Processo nº 5016514-82.2024.4.04.7200
ID: 329241912
Tribunal: TRF4
Órgão: 2° Núcleo de Justiça 4.0 - SC
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 5016514-82.2024.4.04.7200
Data de Disponibilização:
18/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
RUDOLFO RADAELLI NICOLEIT
OAB/RS XXXXXX
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PROCEDIMENTO COMUM Nº 5016514-82.2024.4.04.7200/SC
AUTOR
: THEO SANGALLI ANDRE DA SILVA
ADVOGADO(A)
: RUDOLFO RADAELLI NICOLEIT (OAB RS071408)
DESPACHO/DECISÃO
1.
Trata-se de ação em que a parte aut…
PROCEDIMENTO COMUM Nº 5016514-82.2024.4.04.7200/SC
AUTOR
: THEO SANGALLI ANDRE DA SILVA
ADVOGADO(A)
: RUDOLFO RADAELLI NICOLEIT (OAB RS071408)
DESPACHO/DECISÃO
1.
Trata-se de ação em que a parte autora busca, inclusive em sede de tutela de urgência, o fornecimento, pelos entes públicos réus, das tecnologias
Bomba de Infusão de Insulina Accu-chek Solo com assessórios, Leitor + Sensores para Free Style Libre e Insulina Fiasp (Asparte)
, conforme prescrição médica (
evento 1, ATESTMED22
), para tratamento da doença que a acomete [Diabetes Mellitus tipo 1 (CID10 - E10)], descrevendo seu quadro clínico e as razões para o ajuizamento da demanda.
Previamente à análise do pedido de tutela de urgência, determinou-se a requisição ao Núcleo de Apoio Técnico ao Judiciário - NatJus - Nacional de emissão de parecer sobre o pedido de fornecimento de medicamento pretendido.
O parecer técnico foi apresentado pelo NATJUS no
evento 9, NOTATEC1
, ocasião em que a pretensão de concessão de tutela provisória de urgência foi indeferida em primeira instância.
Irresignada, a parte autora interpôs agravo de instrumento, tendo o TRF4 proferido a seguinte decisão:
"Ante o exposto, defiro em parte o pedido de antecipação da tutela recursal, para determinar a realização, na origem, de perícia judicial com médico especialista em endocrinologia; para afastar o reconhecimento da coisa julgada; bem como para deferir o benefício da gratuidade da justiça. "
Cumprida as determinações e realizada a perícia judicial, os autos retornaram conclusos para nova análise da tutela de urgência.
Decido.
2. Substituição da Bomba de Infusão de Insulina Accu-chek Solo com assessórios, Leitor + Sensores para Free Style Libre pelo Sistema de monitoramento Minimed
780G e seus insumos no curso da ação
Inicialmente, pondero que a rigor a substituição de tecnologia no curso do processo permite concluir pela alteração de pedidos, sendo pertinente o destaque de que a mudança de tecnologia pleiteada pode trazer diversas consequências ao processamento, como em relação às conclusões técnicas da prescrição, rediscussão sobre a existência de padronização, parecer contrário/favorável da CONITEC,
enfim uma gama de situações exemplificativas que atingem diretamente o interesse da ampla defesa e do contraditório assegurado aos réus e influem até mesmo na causalidade, comprometendo, em última análise a própria estabilização da lide.
Tanto que a alteração do pedido, em linhas gerais, após a citação e até o saneamento do processo, está condicionada à concordância dos réus (art. 329, II do CPC).
Todavia, não posso deixar de observar que a substituição de tecnologia no curso do processo vem sendo admitida pela jurisprudência, que tem interpretado que a substituição de tecnologia para o mesmo tratamento não importa modificação do pedido - sendo, portanto, irrelevante a anuência dos demandados -, pois sustenta-se que a todo tempo o que a parte busca é a satisfação do tratamento adequado.
Nesse sentido se pronunciou o Superior Tribunal de Justiça (grifei):
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. POSSIBILIDADE DE ALTERAÇÃO DO FÁRMACO POSTULADO NA INICIAL. INEXISTÊNCIA DE OFENSA AO ART. 264 DO CPC/1973. AGRAVO REGIMENTAL DO ESTADO DESPROVIDO. 1. De início, cumpre ressaltar que, nos termos do que decidido pelo Plenário do STJ, aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (Enunciado Administrativo 2).
2. Esta Corte Superior tem firmada a jurisprudência de que a simples alteração de alguns medicamentos postulados na inicial não incorre em modificação do pedido, nos termos do art. 264 do CPC/1973. É comum durante um tratamento médico que haja alteração de medicações, bem como dos procedimentos adotados à garantia de saúde do paciente, o que não resulta, com isso, em qualquer ofensa ao referido dispositivo legal, pois a ação em comento encontra-se fulcrada no art. 196 da CF/1988, o qual garante o direito à saúde à população
. Precedentes: AgRg no REsp. 1.496.397/RS, Rel. Min. ASSUSETE MAGALHÃES, DJe 10.3.2015; AgRg no REsp. 1.222.387/RS, Rel. Min. HERMAN BANJAMIN, DJe 1.4.2011; AgRg no Ag 1.352.744/RS, Rel. Min. HAMILTON CARVALHIDO, DJe 18.2.2011; REsp. 1.062.960/RS, Rel. Min. FRANCISCO FALCÃO, DJe 29.10.2008. 3. Não tendo a parte Agravante trazido argumento novo capaz de infirmar os fundamentos da decisão recorrida, e estando pacificada a jurisprudência desta Corte Superior no sentido da decisão agravada, a decisão impugnada deve ser mantida. 4. Agravo Regimental do Estado desprovido. (AgRg no REsp 1377162/RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 28/03/2017, DJe 07/04/2017).
Ademais,
aos réus será oportunizada a reabertura do prazo contestatório
, ocasião em que poderão se manifestar sobre a perícia acerca da nova tecnologia requerida.
Assim, atenta às orientações jurisprudenciais, passo a decidir sobre o novo pedido de tutela de urgência.
3. Tutela de urgência
O art. 300 do Código de Processo Civil assim dispõe sobre a tutela de urgência:
Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
§ 1o Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la.
§ 2o A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia.
§ 3o A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão.
De acordo com o diploma processual, para concessão da tutela de urgência, o magistrado, ao apreciar tal pedido, deve fazê-lo em nível de cognição sumária, sendo que os requisitos para a concessão delas são
(1)
o juízo de probabilidade e
(2)
perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
No que tange à probabilidade do direito, o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Tema 106 de Recurso Repetitivo (REsp 1657156/RJ), fixou a seguinte tese:
A concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos:
(i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS;
(ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito;
(iii) existência de registro na ANVISA do medicamento, observados os usos autorizados pela agência.
Ao julgar os embargos de declaração opostos em face do mencionado acordão, o Superior Tribunal de Justiça modulou os efeitos do repetitivo para que os requisitos acima elencados sejam exigidos de forma cumulativa somente quanto aos processos distribuídos a partir da data da publicação do acórdão embargado, ou seja, 04.05.2018.
Mais recentemente, ao decidir o Tema 500 de Repercussão Geral, o STF decidiu que:
"
1. O Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamentos experimentais. 2. A ausência de registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) impede, como regra geral, o fornecimento de medicamento por decisão judicial. 3. É possível, excepcionalmente, a concessão judicial de medicamento sem registro sanitário, em caso de mora irrazoável da Anvisa em apreciar o pedido (prazo superior ao previsto na Lei 13.411/2016), quando preenchidos três requisitos: (i) a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil (salvo no caso de medicamentos órfãos para doenças raras e ultrarraras);(ii) a existência de registro do medicamento em renomadas agências de regulação no exterior; e (iii) a inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil. 4. As ações que demandem fornecimento de medicamentos sem registro na Anvisa deverão necessariamente ser propostas em face da União
" (STF, Informativo 941, RE 657718/MG, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgamento em 22.5.2019).
Ainda, o Supremo Tribunal Federal julgou o mérito do Tema 1.161 de repercussão geral (RE 1165959) e reafirmou o entendimento firmado no Tema 500 de repercussão geral (RE 657.718), estabelecendo o
"dever do Estado de fornecer medicamento que, embora não possua registro na ANVISA, tem a sua importação autorizada pela agência de vigilância sanitária"
(Tribunal Pleno, Min. Rel. Marco Aurélio, j. 08/07/2021).
Sob outro viés, cumpre destacar que o direito à saúde, como qualquer outro, não é absoluto. A concretização desse direito fundamental envolve um complexo conflito entre as limitações orçamentárias do Estado, a necessidade de universalização na melhor medida possível dos procedimentos disponibilizados pelo sistema público de saúde e a necessidade do cidadão, por vezes inadiável, de acesso a determinado tratamento.
Ante a exigência de compatibilização entre as políticas públicas na área da saúde e a necessidade de tutela judicial nos casos de omissão estatal, surgem fundados questionamentos a respeito dos limites da atuação do Poder Judiciário a fim de garanti-lo.
Tal discussão deve ter como ponto de partida o reconhecimento de que a concretização do direito universal à saúde deve ocorrer principalmente por intermédio de políticas públicas, conforme prevê de forma expressa o art. 196 da CF, a serem estabelecidas no âmbito de gestão do SUS, a partir de critérios técnico-científicos quanto à sua eficácia, assim como econômicos quanto à sua possibilidade de custeio.
Nesse contexto, foi criada pela Lei n. 12.401/2011 a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde – Conitec, que dispõe sobre a assistência terapêutica e a incorporação de tecnologia em saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde.
A Comissão, assistida pelo Departamento de Gestão e Incorporação de Tecnologias em Saúde - DGITS, tem por objetivo assessorar o Ministério da Saúde - MS nas atribuições relativas à incorporação, exclusão ou alteração de tecnologias em saúde pelo SUS, bem como na constituição ou alteração de protocolo clínico ou de diretriz terapêutica.
Qualquer incorporação, exclusão ou alteração de medicamentos pelo SUS é efetuada mediante a instauração de processo administrativo, tratando-se, portanto, de ferramenta definidora de políticas públicas.
O custeio de tratamento médico por parte do Poder Público deve ser realizado dentro de diretrizes que permitam proporcionar o mais eficaz tratamento ao maior número de pessoas, o que torna imprescindível a observância de imperativos como o da economicidade na seleção, aquisição e dispensa de tratamentos.
A intervenção do Judiciário a fim de obrigar o Poder Público a fornecer determinado tratamento deve, assim, ocorrer de forma limitada, visando sobretudo à concretização do acesso universal aos tratamentos oferecidos pela rede pública ou a fim de corrigir ilegalidades, omissões ou equívocos nas decisões tomadas pelos órgão gestores desse sistema, garantindo-se, por um lado, a manutenção de equilíbrio do sistema único e, de outro, impedindo que eventual atuação omissiva ou falha do Estado implique em negação a direito fundamental do cidadão.
Não havendo evidências reais e suficientes que demonstrem erro do Poder Público na não inclusão do medicamento para fornecimento geral e universal à população e não existindo evidência científica suficiente da real superioridade do medicamento, em linhas gerais, não é cabível a dispensação do fármaco demandado judicialmente.
Nesta linha, é necessário destacar que em 19/09/2024 foi publicado o julgamento de mérito do Tema 1.234, no Supremo Tribunal Federal, em que se estabeleceu, dentre outros, critérios para análise judicial do ato administrativo de indeferimento de medicamento pelo SUS:
IV – Análise judicial do ato administrativo de indeferimento de medicamento pelo SUS.
4) Sob pena de nulidade do ato jurisdicional (art. 489, § 1º, V e VI, c/c art. 927, III, § 1º, ambos do CPC), o Poder Judiciário, ao apreciar pedido de concessão de medicamentos não incorporados, deverá obrigatoriamente analisar o ato administrativo comissivo ou omissivo da não incorporação pela Conitec e da negativa de fornecimento na via administrativa, tal como acordado entre os Entes Federativos em autocomposição no Supremo Tribunal Federal.
4.1) No exercício do controle de legalidade, o Poder Judiciário não pode substituir a vontade do administrador, mas tão somente verificar se o ato administrativo específico daquele caso concreto está em conformidade com as balizas presentes na Constituição Federal, na legislação de regência e na política pública no SUS.
4.2) A análise jurisdicional do ato administrativo que indefere o fornecimento de medicamento não incorporado restringe-se ao exame da regularidade do procedimento e da legalidade do ato de não incorporação e do ato administrativo questionado, à luz do controle de legalidade e da teoria dos motivos determinantes, não sendo possível incursão no mérito administrativo, ressalvada a cognição do ato administrativo discricionário, o qual se vincula à existência, à veracidade e à legitimidade dos motivos apontados como fundamentos para a sua adoção, a sujeitar o ente público aos seus termos.
4.3) Tratando-se de medicamento não incorporado, é do autor da ação o ônus de demonstrar, com fundamento na Medicina Baseada em Evidências, a segurança e a eficácia do fármaco, bem como a inexistência de substituto terapêutico incorporado pelo SUS.
4.4) Conforme decisão da STA 175-AgR, não basta a simples alegação de necessidade do medicamento, mesmo que acompanhada de relatório médico, sendo necessária a demonstração de que a opinião do profissional encontra respaldo em evidências científicas de alto nível, ou seja, unicamente ensaios clínicos randomizados, revisão sistemática ou meta-análise.
E em 30/09/2024, houve a publicação do julgamento do mérito do Tema 6, em que o Supremo Tribunal Federal acrescentou critérios para a análise judicial de concessão de medicamento registrado na ANVISA, mas não incorporado ao SUS, ao portador de doença grave que não possui condições financeiras para comprá-lo:
1.
A ausência de inclusão de medicamento nas listas de dispensação do Sistema Único de Saúde - SUS (RENAME, RESME, REMUME, entre outras) impede, como regra geral, o fornecimento do fármaco por decisão judicial, independentemente do custo.
2.
É possível, excepcionalmente, a concessão judicial de medicamento registrado na ANVISA, mas não incorporado às listas de dispensação do Sistema Único de Saúde, desde que preenchidos, cumulativamente, os seguintes requisitos, cujo ônus probatório incumbe ao autor da ação:
(a)
negativa de fornecimento do medicamento na via administrativa, nos termos do item ‘4’ do Tema 1.234 da repercussão geral;
(b)
ilegalidade do ato de não incorporação do medicamento pela Conitec, ausência de pedido de incorporação ou da mora na sua apreciação, tendo em vista os prazos e critérios previstos nos artigos 19-Q e 19-R da Lei nº 8.080/1990 e no Decreto nº 7.646/2011;
(c)
impossibilidade de substituição por outro medicamento constante das listas do SUS e dos protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas;
(d)
comprovação, à luz da medicina baseada em evidências, da eficácia, acurácia, efetividade e segurança do fármaco, necessariamente respaldadas por evidências científicas de alto nível, ou seja, unicamente ensaios clínicos randomizados e revisão sistemática ou meta-análise;
(e)
imprescindibilidade clínica do tratamento, comprovada mediante laudo médico fundamentado, descrevendo inclusive qual o tratamento já realizado; e
(f)
incapacidade financeira de arcar com o custeio do medicamento.
3.
Sob pena de nulidade da decisão judicial, nos termos do artigo 489, § 1º, incisos V e VI, e artigo 927, inciso III, § 1º, ambos do Código de Processo Civil, o Poder Judiciário, ao apreciar pedido de concessão de medicamentos não incorporados, deverá obrigatoriamente:
(a)
analisar o ato administrativo comissivo ou omissivo de não incorporação pela Conitec ou da negativa de fornecimento da via administrativa, à luz das circunstâncias do caso concreto e da legislação de regência, especialmente a política pública do SUS, não sendo possível a incursão no mérito do ato administrativo;
(b)
aferir a presença dos requisitos de dispensação do medicamento, previstos no item 2, a partir da prévia consulta ao Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário (NATJUS), sempre que disponível na respectiva jurisdição, ou a entes ou pessoas com expertise técnica na área, não podendo fundamentar a sua decisão unicamente em prescrição, relatório ou laudo médico juntado aos autos pelo autor da ação; e
(c)
no caso de deferimento judicial do fármaco, oficiar aos órgãos competentes para avaliarem a possibilidade de sua incorporação no âmbito do SUS”.
Dentro dessas premissas, passo à análise do caso concreto.
3.1. Caso concreto
A parte autora é portadora de Diabetes Mellitus tipo 1 (CID10 - E10) e, conforme prescrição médica, postula as seguintes tecnologias para o controle da doença:
Sistema de monitoramento Minimed 780g e seus insumos, assim como da Insulina Fiasp (Asparte) (
evento 90, ATESTMED45
).
Embora a nota técnica tenha se manifestado de forma desfavorável, o feito foi posteriormente submetido a perícia médica, cujas conclusões indicam o preenchimento dos requisitos necessários para a concessão das tecnologias pleiteadas.
Destaco, a seguir, os quesitos que merecem especial atenção (
evento 89, LAUDOPERIC1
):
" 1. O PACIENTE, pode aguardar por anos o encerramento do processo judicial, para iniciar seu tratamento conforme requerido ou é prudente que o inicie o quanto antes?
R: O paciente é portadora de Diabetes tipo 1 há 3 anos, doença evolutiva e crônica. É prudente que se inicie o uso da bomba de insulina com a maior rapidez possivel a fim de evitar complicações agudas e crônicas.
2. O PACIENTE, pelas constantes e gravíssimas hipoglicemias que manifesta sem sua percepção, sem o início do tratamento requerido, corre risco de morte e/ou tem agravado esse risco?
R: Sim, a hipoglicemia é a uma complicação aguda, frequente e que oferece risco iminente de morte caso não seja diagnosticada imediatamente com a aferição da glicemia e o consumo imediato de alimentos ricos em açucar para que a glicose suba. Pelo risco de tal complicação, os pais do autor medem sua glicemia de madrugada diversas vezes.
3. O PACIENTE já foi submetido ao tratamento convencional, disponibilizado ou não pelo SUS? Com estes tratamentos se alcançou o controle adequado do DIABETES?
R: As opções de insulina disponíveis pelo SUS não estão indicadas como melhores opções para crianças, muito menos para crianças tão pequenas, como foi o caso do autor quando descobriu a doença tendo apenas 1 ano. Mesmo com a familia se unindo para bancar o melhor tratamento disponível, não obteve bons resultados.
4. Há algum outro tratamento possível e eficaz o PACIENTE, disponibilizado ou não pelo SUS? Houve o esgotamento terapêutico?
R: Desde o diagnóstico, o autor esgotou medidas, investiu em insulinas com melhor perfil de ação (que em tese diminuem a variablidade glicêmica e reduzem a hipoglicemia) não disponibilizadas pelo SUS. Mas não conseguiu alcançar metas de glicose boas e não conseguiu reduzir as hipoglicemias frequentes do dia e principalmente da noite.
5. Pelos exames médicos de hemoglobina glicada de evento 1 - EXMMED10 e 19, na casa de 8-9%, não se percebe que o PACIENTE mesmo com muita hipoglicemia, detém percentuais elevados? E que se não fossem as hipoglicemias, os percentuais seriam ainda maiores, podendo inclusive ultrapassar os 10%?
R: Sim, percebe-se.
6. O tratamento requerido é imprescindível o PACIENTE?
R: Sim, é imprescindivel. E é importante ressaltar novamente que o paciente é extremamente jovem, com apenas 4 anos de idade. É sabido que o controle da doença nos 10 primeiros anos de diagnóstico é crucial para uma boa memória metabólica, conforme estudo de referência mundial Diabetes Control and Complications Trial / Epidemiology of Diabetes Interventions and Complications (DCCT/EDIC), e muito menor risco de complicações.
7. O PACIENTE com o controle adequado do DIABETES, retardará ou até mesmo evitará o aparecimento de comorbidades?
R: Espera-se que sim, já que é o melhor tratamento disponível para tal.
8. O PACIENTE com o tratamento requerido, reduzirá sua grave e lesiva variação glicêmica?
R: Espera-se que sim, já que é o melhor tratamento disponível para tal. A bomba com sensor acoplado percebe a tendência a hipoglicemia e pausa a liberação de insulina automaticamente, prevenindo a hipoglicemia.
9. Com o tratamento requerido, qual seja, bomba de insulina com o sensor acoplado, será possível evitar as tão lesivas hipoglicemias, que o PACIENTE tanto manifesta sem sua percepção?
R: Sim, com certeza.
10. Com o tratamento requerido, o risco de cetoacidose (coma diabético) da PACIENTE cairá consideravelmente?
R: Sim, com certeza.
11. Sabe-se que a o tratamento requerido é de fato um melhor tratamento, mas o tratamento pleiteado se restringe a isso? A apenas um melhor tratamento, no sentido de ser um luxo? Apenas um capricho, uma facilidade? Ou é de fato um melhor tratamento que beneficiará sobremaneira o PACIENTE, sendo imprescindível para sua saúde?
R: Não se trata de um luxo. No tratamento do diabetes tipo 1, em casos onde a variabilidade glicêmica existe a despeito da otimização do tratamento e da vontade do paciente, as hipoglicemias e as hiperglicemias aceleram o processo de complicações microvasculares e macrovasculares, causando danos irreparáveis e aumento da mortalidade. Essa é uma terapia final para controle dessa variabilidade com resultados futuros muito melhores na vida de quem usufrui desta tecnologia. Referência: Ceriello A, Monnier L, Owens D. Glycaemic variability in diabetes: clinical and therapeutic implications. Lancet Diabetes Endocrinol. 2019
12. Se o PACIENTE não tiver o bom controle do DIABETES e fatalmente incorrer nas comorbidades do DIABETES, poderá gerar gastos relevantes ao ESTADO, com o tratamento dessas comorbidades?
R: Sim. O tratamento das complicações microvasculares (como cegueira, doença renal crônica e amputalções) e macrovasculares (como infarto agudo do miocardio e acidente vascular cerebral) oneram muito o Estado, muito mais do que o custo com insumos e tecnologias como essa.
13. Não é verdade que, considerando a pouquíssima idade do PACIENTE, apenas 3 anos, mostra-se de fundamental importância conseguir o controle adequado, para que haja uma boa memória metabólica?
R: Sim, é fundamental.
14. Na mesma linha do quesito acima, considerando o estudo DCCT/EDIC, não é verdade que o controle glicêmico adequado nos primeiros 10 anos do diagnóstico de diabetes tipo 1 é IMPRESCINDÍVEL para REDUZIR a chance de complicações oculares, renais e neuropáticas - fenômeno chamado de memória metabólica?
R: Sim, de fato reduz consideravelmente esse risco.
15. Há algum motivo para desabonar a indicação médica feita pelo médico endocrinologista, Dr. Christopher Gallotti Vieira, CRM SC 12367 e RQE 11395 e 16652?
R: Não, estou de acordo com a indicação médica do endocrinologista assistente."
Cabe ainda destacar as respostas aos quesitos formulados pela União, apresentados em momento posterior (
evento 89, LAUDOPERIC1
):
(...)
2.Quais os tratamentos disponibilizados pelos programas de diabetes do SUS o paciente já realizou?
R: As opções de insulina disponíveis pelo SUS não estão indicadas como melhores opções para crianças, muito menos para crianças tão pequenas, como foi o caso do autor quando descobriu a doença tendo apenas 1 ano. Dessa forma, a familia uniu esforços para bancar o melhor tratamento disponível, e mesmo assim não obteve bons resultados.
3. Qual média dos valores das glicemias de jejum e pós-prandial?
R: Avaliado glicosímetro em pericia médica, as glicemias de jejum variam a depender das hipoglicemias da madrugada. Quando tem hipoglicemia (em média 3-4 vezes por semana) acaba acordando com glicemias mais altas (em média 250mg/dl) por ter comido de madrugada para controlar a hipoglicemia. Se não tem hipoglicemia, a média foi de 180mg/dl. Pós prandial a glicemia variou mas a média foi de 250mg/dl. Paciente apresenta variabilidade alta mesmo contando e corrigindo carboidratos corretamente (mãe sabe contar)
(...)
3. Outros esclarecimentos que entender necessários.
R: Reforço que diagnóstico de Diabetes tipo 1 é sempre catastrófico para o futuro dos portadores. Isso se intensifica ainda mais no caso de um paciente que abre o quadro da doença com apenas UM ANO DE IDADE. O paciente necessita do melhor tratamento disponivel para ter alguma chance de chegar a vida adulta sem complicações."
No presente caso, a idade da criança (4 anos), aliada à especificidade do quadro clínico, impõe atenção redobrada. Conforme apontado de forma clara pelo perito judicial, “desde o diagnóstico, o autor esgotou medidas, investiu em insulinas com melhor perfil de ação (que em tese diminuem a variabilidade glicêmica e reduzem a hipoglicemia), não disponibilizadas pelo SUS. Mas não conseguiu alcançar metas de glicose boas e não conseguiu reduzir as hipoglicemias frequentes do dia e principalmente da noite.”
Diante desse cenário, resta evidenciada a necessidade clínica individualizada da criança, especialmente porque, mesmo após o uso de alternativas terapêuticas mais modernas e com melhor perfil de ação do que aquelas atualmente disponibilizadas pelo SUS, não se observou resposta clínica eficaz, conforme atestado por avaliação técnica imparcial.
Ademais, especificamente em relação à insulina Asparte (Fiasp), trata-se de insulina análoga de ação rápida incorporada para o tratamento de diabetes mellitus do tipo 1, condicionada a negociação de preço e preenchimento do PCDT da doença, conforme Portaria n. 10 de 21 de fevereiro de 2017:
PORTARIA Nº 10, DE 21 DE FEVEREIRO DE 2017
Torna pública a decisão de incorporar insulina análoga de ação rápida para o tratamento da Diabetes Mellitus Tipo 1, no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS.
O SECRETÁRIO DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INSUMOS ESTRATÉGICOS DO MINISTÉRIO DA SAÚDE, no uso de suas atribuições legais e com base nos termos dos art. 20 e art. 23 do Decreto 7.646, de 21 de dezembro de 2011, resolve:
Art. 1º Fica incorporada insulina análoga de ação rápida para o tratamento da Diabetes Mellitus Tipo 1, mediante negociação de preço e conforme protocolo estabelecido pelo Ministério da Saúde, no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS.
Art. 2º O relatório de recomendação da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC) sobre essa tecnologia estará disponível no endereço eletrônico: http://conitec.gov.br/.
Art. 3º Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.
MARCO ANTONIO DE ARAUJO FIREMAN
Diante de todo o exposto, restando demonstrada a necessidade clínica específica da criança, a ausência de resposta satisfatória às terapias previamente utilizadas, bem como o fato de a insulina Asparte (Fiasp) já se encontrar incorporada ao SUS para o tratamento do diabetes mellitus tipo 1, mostra-se legítimo o pleito formulado na inicial. Assim, é de se reconhecer o direito da parte autora ao fornecimento da insulina análoga de ação rápida requerida.
Por outro lado, o pedido em relação à bomba de infusão merece maiores digressões, na medida em que versa sobre tecnologia não incorporada pela rede pública, circunstância que sequer suscita controvérsia.
O aspecto que demanda enfrentamento é a sua prévia análise ou não pela CONITEC, cujas recomendações de não incorporação seriam impeditivas de intervenção judicial, se aplicados os critérios do Tema 1234 do STF.
É preciso, todavia, ponderar uma relevante distinção.
Neste particular, o feito acaba por versar sobre tecnologia não categorizada como medicamento propriamente dito, muito embora o seu uso tenha como componente a infusão da insulina acima analisada.
Segundo informações publicadas no sítio oficial do fabricante
1
, a tecnologia envolve o uso conjunto de monitorização contínua de glicose (CGM), cujo funcionamento permite a medição dos níveis de glicose intersticial a cada 5 minutos, enviando informações para a bomba de insulina a ela interligada, de modo a estabelecer com maior precisão a dose a ser ministrada em caso de alteração. A bomba é capaz de aplicar mais insulina em tendência de hiperglicemia, ou menos insulina em tendência de hipoglicemia, evitando crises.
Junto ao monitor e a bomba de insulina, o usuário tem a inserção subcutânea de um conjunto de infusão, que permite efetivar o comando esta belecido na bomba, tudo de forma automatizada.
A figura abaixo descreve os seus componentes:
Neste sentir, parece ser correta a afirmação trazida pela parte autora de que a tecnologia requerida nesta ação é mais completa e não se confunde com o uso isolado dos sistemas "flash" avaliados pela CONITEC, pois aquelas tecnologias se limitam tão somente a tarefa de monitorização, diferentemente do sistema Minimed 780G, que já conta a efetiva ministração da insulina análoga, tudo de modo automatizado.
Em outras palavras, pode ser afirmado que a análise da CONITEC avaliou apenas uma parte do sistema, sem avaliar o conjunto, permitindo a conclusão de que a tecnologia se encontra na condição de "não avaliada", como o próprio NATJUS indicou em sua nota técnica.
Apenas para contextualizar, o relatório de análise da CONITEC
2
assim delimita a sua analise, em seu resumo executivo:
Tecnologia: O sistema flash de monitorização da glicose por escaneamento intermitente (SFGM) é uma abordagem menos invasiva e mais conveniente de monitorização contínua da glicose em indivíduos com Diabetes Mellitus (DM). O SFGM utiliza um sensor subcutâneo que mede a glicose no fluido intersticial continuamente, porém os dados são acessíveis apenas quando o sensor é escaneado com um leitor específico ou smartphone compatível. Esse método elimina a necessidade de punções frequentes nos dedos, reduzindo o desconforto e melhorando a adesão ao monitoramento glicêmico.
Entre os equipamentos relacionados pela comissão, quando da análise dos dispositivos para monitorização contínua da glicose, de fato está o "
Guardian Sensor 4
", aparentemente uma versão mais atual do sensor que integra o sistema Minimed 780G (
Guardian Sensor 3
3
).
Não menos importante também mencionar que a perícia médica afastou a similaridade entre as análises da comissão e a tecnologia postulada, quando se reportou à análise isolada das bombas de insulina, entre os anos de 2017 e 2018.
Nesse sentido, transcrevo abaixo o quesito formulado pelo juízo e a respectiva resposta fornecida pelo perito (
evento 89, LAUDOPERIC1
):
3. Houve específica análise pela CONITEC sobre esta tecnologia em comparação aos demais medicamentos incorporados ao SUS para tratamento da doença que acomete o(a) autor(a)?
R: O parecer da CONITEC em relação as bombas de infusão é de 2018, quando foi decidido pela não incorporação das bombas de insulina ao SUS. As literaturas consideradas nesse parecer eram de 2017, todas avaliaram bombas de insulina sem o sistema INTEGRADO. As bombas consideradas e avaliadas pela CONITEC na ocasião não continham sistema integrado de liberação de insulina + sistema de sensor. As bombas há 7 anos atrás eram completamente diferentes e inferiores ao sistemas que possuímos hoje, onde há comunicação em tempo real entre a glicemia do paciente e a liberação de insulina, principalmente em relação ao sistema integrado que prevê a hipoglicemia e automatiza a interrupção da insulina. Em resumo, apesar de haver um parecer antigo da CONITEC, ele está defasado e não contempla o sistema da bomba atual. As bombas de insulina Veo com sistema integrado, 640 e 780G não foram avaliadas pela CONITEC porque surgiram após a elaboração do parecer de 2018.
Portanto, indene de dúvidas a perspectiva de que esta ação vai além e busca satisfazer o tratamento mediante a concessão de
sistema integrado de funções, condição específica não avaliada pela CONITEC.
Neste sentido já decidiu o Tribunal Regional Federal da 4ª Região:
EMENTA: SAÚDE. FORNECIMENTO DE BOMBA DE INFUSÃO DE INSULINA COM SISTEMA INTEGRADO MINIMED E INSUMOS. DIABETES MELLITUS TIPO I. VIABILIDADE. 1. O Ministério da Saúde, após parecer da CONITEC (Relatório n.º 375/2018), deixou de incorporar a BOMBA DE INFUSÃO DE INSULINA ao SUS para o tratamento de pacientes com diabetes (Portaria SCTIE n.º 38, de 11 de setembro de 2018). 2.
A CONITEC, no entanto, restringiu seu exame à bomba de infusão de insulina em si, excluindo do âmbito de sua avaliação a associação de tal equipamento a um sensor de monitoramento contínuo de glicose.
3. A perícia médica ratificou a prescrição da médica assistente, destacando o esgotamento das alternativas disponíveis no SUS, bem como a eficácia e superioridade técnica do equipamento postulado. 4. Considerando que o pedido formulado nesta ação difere da deliberação administrativa da CONITEC, não há óbice à concessão judicial do produto, sobretudo diante do esgotamento, sem resposta satisfatória, das alternativas terapêuticas disponíveis no SUS e da imprescindibilidade clínica do tratamento proposto. (TRF4, SuspApel 5002567-90.2025.4.04.0000, 9ª Turma , Relatora para Acórdão LUÍSA HICKEL GAMBA , julgado em 04/04/2025)
Feitas as necessárias distinções de que não se trata de tecnologia a rigor analisada pela CONITEC, nem mesmo medicamento a ponto de estabelecer a necessidade de observância ao disposto no Tema 1234 do STF, incumbiria à parte autora a demonstração de que o tratamento é adequado e significativamente superior ao que o SUS oferece. Este encargo restou desincumbido, conforme quesitos a seguir (
evento 89, LAUDOPERIC1
):
"2. Considerando o histórico da doença e a linha de tratamento adotada, é adequada a indicação do(s) medicamento(s) pleiteado(s) na inicial, para o caso clínico do(a) autor(a)?
R: Sim, se trata de uma tratamento que oferece um controle glicêmico muito superior e muito menor chance de complicações a longo prazo.
(...)
4. O(s) medicamento(s)/insumo(s) pleiteado(s) pode(m) ser considerado(s) mais seguro(s) e mais eficiente(s) quando comparado(s) com os demais medicamentos existentes no SUS?
R: Se trata do melhor tratamento disponível, capaz de trazer ao paciente diabético tipo 1 expectativa de vida maior, menores complicações e muito mais segurança, já que o sistema prevê a hipoglicemia e suspende a liberação de insulina.
(...)
6. Há algum motivo que impeça o(a) autor(a) de utilizar tais medicamentos fornecidos pelo SUS?
R: Paciente tem apenas 4 anos de idade, tendo diagnosticado o diabetes com UM ano de idade. As insulinas disponibilizadas pelo SUS tem maior variabilidade glicêmica e menor controle, se trata de uma criança muito pequena, que deve utilizar as insulinas mais estáveis do mercado pois irá viver praticamente a VIDA TODA com diabetes, suas chances de complicações são infinitamente maiores."
Embora a tecnologia aparentemente não possa de fato ser direcionada a qualquer quadro clínico de diabetes mellitus do tipo 1, o caso concreto seguramente não é mera escolha do melhor tratamento.
Chego a essa conclusão diante da constatação de que os responsáveis pela parte autora adotam conduta cuidadosa e disciplinada frente ao manejo da doença, conforme evidenciado nos autos. Ainda assim, o quadro glicêmico da criança permanece descompensado, sobretudo nos períodos noturnos, mesmo com o uso de insulinas mais modernas que as atualmente disponibilizadas pelo SUS, demonstrando a ineficácia dos recursos até então empregados.
Ademais, embora se trate de criança com apenas 4 anos de idade, o laudo médico aponta risco concreto à sua integridade física, sobretudo em razão de episódios recorrentes de hipoglicemias noturnas assintomáticas, que podem configurar situação de potencial risco à vida, caso não haja controle mais eficaz da condição clínica.
Para agravar sua situação, o uso das tecnologia postuladas foi orçado em R$ 104.646,99, o que seguramente supera a capacidade financeira do seu núcleo familiar, segundo consta dos documentos anexados no
evento 1, CHEQ7
e no
evento 1, CHEQ8
.
Nestas condições, em que demonstrado que a parte autora já superou linhas prévias superiores às oferecidas pela rede pública, sem êxito no controle da doença, não possuindo condições financeiras de obter o tratamento adequado por meios próprios, não pode ser outra a conclusão, se não a de que o o uso da tecnologia postulada é indispensável ao controle da doença e a preservação de sua saúde, forte no laudo médico produzido em juízo e em toda documentação acostada.
Com efeito, entendo que estão suficientemente demonstrados tanto a probabilidade do direito alegado quanto a urgência necessária, atendendo assim aos requisitos previstos no artigo 300 do Código de Processo Civil para o deferimento da tutela provisória de urgência.
3.2. Direcionamento da Obrigação
O cumprimento da obrigação, inclusive em sede de tutela de urgência, deve ocorrer nos seguintes moldes: a União deverá financiar e adquirir o(s) medicamento(s), devendo ajustar administrativamente com o Estado de Santa Catarina para que este promova a entrega do(s) fármaco(s) na Secretaria Regional de Saúde mais próxima da residência da parte autora, sem prejuízo do redirecionamento no caso de descumprimento.
Destaco que tal forma de cumprimento não pretende eximir totalmente os demais réus da obrigação de fazer, mas apenas determinar a forma inicial de cumprimento da decisão, observando o quanto decidido no Tema 1234 pelo STF. Assim, havendo descumprimento por parte da União, os demais réus poderão ser intimados para dar cumprimento ao determinado na decisão, uma vez que reconhecida a existência de solidariedade entre eles. Dessa forma, também se sujeitarão às penalidades já estabelecidas ou às que vierem a ser oportunamente determinadas.
3.3. Coeficiente de Adequação de Preços para Compra de Medicamento Adquirido por Força de Ordem Judicial
O Coeficiente de Adequação de Preços – CAP, estabelecido na Resolução CMED nº 4, de 18 de dezembro de 2006, é um desconto mínimo obrigatório, atualizado anualmente, que deve ser aplicado sempre que forem realizadas vendas de medicamentos, constantes do rol divulgado pela CMED e nas compras de todos os medicamentos por força de decisão judicial, destinadas aos entes da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, independentemente de constarem da relação de produtos cujos preços serão a ele submetidos.
O CAP será aplicado sobre o Preço Fábrica - PF e resultará no Preço Máximo de Venda ao Governo (PMVG).
De acordo com a Resolução n. 3, de 02 de março de 2011, o Coeficiente de Adequação de Preços (CAP) deve ser aplicado pelas distribuidoras, empresas produtoras de medicamentos, representantes, postos de medicamentos, unidades volantes, farmácias e drogarias, aos produtos definidos no art. 2º da Resolução, inclusive aos produtos comprados por força de decisão judicial, sempre que realizarem vendas destinadas a entes da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Importante destacar que recentemente a Corregedoria Regional da Justiça Federal da 4ª Região, nos autos do processo SEI nº 0000926-45.2024.4.04.8001, com base na Recomendação nº 146 de 28/11/2023 do Conselho Nacional de Justiça, formulou recomendação aos juízes para que incluam nas decisões que deferem aquisições judiciais de medicamentos com o uso de recursos públicos a obrigatoriedade da aplicação do CAP e PMVG, mencionando que " a obrigatoriedade do CAP foi confirmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no RMS 28.487/DF, reforçando a constitucionalidade do desconto como fator de ajuste de preços;".
Vale dizer que o STF, no julgamento do Tema 1234, sedimentou a importância da matéria, ao utilizar o PMVG como parâmetro para fins de análise da competência, bem como ao estabelecer que na determinação judicial de fornecimento de medicamento o magistrado deverá estabelecer que o valor de venda do medicamento seja limitado ao preço com desconto, proposto no processo de incorporação na Conitec (se for o caso, considerando o venire contra factum proprium/tu quoque e observado o índice de reajuste anual de preço de medicamentos definido pela CMED), ou valor já praticado pelo ente em compra pública, aquele que seja identificado como menor valor, tal como previsto na parte final do art. 9º na Recomendação 146, de 28.11.2023, do CNJ. Sob nenhuma hipótese, consignou o STF, poderá haver pagamento judicial às pessoas físicas/jurídicas referenciadas em valor superior ao teto do PMVG, devendo ser operacionalizado pela serventia judicial junto ao fabricante ou distribuidor.
A respeito do preço de eventual aquisição do medicamento na rede privada, à vista da presente decisão, deverá o fornecedor ser informado de que se trata de aquisição por ordem judicial, com recursos públicos, a fim de que seja aplicado o Coeficiente de Adequação de Preços (CAP) previsto na Resolução n. 3, de 2011, da CMED.
No momento da solicitação dos orçamentos, caberá à própria parte exequente apresentar cópia da presente decisão (que é assinada digitalmente e pode ser conferida no link que a acompanha) diretamente às empresas fornecedoras (drogarias, distribuidoras, laboratórios etc.).
Autorizo que cópia(s) desta decisão/despacho sirva(m) de OFÍCIO para as empresas fornecedoras (drogarias, distribuidoras, laboratórios etc.).
Eventual recusa do fornecedor na aplicação do CAP deverá ser comprovada nos autos pela parte exequente, o que poderá ensejar a representação às autoridades competentes para a aplicação das sanções previstas na Lei n. 10.
3.4.
Condicionantes
Visando preservar a organização e a segurança na dispensação da tecnologia pleiteada, fixo as seguintes condicionantes:
a) Renovação trimestral da receita médica e respectiva apresentação no local de retirada dos medicamentos;
b)
Apresentação trimestral de relatório atualizado do médico prescritor acerca do estado clínico do(a) paciente, com informações detalhadas sobre o progresso do tratamento, incluindo melhorias, estabilizações ou deteriorações no estado de saúde, assim como qualquer mudança relevante no plano terapêutico (cf. Tema 1234 do STF, item 5.4);
c) Apresentação de dados atualizados do paciente e de seu advogado à Gerência de Saúde responsável pela entrega dos medicamentos, como endereço residencial e/ou profissional, endereço eletrônico, e telefone;
d) Acondicionamento do(s) fármaco(s) recebido(s) em conformidade com as informações e especificações do laboratório fabricante;
e) Comunicação imediata (prazo de 48 horas) ao responsável pela dispensação/ministração do(s) medicamento(s) acerca da ocorrência de suspensão/interrupção do tratamento, com devolução dos fármacos excedentes ou não utilizados;
O ente público réu fica autorizado a suspender o fornecimento da tecnologia acaso sonegadas, injustificadamente, quaisquer informações dentre as estabelecidas acima.
3.5
.
Impossibilidade de vinculação ao nome comercial (DCB)
A Lei n. 9.787/99, ao estabelecer o medicamento genérico e dispor sobre a utilização de nomes genéricos em produtos farmacêuticos, proibiu as aquisições de medicamentos e prescrições médicas, no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS, pelo nome comercial.
Assim, cabe ao poder público observar na aquisição dos medicamentos a Denominação Comum Brasileira (DCB) - denominação do fármaco ou princípio farmacologicamente ativo aprovada pelo órgão federal responsável pela vigilância sanitária ou, em sua falta, a Denominação Comum Internacional (DCI) recomendada pela organização Mundial de Saúde (art. 3º, incisos XVIII e XVX, da Lei 6.360/76 - com redação dada pela Lei n. 9.787/99).
4.
Ante o exposto, presentes os requisitos exigidos pelo artigo 300 do Código de Processo Civil,
DEFIRO o pedido de tutela de urgência
, determinando aos réus o fornecimento da
insulina análoga de ação rápida e do sistema de monitoramento Minimed 780G
e seus insumos
à parte autora, conforme prescrição médica (
evento 90, ATESTMED45
), a ser efetivado nos termos da fundamentação, sem intervenção judicial, no prazo máximo de 15 (quinze) dias, observadas as condicionantes acima estabelecidas, inclusive o Coeficiente de Adequação de Preços – CAP.
Gratuidade de justiça deferida em sede recursal (
processo 5025004-62.2024.4.04.0000/TRF4, evento 27, ACOR1
).
Intimem-se os réus, com urgência, em virtude do prazo de 15 (quinze) dias fixado para o fornecimento da tecnologia.
Intime-se a parte autora acerca desta decisão e de que, a fim de não tumultuar o andamento destes autos de conhecimento,
eventual notícia de descumprimento da obrigação pelos réus deve ser autuada em apartado
(utilizando-se para tanto as classes "petição" ou "procedimento do juizado especial cível" - em razão de o sistema processual não permitir ao advogado, atualmente, a distribuição de cumprimento provisório de sentença por dependência a processos de competência do JEF), de forma autônoma e distribuída por dependência aos presentes autos, acompanhada de receita médica atualizada e três orçamentos atualizados que indiquem o valor e a quantidade de medicamento(s)/insumo(s) necessário(s) para 3 (três) meses de tratamento, com a aplicação do Coeficiente de Adequação de Preços (CAP), assim como dos dados bancários para eventual transferência de valores, caso a medida deferida venha ser efetivada por depósito judicial.
Citem-se.
Após a(s) contestação(ões), intime-se a parte autora para réplica e indicação justificada de provas, se for o caso, no prazo de 15 (quinze) dias.
Dê-se vista dos autos ao MPF, no prazo de 30 (trinta) dias.
Na sequência, retornem conclusos para julgamento, salvo necessidade de maior dilação probatória.
1. https://info.medtronicdiabetes.com/MiniMed780G_BR (acesso em 02/05/2024)
2. https://www.gov.br/conitec/pt-br/midias/relatorios/2025/relatorio-de-recomendacao-no-956-sistema-flash-de-monitoramento (acesso em 02/05/2025)
3. https://info.medtronicdiabetes.com/MiniMed780G_BR (acesso em 02/05/2025)
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