Marcia Berbert x Caixa Econômica Federal - Cef
ID: 335272786
Tribunal: TRF4
Órgão: 11ª Vara Federal de Curitiba
Classe: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CíVEL
Nº Processo: 5016711-55.2024.4.04.7000
Data de Disponibilização:
28/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
EMANUELLE SILVEIRA DOS SANTOS BOSCARDIN
OAB/PR XXXXXX
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LEONARDO REICH
OAB/RS XXXXXX
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PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL Nº 5016711-55.2024.4.04.7000/PR
AUTOR
: MARCIA BERBERT
ADVOGADO(A)
: EMANUELLE SILVEIRA DOS SANTOS BOSCARDIN (OAB PR032845)
RÉU
: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF…
PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL Nº 5016711-55.2024.4.04.7000/PR
AUTOR
: MARCIA BERBERT
ADVOGADO(A)
: EMANUELLE SILVEIRA DOS SANTOS BOSCARDIN (OAB PR032845)
RÉU
: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF
DESPACHO/DECISÃO
I. RELATÓRIO
1.1. Autos 0000545-95.2021.5.09.0022:
1.1.1. Petição inicial:
Em 30 de julho de 2021,
MARCIA BERBERT
deflagrou uma reclamatória trabalhista em face da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, pretendendo a condenação da demandada à reparação dos danos que ela sustentou ter suportado por conta da ausência de integralização na base de cálculo das contribuições a serem recolhidas pelo patrocinador e pelo participante, ao tempo da sua aposentação.
Para tanto, a autora sustentou encontrar-se aposentada junto ao Fundo de Pensão administrado pela CEF. Ela alegou ter sido admitida pela requeirda em 22/05/1989 e obtido a aposentadoria complementar em 23/05/2015. Por época do desligamento, ela teria deflagrado uma reclamatória trabalhis, lhe sendo reconhecido o direito à fruição de verbas remuneratórias, que teriam sido desconsideradas pela FUNCEF por época do cálculo da renda mensal da prestação previdenciária complementar.
Ela disse fazer jus, por conta disso, às diferenças que deveriam ter sido vertidas à constituição de reserva matemática pela integralização das verbas deferidas na reclamatória 0000569-65.2017.5.09.0022, caso houvessem sido adimplidas nas datas pertinentes. Ela discorreu sobre a competência da Justiça Federal para o caso. Reportou-se ao RE 586.453 (Tema 190). Sustentou que
"Em recente julgamento o STJ, no Tema 955, REsp 1312736/RS, transitado em julgado em 28/03/2019, em regime de recurso repetitivo, reconheceu o direito a incorporação das verbas salariais pagas pela justiça laboral no cálculo da aposentadoria complementar para as demandas ajuizadas no foro cível até a data do julgamento. Assim ficou firmada a tese no Tema 955."
Enfatizou haver previsão regulamentar a respeito da inclusão das verbas remuneratórias na base de cálculo do benefício complementar. Transcreveu dispositivos sobre o plano de custeio. Mencionou a definição do salário de benefício do plano complementar. Discorreu sobre a reclamatória trabalhista de autos 0000569-65.2017.5.09.0022. Teceu considerações sobre a forma de reparação dos alegados danos. Enfatizou que a reparação haveria de ser promovida pelo ex-empregador. Atribuiu à demanda o valor de R$ 5.000,00, anexou documentos, detalhou seus pedidos. Ela anexou cópia de peças da mencionada reclamatória trabalhista 0000569-65.2017.5.09.0022.
No evento-1, petição 1, p. 165, encontra-se termo de triagem para distribuição da demanda 0000545-95.2021.5.09.0022.
1.1.2. Resposta da CEF:
A CEF apresentou sua resposta no evento-1, petição-1, p. 176 e ss. Ela enfatizou que a Justiça Trabalhista seria incompetente para o processo e julgamento da causa, reportando-se aos julgados RE 586.453/SE e RE 583.050/RS. Mencionou, ademais, os julgados REsp 1.312.736/RS e 1.740.397/RS - tema 955 do STJ.
Ela alegou haver litisconsórcio necessário envolvendo a FUNCEF.
"A parte autora, apesar de pretender indenização de perdas e danos decorrentes de suposto dano relativo ao plano de benefícios de previdência comple mentar, não inclui a FUNCEF no polo passivo da presente demanda. Todavia, a CAIXA não tem competência para alterar valores de benefício saldado devido pela FUNCEF, sen do certo que se trata de entidades absolutamente distintas."
Ela impugnou a atribuição de valor à causa, dizendo-o incorreto. Discorreu sobre o rito processual aplicável.
Argumentou que a petição inicial seria inepta, por ausência de apresentação de planilha de cálculos, na forma do art. 840, CLT. A autora não teria deduzido prévio pedido perante a FUNCEF, razão pela qual não teria interesse processual. Alegou ainda que
"a decisão proferida naqueles autos e a respectiva liquida ção daquela reclamatória, não representa qualquer prejuízo à reclamante. Ao contrá rio, as obrigações decorrentes da decisão proferida já foram objeto de liquidação e execução nos respectivos autos. Acrescente-se, ainda, que o deferimento e/ou apuração de contri buições da reclamada para a FUNCEF sequer fez parte do título executivo judicial e, portanto, ainda que tenha agregado valores salariais na referida ação trabalhista, eventual integração na aposentadoria deve ser requerida junto àquela instituição previdenciária privada."
A CEF insurgiu-se contra o pedido de gratuidade de justiça. Discorreu sobre os limites da sentença prolatada no processo 0000569-65.2017.5.09.0022. Aduziu que
"a decisão proferida naqueles autos e a respectiva liquida ção daquela reclamatória, coloca por terra todas as alegações da parte autora e, de monstram, indene de dúvidas, que sedimentou a coisa julgada nos autos menciona dos em relação ao pleito da parte autora, consoante decisões e liquidação existente naqueles autos."
Alegou que a autora estaria litigando de má-fé, reportando-se ao art. 769 da CLT e arts. 80 e 81, CPC/15. Sustentou ter se operado a prescrição da pretensão de fundo de direito, pelo decurso de mais de 02 anos desde a sua aposentação. Quando menos, teria se operado a prescrição com prazo de 03 anos, na forma do art. 206, Código Civil. Aludiu ainda ao art. 75, da LC 109/2001, súmula 294/TST. Caso superados esses argumentos, seria aplicáve o prazo de prescrição previsto no art. 7º, XXIX, da CF/88. Tratou da situação funcional da reclamante, transcrevendo extratos pertinentes, mencionou as verbas a serem tomadas em conta, e invocou a aplicação do Código Civil.
Enfatizou que a autora estaria obrigada a contribuir para o fundo previdenciário, sob pena de enriquecimento sem causa, vedado pelo art. 884, Código Civil. Discorreu sobre os planos de previdência complementar - REG-REPLAN. Repisou a inviabilidade de se ampliar o alcance da coisa julgada, diante dos limites da sentença prolatada na reclamatória 0000569-65.2017.5.09.0022. A CEF disse não ter atuado de modo ilícito, de modo que não poderia ser condenada a reparar os danos noticiados pela autora.
"A responsabilidade da CAIXA a respeito das verbas salariais deferidas na reclamatória trabalhista a que se refere a parte autora, já integra a decisão proferida naqueles autos, ou seja, a efetivação da contribuição pa tronal para o custeio, na forma do regulamento do plano de benefício, o que já foi objeto de apuração de valores e respectivo repasse à FUNCEF, conforme comprovan tes anexos."
Impugnou a inclusão das verbas aludidas pela autora na base de cálculo da prestação previdenciária, dado se cuidarem de verbas genéricas.
Tratou da cota parte e da reserva matemática.
Segundo a CEF,
"O REPLAN é de benefício definido, e neste a formação de custeio ocor re ao longo da vida funcional do associado, em conjunto com os demais associados e a pa trocinadora, constituindo um fundo mútuo que arcará com o pagamento dos benefícios futu ros, limitados aos salários de participação de cada associado, observado o tempo de contri buição. O REB e Novo Plano da FUNCEF se caracterizam por ser de contribui ção definida, o custeio do benefício futuro decorre da contribuição do associado e da patro cinadora, em contas individualizadas, sendo o saldo desta conta a base de cálculo do bene fício complementar. Assim, além da contribuição mensal da CAIXA, enquanto Patrocinadora da FUNCEF, não há o que se falar de qualquer outra responsabilidade, principalmente neste caso, quando existe previsão regulamentar sobre as parcelas que compõem o Salário de Contribuição/Participação. Salienta-se que a Lei n.º 8020, de 12/04/1990, em seu artigo 6º, estabe lece que as patrocinadoras somente poderão assumir as contribuições previstas nos respectivos planos de custeio."
Discorreu sobre a eventual execução de uma cogitada condenação de ampliação das prestações devidas à autora. Alegou que
"o acolhimento da preten são esposada na inicial não importará necessariamente em um resultado deficitário no plano de benefícios. Isto somente ocorrerá se o impacto tiver maior monta do que os resultados do plano puderem suportar, circunstância que dependerá da avaliação de todo o plano de benefícios e que, portanto, escapa aos limites da lide."
Mencionou e necessidade de se respeitar os tetos estabelecidos pelos sistemas de benefício.
Enfatizou a responsabilidade do empregado pela formação do fundo de custeio, devendor contribuir para sua constituição. Impugnou o pedido da autora à fruição da gratuidade de justiça, juntando foto da alegada residência da demandante. Tratou dos honorários sucumbenciais, discorreu sobre juros moratórios e critérios de correção monetária, versou sobre recolhimentos tributários, sobre a compensação de créditos e débitos, insurgiu-se contra os cálculos apresentados pela autora.
Foram anexados documentos a respeito da evolução remuneratória da demandante. Juntou cópia de sentenças sobre o tema.
1.1.3. Réplica da parte autora:
A demandante apresentou sua réplica conforme se vê no movimento-1, emenda-2, p. 77 e ss. Ela repisou os argumentos veiculados na peça inicial, argumentando fazer jus à gratuidade de justiça. Argumentou ter atribuído valor correto à demanda. Insurgiu-se contra a alegação de que a peça inicial seria inepta, destacou atuar com interesse processual. Tampouco teria caso de litigância de má-fé. Destacou que sua pretensão não se confundiria com pleito deduzido na reclamatória trabalhista 0000569-65.2017.5.09.0022.
Enfatizou que a CEF estaria legitimada para a causa; não seria necessária a convocação da FUNCEF para a demanda. Alegou que ela não estaria pretendendo a majoração do benefício previdenciário. Ela almejaria a reparação dos danos recorrentes da fruição de verbas remuneratórias inferiores ao devido, com repercussão sobre seus benefícios de previdência complementar. Argumentou que a Justiça Trabalhista seria competente para o caso. Destacou que a sua pretensão não estaria prescrita.
Argumentou que
"a apreciação da matéria deve ser feita considerando que a competência para julgamento da demanda era do E. Superior Tribunal de Justiça até agosto 03/2019. No REsp 1312736/RS, transitado em julgado em 28/03/2019, em regime de recurso repetitivo, reconheceu o direito a incorporação das verbas salariais pagas pela justiça laboral, no cálculo da aposentadoria complementar para as demandas ajuizadas no foro cível até a data do julgamento."
Disse não ter havido novação quanto ao plano previdenciário ofertado pela FUNCEF e enfatizou que
"o teto se refere à contribuição, não existe previsão regulamentar para aplicação de teto ao salário de benefício ou a aposentadoria complementar."
Tratou dos descontos tributários e previdenciários, mencionou os critérios de correção monetária.
1.1.4. Demais diligências processuais:
As partes foram intimadas para, querendo, detalharem os meios probatórios pertinentes e necessários à solução da demanda - evento1, emenda-2, p. 154. A CEf disse não ter diligências probatórias a promover (evento-1, emenda-2, p. 155)). As partes foram instadas à apresentação, querendo, de suas razões finais. A parte autora apresentou suas alegações finais conforme evento1, emenda-2, p. 158 e ss., repisando os argumentos esgrimidos anteriormente.
A CEF anexou suas razões finais no evento-1, emenda-2, p. 164 e ss., reportando-se aos argumentos veiculados na sua resposta.
1.1.5. Sentença prolatada pela JT:
Seguiu-se sentença prolatada pela Justiça do Trabalho, conforme evento-1, emenda-2, p. 174, veiculando o seguinte dispositivo:
"Isto Posto, decide o Juízo da 1ª Vara do Trabalho de Paranaguá,
DECLARAR a prescrição, considerando-se prescritos os efeitos pecuniários dos pedidos condenatórios legalmente exigíveis anteriores a 30/7/2021
, extinguindo-se com resolução do mérito, nos termos do art. 485, IV do Código de Processo Civil,
JULGAR o pedido para condenar PROCEDENTE BERBERT que integra esse dispositivo para todos os fins. CAIXA ECONOMICA FEDERAL MARCIA reparação dos prejuízos, honorários, tudo na forma da fundamentação supra, a pagar a Deferem-se os benefícios da assistência judiciária gratuita
. Os valores serão apurados em regular liquidação de sentença. Observe-se o constante da fundamentação quanto à contribuição previdenciária e imposto de renda. Juros e correção monetária, segundo a lei vigente à época da execução. No tocante ao artigo 523 do CPC (antigo 475-J), este será apreciado na fase de execução. Custas, pelo réu, no importe de R$ 100,00 (cem reais), calculadas sobre o valor provisoriamente arbitrado à condenação de R$ 5.000,00 (cinco mil reais)."
1.1.6. Impugnações das partes:
A CEF opôs embargos declaratórios, insurgindo-se contra aludida sentença (evento-1, emenda-2, p. 184 e ss.). Os embargos foram rejeitados por aquele Juízo - evento1, emenda-2, p. 196. A CEF interpôs recurso ordinário, impugnando a mencionada sentença.
A requerente juntou suas contrarrazões à apelação, conforme evento-1, emenda-2, p. 332. Seguiu-se acórdão, declarando a incompetência absoluta da Justiça do Trabalho:
"Em Sessão Presencial realizada nesta data, sob a Presidência da Excelentíssima Desembargadora Sueli Gil El Rafihi; presente o Excelentíssimo Procurador Jose Cardoso Teixeira Junior, representante do Ministério Público do Trabalho; computados os votos dos Excelentíssimos Desembargadores Janete do Amarante, Rosiris Rodrigues de Almeida Amado Ribeiro e Arnor Lima Neto, sustentou oralmente o advogado Mauricio Pioli inscrito pela parte recorrente; ACORD os Desembargadores da 6ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, por unanimidade de votos, ADMITIR O RECURSO ORDINÁRIO INTERPOSTO PELA PARTE RÉ respectivas contrarrazões. No mérito, por igual votação, da fundamentação: (a) , assim como as DAR-LHE PROVIMENTO para, nos termos declarar a incompetência absoluta da Justiça do Trabalho para apreciar a matéria relacionada à indenização substitutiva à complementação de aposentadoria relativa à previdência complementar."
A autora opôs embargos declaratórios, impugnando aludida deliberação. Os embargos foram rejeitados, restando mantida a decisão impugnada - evento-1, emenda-2, p. 379. A autora interpôs, então, recurso de revista (emenda-2, p. 382), rejeitado pelo Tribunal. Seguiu-se agravo de instrumento contra aludida decisão. O agravo não foi acolhido pelo TRT.
A autora interpôs agravo interno, apreciado com a seguinte conclusão:
"Ante o exposto, com fulcro nos arts. 1.021, § 2º, do CPC/2015 e 266, caput, do RITST, reconsidero a decisão singular agravada e passo a novo julgamento do agravo de instrumento. Com fundamento nos arts. 932, IV e V, do CPC/2015, 251, II e III, e 255, III, "a", "b" e "c", do RITST, dou provimento ao agravo de instrumento para determinar o processamento do recurso de revista; conheço do recurso de revista por violação do art. 114, VIII, da Constituição Federal e, no mérito,
dou-lhe provimento para declarar a competência da Justiça do Trabalho para a análise da pretensão de recebimento de indenização substitutiva devido à não inclusão de parcelas no salário de participação, determinando o retorno dos autos ao Tribunal de origem para que prossiga no julgamento da matéria, como entender de direito
."
(evento1, emenda-2, p. 484).
A CEF interpôs, então, agravo interno, impugnando a decisão. Com isso, a decisão anterior foi reformada.
"ACORDAM os Ministros da Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do agravo interno da reclamada e, no mérito, dar-lhe provimento para reexaminar o recurso de revista interposto pela reclamante. Por unanimidade, não conhecer do recurso de revista da reclamante."
A decisão transitou em julgado.
1.2. Autos n. 5016711-55.2024.4.04.7000:
1.2.1. Peça inicial deste eproc:
Em 23 de abril de 2024, a autora deflagrou esta demanda, em face da CEF, anexando aos autos cópia da reclamatória trabalhista de autos n. 0000545-95.2021.5.09.0022.
No evento 8, a CEF manifestou ciência da distribuição da demanda perante este Juízo e juntou cópia da contestação que havia apresentado perante a Justiça do Trabalho. No movimento 11, a autora sustentou:
"A orientação do STJ no tema 955 É no sentido de que a revisão para fins de integração das verbas remuneratórias reconhecidas posteriormente pela Justiça do Trabalho é inviável de modo geral, mas, conforme modulação das decisões, o recálculo do benefício está autorizado nos casos em que preenchidos os seguintes requisitos, a saber: (i) que a ação para esse fim tenha sido ajuizada antes de 08/08/2018; (ii) que haja previsão regulamentar; e (iii) que haja a recomposição prévia integral da reserva matemática com base em estudo atuarial. Assim, o precedente do Superior Tribunal de Justiça citado é claro: ações ajuizadas posteriormente a 08/2018 a competência seria da Justiça do Trabalho. No presente caso, a ação foi ajuizada em 07/2021 e, portanto, após o marco temporal fixado pelo STJ ao modular os temas."
Reportou-se ao tema 1.021 do Superior Tribunal de Justiça.
1.2.2. Detalhamento de eventuais meios de prova:
A autora disse não ter diligências probatórias a promover - evento 16. No movimento 18, a CEF alegou o seguinte:
"A peticionante, tendo em vista que o presente caso não demanda a produção de outras provas, requer seja dado regular prosseguimento ao feito com a remessa dos autos à conclusão para sentença, reservando-se ao direito de se manifestar e postular por requerimentos probatórios para o caso de Vossa Excelência entender pela pertinência da instauração da fase instrutória."
Os autos vieram conclusos.
II. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Considerações sobre a alçada da Justiça do Trabalho:
O art. 114, I, CF/88, com a redação veiculada pela emenda constitucional 45/2004 veicula o seguinte:
"Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: I as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios."
Confrontada com o alcance do art. 114, I, CF, com a aludida emenda constitucional, a Suprema Corte deliberou:
"Competência. Justiça do Trabalho. Incompetência reconhecida. Causas entre o poder público e seus servidores estatutários. Ações que não se reputam oriundas de relação de trabalho. Conceito estrito dessa relação. Feitos da competência da Justiça comum. Interpretação do art. 114, I, da CF, introduzido pela EC 45/2004. Precedentes. Liminar deferida para excluir outra interpretação. (...)
O disposto no art. 114, I, da CF não abrange as causas instauradas entre o poder público e servidor que lhe seja vinculado por relação jurídico-estatutária
."
(STF, ADI 3.395 MC, rel. min. Cezar Peluso, j. 5-4-2006, P,
DJ
de 10-11-2006).
Com efeito, segundo o Supremo Tribunal, "
A interpretação adequadamente constitucional da expressão “relação do trabalho” deve excluir os vínculos de natureza jurídicoestatutária, em razão do que a competência da Justiça do Trabalho não alcança as ações judiciais entre o Poder Público e seus servidores
."
Semelhante foi o conteúdo das decisões proferidas, pelo STF, ao julgar das causas: ACO 2.036, rel. min. Luiz Fux, dec. monocrática, j. 22-2-2013,
DJE
de 28-2-2013; RE 607.520, rel. min. Dias Toffoli, j. 25-5-2011, P,
DJE
de 21-6-2011, Tema 305 e a Rcl 6.568, rel. min. Eros Grau, j. 21-5-2009, P,
DJE
de 25-9-2009.
Quando não se trate, porém, de vínculos estatutários, referida ressalva ao alcance do art. 114, I, Constituição Federal, não se coloca. Por sinal, o Supremo já deliberou:
"
Competência da Justiça do Trabalho. Mudança de regime jurídico. Transposição para o regime estatutário. Verbas trabalhistas concernentes ao período anterior. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar ações relativas às verbas trabalhistas referentes ao período em que o servidor mantinha vínculo celetista com a administração, antes da transposição para o regime estatutário
."
(ARE 1.001.075 RG, rel. min. Gilmar Mendes, j. 8-12-2016, P,
DJE
de 1º-2-2017, Tema 928). Ademais,
"Em regime de repercussão geral, fica reafirmada a jurisprudência do STF no sentido de ser da competência da Justiça do Trabalho processar e julgar demandas visando a obter prestações de natureza trabalhista, ajuizadas contra órgãos da administração pública por servidores que ingressaram em seus quadros, sem concurso público, antes do advento da CF/1988, sob regime da CLT."
(ARE 906.491 RG, rel. min. Teori Zavascki,
DJE
de 7-10-2015, Tema 853).
Por sinal,
"
compete à Justiça do Trabalho dirimir as controvérsias instauradas entre pessoas jurídicas de direito privado integrantes da administração indireta e seus empregados, cuja relação é regida pela CLT, compreendendo, inclusive, a fase pré-contratual
."
(RE 1.015.362 AgR, rel. min. Edson Fachin, j. 12-5-2017, P,
DJE
de 29-5-2017)
2.2.
Competência
da Justiça Federal - considerações gerais:
Como sabido, a Justiça Especial é caracterizada pela aplicação de leis processuais próprias, a exemplo do que ocorre com a Justiça Eleitoral, com a Justiça do Trabalho e com a Justiça Militar da União e Militar dos Estados. A Justiça Federal é considerada, por conta desse critério, uma espécie de Justiça Comum, tanto quanto se dá com a Justiça Estadual.
Com efeito, conquanto a Justiça Federal esteja destinada a apreciar demandas em que a União Federal, autarquias federais ou empresas públicas federais figurem como autoras, requeridas, assistentes ou oponentes - exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho (art. 109, I, CF) -, isso se dá com a aplicação das mesmas normas processuais incidentes no âmbito da Justiça Comum Estadual.
Em que pese a Justiça Federal seja justiça comum, a sua competência foi detalhada nos arts. 108 e 109 da Constituição Republicana. Importa dizer: as suas atribuições não podem ser ampliadas ou restringidas pela legislação infraconstitucional, exceção feita aos casos expressa ou implicitamente franqueados pela própria Lei Maior, a exemplo da cláusula do art. 109, VI, Constituição Republicana/88 e da súmula 122, STJ.
Convém mencionar novamente o art. 109, I, Constituição Federal/88:
"
Aos juízes federais compete processar e julgar (...) as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho
."
Percebe-se facilmente, em face disso, que a competência da Justiça Federal não é fixada simplesmente pelo fato de que a União, empresas públicas ou autarquias federais tenham interesses econômicos ou de outra ordem relacionados ao processo.
"
O interesse da União deve ser qualificado. Há de ser jurídico, não de mero fato ou adjuvandum tantum
."
(CARVALHO, Vladimir Souza.
Competência
da Justiça Federal.
4. ed. Curitiba: Juruá, 2001. p. 36)
Esse entendimento está na origem, por sinal, da conhecida súmula 251 do STF:
"Responde a Rede Ferroviária Federal S.A. perante o foro comum e não perante o Juízo Especial da Fazenda Nacional, a menos que a União intervenha na causa."
Menciono também a súmula 61 do extinto Tribunal Federal de Recursos - TFR, cujos fundamentos permanecem válidos:
"
Para configurar a
competência
da Justiça Federal, e necessário que a União, Entidade Autárquica ou Empresa Pública Federal, ao intervir como assistente, demonstre legítimo interesse jurídico no deslinde da demanda, não bastando a simples alegação de interesse na causa
."
Ora, dado que a lei não pode ser interpretada como se veiculasse palavras inúteis (
verba cum
effectu
sunt
accipienda
), a menção que a Constituição faz à condição de autor, requerido, oponente ou assistente (art. 109, I, CF) não pode ser abstraída pelo intérprete. Em princípio, a causa apenas poderá tramitar perante a Justiça Federal quando algum dos entes federais, assim conceituados no art. 109 da Constituição, ocupar, ou quando deva ocupar uma dessas posições processuais.
PROCESSUAL CIVIL.
COMPETÊNCIA.
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. 1.
A
competência
da Justiça Federal é definida, segundo disposto no inciso I do artigo 109 da Lei Fundamental, pela participação da União, autarquia ou empresa pública federal em uma das quatro posições processuais nele referidas
. 2. Não havendo, na ação civil pública onde proferido o ato jurisdicional impugnado, participação da União, autarquia ou empresa pública federal como autora, ré, assistente ou opoente, a competência
para seu
processo
e julgamento toca à Justiça Comum Estadual. 3. Agravo a que se nega provimento. (AG 200101000106519, JUIZ CARLOS MOREIRA ALVES,
TRF1
- SEGUNDA TURMA, DJ DATA:19/11/2001 PAGINA:163.)
Daí a necessidade de se aferir, não raro, se algum dos entes federais, relacionados no art. 109, I, CF/88, ocupa - ou se deve ocupar - a função de demandante, demandado, assistente ou oponente. Em muitos casos, isso se dá em situações de litisconsórcio passivo necessário, conforme arts. 114 e 115, CPC/15. Por outro lado, cuida-se de tema submetido ao exame da própria Justiça Federal ou do Superior Tribunal de Justiça - quando suscitado conflito de competência -, conforme conhecidas súmulas 150 e 224 e 254, STJ:
Súmula 150, STJ -
Compete à Justiça Federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que justifique a presença, no processo, da União, suas autarquias ou empresas públicas
.
Súmula 224, STJ - Excluído do feito o ente federal, cuja presença levara o Juiz Estadual a declinar da competência, deve o Juiz Federal restituir os autos e não suscitar conflito.
Súmula 254, STJ - A decisão do Juízo Federal que exclui da relação processual ente federal não pode ser reexaminada no Juízo Estadual.
Assim, exceção feita aos mandados de segurança - submetidos a regras próprias (art. 108, I, "c" e art. 109, VIII, Constituição/88) -, na temática cível a competência da Justiça Federal deverá ser reconhecida quando se tratar de pretensão deduzida por entes federais (União Federal, autarquias federais ou empresas públicas federais) ou quando se tratar de pretensão que lhes seja endereçada. Quanto ao tópico, no mais das vezes, não surgem grandes controvérsias, cuidando-se de simples aplicação da lógica do art. 17, CPC/15. Problemas podem surgir quanto se trata de litisconsórcio, oposição ou assistência, conforme disposto nos mencionados arts. 114, 115, 119, CPC/15.
2.3. Competência da Justiça Federal - caso em exame:
No presente caso, a autora postulou a condenação da CEF a reparar os prejuízos que ela disse ter suportado por conta da
"não integralização na base de cálculo das contribuições a serem recolhidas pelo patrocinador e pelo participante, qual seja, o valor correspondente à reserva matemática que seria necessária para suportar o aumento do benefício pago pelo fundo de pensão em razão das verbas salariais deferidas pela justiça do trabalho."
Como relatei acima, a demandante deflagrou a reclamatória trabalhista de autos 0000569-65.2017.5.09.0022 em face da Caixa Econômica. O Juízo Trabalhista condenou a empresa pública a pagar diferenças remuneratórias a favor a autora. Em razão disso, ela deflagrou a presente demanda perante a Justiça do Trabalho, enfatizando que as diferenças remuneratórias reconhecidas no processo de autos 0000569-65.2017.5.09.0022 deveriam ter sido tomadas em conta para apuração dos seus direitos no âmbito do plano de previdência complementar negociado com a FUNCEF.
A autora deduziu uma pretensão indenizatória em face da CEF. Por conta disso, depois de idas e vindas, a Justiça do Trabalho reputou que a causa não se submeteria à sua alçada, anulando a sentença que havia sido prolatada em 1. instância e declinando da competência a favor da Justiça Federal.
Reputo que não é caso suscitar conflito de competência. Afinal de contas, bem examinada a pretensão da demandante, está em causa um pleito de reparação de danos, não se tratando diretamente de pleitos relacionados a horários, carga de trabalho, remuneração e medidas semelhantes. Logo, diante desse alcance da pretensão da autora, reputo que a demanda não se submete à alçada da Justiça Trabalhista.
Declaro, pois, a competência da Justiça Federal
para o processo e julgamento desta demanda, eis que versa sobre pretensão endereçada à Caixax Econômica Federal, empresa pública constituída na forma do decreto-lei 759, de 12 de agosto de 1969. Logo, aplicam-se ao caso o art. 109, I, Constituição Federal/88 e art. 10 da lei n. 5.010/66.
2.4. Competência dos juizados - considerações gerais:
Como sabido, a competência dos Juizados Especiais Federais é
absoluta
, diante do previsto no art. 98, I, Constituição e art. 3 da lei n. 10.259, de 2001. Logo, em princípio, não pode ser ampliada ou reduzida mediante consenso - exceção feita ao art. 109, §2, CF -, impondo sua apreciação de ofício pelo Poder Judiciário, conforme art. 64, CPC.
Não se submetem à "
competência do Juizado Especial Cível as causas: (...) para a anulação ou cancelamento de ato administrativo federal, salvo o de natureza previdenciária e o de lançamento fiscal
."
Convém ter em conta, todavia, que o processo é individualizado pela conjugação do trinômio partes, pedido e causa de pedir (art. 337, §2 CPC). Em decorrência do princípio da substanciação, a parte autora é obrigada a detalhar, na peça inicial, a sua pretensão, indicando o pedido e também a motivação do pedido. Note-se ainda que, como notório, apenas o dispositivo transita em julgado, conforme se infere do rt. 504, I, CPC:
"Não fazem coisa julgada: I - os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença."
Logo, como têm entendido os tribunais, os Juizados Especiais são compententes para apreciação de pretensões, nas quais a alegada nulidade do ato adminitrativo é invocada apenas como causa de pedir, e não como pedido:
"Por outro lado, não é o caso de aplicação da exceção prevista no art. 3º , § 1º , III , da Lei 10.259 , uma vez que a autora invocou a alegada nulidade da revisão administrativa apenas como causa de pedir, dado que a sua pretensão é efetivamente condenatória. Desse modo, firma-se a competência absoluta dos Juizados Especiais Federais para o julgamento do feito, nos termos do artigo 98, I, da Constituição Federal."
(TRF-4 - RECURSO CÍVEL: 50446614920184047000 PR 5044661-49.2018.4.04.7000, Relator: GERSON LUIZ ROCHA, Data de Julgamento: 02/04/2020).
Ainda segundo a Turma Recursal,
"O valor da causa atribuído pela parte autora é inferior a 60 salários, o qual não foi impugnado, logo, não há o que discutir quanto a esse aspecto. Por outro lado, não é o caso de aplicação da exceção prevista no art. 3º, § 1º, III, da Lei 10.259, uma vez que "a autora invocou a alegada nulidade da revisão administrativa apenas como causa de pedir, dado que a sua pretensão é efetivamente condenatória".
Desse modo, firma-se a competência absoluta dos Juizados Especiais Federais para o julgamento do feito, nos termos do artigo 98, I, da Constituição Federal
. "
(TRF-4 - RECURSO CÍVEL: 50029127820204047001 PR 5002912-78.2020.4.04.7001, Relator: GERSON LUIZ ROCHA, 22/10/2020, PRIMEIRA TURMA RECURSAL DO PR)
Atente-se para os julgados que transcrevo abaixo:
PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA INSTAURADO ENTRE JUÍZO FEDERAL E JUIZADO ESPECIAL FEDERAL CÍVEL. COMPETÊNCIA DESTA E. CORTE. SÚMULA 428 DO STJ. AÇÃO INDIVIDUAL DE DISPENSA DE PAGAMENTO DE PEDÁGIO. INEXISTÊNCIA DE PEDIDO DE ANULAÇÃO DE ATO ADMINISTRATIVO. VALOR DA CAUSA INFERIOR A SESSENTA SALÁRIOS MÍNIMOS. COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL FEDERAL CÍVEL. PRECEDENTES DESTA 2ª SEÇÃO. CONFLITO PROCEDENTE. 1 - Nos termos da Súmula 428 do Superior Tribunal de Justiça, compete a esta E. Corte dirimir o presente conflito negativo de competência entre Juízo Federal e Juizado Especial Federal Cível. 2 - Busca a autora tão somente o reconhecimento de seu direito individual à dispensa do pagamento de pedágio na praça de arrecadação instalada no entroncamento das rodovias BR 153 e BR 369, localizada no município de Jacarezinho/PR, com fundamento na Portaria do Ministério dos Transportes nº 155/2004 bem como na sentença proferida nos autos da Ação Civil Pública nº 2006.70.13.002434-3. 3 -
A questão relativa à desconstituição de ato administrativo não faz parte do pedido do autor, que dela tratou apenas de forma incidental, como causa de pedir, de modo que, no caso dos autos, resta afastada a aplicação do art. 3º, § 1º, III, da Lei 10.259/01. Precedentes desta Segunda Seçã
o. 4 - Aplicável à hipótese em tela a regra geral prevista no caput do artigo 3º da Lei 10.259/2001, que estabelece a competência dos Juizados Especiais Federais em se tratando de causas com valor inferior a sessenta salários mínimos. 5 - Conflito procedente, para declarar a competência do Juizado Especial Federal Cível de Ourinhos/SP.Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Segunda Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, julgar procedente o conflito, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
(CC - CONFLITO DE COMPETÊNCIA - 21150 0000310-88.2017.4.03.0000, DESEMBARGADORA FEDERAL MÔNICA NOBRE, TRF3 - SEGUNDA SEÇÃO, e-DJF3 Judicial 1 DATA:14/07/2017).
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUÍZO FEDERAL DE JUIZADO ESPECIAL E JUÍZO FEDERAL DE JUIZADO COMUM. AÇÃO ORDINÁRIA QUE VISA O RECONHECIMENTO DE DIREITO. MERA REVISÃO DO ATO ADMINISTRATIVO. INAPLICABILIDADE DO INCISO III DO §1º DO ARTIGO 3º DA LEI Nº 10.250/01. A
parte autora pleiteia a declaração de direito à percepção de determinada vantagem pecuniária, não havendo pedido imediato de anulação de qualquer ato administrativo, o qual só seria atingido via reflexa, razão pela qual não se aplica, na espécie, a regra que excepciona da competência dos Juizados Especiais Federais para causas valoradas até sessenta salários mínimos. Inaplicável ao caso a exceção prevista no inc. III do §1º do art. 3º da Lei nº 10.259/01
. (TRF4 5018358-17.2016.4.04.0000, SEGUNDA SEÇÃO, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 22/12/2016).
Eventual complexidade
da demanda não afasta a competência dos Juizados Especiais Federais, conforme disposto no art. 98, I, Constituição Federal/88.
"Ação originária de produção antecipada de provas, com argumento de complexidade da demanda e necessidade de oitiva de quatro testemunhas. 4. A Lei 10.259/2001 estabelece a competência absoluta dos Juizados Especiais Federais para causas de valor até 60 salários mínimos,
independentemente da complexidade
. 5. O critério de competência dos Juizados Especiais Federais é quantitativo, e o argumento da agravante quanto ao número de testemunhas não é capaz de afastar tal competência. 6. Agravo Interno não provido."
(STJ - AgInt no REsp: 2059305 AL 2023/0090671-3, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 16/10/2023, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 18/12/2023)
AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO AUTÔNOMA DE PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS. COMPETÊNCIA ABSOLUTA DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS. LEI 10.259/2001. AUSÊNCIA DE DIALETICIDADE. APLICAÇÃO DA SÚMULA 284 DO STF. RECURSO TEMPESTIVO. ARGUMENTO DE COMPLEXIDADE DA CAUSA E NÚMERO DE TESTEMUNHAS. INSUFICIÊNCIA PARA AFASTAR COMPETÊNCIA. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO. 1. Agravo Interno interposto de decisão monocrática que inadmitiu Recurso Especial, fundamentando-se na ausência de dialeticidade e invocação da Súmula 284 do STF. 2. A agravante, beneficiária da gratuidade da justiça e dentro do prazo legal, busca a reforma da decisão, alegando violação ao art. 381 do CPC. 3. Ação originária de produção antecipada de provas, com argumento de complexidade da demanda e necessidade de oitiva de quatro testemunhas. 4.
A Lei 10.259/2001 estabelece a competência absoluta dos Juizados Especiais Federais para causas de valor até 60 salários mínimos, independentemente da complexidade
. 5.
O critério de competência dos Juizados Especiais Federais é quantitativo, e o argumento da agravante quanto ao número de testemunhas não é capaz de afastar tal competência
. 6. Agravo Interno não provido. (STJ - AgInt no REsp: 2059305 AL 2023/0090671-3, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 16/10/2023, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 18/12/2023)
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUÍZO FEDERAL E JUIZADO ESPECIAL FEDERAL. CAUSAS CÍVEIS DE MENOR COMPLEXIDADE INCLUEM AQUELAS EM QUE SEJA NECESSÁRIO A REALIZAÇÃO DE PERÍCIA. COMPETÊNCIA DEFINIDA PELO VALOR DA CAUSA. - O entendimento da 2.ª Seção é no sentido de que compete ao STJ o julgamento de conflito de competência estabelecido entre Juízo Federal e Juizado Especial Federal da mesma Seção Judiciária. -
A Lei n.º 10.259/2001 não exclui de sua competência as disputas que envolvam exame pericial. Em se tratando de cobrança inferior a 60 salários mínimos deve-se reconhecer a competência absoluta dos Juizados Federais. Conflito de Competência conhecido, para o fim de se estabelecer a competência do Juízo do 1o Juizado Especial Federal Cível de Vitória, ora suscitado
. (STJ - CC: 83130 ES 2007/0085698-7, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 26/09/2007, S2 - SEGUNDA SEÇÃO, Data de Publicação: DJ 04.10.2007 p. 165)
Assim, a cogitada complexidade de uma demanda não é fator suficiente para excluí-la do crivo dos Juizados Especiais, contanto que tenham sido preenchidos os critérios para sua tramitação no seu âmbito.
NO CASO, a parte autora atribuiui à demanda o valorr inferior a 60 salários mínimos, vigentes ao tempo da deflagração da demanda, conforme definição da lei 14.158, de 2 de junho de 2021. Caso se constate que aludido valor, atribuído à demanda, não se coaduna com o conteúdo econômico da pretensão do autor, aludida questão pode ser revista. Destaco que a processamento sob o rito dos juizados não esbarra, na espécie, no art. 3, §1, III, lei n. 10.259/2001, dado que a pretensão da autora é de cunho condenatória.
2.5.
Competência
da presente
Subseção
Judiciária:
A pretensão deduzida na peça inicial submete-se à alçada desta Subseção Judiciaria de Curitiba, por força do art. 53, III, "d", CPC/15
, dado constituir-se no local de cogitado adimplemento da obrigação aludida na peça inicial, caso a pretensão da autora venha a ser julgada procedente, em sentença transitada em julgado. Ademais, ainda que assim não fosse, é fato que o STF tem aplicado o art. 109,§2º, CF, também quando em causa pretensões endereçadas às autarquias e empresas públicas federais.
CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA. CAUSAS AJUIZADAS CONTRA A UNIÃO. ART. 109, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CRITÉRIO DE FIXAÇÃO DO FORO COMPETENTE. APLICABILIDADE ÀS AUTARQUIAS FEDERAIS, INCLUSIVE AO CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA - CADE. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. I - A faculdade atribuída ao autor quanto à escolha do foro competente entre os indicados no art. 109, § 2º, da Constituição Federal para julgar as ações propostas contra a União tem por escopo facilitar o acesso ao Poder Judiciário àqueles que se encontram afastados das sedes das autarquias. II –
Em situação semelhante à da União, as autarquias federais possuem representação em todo o território nacional. III - As autarquias federais gozam, de maneira geral, dos mesmos privilégios e vantagens processuais concedidos ao ente político a que pertencem. IV - A pretendida fixação do foro competente com base no art. 100, IV, a, do CPC nas ações propostas contra as autarquias federais resultaria na concessão de vantagem processual não estabelecida para a União, ente maior, que possui foro privilegiado limitado pelo referido dispositivo constitucional. V - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem decidido pela incidência do disposto no art. 109, § 2º, da Constituição Federal às autarquias federais. Precedentes. VI - Recurso extraordinário conhecido e improvido
. (STF - RE: 627709 DF, Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 20/08/2014, Tribunal Pleno, Data de Publicação: REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO)
Nesse mesmo sentido, convergem os julgados: RE 499.093-AgR-segundo/PR e AI 793.409/RS, rel. Min. Ricardo Lewandowski; RE 234.059/AL, Rel. Min. Menezes Direito; RE 484.235-AgR/MG, Rel. Min. Ellen Gracie; RE 488.704/RJ, RE 527.498/SC e RE 603.311/RS, Rel. Min. Marco Aurélio; RE 590.649/RJ, RE 474.691/SC e RE 491.331/SC, Rel. Min. Cármen Lúcia; RE 474.825/PR, Rel. Min. Dias Toffoli.
O art. 109, §2º, CF, prevalece sobre o art. 3º, §3º, da lei n. 10.259, de 2001. Com efeito,
"A competência absoluta dos Juizados Especiais, referida no art. 3º , § 3º , da Lei n. 10.259 /01 não constitui obstáculo à redistribuição para fins de equalização de acervo, desde que o encaminhamento ocorra para outra Vara com competência também vinculada ao sistema dos Juizados Especiais Federais. 5. A norma que afirma que "no foro onde estiver instalada Vara do Juizado Especial, a sua competência é absoluta" tem ligação histórica com a interpretação dada pela doutrina e pela jurisprudência à Lei nº 9.099 /95, no sentido de que "o ajuizamento da ação perante o juizado especial é uma opção do autor (art. 3 ., par.3., da Lei 9.099 /95)" ( REsp 151.703/RJ , Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 24/03/1998, DJ 08/06/1998, p. 124). 6.
O ajuizamento obrigatório de causas de até 60 salários mínimos nos Juizados Especiais Federais empresta a essas ações uma competência absoluta para o próprio sistema dos Juizados Especiais, mas não torna essas ações infensas às medidas de equalização. Nada impede, portanto, a incidência do art. 109 , § 2º , da Constituição Federal , no sentido de que as causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou, ainda, no Distrito Federal
."
(TRF-4 - CC: 50799694420214047000 PR 5079969-44.2021.4.04.7000, Relator: NICOLAU KONKEL JÚNIOR, Data de Julgamento: 24/02/2022, PRIMEIRA TURMA RECURSAL DO PR)
Por conseguinte,
considerando o alcance do art. 109, §2, CF, a tramitação desta causa perante esta Subseção Judiciária está em conformidade com a legislação
. Ademais, a declinação de competência territorial depende de prévia exceção de incompetência, na forma do art. 65, CPC/15, e súmula 33, Superior Tribunal de Justiça.
2.6. Submissão da causa ao presente Juízo:
A demanda em causa foi distribuída ao presente Juízo Substituto da 11.VF, mediante sorteio abrangendo os Juízos desta Subseção de Curitiba, o que atendeu à garantia do Juízo Natural - art. 5, LIII, CF.
2.7. Conexão processual - considerações gerais:
O processualista Bruno S. Dantas enfatiza que
"
com o início de vigência do CPC/2015, será considerado prevento o juízo perante o qual houver ocorrido o registro ou a distribuição (conforme o caso) da primeira de uma série de demandas conexas, ainda que tal registro ou distribuição tenha ocorrido durante a vigência do CPC/1973
. Desde que a prevenção, ela própria, não se tenha consumado sob a égide do CPC/1973 (por um dos alternativos critérios previstos nos seus arts. 106 e 2019), incidirá de plano o disposto no art. 59 da codificação de 2015 definindo-se o juízo prevento para um conjunto de demandas conexas pela anterioridade dos registros ou das distribuições (conforme o caso) das mesmas. Os arts. 60 e 61 do CPC/2015, por sua vez, praticamente repetem os arts. 107 e 108 do CPC/1973, dispensando, por tal razão, maiores comentários a respeito nesta oportunidade."
(DANTAS, B. S.
in
WAMBIER, Teresa A. Alvim et al.
Breves comentários ao novo código de processo civil.
SP: RT, 2015, p. 229).
Convém ter em conta a lição de Araken de Assis, sobre o tema:
"(...)
O art. 55, caput, definiu a conexão como a identidade de pedido ou de causa inspirado no propósito de erradicar as tergiversações constatadas na vigência do CPC de 1939. A proposição legislativa, excepcional no direito estrangeiro, porque prepondera a tendência de encarregar o órgão judicial de indicar os casos do fenômeno, consonante controvérsia haurida do direito comum, e feita em sentido oposto à do CPC de 1939, em todo caso revela-se incompleta e insuficiente. Não abrange a totalidade das hipóteses de conexão
. O art. 55, § 3.º (“… mesmo sem conexão entre eles”) alude à conexão em sentido estrito do art. 55, caput. Ao nosso ver, os vínculos que geram o risco da prolação de “decisões conflitantes ou contraditórias”, a teor do art. 55, § 3.º, inserem-se na rubrica da conexão em sentido amplo. Não há outro sítio adequado para situar o liame entre os objetos litigiosos
O art. 113 do NCPC, arrolando os casos em que se admite a demanda conjunta, ou litisconsórcio, demonstra que existem outros laços, mais tênues e distantes, que autorizam o processo cumulativo. E a outro juízo não se chega ao avaliar o nexo exigido pelo art. 343 na reconvenção, como ocorria no direito anterior. Retira-se, daí, segura conclusão
. As duas hipóteses descritas no art. 55, caput – identidade de causa ou identidade de pedido – constituem “uma, entre as várias em que ocorre a conexão”. Por isso, antes do CPC de 1939, descreveu-se a conexão como “laço envolvente, que se insinua por entre as relações jurídicas, ora prendendo-as de um modo indissolúvel, por forma a exigir uma única decisão; ora criando entre elas pontos de contato mais ou menos íntimo, que aconselham a reunião em um só processo, ainda quando possam ser decididas separadamente, sem maior dano, a não ser a lentidão e o gravame de maiores despesas”.
Exemplos de causas conexas, segundo a literalidade do art. 55, caput: (a) A reivindica o imóvel x perante B, e, paralelamente, C também reivindica o imóvel x, do mesmo réu, hipótese em que a identidade recai sobre o pedido (objeto) mediato; (b) o locatário A propõe consignatória dos aluguéis perante o locador B, o qual, de seu turno, propõe ação de despejo, fundada no inadimplemento dos aluguéis, perante o inquilino.
Para os efeitos da modificação da competência, as hipóteses contempladas no art. 55, caput – identidade de causa de pedir ou identidade de pedido –, então, ainda consideram-se exemplificativas. Um laço menos intenso já serve para reunir os processos. O objetivo da regra reside em evitar decisões conflitantes, “por isso a indagação sobre o objeto ou a causa de pedir, que o artigo por primeiro quer que seja comum, deve ser entendida em termos, não se exigindo a perfeita identidade, senão que haja um liame que os faça passíveis de decisão unificada”. Em outra oportunidade, reiterou-se que “não é necessário que se cuide de causas idênticas (quanto aos fundamentos e ao objeto {rectius: pedido})”, bastando “que as ações sejam análogas, semelhantes”, insistiu no “escopo da junção das demandas para um único julgamento é a mera possibilidade da superveniência de julgamentos discrepantes
”.
Por conseguinte, a jurisprudência, atendendo às finalidades da modificação da competência, em que a derrogação das regras gerais se justifica pela economia de atividade e pela erradicação do risco de julgamentos conflitantes, rejeita a exigência de identidade absoluta de causa ou de pedido, aceitando simples analogia entre as ações
. Porém, preocupa-se com o risco de julgamentos contraditórios, evento apurado caso a caso, mas verificado em todas as hipóteses do art. 113, inclusive na afinidade de ponto comum de direito ou de fato (inc. III). Ora, parece difícil visualizar semelhante risco no cúmulo simples de pedidos, em que há total autonomia das pretensões deduzidas, no mesmo processo, contra o réu. Por isso, o intuito de erradicar pronunciamentos conflitantes não oferece a única e constante justificativa para o processo cumulativo e, muito menos, a prorrogação da competência. Ao menos na conexão subjetiva, no caso da cumulação simples de pedidos, impera o princípio da economia processual. E, de toda sorte, as finalidades visadas no processo cumulativo, e na reunião de causas inicialmente autônomas, mostram-se estranhas à verdadeira causa desses fenômenos, que residiria no vínculo entre partes, causa e pedido." (ASSIS, Araken.
Processo civil brasileiro.
Volume I. São Paulo: RT, 2015, tópico 302)
Não raro, deve-se aferir a aplicação do art. 55, §1º, parte final, CPC/15:
"Os processos de ações conexas serão reunidos para decisão conjunta,
salvo se um deles já houver sido sentenciado
."
Semelhante é o conteúdo da mencionada súmula 235, STJ:
"
A conexão não determina a reunião dos processos, se um deles já foi julgado
."
2.8. Eventual conexão - caso em exame:
No presente caso,
não diviso sinais de conexão
desta demanda com alguma outra causa, de modo a ensejar a sua reunião para solução conjunta. Assim, a competência desta unidade jurisdicional resta condolidada.
2.9. Respeito à coisa julgada - considerações gerais:
Como sabido, a coisa julgada é assegurada constitucionalmente, na forma do art. 5, XXXVI, Lei Maior/88, enquanto projeção da garantia da segurança jurídica. Eventual sentença transitada em julgada em regra não pode ser alterada pelo Juízo e tampouco pela parte atingida, salvo eventual celebração de acordo com a parte reconhecida como credora na decisão (lógica, por exemplo, do art. 190, CPC).
"A sentença de mérito transitada em julgado só pode ser desconstituída mediante ajuizamento de específica ação autônoma de impugnação (ação rescisória) que
haja sido proposta na fluência do prazo decadencial previsto em lei
, pois, com o exaurimento de referido lapso temporal,
estar-se-á diante da coisa soberanamente julgada, insuscetível de ulterior modificação, ainda que o ato sentencial encontre fundamento em legislação que, em momento posterior, tenha sido declarada inconstitucional pelo STF, quer em sede de controle abstrato, quer no âmbito de fiscalização incidental de constitucionalidade
. A superveniência de decisão do STF, declaratória de inconstitucionalidade de diploma normativo utilizado como fundamento do título judicial questionado, ainda que impregnada de eficácia ex tunc - como sucede, ordinariamente, com os julgamentos proferidos em sede de fiscalização concentrada (RTJ 87/758 - RTJ 164/506-509 - RTJ 201/765) -, não se revela apta, só por si, a desconstituir a autoridade da coisa julgada, que traduz, em nosso sistema jurídico, limite insuperável à força retroativa resultante dos pronunciamentos que emanam, in abstracto, da Suprema Corte." (RE 592.912-AgR, rel. min. Celso de Mello, julgamento em 3-4-2012, Segunda Turma, DJE de 22-11-2012.)
Atente-se também para a lição de Humberto Theodoro Jr.:
"A coisa julgada é fenômeno próprio do processo de conhecimento, cuja sentença tende a fazer extinguir a incerteza provocada pela lide instalada entre as partes. Mas fazer cessar a incerteza jurídica não significa apenas fazer conhecer a solução cabível, mas impô-la, tornando-a obrigatória para todos os sujeitos do processo, inclusive o próprio juiz. Às vezes, o comando sentencial tem de ser executado por meio de realização coativa da prestação devida pelo vencido. Outras vezes, a declaração apenas é suficiente para eliminar o foco da desavença. Nem sempre, portanto, o processo civil está predisposto a providências executivas. Há acertamentos condenatórios, mas há também os não condenatórios, que se desenvolvem em torno de pretensões constitutivas ou apenas declaratórias.
Uma vez, porém, concluído o acertamento da controvérsia, seja por sentença de imposição de sanção, seja por sentença puramente declaratória, a coisa julgada se estabelece com a mesma função, ou seja, a certeza jurídica em torno da relação controvertida se implanta com plenitude, vinculando as partes e o juiz.
Essa situação jurídica cristalizada pela coisa julgada caracteriza-se por dois aspectos fundamentais: de um lado, vincula definitivamente as partes; de outro, impede, partes e juiz, de restabelecer a mesma controvérsia não só no processo encerrado, como em qualquer outro.
Admite-se, dessa maneira, uma
função negativa
e uma
função positiva
para a coisa julgada. Pela função negativa exaure ela a
ação exercida
, excluindo a possibilidade de sua
reproposição
. Pela função positiva, “impõe às partes obediência ao julgado como norma
indiscutível
de disciplina das relações extrajudiciais entre elas e obriga a autoridade judiciária a ajustar-se a ela, nos pronunciamento que a pressuponham e que a ela se devem coordenar
” (
apud
NEVES, Celso.
Coisa Julgada Civil.
São Paulo: RT, 1971, p. 383-383).
A coisa julgada, por sua força vinculativa e impeditiva, não permite que partes e juiz escapem da definitiva sujeição aos efeitos do acertamento consumado no processo de conhecimento. O resultado prático é caber a qualquer dos litigantes “a
exceptio rei iudicatae,
para excluir novo debate sobre a relação jurídica decidida” (
apud
NEVES, Celso. Op. Cit, p. 489), e ao juiz o poder de, até mesmo de ofício, extinguir o processo sem julgamento do mérito, sempre que encontrar configurada a ofensa à coisa julgada (ar. 267, V e § 3º).
Portanto, quando o art. 467 fala em
indiscutibilidade
e
imutabilidade
da sentença transitada em julgado refere-se a duas coisas distintas: a) pela
imutabilidade
, as partes estão proibidas de propor ação idêntica àquela em que se estabeleceu a coisa julgada; b) pela
indiscutibilidade
, o juiz é que em novo processo, no qual se tenha de tomar a situação jurídica definida anteriormente pela coisa julgada como razão de decidir, não poderá reexaminá-la ou rejulgá-la; terá de tomá-la simplesmente como
premissa
indiscutível. No primeiro caso atua a força
proibitiva
(ou negativa) da coisa julgada, e, no segundo, sua força
normativa
(ou positiva)
." (THEODORO JÚNIOR, Humberto.
Curso de Direito Processual Civil:
Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. Vol. I. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 587-588).
Nesse mesmo sentido, leiam-se também os seguintes julgados: RE 444.816, rel. min. Marco Aurélio, julgamento em 29-5-2012, Primeira Turma, DJE de 27-8-2012; RE 594.350, rel. min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 25-5-2010, DJE de 11-6-2010.
Segundo o conhecido art. 502, CPC/15,
"
Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso
.
" O art. 503, do mesmo código, preconiza que
"A decisão que julgar total ou parcialmente o mérito tem força de lei nos limites da questão principal expressamente decidida."
Merece ênfase, ademais, o art. 508, CPC:
"Transitada em julgado a decisão de mérito, considerar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e as defesas que a parte poderia opor tanto ao acolhimento quanto à rejeição do pedido."
Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero são precisos quando enfatizam que
"
A coisa julgada pressuposto do discurso jurídico - constitui uma regra sobre o discurso. Não admite, nesse sentido, ponderação. Representa evidente agressão ao Estado Constitucional e ao próprio discurso jurídico a tentativa de relativizar a coisa julgada
."
(MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel.
Código de processo cvil.
6. ed. rev. atual. São Paulo: RT, 2014, p. 449).
Desse modo, a sentença transitada em julgado não pode ser alterada ou desconsiderada pelo Juízo, conforme lógica do art. 508, CPC/15. Tal alteração apenas seria admissível em casos de negócio processual, avençado entre as partes, versando sobre pretensões disponíveis, conforme art. 190, CPC/15. Também seria cabível em hipótese de ação rescisória, interposta perante o Tribunal competente e com atenção ao prazo do art. 975, CPC/15; em caso de
querela nullitatis insanabilis
ou de declaração, pela Suprema Corte, da inconstitucionalidade de norma tomada como fundamento para prolação da sentença (art. 535, §4º, CPC).
2.10. Respeito à coisa julgada - caso em exame:
No caso em análise, não diviso sinais de violação à coisa julgada. Ao que consta, o tema aludido na inicial não chegou a ser apreciado em alguma outra sentença, de modo que não há afronto à garantia em causa. Note-se que a presente demanda não se trata de reiteração do conflito travado no âmbito da reclamatória trabalhista 0000569-65.2017.5.09.0022.
2.11. Litispendência - considerações gerais:
De alguma forma, o tema do
ne bis in idem
tem origem no âmbito do direito sancionador, dado que ninguém pode ser sancionado duplamente por uma mesma infração administrativa ou penal
. Essa vedação decorre da própria cláusula do devido processo, tanto na vertente substantiva quanto procedimental. Daí que ninguém pode responder a simultâneos processos administrativos versando sobre a mesma suspeita/imputação, tampouco podendo responder a distintos processo penais com lastro na mesma arguição.
Esse é o conteúdo da cláusula do
double jeopardy,
assegurada pela 5ª e pela 14ª Emendas da Constituição dos EUA (aplicadas aos Estados-membros a partir do caso
Benton v. Maryland - 1969,
Suprema Corte). No âmbito da
Civil Law
isso se traduz na cláusula do
ne bis in idem,
assegurado expressamente pelo art. 8º do Pacto de San José da Costa Rica e em inúmeros outros tratados internacionais. No caso alemão, essa vedação está expressa no art. 103 da Lei Fundamental (
Doppelverwertungsverbot -
proibição de dupla valoração do mesmo fato:
"
Ninguém pode ser punido mais de uma vez pelo mesmo fato, com base no direito penal comum
",
em tradução livre).
Apesar de se tratar de garantia antiga - há quem alegue que o
ne bis in idem
teria origem sob o governo de Henrique II, na Inglaterra (por volta de 1100 D.C, conforme RUDSTEIN, David S.
Double
jeopardy:
a reference guide to the United States Constitution. Westport: Praeger, 2004, p. 4-8), há várias discussões a respeito do seu alcance. Anote-se, por exemplo, que García de Enterría sustentava que o
ne bis in idem
impediria a cumulação de sanções penais e administrativas diante de uma mesma imputação, por força da redação do art. 25 da Constituição da Espanha (veja-se AISA, Estrella Escuchuri.
Teoría del concurso de leyes y de delitos:
bases para una revisión crítica. Granada: Comares, 2004, p. 123). Mas, essa opinião não ganhou maiores adeptos.
O fato é que o
bis in idem
ocorre quando alguém é sancionado mais de uma vez pela mesma imputação. Daí que deve se tratar da mesma conduta e também da punição ao mesmo título, dado que é cabível - no território nacional - que alguém responda a uma sanção pela infração tributária e também responda por eventual crime previsto na lei 8.137/1990. Em outras palavras, um determinado comportamento pode configurar, a um só tempo, infração a cláusulas contratuais - dando ensejo à aplicação de cláusulas penais -; ilícito administrativo; ilícito tributário e ilícito penal, contanto que haja efetiva diferença entre os escopos sancionatórios de cada uma dessas imputações.
No caso, nesse primeiro e precário exame, não diviso sinais de litispendência, o que pressupõe - conforme
art. 337, §2, CPC/15
- identidade de partes, de pedido e de causa de pedir. No presente processo, a aludida exceção não foi suscitada pelas partes e não constato o cogitado
bis in idem
, no que tange ao exame de ofício.
Aludido requisito de identidade de partes nas demandas é esmaecido, e fato, quando em causa processos coletivos, na medida em que o(a) autor(a) pode então deduzir pretensão em nome de coletividades.
Quando em causa ações coletivas
, o que não é a hipótese em exame, é salutar ter em conta
"que a aferição da litispendência na tutela coletiva deve ser regida não pela análise de quem formalmente se apresenta como autor das diversas demandas, mas, sim, pela qualificação jurídica de tal legitimação. Vale dizer, indagando-se a que título estão as diferentes entidades autoras em juízo, deduzindo idênticas pretensões de tutela de direitos meta-individuais (mesmos pedidos e causas de pedir), quando, então, será possível afirmar serem idênticas as demandas coletivas.
Deste modo, em virtude da especialidade do modelo processual coletivo, e, notadamete da qualificação da legitimação ativa empregaada, revela-se equivocada a afirmação de inexistência de litispendência entre ações coletivas através das quais sejam deduzidas idênticas pretensões, pelo tão-só fato de terem sido propostas por entidades diferentes
."
(VENTURI, Elton.
Processo civil coletivo:
a tutela jurisdicional dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos no Brasil. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 331).
De toda sorte, não há preclusão
pro iudicato
para exame do tema adiante, notadamente em fase de saneamento, caso acorram aos autos elementos que demandem a revisão deste despacho.
"
Sob outra perspectiva, dentre as espécies de preclusão, em relação aos protagonistas do processo, há ainda a denominada preclusão pro iudicato, pela qual é vedado ao juiz decidir questão já julgada. Assim, a preclusão, normalmente, atinge a atividade das partes, mas, igualmente, pode também ocorrer em relação ao órgão jurisdicional, impondo-lhe o obstáculo de não mais poder decidir matéria de direito disponível, a qual, nos termos do caput do art. 505, foi objeto de precedente julgamento
.
Cumpre deixar claro que a vedação no sentido de desautorizar o juiz a rever anterior ato decisório concerne apenas questões de direito disponível, uma vez que, consoante o disposto no art. 485, § 3.º, do CPC, não alcança a matéria de ordem pública, que pode ser reexaminada, pelo próprio juiz da causa, até o momento de proferir sentença.
Fredie Didier Júnior, enfrentando está questão já sob as novas regras processuais, sustenta diferente opinião, trazendo inúmeros argumentos que convidam à reflexão. Embora entendendo que o art. 485, § 3.º, do CPC, autoriza a cognição em qualquer grau e tempo de jurisdição da matéria ali especificada, isso somente ocorrerá se não tiver sido precedentemente examinada: “convém precisar a correta interpretação que se deve dar ao enunciado do § 3.º do art. 485 do CPC. O que ali se permite é o conhecimento, a qualquer tempo, das questões relacionadas à admissibilidade do processo – não há preclusão para a verificação de tais questões, que podem ser conhecidas ex officio, até o trânsito em julgado da decisão final, mesmo pelos tribunais. Mas não há qualquer referência no texto legal à inexistência de preclusão em torno das questões já decididas.
Se fosse consistente esta linha de raciocínio, quando já decidida, por exemplo, em primeiro grau uma preliminar de natureza processual, não impugnada a decisão por meio do recurso cabível, o tribunal estaria impedido de reexaminá-la de ofício, porque coberta pela preclusão. Na verdade, o tribunal não só pode como deve enfrentar as questões de ordem pública, visto que não há se falar em preclusão pro iudicato sobre esta matéri
a.
Atualmente, vinga esse posicionamento em nossos tribunais, como, v.g., colhe-se em acórdão da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no Agravo Regimental no Recurso Especial 1.377.422-PR, relatado pelo Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva: “Nos termos da jurisprudência desta Corte as matérias de ordem pública decididas por ocasião do despacho saneador não precluem, podendo ser suscitadas na apelação, ainda que a parte não tenha interposto o recurso de agravo”. Em senso análogo, a 2.ª Turma, a seu turno, por ocasião do julgamento do Recurso Especial 1.483.180-PE, com voto condutor do Ministro Herman Benjamin, assentou, à unanimidade de votos, que: “Esta Corte Superior possui entendimento consolidado de que as matérias de ordem pública decididas por ocasião do despacho saneador não precluem, podendo ser suscitadas na apelação, ainda que a parte não tenha interposto o recurso de agravo.
Tive oportunidade de examinar esta problemática sob a égide do CPC re- vogado, valendo-me da lição de Galeno Lacerda. [4]Na verdade, há ensinamentos que se perpetuam. Como a redação do atual caput do art. 505 é praticamente a mesma da anterior (art. 471), invoco mais uma vez a dou- trina do insigne processualista gaúcho, ainda atual, ao refutar a posição de Liebman, no sentido da impossibilidade de ser reavivado, no curso do pro- cesso, o exame acerca de questões cujo deslinde já havia sido coberto pela preclusão.
Com efeito, após sistematizar as nulidades processuais e tentar solucionar os problemas que defluíam da atividade saneadora do juiz, Galeno Lacerda afirmava que: “a violação de normas imperativas, ao contrário do que ocorre com a anulabilidade, deve ser declarada de ofício pelo magistrado. Enquanto, porém, a ofensa à lei reclamada pelo interesse público provoca nulidade insanável, a infração de preceito imperativo ditado em consideração a interesse da parte impede o juiz a tentar o suprimento, antes de declarar a nulidade. Ora, o problema da preclusão de decisões no curso do processo é substancialmente diverso do problema da preclusão das decisões terminativas. Enquanto nestas o magistrado esgota a jurisdição, extinguindo a relação processual, naquelas ele conserva a função jurisdicional, continua preso à relação do processo. Em face desta premissa, a pergunta se impõe:
Pode o magistrado, que conserva a jurisdição, fugir ao mandamento de norma imperativa, que o obriga a agir de ofício, sob pre- texto de que a decisão interlocutória precluiu? Reconhecido o próprio erro, poderá a falta de impugnação da parte impedi-lo de retratar-se? Terá esta com sua anuência, tal poder de disposição sobre a atividade ulterior do juiz? A resposta, evidentemente, no caso, deve ser negativa
. Se o juiz conserva a jurisdição, para ele não preclui a faculdade de reexaminar a questão julgada, desde que ela escape à disposição da parte, por emanar de norma processual imperativa. Daí se conclui que a preclusão no curso do processo depende, em última análise da disponibilidade da parte em relação à matéria decidida. Se indisponível a questão, a ausência de recurso não impede o reexame pelo juiz. Se disponível, a falta de impugnação im- porta concordância tácita à decisão. Firma-se o efeito preclusivo não só para as partes, mas também para o juiz, no sentido de vedada se torna a retratação".
Desse modo, também sob a vigência do novo CPC, se no curso do processo, enquanto não esgotada a jurisdição, entender o juiz que se equivocara em decisão sobre as matérias arroladas nos incs. IV, V, VI e XI do art. 485, im- põem-lhe a função de dirigente do processo e o dever de velar pela duração razoável do processo (art. 139), reexaminá-la e resolvê-la novamente. É o que determina o art. 485, § 3.o, no sentido de autorizar ao juiz conhecer de ofício das supra aludidas matérias, até que, à evidência, não tenha exaurido a sua própria jurisdição
." (TUCCI, José.
Comentários ao Código de Processo Civil:
artigos 485 ao 538. São Paulo: RT. 2016, comentário ao art. 485).
Convém destacar esse último excerto:
"Desse modo, também sob a vigência do novo CPC, se no curso do processo, enquanto não esgotada a jurisdição, entender o juiz que se equivocara em decisão sobre as matérias arroladas nos incs. IV, V, VI e XI do art. 485, im- põem-lhe a função de dirigente do processo e o dever de velar pela duração razoável do processo (art. 139), reexaminá-la e resolvê-la novamente. É o que determina o art. 485, § 3.o, no sentido de autorizar ao juiz conhecer de ofício das supra aludidas matérias, até que, à evidência, não tenha exaurido a sua própria jurisdição."
2.12. Cogitada litispendência - caso em exame:
No caso em apreço, não vislumbro indicativos de que esta causa seja reiteração de alguma outra em curso, na forma do art. 337, §2, CPC, de modo que entendo não ahver sinais de
bis in idem.
Ressalvo eventual novo exame do tema, caso a tanto instado.
2.13. Suspensão da demanda - considerações gerais:
Não diviso a presença dos requisitos que ensejariam eventual suspensão do processo, nesta etapa da causa, por conta de alguma questão prejudicial - art. 313, Código de Processo Civil/15: "
Suspende-se o processo: (...) V -
quando a sentença de mérito: a) depender do julgamento de outra causa ou da declaração de existência ou de inexistência de relação jurídica que constitua o objeto principal de outro processo pendente
; b) tiver de ser proferida somente após a verificação de determinado fato ou a produção de certa prova, requisitada a outro juízo. (...) § 4 O prazo de suspensão do processo nunca poderá exceder 1 (um) ano nas hipóteses do inciso V e 6 (seis) meses naquela prevista no inciso II. §5 O juiz determinará o prosseguimento do processo assim que esgotados os prazos previstos no §4."
A respeito dos aludidos preceitos, convém registrar aqui a análise detida promovida por Araken de Assis:
"Prejudicial externa civil – A hipótese mais frisante de suspensão do processo em razão de prejudicialidade externa homogênea é a prevista no art. 313, V, a, do NCPC.
Toda vez que o julgamento do mérito “depender do julgamento de outra causa ou da declaração de existência ou de inexistência de relação jurídica que constitua o objeto principal de outro processo pendente”, o juiz suspenderá o processo
. Derivações dessa regra avultam na possibilidade de o relator suspender os processos que dependam do julgamento da ação declaratória de constitucionalidade (art. 21 da Lei 9.868/1999) e da arguição de descumprimento de preceito fundamental (art. 5.º, § 3.º, da Lei 9.882/1999) – não, porém, a suspensão em decorrência do incidente de resolução das demandas repetitivas ou do julgamento do recurso extraordinário e do recurso especial repetitivos: a questão aí julgada é principal. O art. 313, V, a, trata da suspensão por causa prejudicial, que é a aptidão da prejudicial em tornar-se objeto litigioso em outro processo.
Fica evidente da redação da norma que a prejudicial é externa, porque há de consistir em “objeto principal de outro processo”. Não importa a circunstância de a questão prejudicial consistir no objeto originário do outro processo (v.g., A postula a invalidade do contrato firmado com B, mas B pleiteia o cumprimento da prestação devida por A) ou decorrer do alargamento desse objeto, por força de declaração incidente (v.g. B pleiteou de A, no primeiro processo, o principal da dívida, mas A reagiu pleiteando a declaração incidente da validade do contrato; no segundo processo, B pleiteia de A os juros da dívida). Importa a resolução da questão comum no outro processo, com autoridade de coisa julgada. E, nesse caso, o vínculo produzido na causa subordinante estender-se-á à causa subordinada ou, vencido o prazo máximo de suspensão – hipótese mais do que provável, vez que o interregno de um ano (art. 313, § 4.º) é muito curto, pressupondo-se elastério mais dilatado para o julgamento, por forçada ordem cronológica do art. 12, e o trânsito em julgado –, sobre a deliberação incidental na causa subordinada não recairá a coisa julgada (art. 503, § 1.º, III, in fine). Realmente, a questão comum não constitui o objeto principal da causa condicionada. Do contrário, configurar-se-ia um dos efeitos da litispendência, a proibição de renovação de causa idêntica. Cumprirá ao juiz julgá-la vencido o prazo hábil de espera, incidentalmente, apesar dos esforços de concatenação empreendidos pelo expediente da suspensão.
O exemplo ministrado, em que uma das partes pleiteia a decretação da invalidade do contrato e a outra reclama a prestação, releva que tampouco importa a diversidade da força da ação (declarativa, constitutiva, condenatória, executiva e mandamental) e a espécie de procedimento. A pretensão de A contra B para decretar a invalidade do contrato tem força constitutiva negativa, a de B contra A para realizar a prestação tem força condenatória. Nada obstante, o primeiro processo funciona como causa prejudicial relativamente à pretensão deduzida no segundo: decretada a invalidade do contrato naquele, fica predeterminado o desfecho deste (improcedência). Evidentemente, havendo a possibilidade de reunir os processos no mesmo juízo (retro, 305), para julgamento simultâneo, por força da conexão (retro, 303), inexiste a necessidade de suspender a causa condicionada, porque os processos conexos serão julgados simultaneamente (art. 55, § 1.º).
O objetivo da suspensão prevista no art. 313, V, a, consiste em evitar a emissão de provimentos conflitantes, logicamente incompatíveis, a respeito da questão prejudicial. Por esse motivo, causa prejudicial envolvendo partes distintas raramente constitui razão bastante para suspender outro processo, por mais relevante que seja a questão comum controvertida em ambos, ressalva feita às hipóteses de o julgamento da causa subordinante produzir efeitos erga omnes, como acontece na ação declaratória de constitucionalidade (art. 102, § 2.º, da CF/1988). Aliás, essa é uma característica – a falta de identidade de partes – da prejudicial de constitucionalidade, objeto do controle concentrado, todavia alheio à incidência do art. 313, V, a. Em outras palavras, o juiz da causa condicionada não suspenderá o processo em que se controverta norma objeto de controle concentrado de constitucionalidade
. Em tal hipótese, ou o STF concedeu liminar, suspendendo a vigência da norma, e o juiz não poderá aplicá-la; ou não concedeu, e o juiz haverá de aplicá-la no julgamento do mérito, ou não, exercendo o controle difuso. A superveniência do julgamento do STF, pronunciando a inconstitucionalidade, será recepcionado no julgamento do mérito ou, havendo ocorrido o trânsito em julgado, a sentença se tornará inexequível, nas condições do art. 525, § 1.º, III, c/c § 12.
No tocante ao estágio do processo subordinado, a suspensão poderá ocorrer no primeiro e no segundo graus; em particular, “o fato de já ter sido proferida sentença no processo prejudicado não afasta, portanto, a possibilidade de sua suspensão”. Conforme deflui da cláusula final do art. 313, V, a, que alude a “outro processo pendente”, tampouco o estágio do processo subordinante se mostra relevante à suspensão, bastando que subsistam os efeitos da litispendência. Encontrando-se a causa prejudicial no tribunal, por força de apelação, admite-se a suspensão, hipótese em que, presumivelmente, o desfecho ocorrerá dentro do prazo de suspensão
.
Era particularmente difícil a interpretação da regra particular do direito anterior, declarando haver suspensão do processo que “tiver por pressuposto o julgamento de questão de estado, requerido como declaração incidente” (art. 265, IV, c, do CPC de 1973). A esse propósito, havia dois termos de alternativa: ou se cuidava de prejudicial externa, caracterizada pelo fato se tratar de questão de estado (v.g., na ação de divórcio, a validade do casamento), hipótese em que incorreria a lei em indesejável redundância; ou se tratava de prejudicial interna, caso em que ocorreria colisão com o sistema da declaração incidente, e, pior, nenhuma justificativa plausível para suspender o processo, pois o juiz da causa resolverá conjuntamente a questão prejudicial, e, conforme o teor da resolução, passando ou não à análise da questão prejudicada. Essa situação constitui simples subespécie da regra geral do art. 313, V, a, do NCPC. É digno de nota a possibilidade de o juízo não exibir competência em razão da matéria para julgar questões de estado em caráter principalmente, hipótese em que a resolução incidental porventura tomada não se revestirá de auctoritas rei iudicate, nos termos do art. 503, § 1.º, III." (ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro:
volume II. Tomo II. Parte geral. São Paulo: RT. 2015. p. 809 e ss.)
2.14. Eventual suspensão da demanda - caso em apreço:
No presente caso, não diviso lastro para a suspensão desta demanda, na forma do art. 313, CPC, eis que não há um contexto de dependência de alguma questão prejudicial.
2.15. Legitimidade das partes - considerações gerais:
É sabido que, em alguma medida, as questões alusivas à pertinência subjetiva tangenciam o próprio mérito da causa. Nosso sistema ainda se vincula à concepção eclética de Túlio Liebmann - quem distinguia entre pressupostos processuais, condições para o válido exercício do direito de ação e, por fim, as questões de mérito.
O problema é que, em muitos casos, os temas próprios ao mérito (procedência/improcedência da pretensão) e os temas próprios às condições da ação (legitimidade/ilegitimidade, possibilidade do pedido) não podem ser distinguidos de uma forma absolutamente clara. Como se infere do seu 'Tratado das ações', Pontes de Miranda promovia uma distinção entre (a) ação em sentido material - como uma espécie de projeção do direito subjetivo - ainda vinculada à concepção imanentista do direito civil antigo e (b) ação em sentido processual.
Com base nessa diferenciação pontiana, é que o desembargador gaúcho Adroaldo Furtado Fabrício tem criticado a teoria eclética, ao enfatizar que as 'condições da ação' também tratam, no geral, do mérito da causa (saber se a parte é legítima é, de certa forma, um exame conexo ao mérito: saber se ela poderia ser demandada, se teria a obrigação de indenizar etc). Confira-se com Adroaldo Furtado Fabrício. Extinção do Processo e Mérito da Causa, in OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro de (org).
Saneamento do processo:
Estudos em homenagem ao Prof. Galeno Lacerda. PA: Sérgio Fabris, 1990, p. 33.
De todo modo, em sentido pontualmente distinto, e por conta dos dispositivos do Código de Processo Civil em vigor, atente-se para a lição de Araken de Assis:
"A legitimidade não condiciona a ação, como quer a opinião há pouco exposta, haja vista um motivo trivial: a sua falta jamais impedirá a formação do processo. A pessoa que toma a iniciativa de provocar o órgão judiciário, seja quem for, cria a relação processual, embora fadada a perecer através de juízo de admissibilidade negativo – item que constitui pressuposto lógico e cronológico do exame do mérito.
Legitimidade é, descansando no direito material, problema distinto do juízo acerca do caráter fundado ou infundado da pretensão deduzida contra o réu. A demanda movida por alguém sem legitimidade é inadmissível, e, não, infundada. Sentença terminativa desse teor limita-se a repelir, a partir dos dados ministrados pelo direito material, sempre in status assertionis, a habilitação da parte para conduzir o processo, relativamente ao objeto litigioso alegado
. Aos esquemas abstratos, traçados na lei, gerando tal capacidade, chamam-se de situações legitimadoras. Portanto, a dissociação entre o sujeito da lide e o do processo evidencia a verdadeira natureza da legitimidade e a situa no lugar próprio no conjunto das questões submetidas à apreciação do órgão judicial. É um pressuposto processual preenchido mediante a simples enunciação do autor. Ninguém se atreverá a reputar respeitante ao mérito eventual juízo quanto à inexistência, em determinado caso concreto, do título legal para alguém pleitear em juízo direito alheio. Descontada a errônea concepção que ilegitimidade do autor obsta à formação do processo, o art. 485, VI, houve-se com acerto ao situar o problema fora do mérito."
(ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
Volume II. Tomo I. Parte geral: institutos fundamentais. SP: RT. 2015. p. 178).
Em outras palavras, deve-se aferir a pertinência subjetiva dos contendores, tendo-se em conta a causa de pedir detalhada na peça inicial.
2.16.
Pertinência
subjetiva da autora:
A requerente está legitimado para a demanda, na medida em que sustentou fazer jus à reparação de danos, dado que teria auferido valores inferiores ao devido, no tocante ao seu plano de previdência previado
. Ela deduziu pretensão própria, em nome próprio, não esbarrando na vedação do art. 18, CPC/15.
2.17. Pertinência subjetiva da CEF:
A CEF está legitimada para a presente demanda, diante da causa de pedir invocada pela autora. Ela sustentou ter trabalhado junto à CEF, restando desligada da relação de emprego por conta da sua aposentação. Argumentou ter deflagrado a mencioanda demanda trabalhista - 0000569-65.2017.5.09.0022, em cujo âmbito a CEF teria restado condenada a lhe pagar diferenças remuneratórias. Nesta demanda, a autora argumentou que, na medida em que teria auferido valores inferiores ao devido, ela faria jus à complementação do benefício previdenciário. Disse que, caso lhe houssem sido pagas as verbas salariais, no montante efetivamente devido, no tempo certo, seu benefício previdenciário teria sido maior do que aquele por ela auferido.
Logo, a Caixa Econômica Federal está legitimada para a causa.
2.18. Litisconsórcio necessário - considerações gerais:
O litisconsórcio está previsto no art. 114, CPC/15 e decorre da lógica do
inauditus
damnare
potest,
imposto pelo art. 5º, LIV e LV, CF -- ou seja, ninguém pode sofrer uma sanção ou consequência jurídica gravosa sem que lhe seja oportunizada prévia manifestação a respeito das imputações. A sentença apenas faz coisa julgada entre as partes, conforme art. 506, CPC/2015.
Ora, justamente por força da necessidade de que as decisões judiciais sejam consistentes, é que o Código de Processo civil obriga o demandante, em determinados casos, a orientar a sua pretensão contra todas as pessoas intimamente vinculadas a determinado evento (causa de pedir). Busca-se, com isso, inibir soluções judiciais contraditórias, ao mesmo tempo em que também se otimiza a prestação jurisdicional e se assegura ampla defesa.
Reporto-me à lição de Luís Marinoni e Sérgio Arenhart:
"Em princípio, a determinação da formação do litisconsórcio necessário vem estipulada no caput do art. 47, CPC, que afirma que há litisconsórcio necessário quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes. Portanto, da leitura desse artigo tem-se que duas causas podem gerar o litisconsórcio necessário; a lei ou a natureza da relação jurídica.
E, somando-se a isso, para a caracterização da necessidade da formação do litisconsórcio, será necessário que essas causas exijam que o juiz julgue o litígio de maneira uniforme para todas as partes (rectius, litisconsortes). Note-se, porém, que a redação do dispositivo é bastante defeituosa, podendo levar à conclusão de que as figuras do litisconsórcio necessário e unitário identificam-se, ou melhor, que o litisconsórcio unitário deve ser necessário e que o litisconsórcio necessário deve ser unitário.
Nem sempre, porém, assim será. Imagine-se a hipótese em que a lei obriga, por qualquer causa, a formação de determinado litisconsórcio, ainda que a questão não precise, necessariamente, ser resolvida de maneira idêntica para todos os litisconsortes. Pense-se na hipótese da ação popular, em que a lei determina que devam ser citados para a ação todos aqueles que direta ou indiretamente tenham contribuído, por ação ou omissão, para a edição do ato inquinado como ilegal (art. 6º da lei 4.717/1965 - lei de ação popular), bem como seus beneficiários diretos. Ninguém duvida que esse é um litisconsórcio simples, não exigindo solução idêntica perante todos os litisconsortes. Não obstante isso, a lei impõe a formação de litisconsórcio. Seria, por acaso, indevida essa exigência do litisconsórcio? Poderia alguém questionar a exigibilidade desse litisconsórcio? Não parece que a resposta possa ser positiva. Em verdade, a exigência da formação do litisconsórcio, no caso, em que a lei o exija, independe do caráter unitário ou não da figura. Impõe simplesmente porque a lei o quer.
Somente na outra hipótese, em que a formação do
litisconsórcio
decorre da natureza da relação jurídica, é que efetivamente tem algum interesse a questão da unitariedade ou não da figura
. Aqui, sim, é possível que, diante da necessidade de que a solução da causa seja idêntica para várias pessoas, imponha-se o litisconsórcio ainda que a lei não o determine. E, como já visto, a unitariedade do litisconsórcio decorre não apenas do fato de que a sentença deve decidir a questão de forma uniforme para todos os litisconsortes, mas, sobretudo, da ideia de que essa imposição decorra da unitariedade da relação jurídica material deduzida em juízo. Vale dizer: no litisconsórcio unitário, exige uma relação jurídica material (cuja afirmação é o objeto da demanda) que possui vários sujeitos em um dos
pólos. Pense-se no caso de um imóvel que possua vários coproprietários. Ou no negócio jurídico celebrado por marido e mulher com terceiro. Ou ainda em um ato administrativo (por exemplo, uma portaria) complexo, que é emitido por mais de uma entidade. Nesses casos, a relação jurídica material realizada possui, em pelo menos um dos seus
pólos, mais de um sujeito.
E é precisamente essa pluralidade subjetiva em um dos
pólos
da relação jurídica material deduzida em juízo que determina, na forma do que prevê o art. 47, CPC (natureza da relação jurídica), o
litisconsórcio
necessário
." (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz.
Processo de conhecimento.
7. ed. SP: RT. 2008. p. 173-174).
Atente-se também para a análise de Marcelo Abelha Rodrigues:
"A necessidade deste tipo de
litisconsórcio,
prevista no art. 47, CPC, decorre ou por força de lei, ou por natureza da relação jurídica. Será por força de lei no caso, por exemplo, do art. 6º da LAP, ou ainda no caso do art. 942, II, CPC.
Estaremos diante da segunda hipótese quando se cuidar de ação anulatória proposta contra todos os contratantes. Não se pode ser contra apenas um deles, pois a natureza da relação jurídica requer que possuam a mesma decisão. Outro exemplo, por força da lei, é o previsto no art. 10, §2º, CPC
."
(RODRIGUES, Marcelo Abelha.
Elementos de direito processual civil.
vol. 1. 2. ed. São Paulo: RT, 2000, p. 296)
O litisconsórcio pode ser necessário ou facultativo, no que toca à obrigatoriedade da sua formação. Também pode ser unitário ou simples, quanto à solução a ser dispensada às partes. Como cediço, o litisconsórcio é facultativo quando determinadas pessoas aquiescem em litigar juntas contra um mesmo demandado; ou quando o autor endereça, a um só tempo, pretensões contra várias pessoas, desde sejam todas legítimas a figurar na causa (art. 17, CPC).
A respeito do litisconsórcio necessário, convém atentar para a lição de Nelson Nery Júnior:
"A obrigatoriedade da formação do litisconsórcio pode ser dada pela lei ou pela relação jurídica. São exemplos de litisconsórcio necessário por disposição de lei: a) CPC 942, que manda citar os confinantes, bem como aquele em nome de quem se encontra matriculado o imóvel usucapiendo; b) LAP, art. 6º, que manda citar o funcionário que autorizou a prática do ato impugnado, bem como a pessoa jurídica de direito público ou privado a que ele pertence; c) CPC, art. 10, §1º, II, que manda citar ambos os cônjuges em ação na qual se discutam fatos que digam respeito a ambos os cônjuges ou atos praticados por eles (v.g., fiança - CC 1647 III; CC/1916, 235 III e 242 I).
São exemplos de litisconsórcio necessário por força da relação jurídica: a) todos os partícipes de um contrato, para a ação anulatória do mesmo contrato, porque a sentença que decidir a lide não poderá anular o contrato para um dos contratantes e declará-lo válido para os demais que eventualmente não estivessem no processo como partes. Não sendo obrigatória a formação do litisconsórcio, este se caracteriza como facultativo, cujos casos mais comuns estão enumerados no CPC 46."
(NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade.
Código de processo civil e legislação extravagante.
9. ed. São Paulo: RT, 2006, p. 223)
2.19. Garantia do
art. 506
, CPC/15:
Por conta da cláusula do devido processo, ninguém pode sofrer a expropriação de bens, sem que lhe seja assegurado efetivo contraditório. Atente-se para o art. 506, Código de Processo Civil/15:
"
A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não prejudicando terceiros
."
A respeito do tema, destaco a análise de Marinoni:
"A princípio, portanto, tomando-se a regra geral, tem-se que somente as partes ficam acobertadas pela coisa julgada . Autor e réu da ação ficam vinculados à decisão judicial, já que participaram do contraditório que resultou na prolação da decisão judicial. Naturalmente, se esses sujeitos tiveram condição de influenciar na prolação da decisão judicial, indubitavelmente devem se sujeitar à resposta jurisdicional oferecida. Também se submetem à coisa julgada o substituído processual (art. 18), o sucessor a título universal e o sucessor na coisa litigiosa (arts. 108 e 109), ressalvada, é claro, a boa-fé do terceiro adquirente. Nesses casos, a ligação jurídica com as partes autoriza a vinculação à coisa julgada. Para as partes e seus sucessores, assim, a decisão judicial, preclusa em função do esgotamento dos meios de impugnação, torna-se imutável.
E quanto aos terceiros?
Para responder adequadamente essa questão, é preciso perceber inicialmente que o novo Código não refere que os terceiros não poderão se beneficiar da coisa julgada. Também é preciso perceber que o novo Código não reproduziu a regra constante do art. 472, parágrafo único , do CPC anterior, segundo a qual “nas causas relativas ao estado de pessoa, se houverem sido citados no processo, em litisconsórcio necessário, todos os interessados, a sentença produz coisa julgada em relação a terceiros”.
Assim, inicialmente, o novo Código não veda que terceiros se beneficiem da coisa julgada – na esteira do que já sugeria a doutrina diante do direito anterior. Isso quer dizer que o art. 506 acolheu a possibilidade de formação da coisa julgada secundum tenorem rationis. A ausência de restrição ao aproveitamento da coisa julgada ao terceiro, inclusive, harmoniza-se com o disposto no art. 274 do CC , segundo o qual o terceiro, credor ou devedor solidário, desde que o resultado do processo tenha lhe sido favorável e não fundado em qualidade especial ligada tão somente ao autor ou réu da demanda, pode aproveitar a coisa julgada formada inter alios .
Em segundo lugar, a ausência de repetição da regra do parágrafo único do art. 472 do direito anterior deve-se à necessidade de correção do equívoco evidente que encerrava: com a citação, os terceiros perdem essa condição e adquirem a qualidade de parte. Daí que esse dispositivo, a rigor, nada excepcionava diante do direito anterior. A sua eliminação, portanto, decorre apenas da necessidade de aperfeiçoamento técnico do Código.
No mais, a fim de bem dimensionar a posição dos terceiros diante da coisa julgada em todos os outros casos, é necessário lembrar a distinção entre terceiros interessados e terceiros indiferentes. Terceiro interessado é aquele que tem interesse jurídico na causa, decorrente da existência de al- guma relação jurídica que mantém, conexa ou dependente, em face da re- lação jurídica deduzida em juízo. Tal sujeito, em função da existência desse interesse jurídico, tem legitimidade para participar do processo, querendo, intervindo na condição de assistente simples. Já os terceiros indiferentes são aqueles que não mantêm nenhuma relação jurídica interdependente com aquela submetida à apreciação judicial . Não têm interesse jurídico na solução do litígio e, por essa circunstância, não são admitidos a intervir no processo.
A sentença judicial pode produzir efeitos em relação a todos esses sujeitos, sejam partes, sejam terceiros interessados, sejam ainda terceiros indife- rentes. Esses efeitos, porém, serão sentidos e recepcionados de maneira distinta, conforme a condição do sujeito que os sofre. Aqueles sujeitos que têm algum interesse qualificado como jurídico em relação ao litígio e à so- lução que recebeu (qualificados como terceiros interessados) podem porque têm legitimidade para tanto – opor-se, de algum modo, à afetação de sua esfera jurídica por tais efeitos. Esses “terceiros”, portanto, somente se submetem aos efeitos da sentença se não quiserem ou não puderem va- ler-se dos meios idôneos para afastá-los
.
Resumindo: aqueles que não são partes no litígio, e assim não podem ser atingidos pela coisa julgada, mas nele têm interesse jurídico, apenas po- dem ser alcançados pelos efeitos reflexos da sentença e por essa razão são considerados terceiros interessados (ou terceiros juridicamente inte- ressados), os quais têm legitimidade para ingressar no processo na quali- dade de assistente simples da parte ou manifestar posterior oposição aos efeitos da sentença." (MARINONI, Luiz; ARENHART, Sérgio; MITIDIERO, Daniel.
Manual do Processo Civil.
São Paulo: RT. 2022. capítulo 10)
Como regra, eventual sentença de procedência apenas pode atingir diretamente quem figura como demandado no processo, tendo sido citado, lhe sendo assegurado impugnar a pretensão contra si formulada, conforme garantia do devido processo legal - art. 5, LIV e LV, Constituição/88.
2.20. Cogitado litisconsórcio necessário - FUNCEF:
A Fundação dos Economiários Federais - FUNCEF foi constituída nos idos de 1977, com lastro na lei 6.435, de 15 de julho de 1977. Ela administra os planos de previdência complementar ofertados aos empregados públicos da Caixa Econômica Federal.
Aludidos planos envolvem certas peculiaridades, e colocam em causa - como acontece também com o regime geral de previdência social - intensos debates a respeito de direito intertemporal. Deve-se aferir, não raro, qual o plano aplicável ao postulante, as regras pertinentes e sua evolução ao longo do tempo. Há questões concerentes ao custeio, à definição das prestações e assim por diante.
No caso em exame, há certa ambiguidade.
Em primeiro exame, a autora não pretende uma alteração efetiva no seu plano de previdência complementar. Ao menos, não foi esse o conteúdo expresso do seu pleito. Ela parece almejar um cálculo a respeito do que teria ocorrido com seu benefício, caso houvesse auferido a remuneração no valor definido como correto pela Justiça do Trabalho, no âmbito da reclamatória 0000569-65.2017.5.09.0022.
Assim, definindo-se o que ocorreria com o benefício previdenciário complementar, seria o caso de comparar com aquilo que ela efetivamente auferiu. Essa diferença seria seu prejuízo, a ser indenizado pela Caixa Econômica. A vingar essa intelecção, restará afastada o cogitado litisconsórcio da FUNCEF. Afinal, a autora busca, em primeiro exame, a condenação da CEF a indenizar seus prejuízos. Não pretende que a FUNCEF altere o seu regime previdenciário.
Por conta disso, ao menos por ora, reputo que não há o litisconsórcio necessário alegado pela CEF. De todo modo, facultarei manifestação às partes a respeito deste tema, como destaco ao final desta deliberação, em prol da máxima discussão a respeito do tema.
2.21. Interesse processual - considerações gerais:
Por conta do monopólio estatal do uso válido da violência - expressão de Max Weber -, exceção feita aos casos de legítima defesa, estado de necessidade, desforço
incontinenti
etc., as partes não podem resolver seus conflitos mediante o emprego da força (art. 345, Código Penal/40). Assim, sempre que as controvérsias não sejam solucionadas com base no consenso, na prevalência do melhor argumento, os sujeitos devem deduzir suas pretensões perante o Estado, na espera de que haja aplicação isenta, racional e célere da lei (
law enforcement
).
Nos termos impostos pela Constituição, o Poder Judiciário está obrigado a apreciar a alegação de que haja lesão ou ameaça de lesão a direito (art. 5º, XXXV, CF), mecanismo indispensável para o efetivo império da razão pública, ao invés da prevalência dos poderes hegemônicos de ocasião. A prestação jurisdicional não se destina, todavia, a emitir meros pareceres ou cartas de intenções.
O ingresso em juízo deve estar fundado, tanto por isso, em uma situação de efetiva necessidade, de modo que o pedido - caso venha a ser acolhido - se traduza em uma utilidade para o(a) demandante. O meio processual eleito deve ser adequado para tanto. Daí que os processualistas tratem do interesse processual em uma
troika:
a necessidade, a utilidade e a adequação. Por fim, o interesse processual deve persistir no curso da demanda, nos termos do art. 17 e art. 85, §10, CPC/15.
Ora,
"
Mediante a força declaratória, a aspiração do autor consiste na extirpação da incerteza
. Deseja tornar indiscutível, no presente e no futuro, graças à autoridade da coisa julgada, a existência ou a inexistência de relação jurídica, a autenticidade ou a falsidade de documento. É o que dispõe, fortemente inspirado no direito germânico e reproduzindo a regra anterior, o art. 19 do NCPC. Também comporta declaração a exegese de cláusula contratual (Súmula do STJ, n.º 181), ou seja, o modo de ser de uma relação jurídica. Na ação declarativa, ignora-se outra eficácia relevante que a de coisa julgada material. Neste sentido, a pretensão à declaração representa fonte autônoma de um bem valiosíssimo na vida social: a certeza. O autor que só pleiteia declaração ao juiz, e obtém êxito, dar-se-á por satisfeito, e cabalmente, desde o curso em julgado da sentença.
Então apropria-se do que pedira ao órgão judicial – certeza –, carecendo a regra jurídica emitida de qualquer atividade complementar em juízo. Focalizando o ponto com preciosa exatidão, diz-se que a sentença declaratória é instrumento autossuficiente de tutela jurisdicional, pois assegura, de maneira plena e completa, a efetividade da situação jurídica substancial deduzida em juízo
."
(ASSIS, Araken de.
Processo
civil brasileiro:
volume I. Parte geral: fundamentos e distribuição de conflitos. São Paulo: RT. 2015. p. 675).
Ainda segundo Araken de Assis,
"
O provimento declaratório tem nítido caráter prescritivo. A parte adquire o direito incontestável de comportar-se em consonância ao comando sentencial, e, principalmente, não é dado àqueles que se vincularam à declaração impedi-la
. A finalidade da ação declaratória da inteligência e do alcance de cláusula contratual é a de prescrever aos parceiros do negócio, sucessivamente, determinada pauta de conduta, independentemente de execução alguma, de que não se cogita e de que não se pode cogitar."
(ASSIS, Araken de.
Obra citada.
p. 676).
Dado que o Poder Judiciário não é consultor jurídico das partes, impõe-se que haja uma situação de incerteza jurídica a justificar o ingresso com a demanda:
"
Impende recordar que a certeza implicará a vinculação futura das partes. O provimento exibirá caráter prescritivo para o futuro
. O ato judicial legitima a prática (ou a abstenção) de atos jurídicos “ao abrigo e em conformidade com o conteúdo da sentença. Em geral, a antevisão desse problema provoca o nascimento do interesse. Por assim dizer, o provimento declarativo tem os pés no passado, mas olhar no futuro. É preciso aceitar com reservas, portanto, o julgado da 4.ª Turma do STJ, que assentou: Não é detentor de interesse processual justificador da pretensão declarativa quem não está exposto à possibilidade de dano imediato e concreto. Ora, imediato é o interesse, pois o dano, em sentido amplíssimo, pode ser futuro. Por exemplo, não cabe declarar a inteligência da cláusula contratual em tese; o autor necessitará expor a dificuldade na interpretação da cláusula, os reflexos que este ou aquele entendimento provocará no programa contratual."
(ASSIS, Araken de.
Obra citada.
p. 661).
2.22. Interesse processual - caso em exame:
Ao contrário do que a CEF sustentou, a autora deflagrou esta demanda com interesse processual. Não estava obrigada a esgotar o debate na esfera extrajudicial. Tampouco estava obrigada a deduzir prévio pedido perante a FUNCEF, diante da natureza da sua pretensão, de caráter indenizatório.
O tema 350, STF, não se aplica ao caso, eis que a requerente não postulou a condenação da CEF ao pagamento de efetiva prestação previdenciária. Ela postulou, isso sim, a condenação da empresa pública à reparação de danos que alegou ter suportado, por ter auferido rendimentos mensais inferiores ao devido. Reitero que o esgotamento do debate administrativo não é requisito para a válida deflagração da demanda judicial, diante do quanto preconiza o art. 5, XXXV, Constituição/1988.
Por outro lado, caso a sua pretensão venha a ser acolhida em sentença transitada em julgado, a medida lhe será útil, incrementando o seu patrimônio, com o pagamento da verba em questão. Por fim, a medida processual adotada - demanda sob o rito dos Juizados - se revela adequada ao fim proposto, como anotei acima.
Com isso, o trinômio necessidade, utilidade e adequação restou satisfeito no processo em causa
.
2.23. Atribuição de valor à causa - considerações gerais:
A toda causa deve ser atribuído algum valor econômico, por força do art. 291, CPC/2015 - projeção do art. 258, CPC/73 -, pois se cuida da base de cálculo da taxa judiciária. Referido valor pode influenciar, em muitos casos, a determinação da competência das unidades judiciais ou o procedimento aplicável, também surtindo reflexos sobre a definição de encargos sucumbenciais.
Trata-se, tanto por isso, de requisito para que a petição inicial seja válida - art. 319, CPC. Como explicita Araken de Assis,
"às vezes, na oportunidade da respectiva fixação (infra, 1.290),
o conteúdo econômico real e imediato da pretensão mostra-se inestimável, ou seja, não pode ser quantificado precisamente. Tal circunstância não constitui motivo bastante para eliminar o ônus atribuído ao autor nos arts. 319, V, e 292, caput
. É apenas causa de estimação voluntária do autor, pois o art. 291 dispõe expressamente que a toda causa será atribuído valor certo. Nada obstante, a indicação aproximar-se-á, tanto quanto possível, do conteúdo econômico mediato da pretensão. Não há incompatibilidade daquelas regras com a do art. 85, § 8.º. aludindo a causas de valor inestimável. Entende-se por tal as causas desprovidas de conteúdo econômico imediato, como é o caso da ação declaratória, e, por esse motivo, sujeitas à estimação do autor."
(ASSIS, Araken.
Processo
civil brasileiro.
Volume II - Tomo I: Institutos fundamentais. SP: RT. 2015. p. 1695)
Convém atentar, tanto por isso, para o art. 292, CPC/15:
"O valor da causa constará da petição inicial ou da reconvenção e será: I - na ação de cobrança de dívida, a soma monetariamente corrigida do principal, dos juros de mora vencidos e de outras penalidades, se houver, até a data de propositura da ação; II -
na ação que tiver por objeto a existência, a validade, o cumprimento, a modificação, a resolução, a resilição ou a rescisão de ato jurídico, o valor do ato ou o de sua parte controvertida
; III - na ação de alimentos, a soma de 12 (doze) prestações mensais pedidas pelo autor; IV - na ação de divisão, de demarcação e de reivindicação, o valor de avaliação da área ou do bem objeto do pedido; V - na ação indenizatória, inclusive a fundada em dano moral, o valor pretendido; VI - na ação em que há cumulação de pedidos, a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles; VII - na ação em que os pedidos são alternativos, o de maior valor; VIII - na ação em que houver pedido subsidiário, o valor do pedido principal. § 1º
Quando se pedirem prestações vencidas e vincendas, considerar-se-á o valor de umas e outras. § 2º O valor das prestações vincendas será igual a uma prestação anual, se a obrigação for por tempo indeterminado ou por tempo superior a 1 (um) ano, e, se por tempo inferior, será igual à soma das prestações
. § 3º O juiz corrigirá, de ofício e por arbitramento, o valor da causa quando verificar que não corresponde ao conteúdo patrimonial em discussão ou ao proveito econômico perseguido pelo autor, caso em que se procederá ao recolhimento das custas correspondentes."
Menciono novamente a análise promovida por Araken de Assis:
"
É exemplificativa a enumeração dos acessórios. Os juros compensatórios, por exemplo, dificilmente se quadram na figura de penalidade. A correção monetária integra o valor originário do crédito e, nesse aspecto, sua menção no art. 292, corrige o direito anterior
. Ressalva feita aos juros moratórios e à correção monetária, verbas implicitamente incluídas no pedido respeitante ao principal (art. 322, § 1.º), e, nada obstante, integrantes do valor da causa, quaisquer outras verbas devem ser objeto de pedido. É o caso, expressis verbis, da cláusula penal moratória ou compensatória e dos juros compensatórios. Omisso que seja o pedido, a respeito da cláusula penal (v.g., o autor quer evitar a controvérsia em torno da interpretação do contrato), tampouco conta-se o respectivo valor. Por óbvio, deixando o autor de pedir os juros moratórios, explicitamente, dificilmente realizará seu cômputo no valor da causa, ensejando a intervenção do órgão judiciário. E os juros vencidos posteriormente ao ajuizamento, automaticamente incluídos na condenação (art. 323), não entram na estimativa da causa.
O custo financeiro do processo (despesas processuais e honorários advocatícios), suportado pelo réu no caso de êxito do autor, não precisa ser computado para apurar o valor da causa. Tais verbas têm caráter eventual e decorrem da lei.
Em face do caráter imperativo do art. 292, I, mostra-se irrelevante a estimativa lançada pelo autor na petição inicial em desacordo com a regra. Prevalecerá o valorda importância reclamada no pedido.
O art. 292, I, aplica-se, por analogia, à pretensão a executar fundada em título judicial ou extrajudicial (infra, 1.292.2.2). O valor da causa é o total do crédito: o principal corrigido, os juros e os demais consectários legais ou contratuais, conforme, aliás, dispõe o art. 6.º, § 4.º, da Lei 6.830/1980. Esse valor constará na planilha aludida no art. 798, I, b, e parágrafo único
.
Também se poderia cogitar do enquadramento da pretensão a executar no art. 292, II, por que pretensão visando ao cumprimento do negócio jurídico, eventualmente consubstanciado em documento dotado de força executiva. O resultado final é idêntico, mas o art. 292, I, avantaja-se ao inciso precedente em ponto decisivo, ao impor um critério simples, direto e analítico ao valor da causa." (ARAKEN, Assis.
Obra citada
. p. 1698 e ss.)
Ora, não se pode perder de vista que o valor atribuído à causa deve corresponder, tanto quanto possível, ao conteúdo econômico da pretensão deduzida na peça inicial, como bem equaciona o art. 292, §3º, CPC/15:
"O juiz corrigirá, de
ofício e por arbitramento
, o valor da causa quando verificar que não corresponde ao conteúdo patrimonial em discussão ou
ao proveito econômico perseguido pelo autor
, caso em que se procederá ao recolhimento das custas correspondentes."
2.24. Valor da causa -
processo
em exame:
No processo em análise, o valor atribuído à causa (R$ 5.000,00) parece destoar do conteúdo econômico da demanda. Em princípoio, a vingar a premissa em que se ampara a autora, eventual ressarcimento poderá atribuir aludido limite. Assim, reputo que a autora deve explicitar como obteve tal montante para atribuir à causa, dado que isso pode influenciar a definição de competência.
2.25. Eventual renúncia de créditos:
Destaco, ademais, que, para assegurar a manutenção da causa sob o rito dos Juizado, é dado ao autor renunciar a créditos a que porventura faça jus, caso ultrapassem o limite de alçada dos Juizados.
2.26. Aptidão da peça inicial:
A peça inicial se revela adequada, permitindo aos executados o exercício do contraditório. O requerente detalhou pedidos e causa de pedir, anexando documentos na forma do art. 320 e art. 434, CPC/15. Deve-se ter em conta a regra do art. 322, §2, CPC:
"
A interpretação do pedido considerará o conjunto da postulação e observará o princípio da boa-fé
."
No caso em apreço, a autora argumentou ter auferido rendimentos inferiores ao devido. Isso teria impactado a definição dos seus benefícios da previdência complementar. Postulou que a CEf, enquanto empregadora, seja condenada a indenizar aludido prejuízo. Note-se, enfim, que ela não questiona - o que registro com cognição precária - o próprio regime de benefícios. Ela almeja a indenização, por conta da perda de uma chance.
2.27. Gratuidade de Justiça - critérios:
No que toca à gratuidade de Justiça, anoto que a Constituição da República dispôs, no seu art. 5º LXXIV, que
"
o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos
."
Essa mesma lógica eclode do art. 24, XIII e do art. 134, Constituição Federal/1988.
Ademais, a Constituição recepcionou a antiga lei 1060/1950, responsável por detalhar as hipóteses do que se convencionou chamar de justiça gratuita.
Registro que o CPC/15 manteve a vigência da norma veiculada no art. 13 da lei 1060/1950 (art. 1072, III,
a contrario senso
), ao tempo em que admitiu o deferimento parcial da gratuidade:
Araken de Assis assim analisa a questão:
"- Isenção total - Em princípio, ao litigante interessa forrar-se integralmente do custo financeiro do processo. A isenção total tem por objeto, portanto, o art. 98, §1º, I a IX, ficando suspensa a exigibilidade do dever de reembolsar as despesas suportadas pelo adversário, no todo ou em parte - a perícia requerida por ambas a partes tem seu custo repartido, a teor do art. 95, caput, e, portanto, competiria ao beneficiário reembolsar em parte o vencedor - o pagamento de honorários ao advogado do vencedor, pelo prazo de cinco anos, a teor do art. 98, §3º.
- Isenção parcial - Mantido pelo art. 1.072, III, NCPC, o art. 13 da lei 1060/1950 subentende a concessão parcial do benefício de gratuidade. Essa possibilidade encontra-se prevista de modo mais nítido no art. 98, §5º, segundo o qual o juiz concederá gratuidade em relação a algum ou a todos os atos processuais. Pode acontecer de o litigante, conduzindo-se segundo os ditames da boa-fé (art. 5º) alegar não dispor de recursos para adiantar, v.g., os honorários do perito, sem dúvida despesa de vulto. Em tal hipótese, o órgão judiciário concederá isenção parcial, provocando a incidência, nesse caso, do art. 95, §2º.
- Isenção remissória - O art. 98, §5º, in fine, autoriza o juiz a reduzir percentualmente as despesas processuais que incumbe à parte adiantar no curso do processo. O benefício não alivia a parte da antecipação quanto a um ato específico. Limita o benefício à parte da despesa; por exemplo, fixada a indenização da testemunha em 100, o beneficiário paga 50, ficando a parte remanescente postergada para o fim do processo. Saindo-se vencedor o beneficiário, a contraparte cumprirá o art. 492, quanto à parte isentada, e reembolsará o beneficiário da outra metade.
-
Isenção diferida - A isenção parcial do art. 13 da lei 1060/1950 inspirou duas modalidades de diferimento: (a) o pagamento ao final, embora vencido o beneficiário; (b) o pagamento parcelado da despesa, objeto de previsão no art. 98, §6º. Por exemplo a parte não dispõe da totalidade dos honorários do perito arbitrado pelo juiz e, nessa contingência, requer o pagamento em três ou mais parcelas mensais consecutivas. O pagamento ao fim do processo é mais radical. A parte aposta no sucesso, transferindo, secundum eventuam litis, todas as despesas ao adversário. E, não logrando êxito, ficará isenta pelo prazo legal
(art. 98, §3º)." (ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
Volume II. Tomo I. Parte geral. Institutos fundamentais. São Paulo: RT, 2015, p. 535-536)
Quanto aos requisitos para a concessão, reporto-me à análise de Rafael Alexandria de Oliveira:
"Faz jus ao benefício da gratuidade de justiça aquela pessoa com insuficiência de recursos para pagar as custas, despesas processuais e honorários advocatícios (art. 98). Não se exige miserabilidade, nem estado de necessidade, nem tampouco se fala em renda familiar ou faturamento máximos. É possível que uma pessoa natural, mesmo com boa renda mensal, seja merecedora do benefício, e que também o seja aquele sujeito que é proprietário de bens imóveis, mas não dispõe de liquidez. A gratuidade judiciária é um dos mecanismos de viabilização do acesso à justiça; não se pode exigir que, para ter acesso à justiça, o sujeito tenha que comprometer significativamente a sua renda, ou tenha que se desfazer de seus bens, liquidando-os para angariar recursos e custear o processo."
(OLIVEIRA, Rafael Alexandria in WAMBIER, Teresa Alvim.
Breves comentários ao novo CPC.
São Paulo: RT, 2015, p. 359)
Convém atentar, ademais, para a precisa avaliação de Araken de Assis:
"À concessão do benefício, nos termos postos no art. 98, caput, fundamentalmente interessa não permitir a situação econômica da parte atender às despesas do processo. É irrelevante a renda da pessoa, porque as causas podem ser vultuosas e sem recursos para o interessado. Igualmente, nenhum é o relevo da existência de patrimônio. E, de fato, se mesmo tendo um bem imóvel, os rendimentos da parte não lhe são suficientes para arcar com custas e honorários sem prejuízo do sustenta, tal propriedade não é empecilho à concessão da gratuidade. Parece pouco razoável exigir que alguém se desfaça de seus bens para atender ás despesas do processo. Nada assegura, a fortiori, o retorno à situação patrimonial anterior, em virtude do desfecho vitorioso do processo. (...) Funda-se o benefício da gratuidade numa equação econômica: a noção da necessidade decorre da inexistência de recursos financeiros, apuradas entre a receita e a despesa, capazes de atender o custo da demanda. Considera-se a situação atual da pessoa, mostrando-se irrelevante a sua antiga fortuna, dissipada ou perdida nos azares da vida."
(ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
Volume II. Tomo I. Parte geral. Institutos fundamentais. São Paulo: RT, 2015, p. 549)
Note-se também que o TRF4 tem entendido que a gratuidade de Justiça há de ser deferida a quem receba
remuneração mensal
líquida
inferior ao
teto de benefícios do RGPS
, definido em
R$ 7.786,02
, conforme
Portaria Interministerial MPS/MF nº 2, de 11.01.2024
:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PROCESSUAL CIVIL. HIPÓTESES DE CABIMENTO. COMPLEMENTAÇÃO. NECESSIDADE. BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA. RENDIMENTOS SUPERIORES AO TETO DOS BENEFÍCIOS DO RGPS. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. REVOGAÇÃO MANTIDA. RESULTADO DO JULGAMENTO INALTERADO. 1. São cabíveis embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para esclarecer obscuridade ou eliminar contradição; suprir omissão ou corrigir erro material, consoante dispõe o artigo 1.022 do Código de Processo Civil. 2.
A Terceira Turma adota como critério de concessão/manutenção do benefício da gratuidade judiciária o fato de a parte auferir renda inferior ao teto dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social - RGPS, pois mostra-se razoável presumir a hipossuficiência nessas hipóteses. 3. Para o deferimento da mencionada benesse, devem ser apurados os rendimentos líquidos da parte interessada e considerados, para tal fim, apenas, os descontos obrigatórios/legais (tais como Importo de Renda, Contribuição Previdenciária e pensão) e, excepcionalmente, gastos com saúde (apurada a gravidade da doença no caso concreto e os gastos respectivos, ainda que não descontados em folha de pagamento)
. 4. Caso em que acolhidos, em parte, os embargos de declaração, para complementar o decisum no ponto referente à revogação do benefício da justiça gratuita, sem alteração de resultado. (TRF-4 - AC: 50021421220124047116 RS 5002142-12.2012.4.04.7116, Relator: VÂNIA HACK DE ALMEIDA, Data de Julgamento: 28/01/2020, TERCEIRA TURMA)
D'outro tanto, o CPC/15 manteve a lógica do art. 12 da lei 1060/1950, de modo que a concessão do benefício não implica efetiva exoneração da obrigação de recolher despesas e pagar honorários sucumbenciais (incabíveis, porém, no rito do mandado de segurança), observado o prazo suspensivo previsto, agora, no art. 98, §2º, CPC/15 (05 anos).
O detalhe está no fato de que, como registrei acima, nos termos do art. 98, §5º, CPC/15,
"
A gratuidade poderá ser concedida em relação a algum ou a todos os atos processuais, ou consistir na redução percentual de despesas processuais que o beneficiário tiver de adiantar no curso do procedimento
."
Anote-se que a Constituição preconiza que o postulante demonstre a incapacidade para o pagamento (art. 5º, LXXIV, CF). Aliás, como bem expressa Araken de Assis,
"A dispensa de o postulante da gratuidade, cuidando-se de pessoa natural, produzir prova documental do seu estado de necessidade provocou efeito colateral de graves reflexos. Fica o respectivo adversário em situação claramente desvantajosa. É muito difícil, a mais das vezes, e na imensa maioria dos litígios civis, a parte contrária reunir prova hábil da equação entre receita e despesa que gera a figura do necessitado. Enfraqueceu-se, em suma, o controle judiciário desse dado. A concessão do benefício é automática, e, na prática, simultaneamente irreversível, por força da inutilidade dos esforços em provar o contrário."
(ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
Volume II. Tomo I. Parte geral. Institutos fundamentais. São Paulo: RT, 2015, p. 559).
2.28.
Gratuidade
- caso em exame:
No caso em exame, a autora declarou sua hipossuficiência financeira por meio de advogados com poderes especiais para tanto, o que atende ao art. 99, §2, CPC. A CEF impugnou aludido pleito, apresentando foto da residência que disse ser da demandante.
Em princípio, os documentos aludidos pela CEf não afastam, por si, o cogitado direito da autora à fruição do benefício. De todo modo, na forma do art. 100, CPC, tendo ahvido impugnação ao deferimento do benefício, incumbe à autora fazer prova dos seus rendimentos. Caso aufira rendimentos líquidos inferiores ao teto do RGPS, fará jus à manutenção do benefício. Do contrário, a medida haverá de ser revogada.
Destaco, de todo modo, que a gratuidade de Justiça surte reduzidos efeitos no âmbito dos Juizados Especiais, conforme arts. 54 e 55 da lei n. 9.099/1995, normas não ab-rogadas pelos arts. 82 e 85, CPC/15, dada a regra do art. 2, §2, do decreto-lei 4.657/1942.
2.29.
Prescrição
- considerações gerais:
Convém ter em conta que
"O prazo previsto expressamente em lei para o exercício das pretensões que se ajuízam mediante ação constitutiva, positiva ou negativa, é de decadência, pois a pretensão constitutiva se caracteriza como direito potestativo.
As pretensões que se exercem mediante ação declaratória são perpétuas (imprescritíveis). Isto significa que podem ser ajuizadas mesmo se já estiver prescrita a pretensão condenatória do direito cuja existência ou inexistência se quer ver declarada
."
(NERY JÚNIOR, Nelson.
Novo Código Civil anotado.
SP: RT, 2002).
Daí que a prescrição é oponível às pretensões condenatórias. Anoto, de outro tanto, que o art. 189, Código Civil, preconiza que
"
Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206
."
Isso significa que o cômputo da prescrição deve ser promovido com atenção à teoria da
actio nata.
Ou seja,
"o início do prazo prescricional se verifica com o nascimento da pretensão, que decorre da exigibilidade do direito subjetivo, momento a partir do qual a ação poderia ter sido proposta - enquanto não nascer a ação conferida para a tutela de um direito, não é dado falar em prescrição:
actioni nondum natae non prescritibur." (CAHALI, Yussef Said.
Prescrição
e decadência.
São Paulo: RT, 2008, p. 35).
Yussef Cahali menciona, ademais, a lição de Câmara Leal, para quem
"
A ação nasce, portanto, no momento em que se torna necessária para a defesa do direito violado
- é desse desse momento, em que o titular pode se utilizar da ação, que começa a correr o prazo de prescrição. Portanto, o prazo é contado da data em que a ação poderia ser proposta. O
dies a quo
da prescrição surge em simultaneidade com o direito de ação."
(CAHALI, Yussef Said. Obra cit. p. 36).
Vê-se, portanto, que a prescrição deve ser computada a partir do momento em que o cogitado titular de uma situação jurídica toma conhecimento da agressão ao seu interesse.
"(...) O cômputo do prazo prescricional quinquenal, objetivando o ingresso de ação de indenização contra conduta do Estado, previsto no artigo 1.º do Decreto 20.910/32,
começa quando o titular do direito lesionado conhece o dano e suas sequelas, segundo reza o princípio actio nata
. Precedentes: AgRg no REsp: 1369886/PE Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJ de 20.05.2013; AC 0013010-49.2005.4.01.3500/GO, Rel. Desembargador Federal Jirair Aram Meguerian, Sexta Turma, DJ de 16.05.2013." (AC 0011884-90.2007.4.01.3500 / GO, Rel. Desembargador Federal Kassio Nunes Marques, Sexta Turma, e-DJF1 p.137 de 15/10/2014).
"(...) Ademais, mesmo que se considerasse o prazo de 3 anos, como quer a requerida, não haveria prescrição. Pelo princípio da actio nata, que é adotado pelo ordenamento jurídico pátrio, a pretensão somente nasce com a violação do direito (art. 189 do Código Civil). E a pretensão da autora somente surgiu no momento em que tomou conhecimento da irregularidade cuja prática atribui à ré e que teria causado o dano cujo ressarcimento é postulado. Antes disso, não há como se exigir do lesado o exercício da sua pretensão, até porque a existência de dano é requisito da responsabilidade e, portanto, pressuposto da ação que visa à sua reparação." (AC 00053846420074047108, CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ, TRF4 - TERCEIRA TURMA, D.E. 26/05/2010.)
Com efeito, dado que o instituto tem por fundamento que o Direito não tutela quem permanece inerente na defesa dos seus interesses (
Dormientibus non sucurrit jus
), a prescrição apenas pode ser oposta a quem podia efetivamente agir. E isso pressupõe, por certo, que o atingido tenha conhecimento da agressão às suas pretensões, na forma do art. 189, Código Civil:
"O início da eficácia dos atos administrativos se assinala pela publicação, ou pelo termo que indicarem; mas os atos administrativos que afetem pessoa certa e determinada assumem eficácia ao serem por ela conhecidos por via de regular comunicação."
(NASSAR, Elody.
Prescrição
na Administração Pública.
2. ed. SP: Saraiva, 2009, p. 148).
Ainda a respeito da definição do termo inicial, atente-se para a lição de Humberto Theodoro Júnior:
"Todo prazo tem um termo inicial (a quo) e tem um termo final (ad quem), ou seja, há sempre um momento para iniciar e outro para encerrar a contagem do tempo de duração.
No caso da prescrição, o
termo a quo
é aquele em que nasce a pretensão e o termo final é aquele em que se completa o lapso temporal assinalado pela lei para o exercício da ação destinada a fazer atuar em juízo a pretensão. Há um prazo geral e vários prazos especiais, segundo o critério da lei, o que faz com que o termo final seja mais próximo ou mais longínquo para as diferentes pretensões.
Uma vez que, para haver prescrição, a inércia do titular do direito afrontado e requisito necessário, somente se pode iniciar a contagem do prazo extintivo a partir do momento em que sua atividade contra a situação injurídica se tornou possível (e, não obstante, deixou de ser exercida)
.
Prescritividade e exigibilidade são ideias que se intervinculam. Apenas as prestações exigíveis (i.e., vencidas), não sendo satisfeitas, sujeitam-se aos efeitos da prescrição. Se a obrigação ainda não se venceu, não está o credor autorizado a exercer o direito que lhe cabe contra o devedor. Não se pode perder por inércia um direito que, posto existente, ainda não se pode exigir. Donde 'o início da prescrição só pode ter lugar quando o direito está em condições de o seu titular poder exercitá-lo.'
Por isso, não corre prescrição nas obrigações a prazo ou sujeitas à condição suspensiva, senão depois de ocorrido o vencimento ou verificada a condição (art. 199, I e II). Termo e condição suspensiva, nessa ordem de ideias, são causas que impedem a prescrio, porque, no primeiro caso, o direito subjetivo nem sequer surgiu, e, no segundo, já existe mas tem o seu exercício suspenso.
Sendo a via judicial o caminho que a ordem jurídica oferece ao titular da pretensão insatisfeita para compelir o obrigado a realizar a prestação devida, é intuitivo que se deverá contar a prescrição a partir de quando a respectiva ação se mostrou exercitável. Nesse sentido, somente se pode cogitar de prescrição em face da chamada actio nata (actioni nondum natae non praescribitur). Vale dizer: o prazo prescricional corre a partir do momento em que o credor pode lançar mão da pretensão, se necessário, por uma ação em juízo.(...)
No caso de obrigação derivada de ato ilícito, desde a ocorrência deste está fluindo a ação para impor a obrigação genérica de indenizar. Sem se saber, porém, o montante do prejuízo, não se pode desde logo exigir-lhe a indenização. Enquanto estiver fluindo a ação condenatória genérica, não corre o prazo para liquidar e exigir a reparação. Mas, se o credor não propõe logo a ação genérica, desde então estarão em risco as pretensões também da liquidação e do respectivo valor líquido. É que a inércia do titular da pretensão terá prejudicado todas as ações que poderia manejar
." (THEODORO JÚNIOR, Humberto.
Comentários ao novo código civil.
Volume III. Tomo II. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 174-177).
Delimitada a questão quanto ao termo inicial do cômputo da prescrição, outro tópico relevante diz respeito ao seu prazo, quando se cuide de pretensão oponível ao Estado. Ora, no âmbito das obrigações pessoais, as pretensões condenatórias formuladas em face da Fazenda Pública prescrevem, EM REGRA, no prazo de 05 anos, conf. art. 1º do Dec. 20.910/1932 com o Decreto-lei 4.597/1942.
Convém atentar para a lição de Pontes de Miranda:
"
A prescrição
quinquenal somente concerne às ações condenatórias pessoais; não às ações declarativas, constitutivas negativas (e.g., declaração de inconstitucionalidade ou nulidade de lei, ou do ato do Poder Público), mandamentais e executivas que não sejam de dívidas pessoais, ou a de execução de julgado. As ações pessoais (...) são as oriundas de dívidas de direito das obrigações, em que a Fazenda Pública teria de pagar
."
(MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de
apud
NASSAR, Elody.
Prescrição
na Administração Pública.
2. ed. SP: Saraiva, 2009, p. 271).
Trata-se de norma de conteúdo especial quando confrontada com o art. 206, §3º, V, Código Civil:
ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PRESCRIÇÃO. PRAZO QUINQUENAL. DECRETO 20.910/32. REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA RESP 1.251.993/PR. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1.
A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp. 1.251.993/PR, submetido ao rito do art. 543-C do CPC, assentou que o prazo de prescriçãoquinquenal, previsto no Decreto nº 20.910/32, aplica-se às ações indenizatórias ajuizadas contra a Fazenda Pública, em detrimento do prazo trienal contido do Código Civil de 2002
. a4. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. ..EMEN: (AGARESP 201302893979, MARGA TESSLER (JUÍZA FEDERAL CONVOCADA DO TRF 4ª REGIÃO), STJ - PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:12/03/2015 ..DTPB:.)
O prazo de 05 anos também prevalece sobre aquele preconizado no art. 206, §2º, do Código Civil:
"
Prescreve: § 2º Em dois anos, a pretensão para haver prestações alimentares, a partir da data em que se vencerem
.
"
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE COBRANÇA PROPOSTA POR SERVIDORES PÚBLICOS.. VERBA DENOMINADA 'ETAPA ALIMENTAÇÃO'. PRESCRIÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. PRAZO DE CINCO ANOS. ART. 1º DO DECRETO. 20.910/1932. INAPLICABILIDADE DOS ARTS. 206, § 3º, DO CÓDIGO CIVIL E 10 DO DECRETO 20.910/32. 1. O entendimento do STJ é no sentido de que a prescrição quinquenal prevista no art. 1º. do Decreto 20.910/1932 deve ser aplicada a todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda Pública, seja ela federal, estadual ou municipal, independentemente da natureza da relação jurídica estabelecida entre a Administração Pública e o particular. 2. Não incide, portanto, a prescrição bienal do art. 206, § 2º, do CC de 2002, uma vez que o conceito jurídico de prestação alimentar nele previsto não se confunde com o de verbas remuneratórias de natureza alimentar. O Código Civil de 2002 faz referência às prestações alimentares de natureza civil e privada, incompatíveis com as percebidas em relação de Direito Público. Inexiste, no caso, norma específica mais benéfica a ensejar a incidência do art. 10 do Decreto 20.910/32. 3. Agravo Regimental não provido. ..EMEN: (AGARESP 201200734389, HERMAN BENJAMIN, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:27/08/2012 ..DTPB:.)
O Min. Herman Benjamin enfatizou, naquela ocasião, que
"se mostra inaplicável, no caso dos autos, a prescrição bienal do art. 206, §2º, Código Civil, uma vez que o conceito jurídico de prestações alimentares nele previsto não se confunde com o de verbas remuneratórias de natureza alimentar. O Código Civil de 2002 faz referência às prestações alimentares de natureza civil e privada, incompatíveis com as percebidas em relação de direito público.
Não há, no caso, norma específica mais benéfica a ensejar a incidência do art. 10 do Decreto 20.910/1932
."
(Agravo no REsp n. 164.513/MS).
2.30.
Prescrição
de fundo de direito:
Por outro lado,
"
A denominada prescrição do fundo de direito tem suporte legal no disposto no art. 1. do Decreto n. 20.910/1932, que dispõe sobre a prescrição das ações contra a Fazenda Pública
(...). Para efeito da compreensão da expressão 'fundo de direito' deve ser observado o marco inicial, ou seja, o momento a partir do qual inicia-seo prazo prescricional. Esse marco inicial é contado a partir da consolidação de uma situação jurídica fundamental que estabelece um ponto ceto e delimitad para a eventual impugnação de um ato lesivo de direito. Essa situação jurídica fundamental, no dizer da mais renomada doutrina, importa em ato único do qual derivam os subsequentes e que, portanto, se torna definitivo se não impugnado em tempo hábil, juntamente com todos os seus efeitos. Destaca-se aqui a existência da teoria estatutária da função pública, distinguindo a prescrição que atinge o fundo de direito (art. 1 do Decreto 20910) da prescrição das prestações sucessivas ou vincendas (art. 3º do mesmo diploma legal). Dessa teoria decorre a exesege de que, enquanto existente o vínculo entre servidor e Poder Público, são imprescritíveis os direitos dele decorrentse, sendo atingidos pela
prescrição
, tão-somente, alguns de seus efeitos."
(NASSAR, Elody.
Prescrição
na Administração Pública.
2. ed. São Paulo: Saraiva. 2009. p. 273).
Segundo antiga jurisprudência da Suprema Corte,
"Quando existe um ato ou fato que ofenda de modo geral, permanente, definitivo, o direito do autor, como a demissão, a preterição no acesso, o cancelamento de pensão, a tomada de coisas sem as formalidades legais, o lapso prescricional corre da data do ato ou do fato. Quando, porém, a prestação periódica não for paga (vencimentos, juros de apólices, pensões, aluguéis de imóveis etc.), por negligência do credor, por falta de verba orçamentária, ou ainda em consequência de dificuldade burocrática, o prazo é contado da data em que cada prestação for exigível"
(STF, 1ª Turma, 28.08.1969, RT 416/426, citado por CAHALI, Youssef Said.
Prescrição
e decadência.
SP: RT. 2008. p. 303).
Em período mais recente, o Min. Cézar Peluso sustentou que
"São discerníveis, no plano teórico dos direitos subjetivos funcionais a que correspondem obrigações adminsitrativas, de um lado, a própria relação jurídica estatutária e todas as determinações que, segundo as modalidades legais, é ela capaz de assumir em termos de situações jurídicas do servidor, como as decorrents de promoção, acesso, reenquadramento, reclassificação, decurso de tempo, desempenho de funções ou serviços especiais, aposentadoria etc. (a), e, de outro, as consequências pecuniárias (b). Perante ambas (a e b), é possível cogitar de direitos à prestação obrigacional, cuja violação desencadeie pretensão sujeita a lapso prescritivo, no sentido de que, realizado o suporte fático, pode o funcionário exigir prestação administrativa, que tenha por objeto o próprio vínculo estatutário, ou uma das muitas situações configuráveis no lado dinâmico do mesmo vínculo, ou ainda só os seus efeitos pecuniários."
(PELUSO, Cézar
apud
CAHALI, Y. Said.
Obra citada.
p. 304).
Youssef Cahali sustenta, na sequência, que
"consideradas do ângulo de suas repercussões de caráter financeiro (b), a relação estatutária e suas situações jurídicas (a) são fonte objetiva do direito do servidor de receber as prestações correlatas. Desse ponto de vista, os diretos incidentes sobre a relação jurídico-funcional e cada uma das situações jurídico-subjetivas em que ela se desdobra podem, sem grande impropriedade técnica, chaar-se direitos originantes, e os direitos irradiados às respectivas consequências econômicas, direitos originados. É aos primeiros que a jurisprudênica costuma referir-se sobre a expressão 'fundo de direito', a qual se reconhece 'usada para significar o direito de ser o funcionáro (situação jurídica fndamental) ou os direitos que se admitem com relação a essa situação jurídica fundamental, como reclassificações, reenquadramentos, direito a adicionais por tempo de serviço, direito à gratificação por prestação de serviçod e natureza especial. Os conceitos assm enunciados definem as hipóteses de
prescrição
do fundo de direito (art. 1º), envolvendo os direitos originantes, e de
prescrição
das prestações vencidas (art. 3º), que diz respeito aos direitos originados."
(CAHALI, Yousse Said.
Obra citada,
p. 304-305).
2.31.
Diferença entre suspensão
e
interrupção da prescrição:
Quanto à distinção entre suspensão e interrupção da prescrição, reporto-me à lição de Elody Nassar:
"
Chama-se suspensão a circunstância especial, em vista da qual a lei paralisa a fluência do prazo prescricional. As causas suspensivas da prescrição são as que, temporariamente, paralisam o seu curso; superado o fato suspensivo, a prescrição continua a correr, computado o tempo decorrido antes dele
.
Denomina-se interrupção a ocorrência de um fato hábil a destruir o efeito do tempo já decorrido, com a anulação da prescrição já iniciada. As causas interruptivas da prescrição são as que inutilizam a prescrição iniciada, de modo que o seu prazo recomeça a correr da data do fato que a interrompeu ou do último ato do processo que a interromper (CC, art. 202, parágrafo único)." (
Prescrição
na Administração Pública.
2. ed. SP: Saraiva. 2009. p.
156-157)
Dado que o instituto tem por fundamento que o Direito não tutela quem permanece inerente na defesa dos seus interesses (
Dormientibus non sucurrit jus
), a prescrição apenas pode ser oposta a quem podia efetivamente agir.
E isso pressupõe, por certo, que o atingido tenha tomado conhecimento da agressão às suas pretensões, na forma do art. 189, Código Civil
.
Em regra, no curso do processo administrativo o cômputo da prescrição resta suspenso, por força do
art. 4º do decreto 20.910/32
:
"Não corre a prescrição durante a demora que, no estudo, ao reconhecimento ou no pagamento da dívida, considerada líquida, tiverem as repartições ou funcionários encarregados de estudar e apurá-la."
O cömputo da prescrição também resta suspenso nas hipóteses do
art. 200, Código Civil/2002
:
"Quando a ação se originar de fato que deva ser apurado no juízo criminal, não correrá a prescrição antes da respectiva sentença definitiva."
2.32. Prazos prescricionais - caso em exame:
No caso, os prazos prescricionais previstas na CLT - art. 11 não se aplicam ao caso. Como registrei acima, não estão em debate, nesta causa, pretensões trabalhistas, no sentido estrito. A autora pretende a condenação da CEF a reparar danos que ela sustentou ter suportado.
Por outro lado, a requerida está submetida ao regime jurídico de direito privado - art. 173, §2, Constituição - de modo que o prazo do decreto 20.910/1932 não se aplica ao caso. Aludido decreto se aplica quando a CEF atua como entidade administradora de fundos públicos, a exemplo do FGTS.
ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO CÍVEL. SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO. CONTRATO DE MÚTUO HIPOTECÁRIO . SALDO DEVEDOR. FCVS. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS . CAUSALIDADE. 1. Em se tratando de controvérsia sobre contrato de mútuo habitacional, com cláusula de cobertura do Fundo de Compensação de Variações Salariais, a Caixa Econômica Federal é parte legítima para o feito, sendo despicienda a intervenção da União na lide, conforme orientação já consolidada pelo e. Superior Tribunal de Justiça . 2. Em caso de cobrança de dívida decorrente de contrato, a prescrição é de 20 anos na vigência do Código Civil de 1916 (conforme a previsão do artigo 177) e de 5 anos a partir da entrada em vigor do Código Civil de 2002, conforme a previsão do parágrafo 5º, inciso I, do artigo 206 do referido diploma legal. Ademais, o prazo prescricional para a cobrança de valores decorrentes de obrigação contratual não começa a correr enquanto não decorrido o prazo final da avença (considerado ainda o prazo de prorrogação contratual), independente do fato de que a dívida venceu antecipadamente pela inadimplência do devedor. 3 . A prescrição de cobrança de quaisquer valores relacionados ao contrato sub judice já restava consumada desde 2008, impossibilitando a pretensão da instituição financeira credora de obter eventual saldo residual relativo ao imóvel de propriedade da parte autora. 4. A condenação ao pagamento de honorários advocatícios deve se pautar pelo princípio da causalidade, segundo o qual aquele que deu causa à propositura da demanda deve responder pelas despesas daí decorrentes. 5 . Apelação do Banco Bradesco desprovida. 6. Apelação da Caixa Econômica Federal parcialmente provida. (TRF-4 - AC: 50016125120204047108 RS, Relator.: VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS, Data de Julgamento: 30/03/2022, 4ª Turma)
Assim, em princípio, o prazo prescricional é de 03 (três) anos, por conta do art. 206, §3, V, Código Civil. Não se aplica ao caso o prazo de 05 anos, previsto no art. 27 do Código de Defesa do Consumidor (lei 8.078/1990), dado que não se trata de relação de consumo, como registro na sequência.
O cômputo da prescrição deve ter início na data em que a autora teria tomado conhecimento da percepção de valores inferiores ao devido. Em princípio, isso teria se dado antes mesmo do ingresso com a reclamatória trabalhista. Afinal de contas, a deflagração da reclamatória teria sido motivada justamente por conta dessa constatação. A sentença prolatada na reclamatória não possuía natureza constitutiva. Antes, ela teria declarado um estado de coisas e condenado a CEF ao pagamento das verbas pertinentes.
Por conta disso, em primeiro exame, a prescrição deveria ser computada a partir do momento em que a autora teria tomado conhecimento dos alegados prejuízos. Em princípio, isso teria se dado já com a sua aposentação. Note-se que a autora se aposentou em 23 de maio de 2015 e deflagrou a presente demanda em 30 de julho de 2021. Isso indica que a sua pretensão foi atingida pela prescrição, diante do esgotamento do prazo de 3 anos, imposto legalmente para deflagração da demanda.
Na sentença prolatada nesse processo e anulada pelo TRT9, a magistrada deliberou: "
o trânsito em julgado na demanda autuada sob o nº 0000569.65.2017.5.09.0022, que reconheceu à reclamante verbas de cunho salarial, ocorreu em 22/10/2019, conforme consulta pública à movimentação processual daqueles autos, oportunidade em que a reclamante teve ciência do prejuízo à sua previdência complementar, dando-se início à contagem do prazo prescricional."
Ela partiu, porém, da premissa de cuidar-se de debate de verbas trabalhistas, o que registrei não ser o caso.
Por outro lado, é questionável a premissa de que a autora apenas teria tomado conhecimento dos prejuízos, por época do trãnsito em julgado da reclamatória 0000569-65.2017.5.09.0022. Afinal, em boa lógica, na medida em que alegou não ter recebimento verbas salariais no valor correto - razão para ter deflagrado aquela demanda -, já podia inferir os reflexos imediatos disso sobre seu regime de previdência. Nada impedia, enfim, que deflagrasse aquela causa já ao tempo da distrubuição da reclamatória. Dado que não se cuidava de processo administrativo e considerando não se cuidar de apuração criminal, a suspensão ditada pelo art. 4 do decreto 20.910/32 (repiso, não aplicável ao caso) e pelo art. 200, Código Civil, não surte efeitos no caso.
Facultarei manifestação das partes a respeito desse tema.
2.33. Prazos prescricionais - FUNCEF:
Anotei acima que a FUNCEF não é litisconsorte necessária no caso em exame. Ao mesmo tempo, ressalvei nova apreciação do tema, dado que isso depende da intelecção do pedido da requerente. Por ora, reputo que a pretensaõ da autora é de cunho indenizatório, endereçada apenas à CEF, não havendo necessidade, assim, de que a FUNCEF figure como parte na causa. Até porque a autora não imputou àquela Fundação a prática de ilíticos.
Abstraindo-se isso, registro que, caso a FUNCEF tenha que ser citada nessa demanda, dever-se-á apurar a prescrição da pretensão da demandante no que lhe toca. Registro que, como notório, a interrupção da prescrição quanto a uma das partes não se aplica aos demais. Segundo a legislação, a interrupção da prescrição por um credor não aproveita aos outros, por força dos artigos 202, I, e 204 do Código Civil/2002, tendo em vista que não se trata de hipótese de solidariedade, inexistente na espécie, como detalho na sequência. Em princípio, ao julgar o Tema 928 o STJ teria declarado haver um compartilhamento de responsabilidade do Estado do Paraná, com a Vizivali ou com a União, a ser apurado caso a caso.
Ora, segundo o art. 204, Código Civil/,
"
A interrupção da prescrição por um credor não aproveita aos outros; semelhantemente, a interrupção operada contra o co-devedor, ou seu herdeiro, não prejudica aos demais coobrigados
."
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. SENTENÇA COLETIVA. EXECUÇÃO INDIVIDUAL. PRESCRIÇÃO. INTERRUPÇÃO. MEDIDA CAUTELAR. AJUIZAMENTO. MINISTÉRIO PÚBLICO. CARÁTER PESSOAL. ART. 204 DO CC. 1. "
O Código Civil, em seu art. 204, caput, prevê, como regra, o caráter pessoal do ato interruptivo da prescrição, haja vista que somente aproveitará a quem o promover ou prejudicará aquele contra quem for dirigido (persona ad personam non fit interruptio)
". (REsp 1276778/MS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 28/3/2017, DJe 28/4/2017) 2. Agravo interno a que se nega provimento. (STJ - AgInt no AREsp: 1386943 PR 2018/0279884-5, Relator: Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, Data de Julgamento: 05/09/2019, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 19/09/2019)
"
O Código Civil , em seu art. 204 , caput, prevê, como regra, o caráter pessoal do ato interruptivo da prescrição, haja vista que somente aproveitará a quem o promover ou prejudicará aquele contra quem for dirigido (persona ad personam non fit interruptio)
." ( REsp 1276778/MS , Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 28/3/2017, DJe 28/4/2017)
Isso significa que o art. 204, Código Civil, deveria ser tomado em conta para exame da prescrição.
REGISTRO
, todavia, que aludida intelecção não tem sido compartilhada pelo TRF4, como ilustra o julgamento da
apelação cível nº 5002641-79.2019.4.04.7009
:
"(...) A ação foi proposta perante a Justiça Estadual, em 31/08/2011. Em grau de recurso, o Tribunal de Justiça reconheceu a existência de interesse da União na lide e, consequentemente, a competência da Justiça Federal, com base no julgamento do Recurso Especial nº 1.344.771/PR, anulando todos os atos decisórios proferidos até então. Redistribuída a demanda na Justiça Federal, o juízo
a quo
acolheu a competência e determinou a inclusão da União no polo passivo da lide e sua citação, em 19/03/2019 (Evento 1). Citada a União em 26/03/2019, apresentou contestação na mesma data.
Diante desse contexto, não há se falar em prescrição, porque, consoante o disposto no art. 240 do CPC/2015, a interrupção do prazo quinquenal, operada pelo despacho que ordena a citação, ainda que proferido por juízo incompetente, retroage à data da propositura da ação, não podendo ser a parte prejudicada pela demora imputável exclusivamente ao serviço judiciário: (...)
Outrossim, prescreve a Súmula n.º 106 do STJ,
in verbis
:
Proposta a ação no prazo fixado para o seu exercício, a demora na citação, por motivos inerentes ao mecanismo da justiça, não justifica o acolhimento da arguição de prescrição ou decadência.
Assim, considerando que não restou configurada a inércia do(a) autor(a) em promover a ação, e não tendo permanecido o feito paralisado por mais de 5 (cinco) anos, não há como lhe atribuir responsabilidade pela demora na efetivação do ato citatório, em razão da discussão de competência, com o reconhecimento de eventual prescrição da pretensão. (...)
Ademais, importa referir que havia divergência jurisprudencial acerca do interesse da União nas ações desta natureza, tendo o e. STJ, apenas em agosto de 2013, pacificado o entendimento sobre a matéria, quando do julgamento do Recurso Especial n.º 1.344.771/PR, na sistemática dos recursos repetitivos, no sentido de que a Justiça Federal é competente para o julgamento de ação
em que se discute a ausência/obstáculo de credenciamento da instituição de ensino superior pelo Ministério da Educação como condição de expedição de diploma aos estudantes
, porquanto existente o interesse jurídico da União
na solução do litígi
o. " (TRF4 5002641-79.2019.4.04.7009, TERCEIRA TURMA, Relatora VÂNIA HACK DE ALMEIDA, juntado aos autos em 24/11/2020)
Destaco, porém, que - conquanto a interrupação da prescrição possa retroagir à data da deflagração da demanda - isso pressupõe que o pedido de citação tenha sido feito na inicial. Em princípio, não é dado à parte, depois de longo período de tramitação da demanda promover a citação tardia de um requerido, a fim de que a interrupção retroaja à data do início da demanda. Em tais casos, o atraso será imputável à parte demandante, por equívoco no endereçamento da sua pretensão.
Caso se faça necessária a citação da FUNCEF, aludida questão haverá de ser examinada sob as luzes do art. 204, Código Civil/2002. Facultarei manifestação das partes a respeito do tema.
2.34. Eventual caducidade:
Em regra, os prazos decadenciais são oponíveis às pretensões constitutivas ou desconstitutivas. Atingem os chamados
direitos potestativos
- ou seja, direitos formativos geradores, na dicção de Francisco Pontes de Miranda, a exemplo do divórcio, rescisão unilateral de contratos de locação etc.
Sustenta-se que a
"decadência, ou caducidade, na definição de Câmara Leal, é a extinção ou perecimento do direito pelo decurso do prazo fixado ao seu exercício, sem que seu titular o tivesse feito.
O principal efeito da decadência, seguindo o raciocínio de Câmara Leal, é o de extinguir o direito
. Desta circunstância decorre o fato de que a decadência do direito faz desaparecer a ação que deveria assegurá-lo: a) quando direito e ação não se identificam, a ação não chega sequer a nascer; b) a decadência perece com o direito, quando ambos nascem simultaneamente."
(NERY, Rosa; NERY JR, Nelson.
Instituições de Direito Civil. vol. 1
São Paulo: RT. 2019. item 79).
No presente caso,
não está em debate a invocação de direito potestativo
, de modo que a situação jurídica, reclamada pela parte autora, não está submetida a prazos decadenciais.
2.35. Eventual aplicação do CDC - exame panorâmico:
Com a publicação do CDC, inaugurou-se uma conhecida polêmica sobre o alcance das suas disposições. Grosso modo, as opiniões distribuíram-se em duas grandes correntes: os finalistas e os maximalistas.
Os finalistas amparam-se sobremodo na regra do art. 2º da lei 8078/1990:
"Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final."
Logo, em princípio, o CDC apenas tutelaria aquelas relações em que o serviço fosse prestado ou o bem fosse fornecido ao destinatário último, sem subsequentes repasses.
Essa orientação foi compartilhada, ao que se sabe, pelos principais idealizadores do projeto que eclodiu no código consumerista brasileiro: Ada Pellegrini Grinover, Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin e outros.
Já a orientação maximalista promove uma leitura ampla do conceito de consumidor, destacando que a lei 8078 não tutelaria apenas o destinatário final de bens e serviços, sendo oponível também às relações entre empresas e até mesmo a órgãos públicos (amparando-se, nesse caso, na regra do art. 22, CDC). Essa orientação parece ser compartilhada por Rizzato Nunes, por exemplo (
Curso de direito do
consumidor
.
São Paulo: Saraiva, 2004).
Com esse pano de fundo, inúmeras discussões foram promovidas ao longo desses anos de vigência da lei 8078. Ao que releva, o CDC se aplica a entidades da Administração Pública, quando em causa serviços remunerados mediante preços públicos (art. 22, CDC).
DANO MORAL. DANO MATERIAL. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. ERRO NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. PERDA DE PRAZO PROCESSUAL. APLICAÇÃO DO CDC. 1. Entrega de correspondência para o destinatário errado, causando demora na entrega ao endereço correto e conseqüente perda de prazo processual. 2. Cabível dano material e dano moral. 3.
Aplicação do Código de Defesa do Consumidor, pois demonstrado a relação de consumo entre a ECT e o apelado
. 4. Recurso a que se nega provimento.(AC 200071050018995, JOEL ILAN PACIORNIK, TRF4 - QUARTA TURMA, DJ 25/09/2002 PÁGINA: 704.)
CIVIL. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS - ECT. CONTRATO DE TRANSPORTE DE ENCOMENDA SEM DECLARAÇÃO DE VALOR. EXTRAVIO DE MERCADORIA. VALOR DA INDENIZAÇÃO.1.
Qualifica-se como de consumo a relação jurídica contratual de transporte de encomendas. Precedente do STJ
. 2. É do fornecedor o ônus de provar claramente as condições contratuais particularmente em relação à opção de informar ou não o valor da mercadoria e o custo do serviço para o fim de indenização em caso de extravio segundo o valor exato da mercadoria transportada.3. Não é aceitável o fornecedor simplesmente alegar que o consumidor não declarou o valor para indenizar o prejuízo de acordo com critério unilateral.4. Apelação provida. (AC 00626681319984010000, JUIZ FEDERAL WILSON ALVES DE SOUZA (CONV.), TRF1 - TERCEIRA TURMA SUPLEMENTAR (INATIVA), DJ DATA:23/06/2005 PAGINA:81.)
D'outro tanto, em princípio, pessoas jurídicas também podem ser qualificadas como consumidoras, para fins de aplicação da lei 8.078/1990, desde que não esteja em causa a aquisição de matéria prima para seus processos produtivos.
RECURSO ESPECIAL. FORNECIMENTO DE ÁGUA. CONSUMIDOR. DESTINATÁRIO FINAL. RELAÇÃO DE CONSUMO. DEVOLUÇÃO EM DOBRO DOS VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE. APLICAÇÃO DOS ARTIGOS 2º E 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 8.078/90.I - "
O conceito de "destinatário final", do Código de Defesa do Consumidor, alcança a empresa ou o profissional que adquire bens ou serviços e os utiliza em benefício próprio
" (AgRg no Ag nº807159/SP, Rel. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, DJ de 25/10/2008).II - No caso em exame, a recorrente enquadra-se em tal conceituação,visto ser empresa prestadora de serviços médico-hospitalares, que utiliza a água para a manutenção predial e o desenvolvimento de suas atividades, ou seja, seu consumo é em benefício próprio.III - A empresa por ser destinatária final do fornecimento de água e, portanto, por se enquadrar no conceito de consumidora, mantém coma recorrida relação de consumo, o que torna aplicável o disposto no artigo 42, parágrafo único, da Lei 8.078/90. IV - Recurso especial conhecido e provido...EMEN: (RESP 200800133166, FRANCISCO FALCÃO, STJ - PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:30/04/2008..DTPB:.)
Quanto à aplicação do CDC, quando se trate da prestação de serviços por empresas públicas, remunerados mediante preços públicos/tarifas, convém atentar para o art. 22, CDC:
"
Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos
. Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código."
Atente-se ainda para os seguintes julgados:
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. CORREIOS. CARTA REGISTRADA. EXTRAVIO. DANOS MORAIS. IN RE IPSA. 1. As empresas públicas prestadoras de serviços públicos submetem- se ao regime de responsabilidade civil objetiva, previsto no art. 37, § 6º, da Constituição Federal e nos arts. 14 e 22 do Código de Defesa do Consumidor. 2. No caso, a contratação de serviços postais oferecidos pelos Correios, por meio de tarifa especial, para envio de carta registrada, que permite o posterior rastreamento pelo próprio órgão de postagem revela a existência de contrato de consumo, devendo a fornecedora responder objetivamente ao cliente por danos morais advindos da falha do serviço quando não comprovada a efetiva entrega. 3. É incontroverso que o embargado sofreu danos morais decorrentes do extravio de sua correspondência, motivo pelo qual o montante indenizatório fixado em R$ 1.000,00 (mil reais) pelas instâncias ordinárias foi mantido pelo acórdão proferido pela Quarta Turma, porquanto razoável, sob pena de enriquecimento sem causa. 4. Embargos de divergência não providos. ..EMEN:
(ERESP 201303279910, RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, STJ - SEGUNDA SEÇÃO, DJE DATA:24/02/2015 ..DTPB:.)
DANO MORAL. DANO MATERIAL. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. ERRO NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. PERDA DE PRAZO PROCESSUAL. APLICAÇÃO DO CDC. 1. Entrega de correspondência para o destinatário errado, causando demora na entrega ao endereço correto e conseqüente perda de prazo processual. 2. Cabível dano material e dano moral. 3. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor, pois demonstrado a relação de consumo entre a ECT e o apelado. 4. Recurso a que se nega provimento.
(AC 200071050018995, JOEL ILAN PACIORNIK, TRF4 - QUARTA TURMA, DJ 25/09/2002 PÁGINA: 704.)
De sua parte, Justen Filho enfatiza a dificuldade, não raro, de se conjugar o regime jurídico público - próprio das concessões ou de empresas públicas - com a aplicação da lógica do Código de Defesa do Consumidor:
"Ocorre que nem sempre é possível conciliar o regime de direito público com aquele do direito do consumidor. A cumulação dos mecanismos de serviço público e de direito do consumidor provoca um conflito de competências e de regime jurídico, cuja solução deve ser realizada com cautela.
Um exemplo permite compreender de imediato o problema. Segundo o direito do consumidor, é obrigatório o empresário manter a oferta realizada nas condições originais. Já no âmbito do serviço público, a mutabilidade é da sua inerência. Suponha-se, portanto, o caso da telefonia fixa. Imagine-se que o concessionário estabeleça relação jurídica com o usuário, orientando-se por determinada regulação do poder concedente. Se houver necessidade e conveniência, o poder concedente alterará as regras pertinentes, com reflexos na situação jurídica do usuário. Em face do regime de Direito Administrativo, o usuário não poderia invocar direito adquirido à manutenção de regime jurídico. Mas sua pretensões poderia encontrar respaldo no regime característico do direito do consumidor.
Não seria excessivo afirmar que a concepção do serviço público defere ao poder concedente a função de tutelar e defender o interesse coletivo (aí abrangido também o interesse do usuário). Já o direito do consumidor assegura ao próprio consumidor e às entidades da sociedade a função de sua defesa (sem que isso exclua a intervenção de órgãos estatais)
.
É fundamental tomar em vista, então, que a aplicação das normas do direito do consumidor não pode fazer-se em face do serviço público com idêntica extensão aplicável no caso de relações puramente privadas, relacionadas com a exploração de atividade econômica em sentido restrito." (JUSTEN FILHO, Marçal.
Teoria geral das
concessões
de serviço público.
São Paulo: Dialética, 2003, p. 557-558)
De outro norte, consolidou-se a orientação jurisprudencial que reconhece a sua plena aplicação no âmbito dos contratos bancários, desde que pactuados depois de 1990.
Ora, essa solução é alvo de duas conhecidas súmulas do STJ:
Súmula 297 - O Código de Defesa do consumidor é aplicável às instituições financeiras.
Súmula 285 -
Nos contratos bancários posteriores ao Código de Defesa do consumidor incide a multa moratória nele prevista.
A Suprema Corte reconheceu, ademais, a plena aplicação do CDC às relações estabelecidas entre os bancos e seus clientes, nessa condição, conforme se infere da
ADIn 2591/DF
, relatada pelo Min. Carlos Velloso.
2.36. Código de Defesa do Consumidor - caso em exame:
No presente caso, não se cuida de relação de consumo. A autora busca uma indenização em face da CEF decorrente do pagamento de verbas trabalhistas de modo insuficiente. Ela não atuou como consumidora de serviços prestados pela CEf e não endereçou sua pretensão em face da FUNCEF.
Logo, a lei n. 8.078/1990 não se aplica ao caso.
2.37. Eventual
decadência
do direito invocado na inicial:
O instituto da decadência é aplicável quando em causa cogitados direitos potestativos (direitos formativos geradores, na expressão de Pontes de Miranda). Ou seja, direitos que podem ser exercidos sem prévia aquiescência da contraparte, a exemplo do direito do Fisco promover o lançamento fiscal de revisão (art. 150, §4, CTN), direito à anulação de casamento, direito à demissão de empregados sem justa causa, direito à desistência de compra promovida pela internet etc. Em todos esses casos, sempre que a legislação houver fixado prazo para seu exercício, tratar-se-á de lapso decadencial.
No caso em exame, o mencionado instituto não se coloca.
2.38. Delimitação da sentença trabalhista:
A sentença prolatada no âmbito da reclamatória trabalhista 0000569-65.2017.5.09.0022v não chegou a versar sobre o aludido plano de previdência complementar. Não há trânsito em julgado a respeito tema, (art. 469, I, CPC/73, art. 831, CLT, art. 504, CPC/15), de modo que não alcançado pelo efeito da
res iudicata.
Ademais, aludida sentença não é oponível à FUNCEF, conforme lógica do art. 472, CPC/73 e art. 506, CPC/15, consectário da cláusula do devido processo (
nemo inauditus damnare potest
).
2.39. Planos de previdência FUNCEF:
A seguridade social dos funcionários da CEF teve início nos idos de 1890, com a constituição do Montepio obrigatório dos empregados do Ministério da Fazenda, posteriormente convertido (1926) em Montepio dos Funcionáros Civis da União. Nos idos de 1975 foi aprovado o primeiro estatuto da FUNCEF (Portaria 364/1975, Ministério da Fazenda). Em 1977 foi publicada a lei 6.430/1977 transferindo os segurados da SASSE para o INPS.
Nos idos de 1978 foi publicado o Decreto 81.240/1978 versando sobre o limite máximo de pagamento do benefício; em 1979 foi regulamentado o REPLAN, na tentativa de amoldá-lo aos requisitos do referido decreto 81.240. No ano de 2002 foram alteradas regras do plano REB, que passou a atender os segurados do anterior REPLAN, gerando uma espécie de fusão entre os planos de previdência. No exercício financeiro subsequente, a FUNCEF desenvolveu o que chamou de NOVO PLANO, com regras específicas.
Trata-se, portanto, de um regime de previdência privada, regulamentado pelo art. 202 da Constituição de 1988, com a emenda constitucional n. 20/1998, cujo conteúdo segue:
Art. 202.
O regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar
.
§ 1° A lei complementar de que trata este artigo assegurará ao participante de planos de benefícios de entidades de previdência privada o pleno acesso às informações relativas à gestão de seus respectivos planos.
§ 2° As contribuições do empregador, os benefícios e as condições contratuais previstas nos estatutos, regulamentos e planos de benefícios das entidades de previdência privada não integram o contrato de trabalho dos participantes, assim como, à exceção dos benefícios concedidos, não integram a remuneração dos participantes, nos termos da lei.
§ 3º É vedado o aporte de recursos a entidade de previdência privada pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, suas autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista e outras entidades públicas, salvo na qualidade de patrocinador, situação na qual, em hipótese alguma, sua contribuição normal poderá exceder a do segurado.
§ 4º Lei complementar disciplinará a relação entre a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios, inclusive suas autarquias, fundações, sociedades de economia mista e empresas controladas direta ou indiretamente, enquanto patrocinadoras de entidades fechadas de previdência privada, e suas respectivas entidades fechadas de previdência privada.
§ 5º A lei complementar de que trata o parágrafo anterior aplicar-se-á, no que couber, às empresas privadas permissionárias ou concessionárias de prestação de serviços públicos, quando patrocinadoras de entidades fechadas de previdência privada.
§ 6º A lei complementar a que se refere o § 4° deste artigo estabelecerá os requisitos para a designação dos membros das diretorias das entidades fechadas de previdência privada e disciplinará a inserção dos participantes nos colegiados e instâncias de decisão em que seus interesses sejam objeto de discussão e deliberação.
Nos termos do art. 40, §15, Constituição com a Emenda Constitucional 41/2003,
"O regime de previdência complementar de que trata o § 14 será instituído por lei de iniciativa do respectivo Poder Executivo, observado o disposto no art. 202 e seus parágrafos, no que couber, por intermédio de
entidades fechadas de previdência complementar, de natureza pública, que oferecerão aos respectivos participantes planos de benefícios somente na modalidade de contribuição definida
."
Diante do comando constitucional (art. 202 - constituição de reservas), aludido regime deve observar o sistema de capitalização, de modo que os benefícios sejam pagos com os recursos recolhidos pelos próprios beneficiários, observadas as correções e rendimentos decorrentes das aplicações pertinentes. Segundo precisa síntese de Adacir Reis, aludido regime é caracterizado pelo que segue:
"Resumidamente, podemos afirmar que o regime de previdência complementar tem as seguintes características: - filiação voluntária (art. 202, CF, arts. 1º e 16 da lei complemetar 109/2001); - regime contratual, com regras de elegibilidade, elenco de benefícios, custeio e reajuste de aposentadoria definidos no regulamento do plano previdenciário (contrato civil previdenciário); - regime financeiro de capitalização (art. 202, CF/1988 e art. 18 da lei complementar 109/2001)." (REIS, Adacir.
Curso básico de previdência complementar.
São Paulo: RT, 2014, p. 20)
Ao que releva, convém atentar para o fato de que a lei complementar 109/2001 versou sobre a portabilidade do direito acumulado, de modo a permitir a sua transferência para outros planos (art. 14, II, LC 109) e também versou sobre o direito de resgate (art. 14, III, LC 109/2001).
No que toca à portabilidade,
"Nos exatos germos da Res. CGPC 06/2003, tal instituto permite ao participante (...) manter o valor de sua contribuição e a do patrocinador, no caso de perda parcial ou total de remuneração recebida, de modo a assegurar a percepção dos benefícios nos níveis correspondentes àquela remuneração recebida ou em outros definidos em normas regulamentares."
(REIS, Adacir.
Curso básico de previdência complementar.
São Paulo: RT, 2014, p. 77). Já o resgate configura
"a quebra da vocação previdenciária dos recursos alocados em um plano de previdência complementar, pois opera-se o cancelameno da inscrição do participante, com seu desligamento do plano de benefícios e consequente disponibilização dos recursos aportados."
(REIS, Adacir.
Op. cit.,
p. 79).
Atente-se também para as observações adiante:
"No passado, os regulamentos, a depender da modelagem de financiamento e da modalidade dos planos de benefícios, podiam limitar o resgate à metade das contribuições vertidas pelo participante. Num momento seguinte, ainda sob a égide da lei 6.435/1977, o resgate passou a corresponder, no mínimo, às contribuições pessoais vertidas para o plano previdenciário, promovidos os descontos indispensáveis na forma do regulamento do plano de benefícios.
Com o advento da lei complementar 109/2001 e da Res. CGPC 06/2003, nos termos do dispositivo acima, o resgate deve corresponder, no mínimo, à reserva de poupança, isto é, às constribuições vertidas pelo participante, permitidos os descontos relativos ao custeio administrativo e à cobertura dos benefícios de risco que, na forma do regulamento do plano, sejam de responsabilidade do participante (Res. CGPC n. 06/2003). Portanto, na essência, a LC 109/2001 não trouxe inovações para o instituto do resgate.
A depender do regulamento do plano previdenciário, na esfera da liberdade de contratação, observados os padrões mínimos fixados pelo órgão regulador, o resgate poderá corresponder a algo superior ao que foi definido normativamente, podendo alcançar os valores vertidos pelo patrocinador, o que também já era possível sob a vigência do ordenamento anterior à LC 109/2001.
Nos planos de previdência patrocinados, o efetivo pagamento do resgate está condicionado à cessação do vínculo empregatício com o patrocinador, o que torna esse instituto bem mais rígido do que nos planos instituídos por instituidores (previdência associativa), em que o pagamento do resgate está condicionado apenas a um tempo de carência de seis meses a dois anos, e especialmente se comparado com os planos de benefícios operados por entidades abertas de previdência complementar e seguradoras, em que o resgate se mostra bastante flexível." (REIS, Adacir.
Curso básico de previdência complementar.
São Paulo: RT, 2014, p. 79-80)
2.40. Requisitos da responsabilização civil:
O tema da responsabilidade civil pode ser distribuído em dois grandes blocos: (a) a responsabilidade por condutas ilícitas, em sentido amplo, e (b) também responsabilidade por comportamentos lícitos. No primeiro caso, tem-se o que se costuma chamar de responsabilidade subjetiva ou de responsabilidade fundada na culpa (responsabilidade civil aquiliana e a responsabilidade civil por violação do contrato).
Todo aquele que cause dano a terceiros, mediante violação de cláusula contratual ou violação da lei, tem o dever de indenizar, como evidenciam os arts. 186-187, Código Civil:
"Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito."
Segundo o art. 187,
"
Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes
."
Nesse âmbito, a responsabilização demanda os seguintes requisitos:
"A caracterização genérica do ato ilícito absoluto (ato ilícito stricto sensu), segundo a definição legal do art. 186,
exige a conjugação de elementos objetivos e subjetivos
: I - os requisitos objetivos são - a) a conduta humana antijurídica; b) o dano; c) o nexo de causalidade entre a conduta humana e o dano. II - os requisitos subjetivos são - a) a imputabilidade e b) a culpa em sentido estrito (dolo ou culpa em sentido estrito)."
(THEODORO JÚNIOR, Humberto.
Comentários ao código civil.
Vol. III. Arts. 185 a 232. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 31)
Já o art. 187, CC/2002, trata da figura do abuso de direito. Ainda segundo a lição de Humberto Teodoro Jr.,
"
O titular de qualquer direito para conservar-se no campo da normalidade não basta legitimar sua conduta dentro das faculdades reconhecidas pelas normas legais em face de sua individual situação jurídica. Haverá de cuidar para que o uso das prerrogativas legais não se desvie para objetivos ilícitos e indesejáveis, dentro do contexto social
. O abuso de direito acontecerá justamente por infringência desse dever e se dará sempre que o agente invocar uma faculdade prevista em lei, aparentemente de forma adequada, mas para alcançar objetivo ilegítimo ou não tolerado pelo consenso social."
(THEODORO JÚNIOR, Humberto.
Obra citada,
p. 113).
Por conseguinte, o art. 187, CC/02, impõe certos temperamentos à ideia de 'direito subjetivo', compreendido formalmente (isto é, compreendido como uma absoluta faculdade de agir, franqueada pela lei). Não basta apenas a adequação à norma legal, exigindo-se também certa proporcionalidade, um uso comedido e adequado das prerrogativas asseguradas pelo ordenamento jurídico. O STJ já reconheceu como abuso de direito, por exemplo, a conduta do agente bancário que, invocando cláusula contratual, satisfaz seu crédito utilizando recursos mantidos pelo correntista e destinados ao pagamento dos seus empregados (STJ,
REsp. 250.523
, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar p. DJ 18/12/2000). Ou seja, a despeito de haver cláusula contratual prevendo-a, a conduta seria viciada por destoar de um uso comedido, razoável, do direito.
Os requisitos para o reconhecimento do abuso de direito são os seguintes:
"Partindo da definição legal do exercício abusivo de um direito como ato ilícito (art. 187), teremos os seguintes requisitos como necessários à sua configuração: a) conduta humana, b) exercício de um direito subjetivo, c) exercício desse direito de forma emulativa (ou, pelo menos, culposa), d) dano para outrem, e) ofensa aos bons costumes e à boa fé; ou f) prática em desacordo com o fim social ou econômico do direito subjetivo."
(THEODORO JÚNIOR, H.
Obra cit.
p. 120-121).
Esses são os contornos, grosso modo, da responsabilização por comportamentos inválidos (ilícitos ou que violem regras contratuais). Por outro lado, a
responsabilidade por condutas lícitas
corresponde, em síntese, à responsabilidade fundada no incremento do risco (p.ex., art. 14 da lei 6938 e também à responsabilidade objetiva estatal, prevista no art. 37, §6º, CF/88).
Ora, a responsabilidade pelo incremento do risco diz respeito àquelas atividades que - conquanto lícitas - ensejam um grau maior de contingências para a vida em comum. Nesse âmbito, portanto, busca-se simplesmente uma internalização das externalidades provocadas pela atividade
econômica
, a fim de que o poluidor arque com os resultados do seu extrativismo ou industrialização. Essa responsabilização pelo risco está prevista, por exemplo, no art. 14, §1º, lei 6.938/1981; no art. 927, parágrafo único, Código Civil e - destaque-se - também art. 225, §§2º e 3º, Constituição/1988.
Há a responsabilização objetiva do Estado, prevista no art. 37, §6º, CF. Cuida-se de simples decorrência do postulado da isonomia (igual distribuição do custeio público).
"A atividade administrativa exerce-se no interesse de todos; se os danos que daí resultam para alguns não fossem reparados, eles seriam sacrificados à coletividade, sem que nada pudesse justificar semelhante discriminação. A indenização restabelece o equilíbrio afetado em seu detrimento."
(RIVERO, Jean.
Direito administrativo.
Coimbra: Almedina, 1981, p. 305).
Menciono também a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello:
"No caso de comportamentos lícitos, assim como na hipótese de danos ligados a situação criada pelo Poder Público - mesmo que não seja o Estado o próprio autor do ato danoso -,
entendemos que o fundamento da responsabilidade estatal é garantir uma equânime repartição dos ônus provenientes de atos ou efeitos lesivos
, evitando que alguns suportem prejuízos ocorridos por ocasião ou por causa de atividades desempenhadas no interesse de todos. De conseguinte, seu fundamento é o princípio da igualdade, noção básica do Estado de Direito."
(MELLO, Celso Antônio Bandeira de.
Curso de direito administrativo.
17. ed. SP: Malheiros, 2004, p. 890)
2.41. Responsabilização por condutas omissivas:
Note-se, todavia, que o Estado não pode ser imaginado como uma espécie de resseguro universal. Ainda que, na atualidade, a noção de Estado de Bem Estar Social deva ser privilegiada e haja quem imagine que a Administração Pública deva garantir até mesmo a felicidade individual (p.ex., projeto de emenda à Constituição n. 10, proposto pelo Senador Cristóvam Buarque), não há como obrigá-la a reparar toda sorte de infortúnios a que todos estamos sujeitos.
Daí que é salutar atentar, em um primeiro exame, para a diferença de tratamento a ser dispensada entre condutas omissas e comissivas da Administração Pública. Cuidando-se de atuação ativa que cause prejuízos aos administrados, aplica-se, em regra, o art. 37, §6º, CF (responsabilidade objetiva), o que comporta pontuais exceções, mesmo nesse âmbito, a exemplo da conduta ativa da Administração que, no afã de salvar alguém que se encontra em um veículo trancado, se vê obrigada a destruir a porta do automóvel, caso em que, por óbvio, a reparação dos danos será incabível. Tratando-se de conduta omissiva, por parte da Administração, a responsabilidade apenas será cabível se provado, pelo interessado, que a omissão teria se dado de modo ilícito.
Do contrário, todos quanto tenham algum bem subtraído, mediante furto ou roubo, nas rodovias e logradouros públicos, poderiam processar o Estado, dado que lhe cabe garantir a segurança. Todos quanto sejam lesados, de algum modo, seriam então declarados credores de quantias junto aos cofres públicos. No afã de impedir tais lesões, o Estado teria que se converter em um mecanismo absolutamente autoritário, com controles totais sobre a vida dos indivíduos. A ocorrência de danos infelizmente é uma inexorável consequência do convívio de pessoas com certo grau de liberdade. Com isso não se faz pouco caso dos prejuízos suportados pelo demandante. Não! Mas, ao mesmo tempo, enfatiza-se que os responsáveis pelo furto é que hão de reparar os danos, tão logo sejam identificados.
O prof. Celso Bandeira de Mello, já aludido acima, argumenta que
"Deveras, caso o Poder Público não estivesse obrigado a impedir o acontecimento danoso, faltaria razão para impor-lhe o encargo de suportar patrimonialmente as conseqüências da lesão. Logo, a responsabilidade estatal por ato omissivo é sempre responsabilidade por comportamento ilícito. E, sendo responsabilidade por ilícito, é necessariamente responsabilidade subjetiva, pois não há conduta ilícita do Estado (embora do particular possa haver) que não seja proveniente de negligência, imprudência ou imperícia (culpa) ou, então, deliberando propósito de violar a norma que o constituía em dada obrigação (dolo). Culpa e dolo são justamente as modalidades de responsabilidade subjetiva."
(MELLO, Celso Antônio Bandeira de.
Obra citada.
p. 981).
Não se pode perder de vista, porém, o confronto entre a
omissão genérica e a omissão específica do Estado
; tratando-se em omissão específica quando
“o Estado, por omissão sua, cria a situação propícia para a ocorrência do evento em situação em que tinha o dever de agir para impedi-lo.”
(CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 231). Desse modo,
"Se o motorista embriagado atropela e mata pedestre que está na beira da estrada, a Administração (entidade de trânsito) não poderá ser responsabilizada pelo fato de estar esse motorista ao volante sem condições. Isso seria responsabilizar a Administração por omissão genérica. Mas se esse motorista, momentos antes, passou por uma patrulha rodoviária, teve o veículo parado, mas os policiais, por alguma razão, deixaram-no prosseguir viagem, aí já haverá omissão específica que se erige em causa adequada do não-impedimento do resultado. Nesse segundo caso haverá responsabilidade objetiva do Estado."
(CAVALIERI FILHO, Sérgio.
Obra citada.
p. 231).
Em caso de alegada omissão estatal, impõe-se ao interessado o ônus de comprovar uma atuação dolosa ou negligente da Administração Pública, conforme art. 373, I, CPC, exceção feita aos casos de omissão específica, em que a responsabilidade objetiva soa cabível. Com efeito,
"A jurisprudência do STJ firmou-se no sentido de que "a responsabilidade civil do estado por
condutas omissivas
é subjetiva, sendo necessário, dessa forma, comprovar a negligência na atuação estatal, o dano e o nexo causal entre ambos"
(STJ, AgRg no AREsp 501.507/RJ, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, DJe de 02/06/2014). Em igual sentido: STJ, REsp 1.230.155/PR, Rel. Ministra ELIANA CALMON, 2.T, DJe de 17/09/2013 e AGRESP 201202023900, ASSUSETE MAGALHÃES, DJE 02/12/2015.
Atente-se também para os julgados abaixo transcritos:
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. ALEGAÇÃO GENÉRICA. SÚMULA 284/STF. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. OMISSÃO. NEXO DE CAUSALIDADE. DANOS MORAIS E MATERIAIS. REEXAME DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. 1. A alegação genérica de violação do artigo 535 do Código de Processo Civil, sem explicitar os pontos em que teria sido omisso o acórdão recorrido, atrai a aplicação do disposto na Súmula 284/STF. 2.
Nos termos da jurisprudência do STJ, a responsabilidade civil do estado por
condutas omissivas
é subjetiva, sendo necessário, dessa forma, comprovar a negligência na atuação estatal, o dano e o nexo causal entre ambos
. 3. O Tribunal de origem, com base no conjunto fático probatório dos autos, expressamente consignou que "restou evidente o nexo de causalidade entre a omissão do ente municipal e o evento danoso". 4. Dessa forma, não há como modificar a premissa fática, pois para tal é indispensável o reexame do contexto fático-probatório dos autos, o que é vedado por esta Corte, pelo óbice da Súmula 7/STJ. Agravo regimental improvido. ..EMEN:
(AGARESP 201400845416, HUMBERTO MARTINS, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:02/06/2014 ..DTPB:.)
"(...) 7. É fato que a doutrina atual orienta-se no sentido de que a responsabilidade civil do Estado somente é objetiva quanto a atos comissivos praticados por seus agentes ou prepostos.
Quando, todavia, se trata de conduta omissiva, para que se caracterize a responsabilidade estatal, é mister que se demonstre, além do dano causado à vítima e o respectivo nexo causal, o dolo ou culpa do representante do Estado que tinha o dever de agir de modo a impedir a ocorrência do evento danoso (falta do serviço). Precedentes jurisprudenciais. 8. A responsabilidade civil por omissão de atos da Administração Pública é subjetiva, hipótese em que a culpa passa a se constituir em pressuposto da responsabilidade, não se aplicando, assim, a regra do art. 37, § 6º, da CF. 9. Ou seja, admitindo-se a responsabilidade objetiva em hipóteses que tais, o Estado seria um segurador universal, o que não se entremostra razoável
. 10. A doutrina e a jurisprudência mais recente, todavia, vem gradativamente adotando, quando se trata de danos da Administração Pública por omissão, o entendimento de que existe uma clara distinção entre omissão específica e omissão genérica. 11.
A omissão é específica quando o Estado tem a obrigação de evitar o dano. Um exemplo desse tipo de omissão são os bueiros destampados, que ocasionam a queda de uma pessoa, provocando-lhe danos físicos. Quando há responsabilidade civil por omissão específica, o Estado responde objetivamente, conforme o art. 37, § 6º, da CF
. 12.
Há situações outras, todavia, que é impossível ao Estado impedir, através de seus agentes, eventuais danos aos seus administrados. Por exemplo, o de lesões sofridas por atos de vandalismo de terceiros, em estádios de futebol. Nesses casos, se diz que a omissão é genérica e a responsabilidade do Poder Público é subjetiva, havendo a necessidade de se aferir a culpa
. 13. Além disso, quando não for possível identificar o agente que causou o dano, caberá à vítima comprovar que não houve serviço, que o serviço funcionou mal ou que foi ineficiente. É o que se denomina responsabilidade civil por culpa anônima do serviço, outra modalidade de responsabilidade subjetiva da Administração Pública. 14. Destarte, em se tratando de omissão genérica do serviço ou quando não for possível identificar um agente público responsável, a responsabilidade civil do Estado será sempre subjetiva, não se aplicando a essas hipóteses a teoria objetiva do risco administrativo. Precedentes desta Corte. 15. O caso dos autos é a típica responsabilidade do Estado por omissão. (...)" (APELREEX 00174935819874036100, JUIZ CONVOCADO ALEXANDRE SORMANI, TRF3 - SEGUNDA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:08/10/2009 PÁGINA: 200 ..FONTE_REPUBLICACAO:., omiti parte da ementa)
RESPONSABILIDADE CIVIL - ACIDENTE DE TRÂNSITO - ANIMAIS NA PISTA - RESPONSABILIDADE SUBJETIVA - CULPA - RODOVIA COMUM. Nas rodovias comuns - ao contrário do que se dá nas auto-estradas, destinadas ao trânsito de alta velocidade, onde as exigências de segurança são naturalmente mais acentuadas e, por isso, a vigilância deve ser mais rigorosa - é virtualmente impossível impedir o ingresso de animais na pista, durante as vinte e quatro horas de dia.
A responsabilidade do Estado quando o dano resulta de suposta omissão - falta de serviço - obedece a teoria subjetiva e só se concretiza mediante prova da culpa, isto é, do descumprimento do dever legal de impedir o evento lesivo. O Estado não é segurador universal: sem a prova da conduta omissiva censurável, tendo em conta o tipo de atuação que seria razoável exigir, não há como responsabilizar o poder público
.
(AC 9704012225, AMIR JOSÉ FINOCCHIARO SARTI, TRF4 - TERCEIRA TURMA, DJ 17/09/1997 PÁGINA: 75102.)
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO – BANCO CENTRAL DO BRASIL – RESPONSABILIDADE CIVIL – LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL – PREJUÍZOS FINANCEIROS – INEXISTÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DO BACEN – CONDUTA OMISSIVA 1. Apelação em face de r. sentença que julgou improcedente o pedido de ressarcimento, pelo Banco Central do Brasil (BACEN), de prejuízos sofridos pelos autores, em razão de suposta omissão por parte da autarquia em fiscalizar instituição financeira na qual eles depositaram recursos financeiros, e que sofreu liquidação extrajudicial. 2. O BACEN não foi o responsável pela conduta que levou à decretação da liquidação extrajudicial na cooperativa na qual os autores depositaram seus recursos, e a liquidação extrajudicial, por si só, não gera o dever da Autarquia de indenizar aqueles que foram prejudicados pela má administração. 3. A responsabilidade do Estado por ato omissivo é responsabilidade por comportamento ilícito, sendo responsabilidade subjetiva, pois não há conduta ilícita do Estado que não seja proveniente de negligência, imprudência ou imperícia. 4.
O Poder Público não é segurador automático de investimento de risco, não assumindo a obrigação de indenizar o investidor prejudicado pela má administração do fundo
. 5. O risco do negócio há de ser suportado pelos investidores, e o Poder Público não assume a condição de garantidor dos negócios firmados por aqueles. 6. Precedentes deste Eg. TRF da 2a Região (AC n° 96.02.41250-0/RJ) e do Eg. TRF da 4a Região (AC 95.04.60816-7). 7. Apelação a que se nega provimento.
(AC 00414456920014020000, RALDÊNIO BONIFACIO COSTA, TRF2.)
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO – BANCO CENTRAL DO BRASIL – RESPONSABILIDADE CIVIL – LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL – PREJUÍZOS FINANCEIROS – INEXISTÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DO BACEN – CONDUTA OMISSIVA 1. Apelação em face de r. sentença que julgou improcedente o pedido de ressarcimento, pelo Banco Central do Brasil (BACEN), de prejuízos sofridos pelos autores, em razão de suposta omissão por parte da autarquia em fiscalizar instituição financeira na qual eles depositaram recursos financeiros, e que sofreu liquidação extrajudicial. 2. O BACEN não foi o responsável pela conduta que levou à decretação da liquidação extrajudicial na cooperativa na qual os autores depositaram seus recursos, e a liquidação extrajudicial, por si só, não gera o dever da Autarquia de indenizar aqueles que foram prejudicados pela má administração. 3.
A responsabilidade do Estado por ato omissivo é responsabilidade por comportamento ilícito, sendo responsabilidade subjetiva, pois não há conduta ilícita do Estado que não seja proveniente de negligência, imprudência ou imperícia
. 4. O Poder Público não é segurador automático de investimento de risco, não assumindo a obrigação de indenizar o investidor prejudicado pela má administração do fundo. 5. O risco do negócio há de ser suportado pelos investidores, e o Poder Público não assume a condição de garantidor dos negócios firmados por aqueles. 6. Precedentes deste Eg. TRF da 2a Região (AC n° 96.02.41250-0/RJ) e do Eg. TRF da 4a Região (AC 95.04.60816-7). 7. Apelação a que se nega provimento.
(AC 00032248020024020000, RALDÊNIO BONIFACIO COSTA, TRF2.)
2.42.
Caracterização de danos
materiais:
O dano material compreende o desfalque do patrimônio do ofendido, a ser traduzido em pecúnia. Ele pode ser reconduzido ao dano emergente (montante que a vítima efetivamente perdeu) e o lucro cessante (aquilo que ela deixou de lucrar).
Colho a lição de Humberto Theodoro Júnior:
"O
dano emergente é mais facilmente quantificável
. Resume-se a uma avaliação do patrimônio lesado, antes e depois do ato ilícito. Já no caso de lucros cessantes, a situação é mais delicada, pois é preciso determinar que vantagens esperadas efetivamente o ilícito impediu a vítima de perceber. Não se pode levar o ressarcimento a cobrir expectativas remotas de lucros e vantagens que poderiam ou não acontecer, no futuro.
O lucro cessante tem de ser visto como lucro certo, em função do quadro afetado pelo ato ilícito. Deve corresponder a consequência imediata da paralisação de um negócio lucrativo que a vítima explorava, ou a frustração do rendimento que era razoavelmente esperado do bem lesado.
Para evitar pretensões quiméricas, o art. 403 do novo Código, na tradição do art. 1059 do Código anterior, determina que a reparação dos lucros cessantes só compreenda o que a vítima razoavelmente deixou de lucrar. Com isso se impede a vítima do ato ilícito de afastar-se dos critérios objetivos e navegar nas águas do meramente hipotético ou imaginário.
A indenização terá de ser fixada à luz do bom senso e do razoável, sempre a partir de dados concretos e não de simples suposições. É por isso que o art. 403 completa o enunciado do art. 402, que fala em reparação para o que a vítima razoavelmente deixou de lucrar, acrescentando que os lucros indenizáveis são apenas os que cessaram por efeito direto e imediato da inexecução da obrigação (i.e., do ato ilícito).
Em suma, nem o dano material, nem os lucros cessantes, podem ser deferidos sob condição de apuração futura em liquidação. A parte que pleiteia reparação tem de prová-los adequadamente, antes da condenação, mesmo que essa seja genérica." (THEODORO JÚNIOR, Humberto.
Comentários ao código civil.
Vol. III. Arts. 185 a 232. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 36-37)
Por sinal, a lei processual civil veda a prolação de sentenças condicionadas (art. 460, parágrafo único, CPC); ao mesmo tempo em que também veda ao demandante a formulação de pedidos genéricos, com as exceções verbalizadas no art. 286, CPC.
Convém apenas destacar que a lei não vaticina a pretensão à percepção de lucros cessantes de caráter hipotético:
RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO - ACIDENTE SOFRIDO NO INTERIOR DE HOSPITAL PÚBLICO - DANOS MATERIAIS E MORAIS - AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO NEXO DE CAUSALIDADE - INDENIZAÇÃO INDEVIDA. 1- A responsabilidade objetiva independe da comprovação de culpa ou dolo, ou seja, basta estar configurada a existência do dano, da ação ou omissão e do nexo de causalidade entre ambos (art. 37, §6º, da CF/88). 2 - Ante o conjunto probatório trazido aos autos, ausente, na hipótese, nexo de causalidade entre o acidente que provocou o ferimento na Autora e qualquer ato omissivo ou comissivo por parte da Administração. 3 -
Não restando nos autos qualquer despesa ou ônus de origem material, deve ser afastada a indenização por dano material, pois, para ser indenizável, o dano deve ser certo, não sendo passíveis de indenização os danos hipotéticos
. 4 - Ante a ausência do nexo de causalidade, incabível também a indenização por danos morais. 5 - Apelação improvida. Sentença confirmada. (AC 200751010001080, Juiz Federal WILSON JOSE WITZEL, TRF2 - SEXTA TURMA ESPECIALIZADA, E-DJF2R - Data::24/03/2010 - Página::307/308.)
2.43. Eventual perda de uma chance:
D'outro tanto, a teoria da perda de uma chance tem origem na França (
perte d’une chance),
nos idos de 1950, conquanto já houvesse sido reconhecida no caso inglês Chaplin
versus
Hicks, de 1911.
Segundo Sérgio Cavalieri,
"
caracteriza-se essa perda de uma chance quando, em virtude da conduta de outrem, desaparece a probabilidade de um evento que possibilitaria um benefício futura para a vítima, como progredir na carreira artística ou militar, arrumar um melhor emprego, deixar de recorrer de uma sentença desfavorável pela falha do advogado, e assim por diante
. Deve-se, pois, entender por chance a probabilidade de se obter um lucro ou de se evitar uma perda" (
CAVALIERI FILHO, Sérgio.
Programa de Responsabilidade Civil.
8. ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 71).
Trata-se, pois, de um exame estocástico, estatístico.
Em princípio, não há como se obrigar alguém a responder poder eventos futuros e incertos. Exagerando, para melhor compreender: alguém subtrai, da vítima, o valor de R$ 2,00. Ele ingressa em Juízo, dizendo que iria utilizar aquele recurso para jogar na mega-sena, com a chance de se tornar milionário, exigindo a reparação do dano na sua totalidade.
Por óbvio que não se pode imputar ao causador do dano o dever de responder por consequências incertas e improváveis. Situação obviamente diversa ocorre quando o único candidato de um concurso público, selecionado para a última etapa, já tendo demonstrado expertise nas fases anteriores, é impedido de realizar a última prova por conta de um acidente de trânsito.
O Superior Tribunal de Justiça tem enfatizado o seguinte:
RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. PERDA DE UMA CHANCE. DESCUMPRIMENTO DE CONTRATO DE COLETA DE CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS DO CORDÃO UMBILICAL DO RECÉM NASCIDO. NÃO COMPARECIMENTO AO HOSPITAL. LEGITIMIDADE DA CRIANÇA PREJUDICADA. DANO EXTRAPATRIMONIAL CARACTERIZADO. 1. Demanda indenizatória movida contra empresa especializada em coleta e armazenagem de células tronco embrionárias, em face da falha na prestação de serviço caracterizada pela ausência de prepostos no momento do parto. 2. Legitimidade do recém nascido, pois "as crianças, mesmo da mais tenra idade, fazem jus à proteção irrestrita dos direitos da personalidade, entre os quais se inclui o direito à integralidade mental, assegurada a indenização pelo dano moral decorrente de sua violação" (REsp. 1.037.759/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/02/2010, DJe 05/03/2010). 3.
A teoria da perda de uma chance aplica-se quando o evento danoso acarreta para alguém a frustração da chance de obter um proveito determinado ou de evitar uma perda. 4. Não se exige a comprovação da existência do dano final, bastando prova da certeza da chance perdida, pois esta é o objeto de reparação
. 5. Caracterização de dano extrapatrimonial para criança que tem frustrada a chance de ter suas células embrionárias colhidas e armazenadas para, se for preciso, no futuro, fazer uso em tratamento de saúde. 6. Arbitramento de indenização pelo dano extrapatrimonial sofrido pela criança prejudicda. 7. Doutrina e jurisprudência acerca do tema. 8. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. ..EMEN: (RESP 201102672798, PAULO DE TARSO SANSEVERINO, STJ - TERCEIRA TURMA, DJE DATA:01/10/2014 ..DTPB:.)
(...) PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. PREJUÍZOS DECORRENTES DE DESAPROPRIAÇÃO. TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. REVISÃO DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. 1.
A jurisprudência desta Corte admite a responsabilidade civil e o consequente dever de reparação de possíveis prejuízos com fundamento na denominada teoria da perda de uma chance, "desde que séria e real a possibilidade de êxito, o que afasta qualquer reparação no caso de uma simples esperança subjetiva ou mera expectativa aleatória
" (REsp 614.266/MG, DJe de 2/8/2013). 2. Impossível rever a premissa fática fixada pelas instâncias ordinárias por demandar o reexame do acervo fático-probatório dos autos, a atrair o óbice da Súmula 7/STJ. 3. Agravo em recurso especial não provido. ..EMEN: (RESP 201202432776, ELIANA CALMON, STJ - SEGUNDA TURMA, REPDJE DATA:06/03/2014 DJE DATA:24/10/2013)
2.44. Respeito à boa-fé objetiva:
Deve-se ter em conta, ademais, o postulado da boa-fé objetiva, enquanto preceito que deve regular a relação entre os sujeitos, entre estes e o Poder Público, mesmo entre distintas unidades da Administração Pública.
Com efeito, "
ao impor sobre todos um dever de não se comportar de forma lesiva aos interesses e expectativas legítimas despertadas no outro, a tutela da confiança revela-se, em um plano axiológico-normativo, não apenas como principal integrante do conteúdo da boa-fé objetiva,
mas também como forte expressão da solidariedade social, e importante instrumento de reação ao voluntarismo e ao liberalismo ainda amalgamados no direito privado como um todo
."
(SCHREIBER, Anderson.
A proibição de comportamento contraditório:
tutela da confiança e
venire contra factum proprium.
Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 91).
Ademais,
"Os princípios da segurança jurídica e da boa-fé objetiva, bem como a vedação ao comportamento contraditório (venire contra factum proprium), impedem que a parte, após praticar ato em determinado sentido, venha a adotar comportamento posterior e contraditório."
(AGRESP 200802418505, ARNALDO ESTEVES LIMA, STJ - QUINTA TURMA, DJE DATA:29/03/2010).
Acrescento que
"
O Poder Público não é um poder irresponsável e arbitrário, ele se vincula e se limita pelos seus próprios atos
. Não se pode reservar o privilégio, que se resume na mais cínica das prerrogativas que se arrogava o poder absoluto, de surpreender a boa-fé dos que confiam na sua palavra ou nas suas promessas, violando aquela ou anulando essas, depois de haver conseguido, por causa de uma ou de outras, as prestações cuja execução havia sido feita na boa-fé, fundamental não só ao seu comércio jurídico, como à convivência moral, de que a ninguém é dado retirar a palavra empenhada ou desfazer a promessa mediante a qual obteve vantagem de outrem ou lhe causou ou infligiu sacrifício."
(CAMPOS,
Francisco
.
Direito administrativo.
vol. I. Livraria Freitas Bastos, 1958, p. 70-71)
O respeito à boa-fé objetiva corresponde a "
uma norma de conduta que impõe aos participantes de uma relação obrigacional um agir pautado pela lealdade, pela consideração dos interesses da contraparte. Indica, outrossim, um critério de interpretação dos negócios jurídicos e uma norma balizamento ao exercício de direitos subjetivos e poderes formativos."
(MARTINS-COSTA, Judith.
Comentários ao novo Código Civil.
RJ: Forense, 2005, p. 42).
Com as devidas adequações, essas regras também são oponíveis ao Estado. Nâo se pode reconhecer à Administração Pública a prerrogativa de surpreender os sujeitos, cobrando valores sem que lhes tenha comunicado anteriormente a causa dessa obrigaçã, ou modificando de inopino cláusulas contratuais.
"
Este Tribunal já decidiu que a frustração de expectativas legítimas criadas pelo poder público configura verdadeira afronta ao princípio da boa-fé objetiva, em seu postulado da proibição ao `venire contra factum proprium, que também deve ser respeitada pela Administração Pública
. Através da referida cláusula, vedam-se os comportamentos contraditórios que aviltam direitos e deveres previamente fixados entre as partes e quebram a relação de confiança que deveria prevalecer"
(TRF-1 - REOMS: 10056493420184013200, Relator: Desembargador Federal João Batista Moreira, Data de Julgamento: 06/07/2020, Sexta Turma, Data de Publicação: 07/07/2020).
2.45. Fundamentação da sentença anulada:
A sentença prolatada pela Justiça do Trabalho e que restou anulada por conta da incompetência absoluta veiculou o seguinte:
"Constata-se que nos autos 0000569-65.2017.5.09.0022 (fls. 23 /36) restaram deferidos apenas os pedidos de pagamento de horas extras e reflexos. Pelos Acórdãos de fls. fls. 37/81 e 82/96, denota-se que houve reforma da sentença para deferir o pagamento de diferenças salariais decorrentes da redução das vantagens pessoais, condenando-se a ré ao pagamento de diferenças e reflexos. Também restou reformada a sentença para determinar o pagamento do adicional de incorporação em razão do exercício da função gratificada por mais de dez anos, bem como sua incorporação definitiva à remuneração da autora, como reflexos nas demais parcelas, ante o nítido caráter salarial. Ainda, a reclamada foi condenada a pagar à reclamante a verba denominada “quebra de caixa”, durante o período imprescrito em que a autora exerceu a função de “caixa”, com reflexos nas demais verbas, ante sua natureza salarial. Nesse diapasão, julga-se procedente o pleito, para condenar a reclamada reparação do prejuízo causado pela não integralização na base de cálculo das contribuições a serem recolhidas pelo patrocinador e pelo participante, qual seja, o valor correspondente à reserva matemática que seria necessária para suportar o aumento do benefício pago pelo fundo de pensão em razão das verbas salariais deferidas pela Justiça do Trabalho."
Aludida decisão não pode ser transposta, sem mais, para a atual fase da demande, diante do alcance do art. 64, CPC. Nova sentença há de ser prolatada, não sendo o caso de se ratificar aludida decisão, mesmo tendo em conta o art. 64, §4, Código de Processo Civil.
2.46. Atualização monetária - considerações gerais:
No que toca à correção monetária, como sabido,
"Dívida em dinheiro é a que se representa pela moeda considerada em seu valor nominal, isto é, pelo importe econômico nela numericamente consignado. É aquela contraída em determinada moeda, e que deve ser adimplida pelo valor estampado na sua face, consistindo, assim, na mais acabada expressão do nominalismo."
(MARTINS-COSTA, Judith.
Comentários ao novo Código Civil.
Arts. 304-388. Vol. V. Tomo I. 2. ed. RJ: Forense, 2005, p. 251).
Uma nota promissória insuscetível de correção monetária retrataria, a bem da verdade, uma espécie de obrigação de entregar
quantum
certo, a despeito da sua efetiva capacidade aquisitiva. Mas não é o que ocorre com o adimplemento tardio, pela União Federal, de obrigações para com os servidores do povo lotados nos seus quadros.
Judith Martins-Costa enfatiza, todavia, que
"A expressão dívida de dinheiro não representa, pois, nem o valor material no qual expressa a unidade monetária, nem o valor de compra de produtos ou o valor de serviços, nem objetiva, nem subjetivamente. Ela é, simplesmente, a forma material de uma vinculação monetária, vinculação abstrata e, por isso, apta a comprar e a pagar tudo o que pode ser objeto de patrimônio. É este, diz El-Gamal, o segredo que lhe permite desempenhar as funções prodigiosas nas relações econômicas. Sendo assim, força é concluir que o dinheiro não tem um valor em si, e o que se chama de valor da moeda é o nível geral dos preços, dos produtos e dos serviços, o que não é matéria concernente ao sistema monetária, mas ao sistema econômico."
(MARTINS-COSTA.
Obra citada.
p. 252).
Ora, nas dívidas de valor (
Wertschuld
),
"a moeda não constitui o objeto da dívida. São débitos que visam assegurar ao credor um
quid
e não um
quantum,
uma situação patrimonial determinada e não um certo número de unidades monetárias. Assim, nas dívidas de valor, a quantia em dinheiro é apenas a representação ou tradução transitória, num determinado momento, do valor devido. Variando o poder aquisitivo da moeda, o valor necessário para alcançar a finalidade do débito sofre uma modificação no seu
quantum
monetário, impondo-se, pois, um reajustamento. Em conclusão: enquanto nas dívidas de dinheiro, o
quantum
é o único objeto do débito, nas dívidas de valor, a soma de dinheiro é a quantia correspondente, nas condições atuais, a determinar o poder aquisitivo que o devedor se obrigou a fornecer ao credor."
(WALD, Arnoldo. A teoria das dívidas de valor e as indenizações decorrentes de responsabilidade civil
in
Revista da Procuradoria do Estado do Rio de Janeiro.
Volume 23, 1970, p. 22).
Ademais, atente-se para o conteúdo da súmula 9 do eg. TRF4:
"Incide correção monetária sobre os valores pagos com atraso, na via administrativa, a título de vencimento, remuneração, provento, soldo, pensão ou benefício previdenciário, face à sua natureza alimentar. "
Semelhante é o conteúdo da súmula 38/2008 da AGU, datada de 16.09.2008:
"Incide a correção monetária sobre as parcelas em atraso não prescritas, relativas aos débitos de natureza alimentar, assim como aos benefícios previdenciários, desde o momento em que passaram a ser devidos, mesmo que em período anterior ao ajuizamento de ação judicial."
2.47. Fator de correção - IPCA-E:
Destaco que a correção monetária de eventual crédito da autora - questão a ser aferida em sentença - demandará a aplicação, em princípio, do IPCA-E, conforme
REsp n. 1.492.221/PR
, rel. Min. Mauro Campbell Marques.
O Tribunal consolidou o entendimento de que deve ser aplicado o IPCA-E como fator de correção monetária. A tanto converge o
tema 810, STF
.
"1) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária, aos quais devem ser aplicados os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito tributário, em respeito ao princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º, caput); quanto às condenações oriundas de relação jurídica não-tributária, a fixação dos juros moratórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta extensão, o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09; e 2)
O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a promover os fins a que se destina
." (tema 810 da jurisprudência do STF)
A medida também depende da delimitação de termos inicial e final de incidência do indexador.
2.48. Juros moratórios - considerações panorâmicas:
Ademais, ao contrário do que ocorre com juros remuneratórios e juros compensatórios, os juros moratórios destinam-se a reparar danos causados pela mora, como explicita Luiz Antônio Scavone Júnior:
"Como os juros moratórios decorrem da mora, mister se faz verificar brevemente alguns conceitos do instituto, necessários ao seu entendimento. Para a doutrina clássica, a mora era considerada apenas o retardamento culposo em pagar o que se deve e receber o que é devido: mora est dilatio culpa non carens debiti solvendi, vel credito accipiendi. Segundo Agostinho Alvim, a mora nada mais é do que o não pagamento culposo, bem como a recusa de receber no tempo, lugar eforma devidos.
De fato, no direito pátrio, o art. 955, Código Civil/1916, estabeleceu que se econtra em mora o devedor que não efetuar o pagamento e o credor que o não quiser receber no tempo, lugar e forma convencionados
(.... forma que a
lei
ou a convenção estabelecer, de acordo com o art. 394, Código Civil de 2002)."
(SCAVONE JR., Luiz Antônio.
Juros no direito brasileiro.
São Paulo: RT, 2003, p. 101-102)
Ainda segundo Scavone,
"A mora do devedor se dá pela imperfeição no cumprimento da obrigação, seja pelo retardamento culposo seja pela imperfeição que atinge o lugar ou a forma convencionados. Sendo assim, não só o pagamento ou o recebimento intempestivos configuram a mora, mas, igualmente, o pagamento ou o recebimento em outro lugar ou por outra fora, que não o contratados."
(SCAVONE.
Obra citada.
p. 98). Ou seja,
"
Os juros moratórios convencionais ou legais são aqueles que decorrem do descumprimento das obrigações e, mais frequentemente, do retardamento na restituição do capital ou do pagamento em dinheiro
."
(
Obra citada.
p. 95).
Note-se, por conseguinte, que os juros moratórios podem ser pactuadas, à semelhança do que ocorre com cláusulas penais. Não se cuidando de hipótese de cumprimento de avenças, pode-se cogitar também dos juros moratórios pré-fixados em lei, conforme art. 404, Código Civil.
Art. 404 -
As perdas e danos, nas obrigações de pagamento em dinheiro, serão pagas com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, abrangendo juros, custas e honorários de advogado, sem prejuízo da pena convencional
.
Parágrafo único. Provado que os
juros
da
mora
não cobrem o prejuízo, e não havendo pena convencional, pode o juiz conceder ao credor indenização suplementar.
Vê-se, portanto, que aludidos juros possuem possuem escopo indenizatório; por sinal, tem-se até mesmo reconhecido que os valores recebidos a tal título não chegaram a compor a base de cálculo do imposto de renda:
"TRIBUTÁRIO. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. IMPOSTO DE RENDA. PARCELAS RECEBIDAS POR FORÇA DE DECISÃO JUDICIAL. INCIDÊNCIA. REGIME DE COMPETÊNCIA. ART. 12 DA LEI Nº 7.713/88. JUROS MORATÓRIOS. CARÁTER INDENIZATÓRIO. O imposto de renda incidente sobre rendimentos pagos acumuladamente deve ser calculado com base nas tabelas e alíquotas vigentes à época a que se referiam tais rendimentos. Não são passíveis de incidência do imposto de renda os valores recebidos a título de juros de mora acrescidos às verbas definidas em ação judicial, por constituírem indenização pelo prejuízo resultante de um atraso culposo no pagamento de determinadas parcelas. (APELREEX 50089680920114047110, IVORI LUÍS DA SILVA SCHEFFER, TRF4 - PRIMEIRA TURMA, D.E. 14/08/2013.)"
Esse é um primeiro aspecto da questão. Por outro lado, convém atentar para a distinção entre mora
ex re
e mora
ex persona,
o que gravita em torno da necessidade de se constituir o devedor em mora, mediantes atos específicos de comunicação/notificação.
"A mora ex re se dá em razão de fato previsto em
lei
. Em consonância com o acatado, o art. 960 do Código Civil de 1916 e o art. 397 do Código Civil de 2002 determina que o inadimplemento de prestação positiva (dar ou fazer) e líquida (certa quanto à sua existência e determinada quanto ao seu objeto) - Código Civil de 1916, art. 1533, no seu termo, constitui de pleno direito em mora o devedor. Ou seja, havendo o dia de vencimento nessa espécie de obrigação (positiva e líquida), independentemente de qualquer atitude do credor, o devedor que não cumpre o avençado estará automaticamente constituído em mora, segundo a regra
dies interpellat pro homine.
No caso de obrigação negativa, também há mora ex re. Com efeito, a partir do momento em que o devedor da obrigação de não fazer pratica o ato que se obrigara a não praticar, estará em mora (Código Civil de 1916, art. 961 e art. 390 do CC/2002). Nesse caso, a mora confunde-se com o próprio inadimplemento absoluto.
Por outro lado, a mora ex persona configura-se na hipótese da necessária providência do credor. O art. 960, segunda parte, CC/1916 determinava que não havendo prazo assinado, começa ela (a mora) desde a interpelação ou notificação.
No código civil de 2002, de acordo com o art. 397, parágrafo único, não havendo termo, a mora se constitui mediante interpelação judicial ou extrajudicial. As obrigações ilíquidas também necessitam de providência do credor para a constituição do devedor em mora, nos termos do Código Civil de 2002, arts. 405 e 407
."
(SCAVONE JR., Luiz Antônio.
Juros no direito brasileiro.
São Paulo: RT, 2003, p. 101-102)
Por outro lado, a legislação estipula que os juros moratórios são devidos desde a data da citação, conforme se infere do art. 240, CPC/15, esposando a distinção entre juros moratórios convencionais (p.ex., art. 292, I, CPC) e os juros moratórios legais (art. 322, §1º, CPC). Quando se trata de repetição de indébito tributário, a lei fixa como termo inicial daincidência de juros moratórios a data do trânsito em julgado da sentença condenatória (art. 167, CTN), o que também ocorre quanto aos honorários sucumbenciais arbitrados em valores fixos, na sentença (art. 85, §16, CPC). Também deve ser destacado o alcance da súmula 54, STJ, quando preconiza que
"Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual",
o que abrange os pedidos de responsabilização civil por atos ilícitos, ao invés de simples cobrança de valores não adimplidos tempestivamente.
Devidos desde a citação, os juros moratórios devem ser arbitrados em 0,5% (meio por cento) ao mês, a despeito do disposto no art. 161, CTN c/ art. 406, CC/2002. O fato é que o art. 5º da
lei
n. 11.960/2009, ao alterar a
lei
n. 9.494/1997, determinou a aplicação dos juros aplicados à caderneta de poupança:
"Nas condenações impostas à Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, remuneração do capital e compensação da mora, haverá a incidência uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança."
Ao julgar as ADIns 4357 e 4425, a Suprema Corte apenas reputou inválido o arbitramento de tais juros - inferiores à disposição do Código Civil -, quando em causa a repetição do indébito tributário, o que não é a hipótese vertente. Ademais, aludido índice não chegou a ser impugnado expressamente na peça inicial (postulado dispositivo - art. 141, CPC). Também deve ser observado, portanto, no que toca à repetição do indébito, o limitador previsto no art. 12, II, da lei n. 8.177, de 1991, aplicável ao caso por força do art. 5º da lei n. 11.960/2009. Ou seja, a limitação atrelada à variação da SELIC no período.
No que toca ao período subsequente à publicação da EC 113/21, os juros moratórios revelam-se indevidos, eis que já compreendidos na variação da taxa SELIC, conforme entendimento jurisprudencial sobre o tema:
'13.
A correção monetária deve incidir sobre os valores pagos indevidamente desde a data do pagamento, sendo aplicável a UFIR (jan/92 a dez/95), e a partir de 01/01/96, deve ser computada somente a taxa SELIC, excluindo-se qualquer índice de correção monetária ou juros de mora (art. 39,§ 4º, da Lei nº 9.250/95)
. 14. No tocante à aplicação do art. 1º-F da Lei 9.494/97, com redação dada pela Lei n.º 11.960, de 29 de junho de 2009, não pode ser critério de atualização de tributos. Contudo, deve ser aplicado na atualização do valor relativo à condenação nos honorários advocatícios, posto que não possui natureza tributária.'
(APELREEX 50036379820104047201, JOEL ILAN PACIORNIK, TRF4 - 1, TURMA, D.E. 01/12/2011, omiti parte da ementa)
2.49. Juros moratórios - outras considerações:
Em análise não exaustiva, a legislação determinou a aplicação, aos processos judiciais envolvendo entidades da Fazenda Pública, de juros legais (juros moratórios) correspondentes aos
juros remuneratórios incidentes na caderneta de poupança
, conforme art. 1-F da lei 9.494/1997, com a redação veiculada pela lei n. 11.960/2009.
Como sabido, a caderneta de poupança é remunerada mediante a aplicação de juros de 0,5% (meio por cento) ao mês - de
modo composto
. Isso redunda em 6,17% ao ano, conforme pode ser conferido: juros anuais = ((1 + 0,5/100)
12
- 1) = 0,06167781186 ≈
6,17% ao ano
.
Além disso, na caderneta de poupança, também incide o limitador do
art. 12 da lei n. 8.177/1991
, como transcrevo abaixo:
"Art. 12. Em cada período de rendimento, os depósitos de poupança serão remunerados: I -
como remuneração básica, por taxa correspondente à acumulação das TRD, no período transcorrido entre o dia do último crédito de rendimento, inclusive, e o dia do crédito de rendimento, exclusive
; II - como remuneração adicional, por juros de: (Redação dada pela Lei n º 12.703, de 2012) a)
0,5% (cinco décimos por cento) ao mês, enquanto a meta da taxa Selic ao ano, definida pelo Banco Central do Brasil, for superior a 8,5% (oito inteiros e cinco décimos por cento); ou
(Redação dada pela Lei n º 12.703, de 2012) b)
70% (setenta por cento) da meta da taxa Selic ao ano, definida pelo Banco Central do Brasil, mensalizada, vigente na data de início do período de rendimento, nos demais casos
. (Redação dada pela Lei n º 12.703, de 2012) §1° A remuneração será calculada sobre o menor saldo apresentado em cada período de rendimento. §2° Para os efeitos do disposto neste artigo, considera-se período de rendimento: I -
para os depósitos de pessoas físicas e entidades sem fins lucrativos, o mês corrido, a partir da data de aniversário da conta de depósito de poupança
; II - para os demais depósitos, o trimestre corrido a partir da data de aniversário da conta de depósito de poupança.§ 3° A data de aniversário da conta de depósito de poupança será o dia do mês de sua abertura, considerando-se a data de aniversário das contas abertas nos dias 29, 30 e 31 como o dia 1° do mês seguinte. § 4° O crédito dos rendimentos será efetuado: I - mensalmente, na data de aniversário da conta, para os depósitos de pessoa física e de entidades sem fins lucrativos; e II - trimestralmente, na data de aniversário no último mês do trimestre, para os demais depósitos. O Banco Central do Brasil divulgará as taxas resultantes da aplicação do contido nas alíneas
a
e
b
do inciso II do caput deste artigo. (Incluído pela
Lei
n º 12.703, §5de 2012)
Art. 13. O disposto no artigo anterior aplica-se ao crédito de rendimento realizado a partir do mês de fevereiro de 1991, inclusive. Parágrafo único. Para o cálculo do rendimento a ser creditado no mês de fevereiro de 1991 - cadernetas mensais - e nos meses de fevereiro, março e abril - cadernetas trimestrais -, será utilizado um índice composto da variação do BTN Fiscal observado entre a data do último crédito de rendimentos, inclusive, e o dia 1° de fevereiro de 1991, e da TRD, a partir dessa data e até o dia do próximo crédito de rendimentos, exclusive."
Quanto em causa entidades submetidas ao regime de direito privado isso não ocorre, havendo controvérsia a respeito do indexadora plicável. Segundo o
enunciado 20
das Jornadas de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal a taxa de 1% ao mês, de modo linear e
pro rata die.
Há quem defenda, porém, a aplicação da taxa SELIC, como critério adequado - art. 406, CC/02.
Em muitos casos se revela aplicável a súmula 54, do Superior Tribunal de Justiça, no que toca à definição do termo inicial dos juros PORVENTURA devidos.
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. PROAGRO. INDENIZAÇÃO DANOS MORAIS E MATERIAIS. EXECUÇÃO. JUROS DE MORA. DISPOSITIVO EM DESCOMPASSO COM A FUNDAMENTAÇAO. ERRO MATERIAL PASSÍVEL DE CORREÇÃO A QUALQUER TEMPO. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO À COISA JULGADA. 1. Da leitura do inteiro teor do julgado verifica-se que o título executivo judicial determinou a incidência de juros de mora no percentual de 0,5% ao mês
desde a data do evento danoso (Súmula 54/STJ) até a entrada em vigor da Lei n. 10.406/2002
( Código Civil), pela taxa SELIC, até o advento da Lei n. 11.960/2009 e, a partir daí, remuneração básica aplicável às cadernetas de poupança, englobando juros e correção monetária. A informação constante do dispositivo do julgado guarda evidente erro material, que deve ser corrigido a qualquer tempo, para se prestigiar a vontade do julgador. 2. Diante de manifesto erro material constante do dispositivo do voto, prevalece a vontade expressa no voto proferido pelo relator e da ementa e acatado à unanimidade pelo órgão julgador. 3. Apelação provida. (TRF-1 - AC: 00372300420114013500, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS AUGUSTO PIRES BRANDÃO, Data de Julgamento: 03/04/2019, QUINTA TURMA, Data de Publicação: 22/04/2019)
Destaco ainda que os Tribunais têm entendido que a taxa SELIC, quando aplicada a título de juros moratórios, seria incompatível com a aplicação simultânea de índices de correção monetária, dado que aludido indexador já veicularia, a um só tempo, índices de correção e de juros.
2.50. Diligências probatórias - considerações gerais:
Em regra, o Poder Judiciário deve facultar às partes, observados os prazos de lei, a realização da mais ampla dilação probatória, desde que conexa o pedido e causa de pedir deduzidos nos autos.
Isso não significa, porém, que todo e qualquer pedido, lançado pelos contendores, deva ser automaticamente deferido. Ao contrário, as diligências destinadas a esclarecer fatos totalmente impertinentes com o
thema decidendum
não hão de ser realizadas, sob pena de converter o processo em um verdadeiro trabalho de Sísifo. Como sabido,
frusta probatur quod probantum non relevat.
Importa dizer: não se defere a realização de diligências destinadas a demonstrar fatos insuscetíveis de influenciar o resultado da demanda.
Esse é, por exemplo, o conteúdo do art. 464, §1º, do CPC. Reporto-me também ao art. 38, §2º, da Lei nº 9.784/99, que regula o processo administrativo:
"Somente poderão ser recusadas, mediante decisão fundamentada, as provas propostas pelos interessados quando sejam ilícitas, impertinentes, desnecessárias ou protelatórias."
Outro não é o conteúdo do art. 370, parágrafo único, CPC/15.
2.51. Inquirição de testemunhas - considerações gerais:
Eventual inquirição de testemunhas deve se dar com atenção ao limite do
art. 357, §6, CPC
(rito comum) ou limite do art. 34 da lei 9.099 (juizados especiais), contanto que não seja manifestamente impertinente à solução da demanda. A notificação das testemunhas deve se dar, como regra, por meio dos advogados das partes, na forma ditada pelo art. 455, CPC, exceção feita aos casos regrados pelo art. 455, §4, CPC.
2.52.
Tomada do depoimento pessoal
- considerações gerais:
No que toca ao depoimento pessoal, convém atentar para os arts. 385 e 386, CPC/15:
Art. 385.
Cabe à parte requerer o depoimento pessoal da outra parte, a fim de que esta seja interrogada na audiência de instrução e julgamento, sem prejuízo do poder do juiz de ordená-lo de ofício
. §1 Se a parte, pessoalmente intimada para prestar depoimento pessoal e
advertida da pena de confesso
, não comparecer ou, comparecendo, se recusar a depor, o juiz aplicar-lhe-á a pena. § 2
É vedado a quem ainda não depôs assistir ao interrogatório da outra parte. § 3
O depoimento pessoal da parte que residir em comarca, seção ou subseção judiciária diversa daquela onde tramita o processo poderá ser colhido por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, o que poderá ocorrer, inclusive, durante a realização da audiência de instrução e julgamento.
Art. 386.
Quando a parte, sem motivo justificado, deixar de responder ao que lhe for perguntado ou empregar evasivas, o juiz, apreciando as demais circunstâncias e os elementos de prova, declarará, na sentença, se houve recusa de depor.
Logo, a tomada do depoimento pessoal se destina à eventual obtenção da confissão da contraparte. E isso mitiga a aplicação do instituto, quando em causa entidades de Direito Público, por força da indisponibilidade do interesse público primário. Com efeito, reitero que, quanto a entidades de regime jurídico, sequer o decurso
in albis
do prazo para contestação enseja os efeitos inerentes à revelia, conforme se infere do art. 344, II, CPC/15).
Não desconheço a análise pontualmente distinta de Araken de Assis, quem afirma
"Não ser diferente o regime das pessoas jurídicas de direito público. Já se sustentou que semelhante depoimento traduziria providência juridicamente inadmissível, porque a indisponibilidade do objeto litigioso torna ineficaz a confissão dos órgãos das pessoas jurídicas de direito público. Na perspectiva aqui adotada, não se pode tomar os efeitos como causa. O depoimento pessoal serve a outros propósitos e, precipuamente, à formação da convicção do juiz. E, nesse sentido, as declarações desses órgãos são tão boas ou más como as de qualquer outra pessoa."
(ASSIS, Araken.
Processo civil brasileiro.
Volume III. Parte especial. São Paulo: RT. 2015. p. 515).
Anoto que prepostos apenas podem ser ouvidos, nessa condição, quando disponham de poderes suficientes para confessar em nome do banco. Nos demais casos, devem ser inquiridos como informantes ou testemunhas.
2.53. Complementação da documentação:
Como regra, incumbe à parte autora apresentar, com a petição inicial, os documentos em que ampara sua pretensão - art. 320, CPC. Os requeridos devem apresentar seus documentos junto com a resposta, na forma do art. 434, CPC.
Em princípio, documentos complementares apenas podem ser apresentados, em momentos posteriores a estas fases, quando de se tratar de meios probatórios novos - surgidos no curso da demanda -, ainda que destinados a comprovar fatos anteriores ao início do processo. Também podem ser anexados quando - a despeito de se cuidar de documentos antigos -, sua relevância para o processo apenas teria sido conhecida no curso do processo, a exemplo do que ocorre quando reportados por testemunhas e desconhecidos das partes até então. Também há os casos de fatos havidos no curso do processo, na forma do art. 493, CPC/15, e que podem/devem ser comprovados pelas partes, com lastro em documentos pertinentes, ainda que havidos em fases distintas daquelas indicadas no movimento 434, CPC/15.
2.54. Eventual diligências periciais:
Os exames técnicos estão previstos no art. 465, CPC, e dever promovidos sempre que deteterminada questão exija a apresentação de laudo técnico, a fim de aplicar o estado da arte científica para elucidação de determinados eventos. Em tais casos, não bastará a avaliação fundada na
doxa -
opinião comum -, exigindo-se a apresentação de elementos técnicos, devidamente concatenados entre si. Não raro, porém, o decurso do prazo inviabiliza certos exames periciais.
2.55. Situação em exame:
No caso em análise, as partes não requereram a promoção de diligências probatórias. Aparentemente, a solução da causa gravita em torno das consequência jurídicas dos fatos narrados na peça inicial. A controvérsia parece se estabelecer muito mais na valoração dos alegados eventos.
III - EM CONCLUSÃO
3.1. DESTACO que esta unidade jurisdicional é competente para o processo e julgamento desta demanda - art. 109, I, Constituição e art. 10, da lei n. 5.010/66. Em princípio, a causa submete-se ao rito dos Juizados.
3.2. ACRESCENTO que não diviso conexão dessa demanda com outras causas para julgamento conjunto, conforme art. 55, §1, Código de Processo Civil e leitura
a contrario sensu
da súmula 235, STJ.
3.3. ENFATIZO ainda que a presente demanda não viola a garantia do respeito à coisa julgada - art. 5, XXXVI, Constituição e art. 508, CPC - e tampouco incorre em litispendência, art. 337, §2, CPC. Nâo estão preenchidos os requisitos para a suspensão do processamento desta causa, o que registro com cognição precária sem prejuízo de eventual novo exame.
3.4. REGISTRO que as partes estão legitimadas para a demanda e que o requerente possui interesse processual - art. 17, CPC. Em princípio, não écaso de litisconsórcio necessário com a FUNCEF, diante da causa de pedir e do pedido deduzidos pela autora.
3.5. INTIME-SE a parte autora, contudo, para elucidar a forma como calculou o valor atribuído à causa, devendo retificar aludido montante, caso o conteúdo econômico da sua pretensão supere tal limite. Prazo de 15 dias úteis, contados da intimação.
3.6. ANOTO que a peça inicial foi apresentada de modo válido, devendo ser compreendida na forma do art 322, §2, CPC.
3.7. FACULTO manifestação à parte autora, de modo modo, quanto à eludicação do seu pedido. Registrei acima que, ao que se infere da peça inicial, ela almeja a condenação da CEF ao pagamento de indenização dos prejuízos que alegou ter suportado por conta da redução dos benefícios decorrntes do plano de aposentadoria complementar. Ela não deduziu pretensão à modificação do plano previdenciário pertinente. Prazo de 15 dias úteis, contados da intimação.
3.8. INTIME-SE a parte autora para que, querendo, se manifeste a respeito de eventual renúncia a alegados créditos que porventura ultrapassem o limite de alçada dos Juizados. Prazo de 15 dias úteis, contados da intimação.
3.9. INTIMEM-NA ainda para que comprove seus rendimentos mensais, para aferição se é o caso de manter o deferimento da gratuidade de justiça, conforme art. 100, CPC. Prazo de 15 dias úteis, contados da intimação.
3.10. REGISTRO que, em primeiro exame, aplica-se ao caso o prazo prescricional de 3 anos, na forma do art. 206, Código Civil. Aludido prazo haveria de ser computado da data da aposentação da autora, o que implica, em princípio, a prescrição da sua pretensão. Faculto manifestação às partes a respeito do tema, conforme lógica do art 10, CPC - prazo comum de 15 dias úties, contados da intimação.
3.11. ACRESCENTO que, caso se faça necessária a citação da FUNCEF, dever-se-á apreciar a cogitada prescrição da pretensão no que lhe toca, conforme lógica do art. 204, Código Civil, e dado que ao início da demanda não havia sido promovido pedido no que lhe toca.
3.12. REGISTRO que o instituto da decadência não se aplica ao caso, conforme fundamentação acima.
3.13. DISCORRI acima, com cognição precária, sobre os planos da FUNCEF e discorri sobre alguns critérios alusivos à responsabilização civil.
3.14. TRANSCREVI excerto da sentença anulada pelo TRT.
3.15. DISCORRI ainda sobre critérios de atualização, a serem examinados caso a pretensão da autora venha a ser total ou parcialmente acolhida. Aludido exame se dá de modo precário.
3.16. ENFATIZO que, no caso, as partes não postularam diligências probatórias.
3.17. INTIME-SE a CEf para que, querendo, se manifeste a respeito, tão logo a autora tenha tecido considerações a respeito dos tópicos acima ou se esgote o prazo para tanto fixado. Prazo para manifestação da CEf - 15 dias úteis, contados da intimação.
3.18. VOLTEM-ME conclusos para prolação de sentença, tão logo a CEF tenha se manifestado nos autos ou se esgote o praz para tanto fixado.
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