Processo nº 1004469-21.2025.8.11.0000
ID: 299837948
Tribunal: TJMT
Órgão: Terceira Câmara de Direito Privado
Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO
Nº Processo: 1004469-21.2025.8.11.0000
Data de Disponibilização:
16/06/2025
Polo Ativo:
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1004469-21.2025.8.11.0000 Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Assunto: [Inadimplemento, Ato / Negócio Jurídico,…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1004469-21.2025.8.11.0000 Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Assunto: [Inadimplemento, Ato / Negócio Jurídico, Liminar] Relator: Des(a). ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES Turma Julgadora: [DES(A). ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES, DES(A). CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, DES(A). DIRCEU DOS SANTOS] Parte(s): [MARCIA REJANE WAGNER - CPF: 015.349.287-23 (ADVOGADO), JARIO GOMES DE ALMEIDA - CPF: 534.889.891-00 (AGRAVANTE), ALZERI BORMANN - CPF: 053.714.438-27 (ADVOGADO), FRIGORIFICO MONTE VERDE - CNPJ: 07.669.718/0001-14 (AGRAVADO), SARA PRADO DOS SANTOS - CPF: 692.234.089-20 (AGRAVADO), QUEDIMA MARIA LOPES - CPF: 557.032.916-15 (AGRAVADO), JEREMIAS PRADO DOS SANTOS - CPF: 589.341.389-04 (AGRAVADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, PROVEU PARCIALMENTE O RECURSO. E M E N T A DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO MONITÓRIA – GRATUIDADE DE JUSTIÇA – INDEFERIMENTO – PARCELAMENTO AUTORIZADO – TUTELA DE URGÊNCIA PARA BLOQUEIO DE BENS – INDEFERIMENTO – CUMULAÇÃO DE PEDIDOS – INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA – REQUERIMENTO DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA – POSSIBILIDADE – DECISÃO REFORMADA NO PONTO – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. O parcelamento das custas processuais é medida legítima quando ausente comprovação concreta de hipossuficiência que justifique a concessão da gratuidade plena. O bloqueio cautelar de bens exige demonstração objetiva e suficiente de risco e fraude, ausente no caso concreto. É incabível a cumulação de pedidos que demandem cognição exauriente no bojo da ação monitória. A formulação do pedido de desconsideração da personalidade jurídica pode ser realizada na petição inicial da ação monitória, dispensando-se a instauração de incidente processual autônomo, conforme art. 134, §2º, do CPC. TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 1004469-21.2025.8.11.0000 AGRAVANTE: JARIO GOMES DE ALMEIDA AGRAVADOS: FRIGORÍFICO MONTE VERDE LTDA. E OUTROS R E L A T Ó R I O EXMA. SRA. DESA. ANTÔNIA SIQUEIRA GONÇALVES (RELATORA) Egrégia Câmara: Trata-se de recurso de agravo de instrumento interposto por JARIO GOMES DE ALMEIDA, contra decisão interlocutória proferida pelo MM. Juiz Jacob Sauer, da 5ª Vara da Comarca de Alta Floresta/MT, que, nos autos da Ação Monitória nº. 1005474-91.2024.8.11.0007, movida em face de FRIGORÍFICO MONTE VERDE LTDA., JEREMIAS PRADO DOS SANTOS, QUEDIMA MARIA LOPES e SARA PRADO DOS SANTOS, indeferiu o pedido de tutela de urgência, rejeitou a cumulação de pedidos e não conheceu os pleitos de desconsideração da personalidade jurídica e anulação contratual, e ainda, deferiu o parcelamento das custas processuais sem analisar o pedido de justiça gratuita. O agravante sustenta a presença dos requisitos do art. 300 do CPC, apontando probabilidade do direito oriundo da inadimplência de R$136.000,00 (cento e trinta e seis mil reais) pela venda de gado, acrescida de R$41.045,44 (quarenta e um mil, quarenta e cinco reais e quarenta e quatro centavos) referentes a empréstimos bancários contratados para cobrir o prejuízo, além da existência de indícios de dilapidação patrimonial pela parte ré, que teria transferido 99% de suas cotas sociais. Argumenta que tais circunstâncias autorizam o bloqueio cautelar dos bens, medida que foi indeferida pelo juízo singular, sob o fundamento de ausência de prova robusta da alegada fraude. Defende que os pedidos de indenização por danos morais e materiais, anulação de alterações contratuais e desconsideração da personalidade jurídica são conexos e decorrem de um mesmo núcleo fático – a inadimplência contratual e a conduta lesiva da empresa ré –, sendo, portanto, cabível a cumulação, nos termos do art. 327 do CPC. Aponta que o art. 134, § 2º, do CPC autoriza que o requerimento de desconsideração da personalidade jurídica seja formulado na petição inicial, sem a necessidade de instauração de incidente apartado. Alega a existência de fraude contra credores e esvaziamento patrimonial, o que justificaria o levantamento do véu societário. Requer a apreciação dos pedidos de indenização por danos morais e materiais, afirmando que decorrem diretamente do inadimplemento da obrigação pela empresa ré, amparando-se nos arts. 186 e 927 do Código Civil e em precedentes jurisprudenciais que admitem a cumulação desses pedidos na ação monitória, desde que haja nexo de causalidade e base fática comum. Requer o deferimento integral do benefício da gratuidade, com base no art. 99, § 3º, do CPC, afastando-se a exigência de parcelamento das custas. Alega ser idoso e pequeno agricultor em situação de hipossuficiência econômica, fato demonstrado por documentos fiscais, declaração de IR, comprovantes de dívida bancária e demais provas anexadas. Diante do exposto, requer a concessão de efeito ativo, com fundamento no art. 1.019, I, do CPC, tanto para autorizar o bloqueio de bens da parte agravada, como para deferir de imediato a gratuidade da justiça, por se tratar de medidas urgentes e reversíveis. No mérito, pugna pelo provimento do agravo de instrumento para que: (a) seja deferido o bloqueio de bens da parte agravada; (b) se reconheça a possibilidade de cumulação dos pedidos formulados na inicial; (c) seja conhecida e apreciada a pretensão de desconsideração da personalidade jurídica; (d) sejam analisados os pedidos de indenização por danos morais e materiais; e (e) seja concedida integralmente a justiça gratuita, afastando o parcelamento das custas (Id. 268852250). O efeito suspensivo/ativo foi indeferido em 24/03/2025, por esta Relatoria (Id. 274453877). Os agravados não apresentaram contraminuta, conforme certificado (Id. 286676894). O preparo foi recolhido (Id. 271527394). É o relatório. VOTO EXMA. SRA. DESA. ANTÔNIA SIQUEIRA GONÇALVES (RELATORA) Egrégia Câmara: Cinge-se dos autos que JARIO GOMES DE ALMEIDA, pequeno agricultor e idoso, ajuizou a ação monitória cumulada com pedidos de danos morais e materiais, anulação de alteração contratual, desconsideração da personalidade jurídica e tutela de urgência contra o FRIGORÍFICO MONTE VERDE LTDA. e seus sócios. Alega ter vendido gado no valor de R$136.000,00 (cento e trinta e seis mil reais) à empresa requerida em 02/02/2022, sem que houvesse o pagamento acordado à vista. Diante da inadimplência, foi forçado a contrair empréstimo bancário de R$100.000,00 (cem mil reais), cujo pagamento gerou acréscimo de R$41.045,44 (quarenta e um mil, quarenta e cinco reais e quarenta e quatro centavos) em encargos, totalizando prejuízo material nesse valor. Afirma que a requerida, com o objetivo de fraudar credores, realizou diversas alterações contratuais ilícitas — notadamente a 10ª —, por meio das quais o sócio majoritário transferiu cotas para a própria empresa, gerando confusão patrimonial e impossibilitando a satisfação dos débitos. Ressalta a existência de mais de mil ações de execução em face do frigorífico e que, embora este alegue insolvência, o sócio majoritário ainda possui diversos bens. Defende a ocorrência de fraude intencional e dolosa, com planejamento para lesar pequenos produtores rurais, configurando dano moral relevante, além de justificar a incidência da responsabilidade civil objetiva do Estado pela omissão administrativa ao permitir registros societários fraudulentos. Invoca a teoria do risco administrativo, o poder geral de cautela e dispositivos legais que autorizam a desconsideração da personalidade jurídica (arts. 50 do CC e 134, §2º, do CPC). Diante do que exposto, postulou, inicialmente, pela tutela de urgência, para bloqueio de bens suficientes à garantia do crédito; o pagamento da quantia de R$324.356,48 (trezentos e vinte e quatro mil, trezentos e cinquenta e seis reais e quarenta e oito centavos) com a inclusão dos réus nos cadastros de inadimplentes, conforme art. 782, §3º, do CPC, além dos danos morais e materiais, e ainda a anulação da 10ª alteração contratual e seguintes, por fraude, bem como a desconsideração da personalidade jurídica da empresa para atingir o patrimônio dos sócios. O magistrado “a quo” indeferiu a tutela de urgência, nos seguintes termos: “Trata-se de embargos de declaração (id. 165198983) manejados pelo autor JARIO GOMES DE ALMEIDA em desfavor de FRIGORÍFICO MONTE VERDE LTDA e outros, em face da decisão lançada no id. 164627415. Sustenta que a decisão é omissa quanto aos pedidos de tutela de urgência, desconsideração da personalidade jurídica, anulação de alteração contratual, indenização por danos material e moral e justiça gratuita. É o relato do essencial. Decido. Os embargos de declaração, estabelece o art. 1.022 do CPC, são espécie de recurso de fundamentação vinculada, pois se destinam única e exclusivamente a: a) esclarecer obscuridade ou eliminar contradição; b) suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento; c) corrigir erro material. Em análise dos autos, vê-se que razão assiste à parte embargante, porém, em parte. Este juízo determinou que o Embargante apresentasse documentos que comprovassem a condição da hipossuficiência alegada ou fosse procedido o recolhimento das custas processuais, sendo então, solicitado o parcelamento do débito, o que foi deferido (id. 164627415). Portanto, não há o que se falar em omissão quanto ao benefício da JG. Passa-se, então, a análise da tutela antecipada requerida. Sabe-se que para a concessão de tal medida, devem estar presentes os requisitos do art. 300 do CPC, a saber, probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. Pelo acervo documental carreado aos autos, não pariam dúvidas acerca da existência da relação jurídica entre as partes. Entretanto, o argumento deduzido pelo autor para amparar a medida antecipatória postulada, padece de elementos concretos ou mesmo de robustos indícios acerca de eventual dissipação patrimonial da parte ré. A existência de várias ações em desfavor da parte executada, bem como a alteração contratual de 99% das cotas do sócio para a empresa ré, ocorrida em 12.08.2021, data esta, inclusive, anterior ao negócio jurídico por eles celebrado, por si só, não autorizam o deferimento do arresto de bens da parte devedora, como pretendido nestes autos. Como dito anteriormente, por ser uma medida excepcional, para o acolhimento da pretensão do postulante, seria necessário um conjunto de provas robustas que testificassem o intuito de lesar o credor e/ou de delapidação patrimonial, necessitando, portanto, de uma maior dilação probatória. Por essas razões, INDEFIRO o pedido de tutela antecipatória quanto ao bloqueio de bens da parte ré. (...) Quanto aos pedidos de “anulação da 10ª alteração contratual e seguintes”, “desconsideração da personalidade jurídica”, “danos materiais e morais”, entendo que sequer comportam análise em sede de ação monitória, eis que inadequada a via eleita. O art. 327 do CPC dispõe que “É lícita a cumulação, em um único processo, contra o mesmo réu, de vários pedidos, ainda que entre eles não haja conexão”, porém, desde que haja compatibilidade entre os pedidos e o procedimento seja adequado para todos os pleitos. Como é cediço, a ação monitória diz respeito a um procedimento judicial que permite tão somente ao credor cobrar uma dívida com base em prova escrita, mas sem eficácia de título executivo; sendo assim, inadequadas, nesta lide, discussões de alta complexidade ou que envolvam matéria controvertida e necessitam de ampla dilação probatória. Dito isso, tendo o autor adotado o procedimento especial ao invés do rito ordinário, incabível a cumulação dos pleitos na forma arguida e pretendida na presente ação monitória. Neste sentido: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO MONITÓRIA C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS - INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA - INCOMPATIBILIDADE ENTRE OS PROCEDIMENTOS. - A cumulação de pedidos é possível sempre que preenchidos os requisitos previstos no art. 327 do Código de Processo Civil, quais sejam: compatibilidade dos pedidos; a competência; a identidade do procedimento ou conversibilidade para o procedimento comum e o emprego do procedimento comum. Em tendo sido adotado o rito especial em detrimento do rito ordinário, a cumulação dos pedidos não pode ser aceita. (TJ-MG - AC: 50830514520198130024, Relator: Des.(a) Domingos Coelho, Data de Julgamento: 26/09/2023, 12ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 26/09/2023). Ante o exposto, CONHEÇO e ACOLHO PARCIALMENTE os embargos de declaração para INDEFERIR a tutela antecipada postulada pela parte autora pelas razões acima esposadas. Fica restabelecido o prazo recursal. Concedo o prazo de 15 dias para o autor emendar à inicial, atendo-se ao regramento do procedimento monitório, sob pena de extinção. Em relação ao parcelamento do débito, deverá o autor se ater ao contido no id. 164697385. Atendidos os itens acima, cumpra-se a decisão id. 164627415, no que se refere a expedição do mandado de pagamento. Caso contrário, retornem os autos à conclusão. Intimem-se”. Para a adequada apreciação do presente recurso, impõe-se a análise detida de diversos pontos controvertidos suscitados nas razões recursais, os quais exigem exame técnico sob a ótica constitucional, legal e jurisprudencial. Inicialmente, torna-se imprescindível avaliar o pedido de gratuidade da justiça, com base no art. 99, §3º, do CPC, considerando os documentos colacionados que alegadamente demonstram a hipossuficiência do agravante, bem como a regularidade do deferimento do parcelamento das custas sem apreciação expressa da benesse postulada. Embora o agravante tenha requerido o benefício da gratuidade da justiça, nos termos dos arts. 98 e 99 do Código de Processo Civil, e tenha instruído a inicial com declaração de hipossuficiência (Id. 159967082), documentos de identificação, declaração de imposto de renda e comprovantes de dívida bancária, tais elementos, isoladamente considerados, não demonstram de forma convincente a incapacidade de arcar com as despesas processuais, sobretudo diante do valor da causa que ultrapassa os R$300.000,00 (trezentos mil reais) e da ausência de elementos que evidenciem situação de extrema carência. Diante desse cenário, revela-se legítima a manutenção do parcelamento anteriormente deferido, o qual já configura uma forma mitigada de acesso à jurisdição, em consonância com o princípio da proporcionalidade e o disposto no § 5º do art. 98 do CPC, que autoriza o parcelamento como alternativa à gratuidade plena. A propósito: “RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO – EMBARGOS À EXECUÇÃO – GRATUIDADE DE JUSTIÇA – INDEFERIMENTO NA ORIGEM – HIPOSSUFICIÊNCIA NÃO COMPROVADA – ELEMENTOS QUE INDICAM A CAPACIDADE FINANCEIRA – AUSÊNCIA DE PRESUNÇÃO DE VERACIDADE DA HIPOSSUFICIÊNCIA DE PESSOA JURÍDICA – APLICAÇÃO DA SÚMULA N. 481 DO STJ – PARCELAMENTO AUTORIZADO – RECURSO DESPROVIDO. A declaração de hipossuficiência financeira de pessoa jurídica não se reveste da presunção juris tantum de veracidade, devendo a gratuidade de justiça ser negada à míngua de comprovação. Se a parte interessada possui condições de arcar com as custas sem que tenha a própria manutenção prejudicada, pode ser facultado o parcelamento em virtude de eventual ausência de liquidez momentânea.” (TJ-MT - AGRAVO DE INSTRUMENTO: 1002340-77.2024.8.11.0000, Relator.: MARILSEN ANDRADE ADDARIO, Data de Julgamento: 03/04/2024, Segunda Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 09/04/2024) Assim, ausente demonstração concreta da miserabilidade jurídica, indefere-se o pedido de justiça gratuita, mantendo-se, contudo, o parcelamento das custas processuais já concedido pelo juízo de origem. Prosseguindo, no que tange a presença dos requisitos da tutela de urgência previstos no art. 300 do CPC, notadamente a probabilidade do direito alegado e o risco de dano irreparável ou de difícil reparação para bloqueio de bens da parte agravada, decorrente da suposta dilapidação patrimonial da parte agravada, a decisão não comporta retificação. No caso em análise, o magistrado de primeiro grau indeferiu o pedido de tutela de urgência entendendo que os elementos apresentados não demonstravam, de forma robusta, a existência de fraude ou dilapidação patrimonial por parte da empresa ré. Conquanto o agravante alegue que a requerida possui histórico de inadimplência reiterada, reforçada pela existência de múltiplas ações de execução em seu desfavor, bem como mencione alterações societárias consideradas suspeitas, a análise dos autos revela que tais elementos se mostram, por ora, insuficientes para a formação do juízo de probabilidade exigido pelo caput do art. 300 do CPC. A mera existência de ações judiciais em trâmite, por si só, não traduz elemento hábil à configuração de risco iminente de frustração da prestação jurisdicional, tampouco serve como presunção automática de esvaziamento patrimonial, sobretudo quando ausentes documentos demonstrativos de movimentações financeiras atípicas, alienações patrimoniais recentes, ou ocultação de ativos. Importante destacar que a concessão de tutela de urgência de natureza cautelar exige demonstração concreta do periculum in mora, entendido este como a iminência de dano irreversível ou de difícil reparação, o que não se confunde com a mera insegurança jurídica decorrente da inadimplência. No caso vertente, ainda que o autor alegue prejuízo decorrente da inadimplência e sustente que contraiu empréstimo para cobrir suas perdas, o fato é que tais elementos relacionam-se diretamente à relação contratual originária e à consequente pretensão de crédito, cuja existência e exigibilidade ainda se submete à fase inicial do procedimento monitório. Não há, contudo, prova concreta de que a parte agravada tenha adotado condutas voltadas à frustração deliberada da execução ou de que tenha realizado atos de disposição patrimonial com intuito de ocultação ou fraude contra credores, circunstâncias estas imprescindíveis à concessão de medida de constrição cautelar. A jurisprudência encampa essa conclusão: “AGRAVO – AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL C/C RESTITUIÇÃO CONTRATUAL, RESTITUIÇÃO DE QUANTIA PAGA E DANOS MATERIAIS E MORAIS – PEDIDO DE TUTELA DE URGENCIA PARA BLOQUEIO DE VALORES DA EMPRESA REQUERIDA INDEFERIDO NA ORIGEM – NÃO DEMONSTRAÇÃO DOS REQUISITOS EXIGIDOS PELA REGRA DO ART. 300 DO CPC – AGRAVO DESPROVIDO – DECISÃO MANTIDA. É de ser indeferido o pedido de tutela de urgência para prévio bloqueio de valores se na petição inicial o autor recorrente não logrou êxito em demonstrar a existência de situação de pré-insolvência da requerida apta a impedi-la de cumprir com eventuais obrigações.” (TJ-MT - AGRAVO DE INSTRUMENTO: 10120661220238110000, Relator.: GUIOMAR TEODORO BORGES, Data de Julgamento: 31/01/2024, Quarta Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 03/02/2024) Por tais razões, mostra-se acertada a decisão que indeferiu a tutela de urgência, razão pela qual deve ser mantida inalterada, à míngua de elementos fáticos ou jurídicos novos que justifiquem sua modificação em sede recursal. Em segundo lugar, deve-se enfrentar a viabilidade jurídica da cumulação, no bojo da ação monitória, de pedidos acessórios como indenização por danos morais e materiais, desconsideração da personalidade jurídica e anulação de alterações contratuais, à luz dos requisitos do art. 327 do CPC e das balizas traçadas pela jurisprudência quanto à compatibilidade procedimental e necessidade de cognição exauriente. Convém dizer, de início, que a ação monitória, prevista nos artigos 700 a 702 do Código de Processo Civil (CPC), é um procedimento especial destinado à constituição de título executivo judicial fundado em prova escrita sem eficácia de título executivo. A cumulação de pedidos em sede de ação monitória encontra limitações específicas, dada à natureza célere e sumária do procedimento. A cumulação de pedidos de indenização por danos morais e materiais em ação monitória é, em regra, inadmissível. Isso porque tais pedidos demandam dilação probatória, incompatível com a cognição sumária da ação monitória. Jurisprudência consolidada dos Tribunais de Justiça estaduais tem reiteradamente reconhecido a impossibilidade de cumulação de pedidos indenizatórios em sede de ação monitória, recomendando o ajuizamento de ação ordinária autônoma para tais pleitos. Nesse sentido: “Apelação – Monitória – Cheque prescrito – Constituição do título executivo – Pretensão de inclusão de empregada/preposta no polo passivo da demanda – Descabimento – Preposta que não é titular ou administradora da empresa responsável pela emissão do cheque ora cobrado – Suposta responsabilização da referida preposta pela Justiça Laboral, por débitos trabalhistas contraídos pela demandada, que se limita às partes daquele processo, não vinculando este juízo – Dano moral – Impossibilidade de dedução/cumulação do pedido em ação monitória – Incompatibilidade de procedimentos – Artigo 327, § 2º, do CPC – Inexistência, ademais, de prejuízos extrapatrimoniais – Mero inadimplemento contratual que não caracteriza, por si só, ofensa a direitos da personalidade – Ausência de fato extraordinário, a afastar a configuração de dano moral – Necessidade de prova quanto à lesão extrapatrimonial supostamente sofrida – Inobservância ao artigo 373, inciso I, do CPC – Pretensão afastada – Sentença mantida – Artigo 252 do RITJ/SP c/c artigo 23 do Assento Regimental nº 562/2017. Recurso não provido.” (TJ-SP - Apelação Cível: 1023818-60.2020.8.26.0002 São Paulo, Relator.: Henrique Rodriguero Clavisio, Data de Julgamento: 25/03/2024, 18ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 25/03/2024) “APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO MONITÓRIA C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS - INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA - INCOMPATIBILIDADE ENTRE OS PROCEDIMENTOS. - A cumulação de pedidos é possível sempre que preenchidos os requisitos previstos no art. 327 do Código de Processo Civil, quais sejam: compatibilidade dos pedidos; a competência; a identidade do procedimento ou conversibilidade para o procedimento comum e o emprego do procedimento comum. Em tendo sido adotado o rito especial em detrimento do rito ordinário, a cumulação dos pedidos não pode ser aceita.” (TJ-MG - AC: 50830514520198130024, Relator.: Des.(a) Domingos Coelho, Data de Julgamento: 26/09/2023, 12ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 26/09/2023) Ademais, o pedido de anulação de cláusula contratual também é incompatível com o procedimento monitório. A anulação de cláusulas contratuais exige análise aprofundada do negócio jurídico, com possível necessidade de produção de provas, o que extrapola os limites da cognição sumária da ação monitória. Assim, tal pedido deve ser veiculado em ação própria, como a ação declaratória ou revisional. Por outro lado, melhor sorte socorre o recorrente no que se refere ao pedido de desconsideração da personalidade jurídica, haja vista que, diversamente do entendimento adotado na decisão agravada, a legislação processual civil expressamente admite que tal pleito seja formulado na petição inicial, sendo desnecessária, nessa hipótese, a instauração de incidente processual autônomo. Assim dispõe o art. 134, §2º, do CPC: “Art. 134. O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial. § 2º Dispensa-se a instauração do incidente se a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial, hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica.” E o entendimento desta Corte de Justiça não destoa do acima mensurado: “RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL – DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURIDICA DA EMPRESA EXECUTADA – PEDIDO NOS PRÓPRIOS AUTOS – DESNECESSIDADE DE INSTAURAÇÃO DE PROCEDIMENTO PRÓPRIO – APRECIAÇÃO DA POSTULAÇÃO SEGUNDO AS HIPÓTESES DE CABIMENTO – ART. 133 DO CPC/15 E ART. 50 DO CC – RECURSO PROVIDO. 1. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica pode ser instaurado por petição simples, nos autos da execução ou cumprimento de sentença, não sendo necessária a instauração de processo autônomo. 2. O que se deve analisar, tal como destaca o § 4º do art. 134 do CPC/15, é o preenchimento ou não dos pressupostos legais específicos para desconsideração da personalidade jurídica, os quais estão detalhados no art. 50 do CC/2005, com redação dada pela Lei n. 13.874/2019, o qual detalha as hipóteses configuradoras de desvio de finalidade empresarial ou de confusão entre o patrimônio da empresa e o do sócio. 3. Aliás a distribuição de procedimento autônomo apenas para tal finalidade demandaria trâmite processual absolutamente dispensável, comprometendo a eficácia da prestação jurisdicional, em violação aos princípios constitucionais da celeridade e economia processual. 4. Recurso provido.” (N.U 1005230-52.2025.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, MARILSEN ANDRADE ADDARIO, Segunda Câmara de Direito Privado, Julgado em 01/05/2025, Publicado no DJE 01/05/2025) “AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL – INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA – INSTAURAÇÃO – AUTOS APARTADOS – DESNECESSIDADE – PRECEDENTES DESTA CÂMARA – RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica pode ser instaurado por petição simples, nos autos da execução ou cumprimento de sentença, não sendo necessária a instauração de processo autônomo, o que inclusive prestigia a economia processual.” (N.U 1023387-78.2022.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 26/06/2023, Publicado no DJE 26/06/2023) A despeito de a ação monitória constituir procedimento especial, não há qualquer vedação legal à formulação do pedido de desconsideração da personalidade jurídica em seu bojo, sobretudo porque este não se confunde com cumulação de pedidos propriamente dita. Cuida-se, na verdade, de providência processual acessória e instrumental à efetivação do crédito cobrado, e, portanto, compatível com a estrutura do procedimento monitório, desde que atendidos os requisitos legais e processuais de admissibilidade. No entanto, é imprescindível que o pedido esteja devidamente fundamentado, demonstrando o abuso da personalidade jurídica, caracterizado por desvio de finalidade ou confusão patrimonial, conforme dispõe o artigo 50 do Código Civil, os quais podem ser apurados no cumprimento da sentença. Dessa forma, merece provimento o recurso no ponto, a fim de reconhecer a admissibilidade do pedido de desconsideração da personalidade jurídica formulado na petição inicial, determinando-se o prosseguimento do feito com a citação dos sócios indicados para que apresentem manifestação específica, na forma do §2º do art. 134 do CPC, sem prejuízo da apreciação posterior, em cognição exauriente, dos requisitos materiais exigidos pelo art. 50 do Código Civil. Diante do exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso, apenas para reconhecer a possibilidade de formulação do requerimento de desconsideração da personalidade jurídica na própria petição inicial, nos termos do art. 134, §2º, do CPC. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 11/06/2025
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