Processo nº 0842832-78.2024.8.20.5001
ID: 331329398
Tribunal: TJRN
Órgão: 17ª Vara Cível da Comarca de Natal
Classe: BUSCA E APREENSãO EM ALIENAçãO FIDUCIáRIA
Nº Processo: 0842832-78.2024.8.20.5001
Data de Disponibilização:
22/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
BRUNO BRAGA DORNELLES
OAB/RS XXXXXX
Desbloquear
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE JUÍZO DE DIREITO DA 17ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE NATAL Processo nº 0842832-78.2024.8.20.5001 Classe: BUSCA E APREENSÃO EM ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA (81) A…
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE JUÍZO DE DIREITO DA 17ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE NATAL Processo nº 0842832-78.2024.8.20.5001 Classe: BUSCA E APREENSÃO EM ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA (81) AUTOR: BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S/A REU: ANDRYS LIMA DA SILVA SENTENÇA I - RELATÓRIO Trata-se de Ação de Busca e Apreensão em Alienação Fiduciária proposta por BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S/A em desfavor de ANDRYS LIMA DA SILVA. A demanda tem por escopo a retomada de bem móvel, veículo automotor, dado em garantia de contrato de financiamento em virtude da mora e inadimplemento do Réu. A parte autora afirmou que celebrou com o réu o Contrato de Financiamento nº 0246678786, em 29 de novembro de 2023, no valor de R$ 14.517,69 (quatorze mil, quinhentos e dezessete reais e sessenta e nove centavos), a ser restituído em 24 (vinte e quatro) prestações mensais e consecutivas de R$ 768,13 (setecentos e sessenta e oito reais e treze centavos), com vencimento final em 04 de fevereiro de 2026. Em garantia das obrigações assumidas, o réu alienou fiduciariamente o veículo da marca VW, modelo GOL 1.6L MB5, ano 2018/2019, cor PRATA, placa QPP6I92, RENAVAM 01172327960, chassi 9BWAB45UXKT076513. Nesse contexto, o autor afirmou que o réu se tornou inadimplente a partir da parcela de número 1, com vencimento em 04 de março de 2024, incorrendo em mora desde então. O débito vencido e vincendo, devidamente atualizado até 28 de junho de 2024, totalizava R$ 16.274,25 (dezesseis mil, duzentos e setenta e quatro reais e vinte e cinco centavos), conforme planilha de cálculo acostada, montante que deveria ser considerado para fins de purgação da mora. Requereu a parte autora, liminarmente, a busca e apreensão do veículo, com a citação do Réu para, no prazo de 5 (cinco) dias, pagar a integralidade da dívida ou, no prazo de 15 (quinze) dias, contestar a ação. Postulou, ainda, a consolidação da propriedade e posse plena e exclusiva do bem em seu favor, caso não houvesse o pagamento integral do débito no quinquídio legal. Por decisão (ID 131067275) a medida liminar de busca e apreensão foi deferida, com a determinação de expedição de mandado e registro de impedimento de circulação e transferência via RENAJUD. A decisão judicial reiterou que, após a apreensão do veículo, o réu teria o prazo de 5 (cinco) dias para purgar a mora, pagando a integralidade da dívida conforme os valores apresentados pelo credor, ou 15 (quinze) dias para apresentar contestação, nos termos do que dispõe a legislação especial. O mandado de busca e apreensão expedido não obteve êxito na localização do bem (certidão de ID 138161162, de 09 de dezembro de 2024). Diante disso, a parte autora foi intimada a indicar novo endereço ou requerer a conversão da ação em execução de título extrajudicial (ato ordinatório de ID 138165625). A instituição financeira, então, apresentou nova petição (ID 139317269), informando um possível novo paradeiro do veículo e requerendo nova expedição de mandado. Novo mandado foi expedido (ID 140331598) para o endereço indicado, mas novamente o veículo não foi localizado (certidão de ID 147149248, de 31 de março de 2025). Novas ordens de busca e apreensão foram emitidas, contudo, nenhuma foi capaz de encontrar o veículo e citar o réu. A despeito disso, o réu ANDRYS LIMA DA SILVA, por meio de seu procurador legalmente constituído (procuração de ID 129987654), apresentou "Habilitação nos autos" e, em seguida, protocolou Contestação (ID 153352171). Nesta peça de defesa, o réu reconheceu a existência da dívida, mas alegou que jamais se negou a pagá-la, manifestando interesse em renegociar e retomar o pagamento das parcelas na forma originalmente pactuada. Defendeu a possibilidade do comparecimento espontâneo para fins de citação e a ausência de preclusão da defesa, argumentando que impedir a apresentação da defesa antes da efetivação da busca e apreensão configuraria cerceamento de defesa e violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa, bem como ao artigo 214 do Código de Processo Civil. Alegou, ainda, preliminarmente, o pedido de assistência judiciária gratuita, a ausência de previsão legal para o segredo de justiça no caso e a inconstitucionalidade material do artigo 3º, §2º, do Decreto-Lei nº 911/1969, na parte em que condiciona a devolução do veículo ao pagamento da "integralidade da dívida pendente", por desrespeitar o princípio da ordem econômica de defesa do consumidor (art. 170, inciso V, da CRFB/88). Postulou que fosse admitida a purgação da mora através do pagamento apenas das parcelas vencidas. Arguiu a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor, a função social do contrato e a boa-fé objetiva, requerendo a revogação da tutela de urgência de busca e apreensão e a manutenção da posse do bem em seu favor. Requereu, ao final, a improcedência da ação, a concessão da gratuidade judiciária, a admissão da purgação da mora apenas das parcelas vencidas, a intimação do Autor para manifestar interesse em acordo consensual e a designação de audiência de conciliação. Em resposta à contestação, o autor apresentou impugnação (ID 156042148), aduzindo preliminarmente a extemporaneidade da contestação, uma vez que esta foi apresentada antes da efetivação da medida liminar de busca e apreensão, pugnando pelo seu desentranhamento e pela exclusão do cadastramento do advogado do réu. Afirmou que o réu, em sua defesa, confessou o débito, o que, por si só, ensejaria o julgamento procedente da demanda. Impugnou o pedido de justiça gratuita do réu, argumentando a ausência de comprovação de hipossuficiência. No mérito, defendeu a plena constitucionalidade do Decreto-Lei nº 911/1969 e a legalidade da cláusula de vencimento antecipado, reiterando que a purgação da mora, nos contratos de alienação fiduciária regidos pelo Decreto-Lei 911/69 (com as alterações da Lei 10.931/2004), exige o pagamento da integralidade da dívida (parcelas vencidas e vincendas), conforme entendimento pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.418.593/MS, que transcreveu integralmente em sua peça de impugnação, destacando a inaplicabilidade do artigo 52, §2º, do Código de Defesa do Consumidor. Manifestou novamente a ausência de interesse na realização de audiência de conciliação. Ao final, pugnou pelo desentranhamento da contestação, a exclusão do advogado do Réu dos autos, a intimação do réu para indicar o paradeiro do veículo sob pena de ato atentatório à dignidade da justiça e multa, a condenação do réu ao pagamento de custas e honorários advocatícios, e a total improcedência dos pedidos formulados na contestação. É o relatório. Passo a fundamentar e decidir. II - FUNDAMENTAÇÃO II.1 Do Comparecimento Espontâneo do Réu e da Ausência de Preclusão da Defesa A questão da extemporaneidade da contestação, suscitada pelo autor em sua impugnação (ID 156042148), requer uma análise aprofundada dos princípios processuais e das peculiaridades da ação de busca e apreensão. O artigo 3º, § 3º, do Decreto-Lei nº 911/1969, com a redação dada pela Lei nº 10.931/2004, estabelece que "o devedor fiduciante poderá apresentar resposta no prazo de quinze dias da execução da liminar". Esta norma especial, de fato, prevê que o prazo para contestar a ação de busca e apreensão tem início a partir do cumprimento do mandado de busca e apreensão e da citação do devedor. No caso em tela, o réu compareceu espontaneamente aos autos por meio de advogado (ID 129987654) e apresentou sua contestação (ID 153352171) antes que a liminar de busca e apreensão fosse efetivamente cumprida. O autor argumenta que tal conduta configura "tumulto processual" e que a contestação seria "extemporânea", pugnando pelo seu desentranhamento. Contudo, tal entendimento não se coaduna com os modernos preceitos do direito processual civil brasileiro, notadamente o princípio da instrumentalidade das formas e o da primazia do mérito. O Código de Processo Civil de 2015, em seu artigo 239, § 1º, é explícito ao prever que "o comparecimento espontâneo do réu ou do executado supre a falta ou a nulidade da citação, fluindo a partir desta data o prazo para apresentação de contestação ou de embargos à execução". Embora a ação de busca e apreensão em alienação fiduciária seja um procedimento especial, o princípio geral do comparecimento espontâneo aplica-se plenamente. O objetivo da citação é dar conhecimento ao réu da existência da ação e permitir-lhe exercer o direito fundamental ao contraditório e à ampla defesa. Quando o réu, por iniciativa própria, comparece aos autos e apresenta sua defesa, ele demonstra ter ciência inequívoca da demanda e manifesta sua intenção de participar do processo. Atingida a finalidade do ato citatório, que é a de cientificar o demandado da existência da ação, eventuais irregularidades formais, ou mesmo a antecipação da prática de atos processuais, devem ser relevadas em nome da celeridade e da economia processual, desde que não haja prejuízo para a outra parte. Neste cenário, a apresentação da contestação antes do cumprimento da liminar não causa prejuízo ao autor. Pelo contrário, permite que o processo avance de forma mais célere, evitando a necessidade de novas diligências citatórias após a apreensão do bem (que, no caso, revelou-se dificultosa, com sucessivas tentativas frustradas de localização do veículo). Impedir o réu de exercer seu direito de defesa quando ele já manifesta seu comparecimento e ciência do feito seria uma formalidade excessiva, contrária aos ditames do artigo 283, parágrafo único, do CPC, que preconiza o aproveitamento dos atos processuais desde que não resulte prejuízo à defesa. A ampla defesa, garantida constitucionalmente (art. 5º, LV, da CRFB/88), não pode ser cerceada por um apego exacerbado à literalidade do prazo inicial da defesa em procedimento especial, quando a finalidade foi alcançada. A angularização da relação processual, com a participação de ambas as partes, já se deu. Portanto, rejeito a preliminar de extemporaneidade da contestação e considero a defesa do réu tempestiva e devidamente apresentada, com todos os seus efeitos processuais, incluindo a fluência dos prazos para o exercício do contraditório subsequente. Não há que se falar em preclusão da defesa, mas sim em antecipação de sua apresentação, em prol da economia e celeridade processual, sem qualquer violação aos direitos da parte autora. Consequentemente, o pedido de desentranhamento da contestação e de exclusão do advogado do réu dos autos mostra-se incabível, pois se baseia em uma interpretação restritiva e formalista do direito processual, que não se alinha com a sistemática processual vigente. II.2. Do Pedido de Assistência Judiciária Gratuita O Réu pleiteou a concessão do benefício da justiça gratuita em sua contestação, alegando hipossuficiência econômica. O Autor, em sua impugnação, manifestou-se contrariamente, argumentando a insuficiência da mera declaração de pobreza e o fato de o Réu ter condições de pagar parcelas mensais substanciais do financiamento e estar representado por advogado particular. O artigo 99, § 3º, do Código de Processo Civil estabelece que "presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural". Contudo, essa presunção é relativa e pode ser afastada por indícios ou provas em contrário. O artigo 99, § 2º, do CPC, permite ao juiz indeferir o pedido se houver elementos nos autos que evidenciem a falta dos pressupostos legais para a concessão da gratuidade. No caso dos autos, a mera contratação de advogado particular, por si só, não impede a concessão do benefício, conforme norma literal do art. 99, §4º, do CPC. Por sua vez, a existência de financiamento do veículo com parcelas acima R$ 700,00 (setecentos reais) não é suficiente a demonstrar a capacidade econômica do réu, pois, no caso concreto, não houve pagamento. Isso significa que não restou demonstrada a capacidade econômica do réu em arcar com suas obrigações contratuais, fundamento principal da ação de busca de apreensão. Desse modo, ante a ausência de algum elemento capaz de elidir a presunção de hipossuficiência da pessoa física, defiro o pedido de concessão do benefício da justiça gratuita em favor do réu. II.3 Do segredo de justiça O Réu solicitou o levantamento do segredo de justiça, se porventura houver sido aplicado. A consulta aos autos eletrônicos na plataforma PJe (ID 124741433, pág. 1) indica que o processo não tramita em segredo de justiça ("Segredo de justiça? NÃO"). Ademais, o artigo 189 do Código de Processo Civil enumera taxativamente as hipóteses em que o processo tramitará em segredo de justiça, a saber: I - em que o exija o interesse público ou social; II - que versem sobre casamento, separação de corpos, divórcio, separação, união estável, filiação, alimentos e guarda de crianças e adolescentes; III - em que constem dados protegidos pelo direito constitucional à intimidade; IV - que versem sobre arbitragem, inclusive sobre cumprimento de carta arbitral, desde que a confidencialidade estipulada na arbitragem seja comprovada perante o juízo. A presente ação de busca e apreensão em alienação fiduciária não se enquadra em nenhuma das hipóteses legais que justificariam a imposição de segredo de justiça. Assim, não havendo segredo de justiça imposto, indefiro o pleito de seu levantamento, mas determino a publicidade dos atos. II.4. Da controvérsia da ação Passo a analisar o mérito com base no art. 355, inc. I, do CPC/15, tendo em vista que a controvérsia remanescente da ação constitui matéria exclusivamente de direito, dispensando a produção de provas em fase instrutória. A principal tese de defesa do Réu reside na alegação de inconstitucionalidade material do artigo 3º, §2º, do Decreto-Lei nº 911/1969, na parte em que exige o pagamento da "integralidade da dívida pendente" para a purgação da mora e a restituição do bem. Argumenta que tal exigência afronta o princípio da ordem econômica de defesa do consumidor (art. 170, inciso V, da CRFB/88) e o princípio da dignidade da pessoa humana, permitindo a purgação da mora com o pagamento apenas das parcelas vencidas. A ação de busca e apreensão em alienação fiduciária é regida por legislação especial, o Decreto-Lei nº 911/1969, que foi substancialmente alterado pela Lei nº 10.931/2004 e posteriormente pela Lei nº 13.043/2014. Antes da Lei nº 10.931/2004, havia divergência jurisprudencial sobre a possibilidade de purgação da mora, com alguns entendimentos permitindo-a pelo pagamento apenas das prestações vencidas. Contudo, a Lei nº 10.931/2004, ao dar nova redação ao artigo 3º, §2º, do Decreto-Lei nº 911/1969, pacificou a questão, estabelecendo claramente que: "Art. 3º (...) § 2º No prazo do § 1º, o devedor fiduciante poderá pagar a integralidade da dívida pendente, segundo os valores apresentados pelo credor fiduciário na inicial, hipótese na qual o bem lhe será restituído livre do ônus." A interpretação desta norma foi consolidada pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial nº 1.418.593/MS, sob a sistemática dos recursos repetitivos (Tema 722 do STJ). Citam-se as ementas: ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. DECRETO-LEI N. 911/1969. ALTERAÇÃO INTRODUZIDA PELA LEI N. 10.931/2004. PURGAÇÃO DA MORA. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE PAGAMENTO DA INTEGRALIDADE DA DÍVIDA NO PRAZO DE 5 DIAS APÓS A EXECUÇÃO DA LIMINAR. 1. Para fins do art. 543-C do Código de Processo Civil: "Nos contratos firmados na vigência da Lei n. 10.931/2004, compete ao devedor, no prazo de 5 (cinco) dias após a execução da liminar na ação de busca e apreensão, pagar a integralidade da dívida - entendida esta como os valores apresentados e comprovados pelo credor na inicial -, sob pena de consolidação da propriedade do bem móvel objeto de alienação fiduciária". 2. Recurso especial provido. (REsp n. 1.418.593/MS, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, julgado em 14/5/2014, DJe de 27/5/2014.) DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. DECRETO-LEI N. 911/1969. ALTERAÇÃO INTRODUZIDA PELA LEI 10.931/2004. PURGAÇÃO DA MORA. NECESSIDADE DE PAGAMENTO DA INTEGRALIDADE DA DÍVIDA NO PRAZO DE 5 DIAS APÓS A EXECUÇÃO DA LIMINAR. CONSONÂNCIA DO ACÓRDÃO RECORRIDO COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. A Segunda Seção do STJ, em julgamento sob o rito dos recursos repetitivos, assentou a tese de que, "nos contratos firmados na vigência da Lei n. 10.931/2004, compete ao devedor, no prazo de 5 (cinco) dias após a execução da liminar na ação de busca e apreensão, pagar a integralidade da dívida - entendida esta como os valores apresentados e comprovados pelo credor na inicial -, sob pena de consolidação da propriedade do bem móvel objeto de alienação fiduciária" (REsp 1.418.593/MS, Relator Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 14/5/2014, DJe de 27/5/2014). 2. A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça é assente no sentido de que o prazo para pagamento estabelecido no art. 3º, § 2º, do Decreto-Lei 911/69 deve ser considerado de direito material, não se sujeitando, assim, à contagem em dias úteis, prevista no art. 219, caput, do CPC/2015. 3. O entendimento adotado no acórdão recorrido coincide com a jurisprudência assente desta Corte Superior, circunstância que atrai a incidência da Súmula 83/STJ. 4. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no AREsp n. 2.612.376/MG, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 9/12/2024, DJEN de 19/12/2024.) Conforme decidido pelo STJ, "integralidade da dívida pendente" compreende tanto as parcelas vencidas quanto as vincendas, ou seja, todo o saldo devedor do contrato, acrescido dos encargos contratuais e moratórios, custas processuais e honorários advocatícios. O entendimento se baseia na finalidade da alienação fiduciária, que é a garantia do cumprimento de toda a obrigação, e na lógica do vencimento antecipado da dívida em caso de inadimplemento, conforme previsto no contrato e na lei especial. O objetivo do legislador ao introduzir a Lei nº 10.931/2004 foi justamente extirpar a possibilidade de purgação da mora nos termos do Código Civil, visando dar maior celeridade e efetividade à recuperação do crédito pelas instituições financeiras, reduzindo o desgaste do bem e os custos da litigiosidade. A tese da inconstitucionalidade material do dispositivo, apesar de respeitável e amplamente debatida na doutrina, não encontra guarida na jurisprudência dos Tribunais Superiores. O Supremo Tribunal Federal, ao longo de sua história, tem reiteradamente afirmado a constitucionalidade do Decreto-Lei nº 911/1969 e suas alterações, inclusive quanto à restrição da matéria de defesa e à exigência de pagamento integral para a purgação da mora, entendendo que tais previsões não violam os princípios do contraditório, da ampla defesa, do devido processo legal ou da dignidade da pessoa humana. A título exemplificativo, cita-se uma ementa do STF sobre a constitucionalidade do art. 3º do referido diploma legal: EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL E DIREITO CIVIL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. BUSCA E APREENSÃO DOS BENS. ART. 3º DO DECRETO-LEI 911/69. CONSTITUCIONALIDADE. Recurso Extraordinário a que se dá provimento para afastar a extinção de ofício do processo e determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem para o prosseguimento do julgamento do agravo de instrumento. Fixada a seguinte tese de julgamento: "O art. 3º do Decreto-Lei nº 911/69 foi recepcionado pela Constituição Federal, sendo igualmente válidas as sucessivas alterações efetuadas no dispositivo”. (RE 382928, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 22-09-2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-247 DIVULG 09-10-2020 PUBLIC 13-10-2020) O Superior Tribunal de Justiça, como intérprete da legislação infraconstitucional, consolidou a interpretação do termo "integralidade da dívida" no REsp 1.418.593/MS, julgamento que tem caráter vinculante para os demais órgãos do Poder Judiciário em razão da sistemática dos recursos repetitivos (art. 927, III, do CPC). A proteção do consumidor, embora seja um pilar fundamental da ordem econômica e um direito constitucional (art. 170, V, da CRFB/88), não pode ser invocada para desvirtuar a finalidade de contratos específicos como a alienação fiduciária, que são estruturados para garantir o crédito e, por sua natureza, envolvem riscos específicos tanto para o credor quanto para o devedor. A autonomia da vontade, a segurança jurídica e o princípio pacta sunt servanda prevalecem em relações contratuais livremente pactuadas, onde as partes têm ciência das condições e consequências do inadimplemento. A aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos contratos bancários é admitida, nos termos da Súmula 297 do STJ, mas não de forma irrestrita. O CDC não revoga as normas especiais que regem a alienação fiduciária, mas se aplica de forma subsidiária e complementar, desde que não haja conflito com a lei específica e as cláusulas contratuais não sejam manifestamente abusivas, o que não foi demonstrado de forma a macular a essência do contrato ou a sua exigibilidade em caso de mora. A alegação genérica de taxas de juros abusivas ou imposição de tarifas indevidas, desacompanhada de prova pericial ou da indicação precisa de quais encargos seriam irregulares e em que medida afetariam o equilíbrio contratual, não é suficiente para descaracterizar a mora ou invalidar o débito integral. A planilha apresentada pelo Autor (ID 124741440) detalha os valores vencidos, a multa, os encargos de mora e as parcelas a vencer, de acordo com o contrato. Desta forma, confirmo a constitucionalidade do Decreto-Lei nº 911/1969, bem como o entendimento de que a purgação da mora exige o pagamento da integralidade da dívida pendente, tal como preconizado pela legislação especial e pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. A tese da inconstitucionalidade arguida pelo réu não se sustenta diante do arcabouço normativo e jurisprudencial consolidado. II.5. Da Mora e do Inadimplemento Diante da ausência de purgação da mora nos termos legais, ou seja, pelo pagamento integral da dívida no prazo de 5 (cinco) dias após a execução da liminar (o que, de fato, não ocorreu, já que a liminar não foi executada e o réu optou por contestar a ação), a mora do Réu resta plenamente caracterizada e não purgada. O réu, em sua própria contestação, não nega o inadimplemento, limitando-se a manifestar interesse em renegociar a dívida e alegar que nunca se negou a pagar as parcelas. Contudo, a simples intenção de negociar não descaracteriza a mora, que se constitui pelo não pagamento das parcelas nos prazos e condições pactuados. A comprovação da mora é um requisito essencial para o ajuizamento da ação de busca e apreensão e para a concessão da medida liminar, e tal requisito foi devidamente preenchido pelo autor, conforme análise da notificação extrajudicial acostada aos autos (ID n° 124741443). A posse do bem, objeto da alienação fiduciária, é do credor fiduciário, e o devedor detém apenas a posse direta, precária, enquanto adimplente. Com a mora, cessa o direito do devedor de manter a posse do bem, legitimando o pedido de busca e apreensão. Nos contratos com alienação fiduciária, a propriedade é do credor. Conforme artigo 66, da Lei 4.728, de 14 de julho de 1965, a alienação fiduciária em garantia transfere ao credor o domínio resolúvel e a posse indireta da coisa móvel alienada, independentemente de tradição efetiva do bem, tornando-se o alienante ou devedor ou possuidor direto o depositário com todas as responsabilidades e encargos que lhe incumbem de acordo com a lei civil e penal. Sendo comprovada a mora ou o inadimplemento, o proprietário poderá requerer a busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente, conforme § 3º do artigo 101 da Lei 13.043/2014. A alegação do réu de que a parcela atrasada estaria protegida por seguro prestamista é uma mera afirmação, desacompanhada de qualquer prova que a corrobore. Não foi anexada apólice de seguro, comprovante de acionamento do seguro, ou qualquer outro documento que demonstre a existência e a cobertura alegada. Em face da ausência de provas, tal alegação não pode ser acolhida (art. 373, inciso II, do CPC). Conforme artigo 2º do Dec. Lei 911/1969, com a redação do artigo 101 da Lei 13.043/2014, em caso de mora ou inadimplemento de obrigações contratuais que possuam garantia de alienação fiduciária, o bem deverá ser apreendido e o credor poderá realizar a venda direta do bem sobre o qual recai a alienação fiduciária, sem exigência de leilão, hasta pública ou qualquer outra medida judicial ou extrajudicial, devendo o valor arrecadado com a venda ser aplicado para o pagamento de seu crédito e das despesas com a venda, cabendo ao credor prestar contas do valor da venda, do valor da dívida e entregar ao devedor o saldo apurado. Comprovados nos autos o contrato com alienação fiduciária e o inadimplemento, faz jus o autor à busca e apreensão do veículo. II.6. Da Possibilidade de Solução Consensual e Manutenção da Posse O Réu manifestou interesse na realização de acordo consensual e na manutenção da posse do veículo. O autor, por sua vez, rechaçou a ideia de audiência de conciliação e condicionou qualquer tratativa negocial a contato direto com seu patrono. Embora o Código de Processo Civil de 2015 estimule a autocomposição (art. 3º, §§ 2º e 3º do CPC), a realização de audiência de conciliação ou mediação não é obrigatória em todas as hipóteses, especialmente quando uma das partes manifesta expressamente o desinteresse, como ocorreu na petição inicial e foi reiterado na impugnação. A prerrogativa de buscar a solução consensual continua disponível às partes, que podem fazê-lo extrajudicialmente a qualquer tempo. Contudo, a obrigatoriedade da audiência é afastada pela manifestação expressa de desinteresse. Quanto à manutenção da posse do bem, este pleito é consequência direta da análise da mora. Uma vez que a mora foi devidamente constituída e não purgada nos termos da lei e da jurisprudência vinculante, o direito do credor fiduciário à busca e apreensão do bem se consolida. A posse direta do devedor torna-se ilegítima com o inadimplemento, e a medida liminar deferida, ainda que não cumprida, visa a consolidar a posse plena e propriedade resolúvel do credor. A manutenção da posse do bem pelo devedor só seria possível se a mora fosse afastada ou purgada, o que não se verificou no presente caso. II.7. Do Tumulto Processual e Conduta Temerária O Autor alegou que o Réu estaria causando "tumulto processual" e agindo com "conduta temerária", ao não indicar o paradeiro do veículo e se furtar ao cumprimento das ordens judiciais. Requereu a intimação do réu para declinar o paradeiro do veículo sob pena de ato atentatório à dignidade da justiça e multa, nos termos do art. 77, IV e § 2º, do CPC. De fato, o processo demonstra sucessivas tentativas frustradas de localização do veículo por parte dos oficiais de justiça, em diferentes endereços, o que tem impedido o cumprimento da medida liminar. A despeito do comparecimento espontâneo do réu, que possibilitou o avanço do feito sob o prisma da defesa, a sua omissão em relação à localização do bem, especialmente quando ele mesmo afirma em contestação que não se negou a pagar as parcelas e que o veículo não deve ser apreendido, sugere uma conduta que obstrui a efetividade da tutela jurisdicional. O dever de cooperação das partes com o juízo e de cumprimento das decisões judiciais é fundamental para a boa-fé processual. Embora o Réu não seja obrigado a entregar o bem antes da execução formal da liminar, a sua atitude em permanecer na posse do veículo enquanto se recusa a adimplir o contrato e o impede de ser localizado, após sucessivas tentativas, pode configurar, em tese, embaraço à efetividade da jurisdição. Contudo, a aplicação de multa por ato atentatório à dignidade da justiça requer a demonstração inequívoca da má-fé ou do propósito protelatório ou de obstrução deliberada, o que não foi explicitamente comprovado nos autos até o momento, apenas inferido pelas tentativas frustradas. O pedido do Autor de intimação para declinar o paradeiro do veículo é razoável e se alinha com o dever de cooperação, mas a imposição de multa por ato atentatório à dignidade da justiça, nesse estágio, demandaria uma oportunidade para o Réu se manifestar especificamente sobre a questão da localização do bem e sua alegada impossibilidade de pagamento, antes de se concluir pela má-fé. A conversão da ação em execução, prevista em lei, é alternativa para o credor quando o bem não é localizado. III - DISPOSITIVO Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a pretensão autoral, autorizando a busca e apreensão do veículo da marca VW, modelo GOL 1.6L MB5, ano 2018/2019, cor PRATA, placa QPP6I92, RENAVAM 01172327960, chassi 9BWAB45UXKT076513, em favor da parte autora e consolidação da propriedade em favor da parte autora. Anote-se no RENAJUD o impedimento de circulação e de transferência em relação ao veículo mencionado na inicial. Após a efetivação da busca e apreensão, dê-se baixa na restrição. Determino nova ordem de busca e apreensão do veículo indicado acima no endereço do réu indicado na procuração (ID n° 129987654), qual seja: Rua Equador, 293, Sport club, Qd04 Lt29 Extremoz-RN, CEP: 59575000. Não sendo encontrado o veículo no endereço acima, intime-se o réu a, no prazo de 5 (cinco) dias, conforme prazo do art. 218, §3º, do CPC, indicar local de onde se encontra o veículo, sob pena de multa de 5% do valor da causa, por ato atentatório à dignidade da justiça, nos termos do art. 77, IV, e parágrafo 2º, do CPC. Não sendo indicado o local onde se encontra o bem, o credor poderá requerer a conversão da obrigação em ação executiva (art. 4º da Lei 13.043/2014). Indicado o local onde se encontra o bem, expeça-se novo mandado de busca e apreensão. Saliente-se que, sendo localizado o bem em comarca diversa, a parte interessada poderá requerer a apreensão diretamente ao juízo da comarca em que foi localizado o veículo (art. 3º, § 12º, do Decreto-Lei 911/1969). Condeno o réu ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, que fixo em 10% sobre o valor da causa, atualizado pelo índice do IPCA desde a publicação dessa sentença, com fulcro no art. 85, § 2º, do CPC de 2015, considerando que a causa é simples, repetitiva e não demanda um trabalho extraordinário. Em caso de apreensão do veículo, os honorários deverão ser pagos com o valor decorrente da venda extrajudicial do bem pelo banco, salvo comprovação de insuficiência de recursos para quitação dos honorários, o que autorizará o adimplemento da verba com outros bens. Entretanto, por ser a parte ré beneficiária da justiça gratuita, suspendo o pagamento da sucumbência pelo prazo prescricional de 05 (cinco) anos, durante o qual deverá a parte demandada provar a melhoria das condições financeiras da parte autora, demonstrando que a requerente possa fazer o pagamento sem prejuízo do sustento próprio ou da família, ficando a autora obrigada a pagar as verbas sucumbenciais na caracterização desta hipótese (art. 98, § 3º do CPC/15 c/c art. 12 da Lei 1.060/50). Intimem-se as partes pelo sistema. Após o trânsito em julgado, arquivem-se os autos. Intimem-se as partes pelo DJEN. Natal, 21 de julho de 2025. DIVONE MARIA PINHEIRO Juíza de Direito (documento assinado digitalmente na forma da Lei nº 11.419/06)
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear