recurso especial, por força da Súmula n. 7/STJ.
8. Das supostas ilegalidades verificadas na dosimetria das penas:
Em caráter subsidiário, requer o recorrente o reconhecimento de ilegalidades verificadas no processo de cálculo das penas.
Defende, consoante já relatado, afronta aos seguintes dispositivos legais: a) art. 59, do CP - indevida exasperação da pena-base relativamente ao crime de associação para o tráfico de drogas, não havendo justificativa para a valoração negativa da culpabilidade; b) art. 40, I, da Lei n. 11.343/2006 - já que ausente a prova da transnacionalidade; c) art. 1º, § 4º, da Lei n. 9.613/1998 - afastamento da causa de aumento por ausência de prova do uso das contas bancárias de terceiros com o objetivo de ocultação de valores provenientes de crime; d) art. 71 do CP - necessário reconhecimento de continuidade delitiva entre os crimes de lavagem de dinheiro; e) art. 1º, § 4º, da Lei n. 9.613/1998 - não reconhecida a continuidade delitiva entre os crimes de lavagem, necessário seria a incidência da causa de aumento prevista no dispositivo legal; f) art. 49, § 1º, do CP - desproporcionalidade da pena de multa.
Como é cediço, a individualização da pena é uma atividade em que o julgador está vinculado a parâmetros abstratamente cominados pelo legislador, sendo-lhe permitido, entretanto, atuar discricionariamente na escolha da sanção penal aplicável ao caso concreto, após o exame percuciente dos elementos do delito, e em decisão motivada. Destarte, cabe às Cortes Superiores, apenas, o controle de legalidade e da constitucionalidade dos critérios utilizados no cálculo da pena.
Adotado o sistema trifásico pelo legislador pátrio, na primeira etapa do cálculo, a pena-base será fixada conforme a análise das circunstâncias do art. 59 do Código Penal.
No tocante à culpabilidade, para fins de individualização da pena, tal vetorial deve ser compreendida como o juízo de reprovabilidade da conduta, ou seja, o menor ou maior grau de censura do comportamento do réu, não se tratando de verificação da ocorrência dos elementos da culpabilidade, para que se possa concluir pela prática ou não de delito.
Destaque-se, ainda, que a "jurisprudência desta Corte Superior de Justiça é no sentido de que a pena-base não pode ser fixada acima do mínimo legal com fundamento em elementos constitutivos do crime ou com base em referências vagas, genéricas, desprovidas de fundamentação objetiva para justificar a sua exasperação." (AgRg no AREsp n. 2.213.143/PR, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 06/12/2022, DJe 14/12/2022).
Ademais, é firme a jurisprudência desta Corte Superior no sentido de que "não existe critério matemático obrigatório para a fixação da pena-base. Pode o magistrado, consoante a sua discricionariedade motivada, aplicar a sanção básica necessária e suficiente à repressão e prevenção do delito, pois as infinitas variações do comportamento humano não se submetem, invariavelmente, a uma fração exata na primeira fase da dosimetria" (AgRg no HC 563.715/RO, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 15/9/2020, DJe 21/9/2020).
As questões relacionadas à dosimetria das penas aplicadas ao recorrente, readequadas pela Corte local, constam das fls. 21556-21576 do acórdão recorrido.
Quanto à valoração negativa da culpabilidade, a Corte consignou o que segue (fls. 21562-21563):
"[...]
(i.2) No que toca à valoração negativa do vetor da "culpabilidade" (exclusivamente em relação ao crime de associação para a traficância internacional de drogas), há que ser pontuado que o magistrado monocrático enxergou tal rubrica como exacerbada à luz de que o grupo que [O] participava tinha grande potencial lesivo e movimentava altíssima quantidade de dinheiro (como aquele apreendido na casa de US$ 1.309.300,00 - um milhão, trezentos e nove mil e trezentos dólares), destacando, ademais, especificamente em relação ao acusado em tela, que ele era o "braço direito" de [O F], exercendo, assim, posição de coliderança.
Com efeito, compulsando o arcabouço fático-probatório constante dos autos (que, inclusive, já foi objeto de enorme digressão por parte deste Desembargador Federal Relator quando da análise dos elementos que permitiram a manutenção da condenação de [O] às penas do art. 35 c. c. art. 40, I, da Lei n° 11.343/2006), nota-se, de fato, que o grupo criminoso tinha um potencial lesivo que exige apenamento mais severo na justa medida em que intermediava carregamentos de cocaína boliviana de extremo vulto (a ponto de haver o transporte de aproximadamente US$ 1.300.000,00 - um milhão e trezentos mil dólares, cifra esta que, convertida pela taxa de câmbio vigente ao tempo dos fatos, redundava na extraordinária quantia de R$ 5.159.595,32 - cinco milhões, cento e cinquenta e nove mil, quinhentos e noventa e cinco reais e trinta e dois centavos). Portanto, o caso concreto não está a retratar uma infelizmente "trivial" associação para a narcotraficância internacional, mas, sim, uma organização criminosa "maior" e "mais desenvolvida" do que aquelas que permitiriam, de acordo com os critérios prevalentes na jurisprudência, a cominação de pena-base no mínimo legal.
Consigne-se, por oportuno, que a justificativa apresentada pelo magistrado monocrático não se mostrava genérica e sequer levou em conta elementos insitos à tipificação do crime (à luz de que particularizou os meandros da organização para aumentar a reprimenda, ressaltando-se que o crime já se encontrava tipificado e que nem toda associação para a traficância internacional possui a capacidade econômico-financeira denotada). Especificamente no que tange à argumentação de que [O] não teria sido denunciado pelo transporte de aproximadamente US$ 1.300.000,00 (um milhão e trezentos mil dólares), de fato, ele não o foi, porém, nos termos já indicados, a imputação autônoma do delito de lavagem tendo tal cenário como panorama de fundo não se sustenta (justamente porque o transporte era um dos atos componente do iter criminis de uma traficância efetiva) e, nessa medida, plenamente viabilizada a valoração de tal evento para fins de majoração da pena-base afeta ao crime associativo sob o manto da vetorial da "culpabilidade".
Ademais, infere-se dos autos que [O] exercia, sim, uma coliderança ao lado de seu irmão [O F] no seio da associação para o narcotráfico internacional que fundaram, aspecto que, à míngua de não ser suficiente para fins de assentamento da agravante disposta no inciso I do art. 62 do Código Penal, pode e deve ser valorada na 1ª etapa da dosimetria penal (sob o manto da rubrica da "culpabilidade"). Dentro de tal contexto, refuta-se a pretensão defensiva de afasatmento da valoração negativa da rubrica da "culpabilidade" em sede do delito de associação para a traficância internacional." (grifei)
A toda evidência, a culpabilidade foi valorada negativamente diante de fatos concretos que indicam maior grau de reprovabilidade da conduta, em especial diante da capacidade financeira demonstrada pela associação criminosa, responsável por movimentações milionárias envolvendo a narcotraficância internacional, assim como diante da posição de destaque exercida pelo recorrente no grupo criminoso, que atuaria como "braço-direito" do seu irmão, apontado como líder principal da associação.
Longe de se apoiar em elementos inerentes ao tipo penal, a exasperação da pena-base levou em consideração, de um lado, o poderio econômico revelado pela associação criminosa (o que decorre não apenas da citada apreensão em valor aproximado de US$ 1.300.000,00 - um milhão e trezentos mil dólares - mas de todo o conjunto probatório mencionado no voto) e, de outro, o nível de participação do recorrente, que exerceria a coliderança do grupo.
O recorrente reitera, ainda, a tese de que não haveria prova satisfatória da transnacionalidade do delito de associação criminosa, pelo que injustificada a incidência da causa de aumento de pena prevista no art. 40, I, da Lei n. 11.343/2006.
Sobre o ponto, assim concluiu a Corte local (fl. 21564):
"[...]
A despeito das ilações defensivas, simplesmente impossível dar azo ao pedido de afastamento da causa de aumento de pena prevista no inciso I do art. 40 da Lei n° 11.343/2006. Firma-se tal convicção à luz de que restou plenamente demonstrada que a associação para o tráfico coliderada por [O] (em parceria com seu irmão [O F]) tinha por atividade precípua o narcotráfico de cocaína boliviana, cabendo ser rememorada a existência de um comparsa em solo boliviano com o desiderato de proceder ao desembaraço do estupefaciente ("caminhar" a droga): "[F M R]". Como se não bastasse o que se acabou de indicar, [O] e [O F] (por meio de seu grupo) faziam exatamente o papel de intermediação entre os fornecedores bolivianos de estupefaciente e o comprador de droga localizado na Grande São Paulo ([A]), aspecto que corrobora a constatação de plena incidência da causa de aumento ora em apreciação ao caso concreto. Indefere-se, portanto, o requerimento defensivo."
De fato, nada justifica o pretendido afastamento da causa de aumento.
Isso porque, conforme já assentado ao reconhecer a competência da Justiça Federal para processar e julgar a demanda, o acolhimento da tese recursal, no sentido de que não haveria provas suficientes da transnacionalidade do delito, demandaria inevitável reexame do conjunto fático-probatório, providência incabível em sede de recurso especial, consoante orienta a Súmula n. 7/STJ.
Por razões semelhantes, inviável o afastamento da causa de aumento de pena prevista no art. 1º, § 4º, da Lei n. 9.613/1998, ao fundamento de uma suposta ausência de provas do uso de contas bancárias de terceiros para movimentação de valores provenientes da narcotraficância internacional.
No ponto, destacou a Corte local (fls. 21565-21568):
"[...]
Com efeito, diferentemente do sustentado pela defesa, colhe-se da exordial apresentada nesta persecução penal a menção aos valores que, segundo a visão do órgão acusatório, supedaneavam a imputação de lavagem de dinheiro por meio da utilização de contas bancárias de terceiras pessoas para movimentação de recursos advindos do tráfico internacional de drogas - cite-se, a propósito, que o Parquet federal indicou expressamente que as contas de "[A L]" e de sua empresa teriam movimentado, entre 2011 e 2015, a quantia aproximada de R$ 14.000.000,00 (catorze milhões de reais), destacando que, apenas na conta mantida junto ao "Banco HSBC", teriam transitado R$ 7.935.775,76 (sete milhões, novecentos e trinta e cinco mil, setecentos e setenta e cinco reais e setenta e seis centavos), sem se descurar da indicação do pagamento de R$ 130.000,00 (cento e trinta mil reais) de [O F] a então namorada/esposa "[L]" via recursos custodiados por "[A L]".
[...]
Portanto, mendaz a alegação defensiva de que, por não ter havido a descrição em qualquer peça processual do quantum que teria sido movimentado por meio de contas de terceiras pessoas e tampouco a identificação das operações financeiras em questão, deveria ser afastada a causa de aumento de pena prevista no § 4º do art. 1° da Lei n° 9.613/1998. Aliás, há que ser pontuado, ainda, que a defesa de [O], quando pugnou pela absolvição de seu cliente em tópico específico de suas razões de Apelação (vide, a propósito, fls. 8715/8726 desta Ação Penal), fez inclusive um cotejo entre os tais R$ 14.000.000,00 (catorze milhões de reais) e a quantia que perícia particular tinha encontrado como sendo "fruto de atividade legítima desempenha por "[A L]" (R$ 12.400.000,00 - doze milhões e quatrocentos mil reais), razão pela qual, também sob tal perspectiva, não se verifica como prosperar a alegação de que "não se tinha como saber o quantum supostamente movimentado por meio de terceiras pessoas".
Indo adiante, no que se refere ao conteúdo de "perícia particular" que teria o condão de demonstrar que os valores que transitaram em contas pertencentes a "[A L" e a "[C]" seriam oriundos da atividade comercial (licita) de "[A L]", cumpre salientar que tal temática já foi exaustivamente enfrentada por este Desembargador Federal Relator quando da análise da imputação, de molde que se remete o leitor ao item "(iii.4)" deste voto. Apenas a título rememorativo, naquela oportunidade, restou analisado "anexo" por "anexo" que compunha a tal "perícia particular", tendo sido possível chegar à conclusão de que a exorbitante maioria de "documentos" que supostamente serviriam à demonstração de "compras" e de "vendas" de veículos automotores por parte da empresa de "[A L]" encontrava-se sem qualquer assinatura ou rubrica (seja do vendedor, seja do comprador), materializando, assim, meras folhas de sulfite com conteúdo impresso sem qualquer valor probante - nessa toada, a própria força probatória da tal "perícia particular" restou por demais acanhada à luz de que ela se baseava em "documentos" que não comprovavam nada.
Sem prejuízo, os únicos dados fidedignos extraídos dos "anexos" da "perícia particular" referem-se aos valores (completamente sem lastro legítimo) que foram movimentados por meio das contas mantidas por "[A L]" ao longo do intervalo compreendido entre 2012 e 2016: " entradas de recurso" no importe de R$ 12.000.622,86 (doze milhões, seiscentos e vinte e dois reais e oitenta e seis centavos) e "saídas de recursos" no valor de R$ 11.991.942,05 (onze milhões, novecentos e noventa e um mil, novecentos e quarente e dois reais e cinco centavos), cifras estas muito próximas da elencada pelo Parquet federal. Importante frisar que o juízo de "fidedignidade" mencionado tem por base a constatação de que tais importâncias foram obtidas de extratos bancários afetos a "[A L]", extratos estes que sequer podem configurar "inovação processual", uma vez que a autoridade judicante monocrática, em 02 (duas) oportunidades, deferiu o afastamento do sigilo bancário (e também do fiscal) dos então alvos desta "Operação NEVADA".
Assim, forte na constatação de que restou efetivamente demonstrada a reiteração da lavagem de dinheiro oriundo do narcotráfico internacional por meio de movimentações financeiras realizadas através de contas correntes de terceiras pessoas (a ponto de não haver explicação - lícita e/ou legal - a supedanear transações que redundaram aproximadamente em R$ 12.000.000,00 - doze milhões de reais), mostra-se imperiosa a manutenção da causa de aumento de pena disposta no art. 1°, § 4°, da Lei n° 9.613/1998." (grifei)
A tese defensiva, como se percebe, funda-se, novamente, no argumento de que não haveria nos autos provas suficientes da utilização, de forma reiterada, de contas bancárias de terceiros para a movimentação de valores provenientes da narcotraficância internacional.
Todavia, conforme já destacado no tópico em que rechaçada a tese absolutória relativa ao crime de lavagem de dinheiro, o exame da pretensão veiculada pelo recorrente demanda, necessariamente, revolvimento do conjunto fático-probatório, providência vedada pela Súmula n. 7/STJ.
Ainda no que diz respeito à dosimetria de pena, argumenta o recorrente que não haveria justificativa para o reconhecimento de concurso material entre os dois crimes de lavagem de capitais, sendo imperiosa a incidência da regra da continuidade delitiva (art. 71 do CP), ou a mera aplicação da causa de aumento prevista no art. 1º, § 4º, da Lei n. 9.613/1998 sobre a pena de um dos crimes de lavagem.
Sem razão o recorrente.
A questão foi assim enfrentada pelo acórdão impugnado (fl. 21568):
"[...]
A despeito da construção elaborada por [O], mostra-se defeso anuir-se a ela na justa medida em que eclode dos autos a existência de 02 (duas) formas (completamente distintas, diga-se de passagem) empregadas por sua pessoa para escamotear o lucro da atividade de narcotraficância subjacente, o que culmina na imperiosa necessidade de se reconhecer delitos apartados (mediante a incidência da regra do cúmulo material de penas). Conforme bem pontuado pelo magistrado sentenciante, o emprego de plúrimos meios de lavagem tinha por escopo permitir o bom sucesso dos atos de dissimulação/ocultação patrimonial ao estilo de que não é aconselhável colocar "todos os ovos na mesma cesta" - dentro de tal contexto, ao diversificar os mecanismos de lavagem (ora por meio de veiculo, ora por meio da utilização de contas correntes de terceiras pessoas), [O] deliberadamente optou por não correr risco em se lavar ativos oriundos do tráfico internacional de uma única maneira e, nessa medida, deve arcar com os ônus de tal diversificação: aplicação da regra estampada no art. 69 do Código Penal.
[...]
Isso porque o único contexto que permite a visualização de uma reiteração nos atos de lavagem de dinheiro proveniente do tráfico internacional de drogas, o que foi reconhecido pela autoridade judicante quando da prolação de sua r. sentença penal condenatória, refere-se àquele em que movimentadas quantias, ao longo de dado período de tempo juridicamente relevante, em contas titularizadas por terceiras pessoas ("[A L]" e "[C]"), cabendo destacar que, no outro cenário, o ato tido como de branqueamento é pontual e, portanto, individualizado (ocultação da propriedade de 01 - um - veículo automotor), escapando, portanto, da ideia de reiteração/habitualidade que perfaz a causa de aumento contida no § 4º do art. 1° da Lei n° 9.613/1998. Ademais, como os mecanismos de lavagem eram diversificados, também sob tal perspectiva há óbice para o assentamento de que havia "reiteração" de um especifico modus de branqueamento de capital (o que, reitere-se, somente ocorreu no bojo daquelas movimentações financeiras em contas de terceiro a que já foi feita alusão). Afasta-se, assim, a pretensão defensiva." (grifei)
Constata-se, portanto, que a Corte de origem, de forma fundamentada, entendeu pela impossibilidade de reconhecimento da continuidade delitiva entre os dois crimes de lavagem de capitais imputados ao recorrente uma vez que praticados de formas "completamente distintas", ora ocultando a propriedade de veículo por meio de um "laranja", ora se utilizando de contas bancárias de terceiros para viabilizar a movimentação dos recursos provenientes das atividades criminosas.
Desse modo, a diversificação dos mecanismos de lavagem de capitais, visando uma maior proteção ao patrimônio de origem ilícita, impediu, na visão das instâncias ordinárias, o reconhecimento dos elementos objetivos do art. 71 do Código Penal, justificando, por consequência, a incidência da regra do concurso material (art. 69 do Código Penal).
Ocorre que, a alteração da conclusão firmada no acórdão recorrido, de modo a compreender presentes os elementos caracterizadores do crime continuado, demandaria evidente reexame dos fatos e provas da causa, vedado nesta instância especial pela Súmula 7/STJ.
No mesmo sentido:
"PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. SÚMULA N. 182 DO STJ. AFASTAMENTO. CONDUÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR SOB INFLUÊNCIA DE ÁLCOOL OU OUTRA SUBSTÂNCIA PSICOATIVA. RESISTÊNCIA. DESACATO. PACTO DE SAN JOSÉ DA COSTA RICA. JURISPRUDÊNCIA ATUAL. SÚMULA N. 83 DO STJ. INCIDÊNCIA. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. INAPLICABILIDADE AO CASO CONCRETO. CRIME CONTINUADO. NÃO OCORRÊNCIA. SÚMULA N. 7 DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
[...]
6. O reconhecimento da caracterização do instituto da continuidade delitiva ou do crime continuado depende da verificação dos requisitos fáticos previstos no art. 71 do Código Penal. Incidência da Súmula n. 7 do STJ.
7. Agravo regimental desprovido".
(AgRg no AREsp 1764739/RJ, relator Ministro João Otávio de Noronha, Quinta Turma, julgado em 16/3/2021, DJe de 19/3/2021.)
"AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. CONTINUIDADE DELITIVA. LAPSO TEMPORAL. SÚMULA N. 7 DO STJ. AGRAVO DESPROVIDO.
[...]
2. Para desconstituir a conclusão alcançada pelo Tribunal local - de que foram preenchidos os requisitos para a incidência da continuidade delitiva -, seria necessário o reexame das provas acostadas aos autos, o que é vedado na análise do recurso especial, a teor da Súmula n. 7 do STJ.
3. Agravo regimental desprovido".
(AgRg no REsp n. 2.050.470/MG, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Sexta Turma, julgado em 22/4/2024, DJe de 25/4/2024.)
Reconhecido o concurso material entre o crime de lavagem decorrente da ocultação da propriedade de veículo e aquele caracterizado por meio do uso de contas bancárias de terceiros, não há falar, por óbvio, na incidência, neste específico contexto, da regra prevista no art. 1º, § 4º, da Lei n. 9.613/1998, consistente em causa de aumento aplicável apenas ao crime de lavagem cometido de forma reiterada (o que foi feito, validamente, no que diz respeito apenas à modalidade de lavagem viabilizada pelo uso sistemático de contas bancárias de terceiros).
Por fim, requer o recorrente (fl. 111464): "[...] reconhecimento da violação ao art. 49, §1º do Código Penal, pois ausente fundamentação idônea para aplicação do valor unitário em 1/5 do salário mínimo vigente à época dos fatos, ausente qualquer elemento concreto que no processo que o autorize, o que deveria ter sido expressamente referido na fundamentação da dosimetria."
Estabelece o art. 49, § 1º, do Código Penal: "O valor do dia-multa será fixado pelo juiz não podendo ser inferior a um trigésimo do maior salário mínimo mensal vigente ao tempo do fato, nem superior a 5 (cinco) vezes esse salário."
No caso, a Corte local referendou a sentença condenatória nos seguintes termos (fl. 21576):
"[...]
(b.5) Valor do dia-multa. Entendeu por bem a autoridade judicante fixar o valor do dia-multa em 1/5 do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos, importância esta que deverá ser atualizada monetariamente até o efetivo pagamento. Mostra-se extremamente razoável e consentânea com a prova dos autos a fixação de tal importe à luz da riqueza ostentada e possuída por [O]." (grifei)
Fixado o valor do dia-multa de acordo com a capacidade econômica do recorrente, aferida a partir de todo o conjunto probatório referido ao longo do acórdão recorrido (cabendo destacar que seria ele proprietário de casa e veículos de luxo), não há como, na via do recurso especial, concluir-se de forma distinta, ante a impossibilidade de reexame do conjunto fático-probatório.
Nesse sentido:
"AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. [...] VALOR DO DIA-MULTA E DA INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS (ART. 387, IV, DO CPP). PECULIARIDADES DA CAUSA E CAPACIDADE ECONÔMICA DA AGRAVANTE. REVISÃO. SÚMULA 7 DO STJ. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. AUSÊNCIA. DECISÃO MANTIDA. RECURSO IMPROVIDO.
[...]
15. Não se mostra possível, no recurso especial, a revisão do valor do dia-multa e da reparação pelos danos sofridos (art. 387, IV, do CPP), pois fixados de acordo com as peculiaridades da causa e capacidade econômica da acusada, de forma que a revisão do valor também esbarra no enunciado da Súmula n. 7 do STJ.
16. Não se verifica a apontada negativa de prestação jurisdicional, pois o Tribunal de origem enfrentou todos os pontos relevantes ao deslinde da controvérsia, não havendo falar em contrariedade aos arts. 564, V, e 619 do CPP.
17. Agravo regimental improvido."
(AgRg no REsp n. 1.982.190/DF, relator Ministro Og Fernandes, Sexta Turma, julgado em 1/4/2025, DJEN de 11/4/2025, grifei)
Assim sendo, não se vislumbra qualquer ilegalidade no processo de cálculo das penas aplicadas ao recorrente.
Conclusão:
Ante o exposto, com fundamento no art. 253, parágrafo único, do RISTJ, conheço do agravo, para conhecer em parte do recurso especial e, nessa extensão, negar-lhe provimento.
Publique-se. Intimem-se.
Relator
RIBEIRO DANTAS
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