Processo nº 5002909-57.2025.8.08.0000
ID: 299350018
Tribunal: TJES
Órgão: 018 - Gabinete Des. JÚLIO CESAR COSTA DE OLIVEIRA
Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO
Nº Processo: 5002909-57.2025.8.08.0000
Data de Disponibilização:
16/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
RODRIGO BRAGA DA SILVA
OAB/RJ XXXXXX
Desbloquear
ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PODER JUDICIÁRIO PROCESSO Nº 5002909-57.2025.8.08.0000 AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) AGRAVANTE: ESTADO DO ESPIRITO SANTO AGRAVADO: N. O. C. RELATOR(A):JULIO CESAR COSTA DE OLIV…
ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PODER JUDICIÁRIO PROCESSO Nº 5002909-57.2025.8.08.0000 AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) AGRAVANTE: ESTADO DO ESPIRITO SANTO AGRAVADO: N. O. C. RELATOR(A):JULIO CESAR COSTA DE OLIVEIRA ______________________________________________________________________________________________________________________________________________ EMENTA ACÓRDÃO EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. FORNECIMENTO DE PRODUTO DERIVADO DE CANNABIS (CANABIDIOL). AUSÊNCIA DE REGISTRO COMO MEDICAMENTO NA ANVISA. REQUISITOS DOS TEMAS 500, 1161 E 1234 DO STF. NÃO PREENCHIMENTO CUMULATIVO. RECURSO PROVIDO. 1. Competência da Justiça Estadual. A ação originária foi ajuizada antes da publicação da ata de julgamento do RE nº 1.366.243/SC (Tema 1234 do STF). As novas regras de competência e responsabilidade financeira ali definidas, baseadas no custo anual do tratamento, não retroagem, aplicando-se o entendimento consolidado no Tema 793 do STF, que reconhece a responsabilidade solidária dos entes federados e faculta à parte autora a escolha do foro. Competência da Justiça Estadual mantida. 2. Fornecimento de Produto derivado de Cannabis. O Canabidiol 200mg/ml pleiteado possui autorização da ANVISA para comercialização como "Produto" derivado de Cannabis (RDC nº 327/2019), não se tratando de "Medicamento" com registro sanitário tradicional. A análise do pedido deve observar, com adaptações e restrições, os critérios dos Temas 500, 1161 e, principalmente, 1234 do STF. 3. Não preenchimento dos requisitos para fornecimento excepcional. (i) Ilegalidade do ato de não incorporação pela CONITEC: A parte agravada não demonstrou ilegalidade no ato da CONITEC que não recomendou a incorporação do produto para a situação clínica, nem mora injustificada na apreciação de eventual pedido. A decisão da CONITEC é técnica e baseada em critérios de saúde pública. (ii) Impossibilidade de substituição por alternativas do SUS: Embora o laudo médico alegue a ineficácia de fármacos convencionais, a demonstração de esgotamento de todas as alternativas terapêuticas dos protocolos do SUS para epilepsia refratária e Síndrome de Lennox-Gastaut não se apresentou com a robustez necessária em cognição sumária, especialmente diante da não recomendação pela CONITEC e da indicação genérica de substitutos pelo agravante e NATJUS. (iii) Comprovação de eficácia e segurança por evidências de alto nível: O laudo médico, embora afirme a existência de comprovação científica, não anexou nem referenciou os ensaios clínicos randomizados, revisões sistemáticas ou meta-análises exigidos pelo Tema 1234 do STF para o produto e a condição específica. A Nota Técnica do NATJUS, apesar de mencionar a existência de evidências, remete a outra nota não juntada e destaca a não recomendação pela CONITEC. A mera afirmação médica é insuficiente. (iv) Imprescindibilidade clínica: Apesar do laudo médico atestar a imprescindibilidade e urgência, o Tema 1234 do STF veda que a decisão judicial se fundamente unicamente no laudo do autor, exigindo consulta prévia ao NATJUS. O NATJUS concluiu de forma "Não favorável" ao fornecimento e não corroborou a urgência nos termos definidos pelo CFM. A divergência e a não recomendação da CONITEC pesam contra a demonstração inequívoca da imprescindibilidade. 4. Análise sob a ótica dos Temas 500 e 1161 do STF. Considerando a ausência de registro como "Medicamento", os critérios ainda mais restritivos do Tema 500 (mora da ANVISA, pedido de registro no Brasil, registro em agências renomadas) não foram preenchidos. Sob a ótica do Tema 1161 (produto sem registro, mas com importação autorizada), as falhas na comprovação da eficácia por evidências de alto nível e a ponderação da imprescindibilidade frente ao parecer do NATJUS e à não recomendação da CONITEC persistem como óbices. 5. A concretização do direito à saúde pela via judicial, fora das políticas do SUS, deve observar parâmetros que garantam segurança, eficiência na alocação de recursos e respeito às instâncias técnicas. A decisão agravada dissentiu da jurisprudência consolidada ao deferir a tutela sem a demonstração cabal de todos os requisitos. 6. Recurso conhecido e provido para reformar a decisão agravada e indeferir a tutela provisória de urgência. ______________________________________________________________________________________________________________________________________________ ACÓRDÃO Decisão: À unanimidade, conhecer e dar provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator. Órgão julgador vencedor: 018 - Gabinete Des. JÚLIO CESAR COSTA DE OLIVEIRA Composição de julgamento: 018 - Gabinete Des. JÚLIO CESAR COSTA DE OLIVEIRA - JULIO CESAR COSTA DE OLIVEIRA - Relator / Gabinete Des. ALEXANDRE PUPPIM - ALEXANDRE PUPPIM - Vogal / 004 - Gabinete Des. JOSÉ PAULO CALMON NOGUEIRA DA GAMA - JOSE PAULO CALMON NOGUEIRA DA GAMA - Vogal VOTOS VOGAIS Gabinete Des. ALEXANDRE PUPPIM - ALEXANDRE PUPPIM (Vogal) Acompanhar 004 - Gabinete Des. JOSÉ PAULO CALMON NOGUEIRA DA GAMA - JOSE PAULO CALMON NOGUEIRA DA GAMA (Vogal) Acompanhar ______________________________________________________________________________________________________________________________________________ RELATÓRIO Trata-se de AGRAVO DE INSTRUMENTO interposto por ESTADO DO ESPÍRITO SANTO visando a reforma da decisão proferida pela MMª. Juíza de Direito da Vara Única de Bom Jesus do Norte/ES que, nos autos da “ação de obrigação de fazer” ajuizada por N. O. C. representada por sua genitora, Gabriela de Oliveira Campos, contra si e em face do MUNICÍPIO DE BOM JESUS DO NORTE, deferiu a antecipação dos efeitos da tutela, determinando que o Estado, imprima as diligências necessárias e forneça a requerente, Canabidiol 200mg/ml (1ml de 12/12h – 2 fracos por mês). Em suas razões (id. 12399837), o agravante sustenta, em síntese: (i) a incompetência da Justiça Estadual, ao argumento de que o produto pleiteado não possui registro como medicamento na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), atraindo a competência da Justiça Federal e a necessidade de inclusão da União no polo passivo, conforme Temas 500 e 1234 do Supremo Tribunal Federal (STF); (ii) no mérito, a ausência dos requisitos cumulativos para o fornecimento judicial do produto, notadamente a não comprovação de sua segurança e eficácia por evidências científicas de alto nível, a legalidade dos atos administrativos de não incorporação, a inobservância da Resolução CFM nº 2.113/2014, e a ausência de urgência e perigo de dano que justifiquem a medida, conforme parecer do Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário (NATJUS). Pugna pela atribuição de efeito suspensivo e, ao final, pelo provimento do recurso para reformar integralmente a decisão agravada. Decisão indeferindo o pedido de efeito suspensivo em id. 12418554. Contrarrazões apresentadas no id. 12795866, pelo desprovimento do recurso. A d. Procuradoria de Justiça, em parecer de id. 11885497 opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso. Este Relator determinou a consulta ao NATJUS para informar o custo do tratamento e, por meio da Nota Técnica id. 13126813, informou que o Canabidiol é registrado na ANVISA como “Produto” e não “Medicamento”, não constando da lista de preços da CMED, estimando o custo anual em R$ 55.625,52. Concluiu como “Não favorável” ao fornecimento e indicou que a CONITEC não recomenda a tecnologia para a situação clínica. A agravada juntou novo laudo médico (id. 13128940), datado de 28/03/2025, reiterando a imprescindibilidade e urgência do tratamento, e mencionando Síndrome de Lennox-Gastaut. O agravante manifestou-se sobre a nota do NATJUS (id. 13242821) e sobre o novo laudo médico, reiterando seus argumentos e pugnando por nova oitiva do NATJUS, ou, subsidiariamente, pelo provimento do recurso. É o breve relatório. Inclua-se o feito em pauta para julgamento. Saliento ser cabível a sustentação oral no presente processo. Vitória, ES. JÚLIO CÉSAR COSTA DE OLIVEIRA Desembargador Relator _______________________________________________________________________________________________________________________________________________ NOTAS TAQUIGRÁFICAS ________________________________________________________________________________________________________________________________________________ VOTO VENCEDOR ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PODER JUDICIÁRIO 1ª Câmara Cível Endereço: Rua Desembargador Homero Mafra 60, Enseada do Suá, VITÓRIA - ES - CEP: 29050-906 PROCESSO Nº 5002909-57.2025.8.08.0000 AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) AGRAVANTE: ESTADO DO ESPIRITO SANTO AGRAVADO: N. O. C. RELATOR: DES. JÚLIO CÉSAR COSTA DE OLIVEIRA VOTO Trata-se de AGRAVO DE INSTRUMENTO interposto por ESTADO DO ESPÍRITO SANTO visando a reforma da decisão proferida pela MMª. Juíza de Direito da Vara Única de Bom Jesus do Norte/ES que, nos autos da “ação de obrigação de fazer” ajuizada por N. O. C. representada por sua genitora, Gabriela de Oliveira Campos, contra si e em face do MUNICÍPIO DE BOM JESUS DO NORTE, deferiu a antecipação dos efeitos da tutela, determinando que o Estado, imprima as diligências necessárias e forneça a requerente, Canabidiol 200mg/ml (1ml de 12/12h – 2 fracos por mês). Em suas razões (id. 12399837), o agravante sustenta, em síntese: (i) a incompetência da Justiça Estadual, ao argumento de que o produto pleiteado não possui registro como medicamento na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), atraindo a competência da Justiça Federal e a necessidade de inclusão da União no polo passivo, conforme Temas 500 e 1234 do Supremo Tribunal Federal (STF); (ii) no mérito, a ausência dos requisitos cumulativos para o fornecimento judicial do produto, notadamente a não comprovação de sua segurança e eficácia por evidências científicas de alto nível, a legalidade dos atos administrativos de não incorporação, a inobservância da Resolução CFM nº 2.113/2014, e a ausência de urgência e perigo de dano que justifiquem a medida, conforme parecer do Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário (NATJUS). Pugna pela atribuição de efeito suspensivo e, ao final, pelo provimento do recurso para reformar integralmente a decisão agravada. Decisão indeferindo o pedido de efeito suspensivo em id. 12418554. Contrarrazões apresentadas no id. 12795866, pelo desprovimento do recurso. A d. Procuradoria de Justiça, em parecer de id. 11885497 opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso. Este Relator determinou a consulta ao NATJUS para informar o custo do tratamento e, por meio da Nota Técnica id. 13126813, informou que o Canabidiol é registrado na ANVISA como “Produto” e não “Medicamento”, não constando da lista de preços da CMED, estimando o custo anual em R$ 55.625,52. Concluiu como “Não favorável” ao fornecimento e indicou que a CONITEC não recomenda a tecnologia para a situação clínica. A agravada juntou novo laudo médico (id. 13128940), datado de 28/03/2025, reiterando a imprescindibilidade e urgência do tratamento, e mencionando Síndrome de Lennox-Gastaut. O agravante manifestou-se sobre a nota do NATJUS (id. 13242821) e sobre o novo laudo médico, reiterando seus argumentos e pugnando por nova oitiva do NATJUS, ou, subsidiariamente, pelo provimento do recurso. Pois bem. Inicialmente o agravante argui a incompetência da Justiça Estadual, sustentando que o Canabidiol não possui registro como medicamento na ANVISA, o que, segundo os Temas 500 e 1234 (item 2.1.1) do STF, determinaria a competência da Justiça Federal, com a necessária inclusão da União no polo passivo. A presente demanda foi ajuizada em 15 de agosto de 2024. O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Recurso Extraordinário nº 1.366.243/SC (Tema 1234), modulou os efeitos temporais das novas regras de definição de competência (Justiça Federal ou Estadual, baseadas no custo anual do tratamento) e de responsabilidade financeira. Ficou estabelecido que tais regras se aplicam apenas às ações ajuizadas após a publicação da ata de julgamento do referido paradigma, que ocorreu em meados de setembro de 2024. Considerando que a ação originária foi proposta em data anterior à publicação da ata de julgamento do Tema 1234 do STF, as novas regras de competência ali definidas, baseadas em critério de custo, não retroagem para alcançar o presente feito. Dessa forma, a competência para processar e julgar a demanda permanece regida pelas normas vigentes à época do ajuizamento, notadamente o entendimento consolidado no Tema 793 do STF (RE 855.178), que trata da responsabilidade solidária dos entes federados e faculta à parte autora a escolha do foro. Assim, reconheço a competência da Justiça Estadual. Superada a análise da competência, em relação ao mérito, sabe-se que a concessão da tutela de urgência para fornecimento de produtos ou medicamentos pelo Poder Público submete-se ao preenchimento de requisitos estritos, estabelecidos pela jurisprudência vinculante do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. A decisão do STF no RE 1.366.243/SC (Tema 1234) consolidou e especificou os critérios para o fornecimento judicial de medicamentos não incorporados ao SUS, mas registrados na ANVISA. Para produtos não registrados como medicamentos, aplicam-se, com adaptações e de forma ainda mais restritiva, os Temas 500 e 1161 do STF. Conforme destacado pelo Agravante e corroborado pela Nota Técnica do NATJUS (id. 13126813), o Canabidiol 200mg/ml (no caso, da marca Prati-Donaduzzi, segundo o NATJUS) é autorizado pela ANVISA para produção e comercialização no Brasil na categoria de “Produto” derivado de Cannabis, nos termos da RDC nº 327/2019 e normativas subsequentes. Desta forma, não se trata de um “Medicamento” com registro sanitário tradicional, que pressupõe uma análise mais exaustiva de eficácia e segurança pela agência reguladora para indicações terapêuticas específicas. Essa distinção é crucial, pois o regime jurídico e os requisitos para fornecimento judicial podem variar. Analiso, pois, os requisitos à luz do Tema 1234 do STF, cujos parâmetros, mesmo que o produto não seja formalmente um “medicamento registrado”, oferecem um roteiro seguro para a análise da excepcionalidade do pleito, sem prejuízo das considerações dos Temas 500 e 1161. Diante destas premissas, cabe verificar se, à luz dos critérios indicados nos precedentes, estão presentes os requisitos necessários à concessão da tutela de urgência em favor do autor, ora agravado, conforme art. 300 do CPC. No que se refere ao risco de dano, não há dúvidas de que o risco enfrentado pela parte agravada é muito mais acentuado do que para o Estado, ora agravante, porquanto atinente à sua saúde e sua integridade física. Assim, passa-se a analisar a probabilidade do direito. Do cotejo dos elementos constantes nos autos, considerando o caráter vinculante dos precedentes acima citados, bem como o dever de os juízes e tribunais observarem tais precedentes (art. 927, II, III do CPC), em minuciosa análise, ao menos em juízo de cognição sumária, ínsita à fase em que se encontra o processo na origem, entendo que não restaram devidamente preenchidos os critérios. Vejamos: I) Negativa de fornecimento do medicamento na via administrativa (item 4 do Tema 1234 da repercussão geral) O mencionado requisito foi preenchido, conforme se extrai de id. 48713876 dos autos originários. II) Ilegalidade do ato de não incorporação do medicamento pela Conitec, ausência de pedido de incorporação ou da mora na sua apreciação (item 4 do Tema 1234 da repercussão geral) Na linha do que estipulam os precedentes, é ônus do autor demonstrar uma falha no processo administrativo de (não) incorporação do produto pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec). A Nota Técnica do NATJUS (id. 13126813) informa que a “Recomendação da CONITEC para a situação clínica do demandante: Não Recomendada”. A parte agravada não apresentou elementos que demonstrem ilegalidade nesse ato de não recomendação, nem a ausência de pedido de incorporação ou mora injustificada da Conitec em apreciar eventual pedido. O simples fato de a Conitec não recomendar a incorporação não configura, por si só, ilegalidade, pois a decisão da Comissão é técnica e baseada em critérios de saúde pública, eficácia, segurança e custo-efetividade. III) Impossibilidade de substituição por outro medicamento constante das listas do SUS e dos protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas (Tema 6 STF, Item 2, alínea “c”). A agravada, por meio do novo laudo médico (id. 13128940), alega a ineficácia ou intolerância a diversos medicamentos antiepilépticos convencionais, já disponibilizados pelo SUS ou de aquisição comum. O laudo lista fármacos como Levetiracetam, Fenobarbital, Lamotrigina, Vigabatrina, Ácido Valpróico, Clonazepam e Topiramato. Contudo, o agravante argumenta genericamente pela existência de substitutos (id. 12399837, p.10). A Nota Técnica do NATJUS (id. 13126813) remete a uma nota anterior (nº 252982, não inclusa nestes autos de agravo) para detalhamento das opções disponíveis no SUS. Para o acolhimento do pleito, seria imprescindível a demonstração cabal, nos autos principais, de que todas as alternativas terapêuticas constantes dos protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas do SUS para a patologia da menor (epilepsia refratária, Síndrome de Lennox-Gastaut) foram esgotadas ou são clinicamente inadequadas, o que, nesta fase de cognição sumária do agravo, não se apresenta com a robustez necessária, especialmente diante da posição da CONITEC. IV) Comprovação, à luz da medicina baseada em evidências, da eficácia, acurácia, efetividade e segurança do fármaco (Tema 6 STF, Item 2, alínea “d” e item 3, alínea “b” c/c Tema 1234, STF item 4.3 e 4.4). O Tema 1234 do STF exige que a eficácia, acurácia, efetividade e segurança do fármaco sejam comprovadas “à luz da medicina baseada em evidências, […] respaldada por evidências científicas de alto nível (unicamente ensaios clínicos randomizados, revisão sistemática ou meta-análise)”. O laudo médico apresentado pela recorrida, embora detalhado e subscrito por especialista, afirma que “Existe comprovação científica de boa resposta terapêutica do canabidiol na epilepsia refratária, especificamente nesse tipo de síndrome epiléptica”, mas não anexa ou referencia especificamente os ensaios clínicos randomizados, revisões sistemáticas ou meta-análises que dariam suporte a essa afirmação para o produto pleiteado e a condição específica. Por outro lado, a Nota Técnica do NATJUS, embora mencione “Há evidências científicas? Sim”, remete à Nota Técnica nº 252982 (não disponível aqui) para detalhes sobre eficácia e segurança e, crucialmente, aponta que a CONITEC não recomenda a tecnologia. Ora, a mera afirmação médica, desacompanhada das evidências científicas de alto nível exigidas pelo STF, não é suficiente para superar o ônus probatório da agravada. V) Imprescindibilidade clínica do tratamento, comprovada mediante laudo médico fundamentado, descrevendo inclusive qual o tratamento já realizado (Tema 6 STF, Item 2, alínea “e” e Tema 1234, itens 4.3 e 4.4). Existe laudo médico fundamentado nos autos detalhando o diagnóstico, a gravidade da condição e a imprescindibilidade do tratamento. O laudo atesta a imprescindibilidade e a urgência do tratamento com Canabidiol para a menor, face à refratariedade da epilepsia, piora eletroencefalográfica e risco de morbimortalidade. Contudo, o Tema 1234 (item 3, 'b') veda que a decisão judicial se fundamente unicamente no laudo do autor, exigindo a consulta prévia ao NATJUS. No presente caso, o NATJUS concluiu de forma “Não favorável” ao fornecimento e, em sua análise, não justificou a alegação de urgência conforme a definição do CFM. Essa divergência entre o laudo médico assistente e o parecer técnico do NATJUS, somada à não recomendação pela CONITEC, pesa contra a demonstração inequívoca da imprescindibilidade nos moldes exigidos pela jurisprudência, que busca uma análise técnica e imparcial para além da relação médico-paciente. VI) Incapacidade financeira de arcar com o custeio do medicamento (Tema 6 STF, Item 2, alínea “f”) Restou demonstrada a hipossuficiência da agravada, tendo em vista que o tratamento tem o custo anual aproximado de R$ 55.625,52 (cinquenta e cinco mil seiscentos e vinte e cinco reais e cinquenta e dois centavos). VII) Análise sob a Ótica dos Temas 500 e 1161 do STF Considerando que o Canabidiol pleiteado não possui registro como “Medicamento” na ANVISA, mas sim autorização de comercialização como “Produto”, a análise sob a égide do Tema 500 (para medicamentos sem registro) ou do Tema 1161 (para medicamentos sem registro, mas com importação autorizada pela ANVISA) se torna pertinente. O Tema 500 é ainda mais restritivo, exigindo, para a concessão excepcional, a mora irrazoável da ANVISA na apreciação do pedido de registro (ausente no caso), pedido de registro no Brasil (não demonstrado para o produto como medicamento), registro em agências renomadas no exterior (não especificamente comprovado para este produto) e inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil (discutível, como visto no item 'iv'). O Tema 1161, por sua vez, permite o fornecimento excepcional de produto sem registro na ANVISA, mas com importação autorizada, desde que comprovada a incapacidade econômica, a imprescindibilidade clínica e a impossibilidade de substituição por similar do SUS. Mesmo sob esta ótica, as falhas na comprovação da eficácia por evidências de alto nível e a ponderação da imprescindibilidade frente ao parecer do NATJUS e à não recomendação da CONITEC permanecem como óbices. Assim, da análise conjunta, verifica-se que a parte agravada não logrou comprovar, de forma satisfatória e cumulativa, todos os requisitos impostos pela jurisprudência vinculante do STF para o fornecimento excepcional do produto Canabidiol. Não desconheço que o direito à saúde é fundamental, mas sua concretização, especialmente por via judicial e fora das políticas estabelecidas pelo SUS, deve observar parâmetros que garantam a segurança do paciente, a alocação eficiente de recursos públicos e o respeito às instâncias técnicas de decisão, conforme reiteradamente decidido pelo STF. A decisão agravada, ao deferir a tutela de urgência sem a demonstração cabal de todos esses requisitos, dissentiu da orientação jurisprudencial consolidada. Vejamos, nesse sentido, o entendimento que vem sendo adotado por este e. Tribunal de Justiça e dos e. Tribunais Pátrios em demandas análogas: Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO NÃO REGISTRADO NA ANVISA, COM IMPORTAÇÃO AUTORIZADA E NÃO INCORPORADO AO SUS. CANABIDIOL. REQUISITOS DOS TEMAS 1.161 E 1.234 DO STF. NÃO PREENCHIMENTO. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME Agravo de instrumento interposto por menor impúbere contra decisão interlocutória que indeferiu pedido de tutela de urgência para fornecimento, pelo Estado do Espírito Santo, de medicamento à base de canabidiol (Canabidiol FarmaUSA 200mg). II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO Há duas questões em discussão: (i) definir se o medicamento Canabidiol FarmaUSA 200mg pode ser fornecido pelo ente estatal, considerando que não possui registro na ANVISA, mas tem autorização sanitária para importação; e (ii) estabelecer se a decisão recorrida observou os requisitos fixados pelo STF nos Temas 1234 e 06 para concessão judicial de medicamentos não incorporados ao SUS. III. RAZÕES DE DECIDIR No caso de fornecimento de produto à base de canabidiol, os tribunais têm entendido que, quando o produto não possui registro formal na ANVISA, mas conta com autorização excepcional de importação, como na hipótese, a matéria se enquadra no Tema 1.161 do STF, sem a necessidade de inclusão da União Federal. Além disso, no julgamento definitivo do Tema nº 1234 pelo Supremo Tribunal Federal, que aborda a legitimidade da União e a competência da Justiça Federal em demandas sobre fornecimento de medicamentos não incorporados ou incorporados ao SUS, o relator destacou em seu voto que o resultado do julgamento de mérito, no que diz respeito à mudança de competência (conforme o item 1 do acordo firmado na Comissão Especial no STF), será aplicado somente aos processos iniciados após a publicação da ata de julgamento, não sendo a hipótese do feito originário deste recurso, o qual deve então manter-se onde estiver tramitando, sem deslocamento de competência. A concessão judicial de medicamento não incorporado ao SUS exige o preenchimento cumulativo dos requisitos fixados pelo STF nos Temas 1.161 e 1.234. A análise da negativa administrativa de fornecimento deve considerar o controle de legalidade do ato que negou o pedido administrativamente, conforme o Tema 1.234 do STF, sem substituição do juízo técnico da administração pública pelo Poder Judiciário. O laudo médico apresentado pelo agravante não se mostra suficientemente circunstanciado para demonstrar a imprescindibilidade do tratamento e a ausência de alternativas terapêuticas eficazes no SUS. Diante da ausência de comprovação dos requisitos exigidos pelo STF, não há probabilidade do direito a justificar a concessão da tutela de urgência. IV. DISPOSITIVO E TESE Recurso desprovido. Tese de julgamento: A concessão judicial de medicamento não registrado na Anvisa, mas com importação autorizada e não incorporado ao SUS exige o cumprimento cumulativo dos requisitos fixados nos Temas 1.161 e 1.234 do STF. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 196; Lei Estadual nº 11.968/2023. Jurisprudência relevante citada: STF, Tema 06, RE 566.471; STF, Tema 500, RE 657.718; STF, Tema 1.161, RE 1.165.959; STF, Tema 1.234, RE 1.366.243; Súmula Vinculante 60/STF. (TJES; Agravo de Instrumento 5019071-64.2024.8.08.0000; Órgão julgador: 4ª Câmara Cível; Rel. Des. ELIANA JUNQUEIRA MUNHOS FERREIRA; Data: 23/Abr/2025) Ementa: Direito à saúde – Agravo de instrumento – Fornecimento de medicamento sem registro na Anvisa – Necessidade de comprovação dos requisitos fixados pelo STF no Tema 1161 – Imprescindibilidade clínica não demonstrada – Recurso provido. I – Caso em exame 1. 1. Agravo de instrumento interposto pelo Estado do Espírito Santo contra decisão que deferiu pedido liminar para determinar o fornecido dos medicamentos BISALIV POWER BROAD - CBD 20mg/mL e BISALIV POWER FULL 1:100 - CBD 20mg/mL, THC <0,3%, ao agravado, pelo período de seis meses, conforme prescrição médica e autorização da ANVISA. II – Questão em discussão 2. A questão em discussão consiste em definir se estão demonstrados os requisitos estabelecidos pelo Supremo Tribunal Federal no Tema 1161 para o fornecimento de medicamento sem registro na ANVISA pelo Estado. III – Razões de decidir 3. O fornecimento de medicamento sem registro na ANVISA pelo Poder Público somente é possível em caráter excepcional, desde que preenchidos cumulativamente os seguintes requisitos: (i) importados autorizados pela ANVISA; (ii) incapacidade financeira do requerente; (iii) imprescindibilidade clínica do tratamento; e (iv) inexistência de substitutos terapêuticos disponíveis nas listas do SUS. 4. No caso concreto, a importação de medicamento pelo agravado foi autorizada pela ANVISA e sua hipossuficiência econômica foi reconhecida por meio da concessão da gratuidade da justiça. Não foi, contudo, demonstrada a imprescindibilidade clínica do medicamento pleiteado, pois não há comprovação da ineficácia de produtos similares à base de canabidiol comercializados no Brasil. 6. Diante da ausência de comprovação da necessidade exclusiva do medicamento importado, não estão cumpridos todos os requisitos exigidos pelo STF para o deferimento da liminar pleiteada. IV – Dispositivo e tese 7. Recurso provido. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 196; Tema 1161 do STF. Jurisprudência relevante: STF, RE 1165959, Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/ Acordão Min. Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, julgado em 21/06/2021. (TJES; Agravo de Instrumento 5011323-78.2024.8.08.0000; Órgão julgador: 3ª Câmara Cível; Rel. Des. CARLOS SIMÕES FONSECA; Data: 09/Abr/2025) DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO NÃO INCORPORADO AO SUS. CANABIDIOL. REQUISITOS DOS TEMAS 6 E 1234 DO STF. AUSÊNCIA DE PROBABILIDADE DO DIREITO. RECURSO PROVIDO. I. Caso em exame. 1. Agravo de instrumento interposto contra decisão proferida nos autos de ação de obrigação de fazer que deferiu tutela de urgência para determinar o fornecimento gratuito do medicamento canabidiol 50 MG ao autor, sob pena de bloqueio de verba pública. II. Questão em discussão 2. Há uma questão em discussão: (I) verificar se estão preenchidos os requisitos estabelecidos nos temas 6 e 1234 do STF para a concessão judicial de medicamento não incorporado ao SUS. III. Razões de decidir 3. O fornecimento de medicamento não incorporado ao SUS somente é possível quando preenchidos cumulativamente os requisitos fixados no tema 6 do STF, entre eles a inexistência de substituto terapêutico incorporado ao SUS, a comprovação de eficácia e segurança do medicamento por evidências científicas de alto nível e a demonstração da incapacidade financeira do paciente. 4. Nos termos do tema 1.234 do STF, a concessão judicial de medicamento não incorporado exige a análise do ato administrativo que indeferiu seu fornecimento, sendo vedada a incursão no mérito administrativo, salvo para verificar a legalidade do ato e a veracidade dos motivos determinantes. 5. No caso concreto, o medicamento canabidiol 50 MG não foi incorporado à política pública do SUS. Além disso, não há comprovação de ilegalidade na negativa administrativa de seu fornecimento. 6. Não foram demonstradas, mediante evidências científicas robustas, a eficácia do medicamento requerido para o tratamento das condições médicas que acometem o paciente, tampouco a inexistência de alternativa terapêutica disponível no SUS. 7. Além disso, o parecer técnico do natjus concluiu que não existem evidências científicas de alto nível que sustentem a indicação do canabidiol para o tratamento pleiteado, afastando a imprescindibilidade do medicamento prescrito. 8. Diante da ausência de comprovação dos requisitos exigidos, não há probabilidade do direito que justifique a manutenção da tutela de urgência concedida. lV. Dispositivo e tese 9. Recurso provido. Tese de julgamento: 1. A concessão judicial de medicamento não incorporado ao SUS exige o preenchimento cumulativo dos requisitos fixados no tema 6 do STF, incluindo a comprovação da eficácia e segurança do fármaco por evidências científicas de alto nível e a inexistência de substituto terapêutico disponível no SUS. 2. O exame jurisdicional do indeferimento administrativo de medicamento não incorporado deve limitar-se à regularidade do ato e à verificação da legalidade da não incorporação, sendo vedada a substituição da vontade do administrador pelo poder judiciário. 3. A ausência de comprovação da eficácia do medicamento e da inexistência de alternativa terapêutica no SUS impede a concessão da tutela de urgência para o fornecimento do fármaco. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 103-a; CPC, art. 300. Jurisprudência relevante citada: STF, re nº 566.471 (tema 6), Rel. Min. Marco Aurélio, j. 22.05.2019; STF, re nº 1.366.243 (tema 1.234), Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 26.06.2023; TJSP, apelação cível nº 1000493-29.2024.8.26.0483, Rel. Des. Silvia Meirelles, j. 02.12.2024; TJSP; apelação cível nº 1016400-45.2024.8.26.0224, Rel. Des. Ricardo anafe, j. 27.11.2024. (TJMG; AI 5074430-58.2024.8.13.0000; Primeira Câmara Cível; Rel. Des. Manoel dos Reis Morais; Julg. 22/04/2025; DJEMG 30/04/2025) Diante do exposto, CONHEÇO e DOU PROVIMENTO ao recurso, para, reformando a r. decisão, indeferir a tutela provisória. É como voto. _________________________________________________________________________________________________________________________________ VOTOS ESCRITOS (EXCETO VOTO VENCEDOR)
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear