Processo nº 5037904-92.2025.4.04.7000
ID: 330358314
Tribunal: TRF4
Órgão: 7ª Vara Federal de Curitiba
Classe: MANDADO DE SEGURANçA CíVEL
Nº Processo: 5037904-92.2025.4.04.7000
Data de Disponibilização:
21/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
VALDINEI JOSE DE MATOS
OAB/PR XXXXXX
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MANDADO DE SEGURANÇA Nº 5037904-92.2025.4.04.7000/PR
IMPETRANTE
: PAULO RICARDO DE MATOS
ADVOGADO(A)
: VALDINEI JOSE DE MATOS (OAB PR093600)
DESPACHO/DECISÃO
I - RELATÓRIO
Em 12 de julho de 2025,
PA…
MANDADO DE SEGURANÇA Nº 5037904-92.2025.4.04.7000/PR
IMPETRANTE
: PAULO RICARDO DE MATOS
ADVOGADO(A)
: VALDINEI JOSE DE MATOS (OAB PR093600)
DESPACHO/DECISÃO
I - RELATÓRIO
Em 12 de julho de 2025,
PAULO RICARDO DE MATOS
impetrou o presente mandado de segurança, em face do CORONEL COMANDANTE DA ESCOLA DE SAÚDE E FORMAÇÃO COMPLEMENTAR DO EXÉRCITO, pretendendo a concessão da segurança, para que seja determinado à autoridade impetrada a promoção da sua inscrição, assegurando sua participação no Concurso de Admissão 2025 para Matrícula no Curso de Formação de Oficiais do Quadro Complementar.
O impetrante sustentou que "
no dia 18.06.2025, por volta das 9h00 da manhã quando o candidato ao tentar inscrever-se no concurso público publicado no site da Banca Vunesp, para concorrer a vaga de economia, o sistema o impediu por ter entendido que o candidato não teria na época os requisitos da idade, o candidato deve ter idade de no maximo 32 anos até 31 de dezembro de 2026, Fls. 38, oportuno lembrar que o candidato tem na presente data 31 anos de idade e supostamente teria mais de 32 anos em 31.12. 2026
".
Afirmou que "
o presente caso acima descrito viola direito líquido e certo do impetrante conforme descrito no artigo 1ª da Lei 12.016/2009, ou seja ao não permitir sua inscrição em Concurso Público, do Ministério do Exército Brasileiro, e art. 37 inc. I e II da CF/88, direito esse garantido no artigo 5ª inc. LXIX, da Constituição Federal de 1988
".
Argumentou que "
em que pese, tenha a Administração Pública, o poder discricionário de seus atos, nesse sentido deve respeitar os princípios da Legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade. Conforme descrito no artigo 37 da Constituição Federal de 1988. Devendo assegurar ao candidato, o direito de realizar sua inscrição no Concurso Público, edital publicado em 20.03.2025, pelo Ministério do Exército Brasileiro (Departamento de Educação e Cultura do Exército Diretoria de Educação Superior Militar), artigo 3ª da Lei 12.016/2009, primando assim pelo princípio da isonomia
".
Requereu a concessão da justiça gratuita e de tutela antecipada para que lhe seja permitido participar da prova agendada para o dia 20/07/2025. Detalhou o pleito seguinte:
"por tratar-se de direito líquido e certo, requer seja concedido Tutela de Urgência de forma liminar nos termos do artigo 300 do Código de Processo Civil e artigo 4ª da Lei 12.016/2009. para que possa o impetrante participar da prova a ser realizada na Data da prova (exame intelectual) dia 20.07.205."
Complementou a documentação no evento 8 e reiterou o pedido de antecipação de tutela no movimento 9.
II - FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Competência da Justiça Federal:
A Justiça Federal é competente para esta demanda, na medida em que se aplicam à hipótese o art. 109, VIII, da Constituição/88 e a leitura
a contrario sensu
do art. 102, I, "d"; art. 105, I, "b", art. 108, I, "c", e art. 114, IV, Constituição Federal/88, com art. 10 da lei n. 5.010/66
.
A impetração de mandado de segurança em face do Coronel Comandante da Escola de Saúde e Formação Complementar do Exército, deve ser processada e julgada perante a Justiça Federal de 1ª instância.
2.2. Considerações sobre a competência funcional:
Em princípio, no âmbito do mandado de segurança, a competência seria definida em função do local de atuação da autoridade impetrada:
"é correto afirmar que a competência no mandado de segurança é definida pela qualificação da autoridade (rationæ auctoritatis) com a função exercida na estrutura do Poder Público (rationæ muneris).
No mandado de segurança, a análise da competência exige o exame do plexo de competência atribuída à autoridade coatora, de tal forma que a primeira investigação deverá levar em consideração a esfera à qual está vinculada
."
(MEDINA, José Miguel Garcia; ARAÚJO, Fábio Caldas de.
Mandado de
segurança
individual e coletivo.
São Paulo: RT, 2009. p. 54).
A autoridade federal é definida no art. 2º da lei 12.016:
"Considerar-se-á federal a autoridade coatora se as consequências de ordem patrimonial do ato contra o qual se requer o mandado houverem de ser suportadas pela União ou entidade por ela controlada."
A respeito do tema, reporto-me à lição de Hely Lopes Meirelles:
"Ato de autoridade é toda manifestação ou omissão do Poder Público ou de seus delegados, no desempenho de suas funções ou a pretexto de exercê-las. Por autoridade entende-se a pessoa física investida de poder de decisão dentro da esfera de competência que lhe é atribuída pela norma legal. (...) Considera-se autoridade coatora a pessoa que ordena ou omite a prática do ato impugnado, e não o superior que o recomenda ou baixa normas para sua execução. (...) Coator é a autoridade superior que pratica ou ordena concreta e especificamente a execução ou inexecução do ato impugnado e responde pelas suas conseqüências administrativas. (...) Incabível é a segurança contra autoridade que não disponha de competência para corrigir a ilegalidade impugnada. A impetração deverá ser sempre dirigida contra a autoridade que tenha poderes e meios para praticar o ato ordenado pelo Judiciário."
(MEIRELLES, Hely Lopes.
Mandado de segurança.
18. ed. São Paulo: Malheiros, p. 31 e 54-55)
No dizer de Sérgio Ferraz,
"
Coator é aquele que desempenhou, por comissão ou omissão, a atividade impugnável. E, se foi ele quem assumiu a coação, a ele incumbirá desfazê-la. Em suma, a materialização do ato é que define a autoridade que se pode apontar como coatora.
"
(FERRAZ, Sérgio.
Mandado de segurança.
4. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 102). Como já preconizou o Superior Tribunal de Justiça,
"A legitimidade passiva no mandamus é fixada pela autoridade que tem poder de realizar o ato lesivo, na ação preventiva, ou aquele que pode desfazer o ato lesivo, na ação repressiva. In casu, o impetrado detém autoridade para fazer cessar a suposta ilegalidade."
(MS 200900372013, STJ - TERCEIRA SEÇÃO, DJE DATA:17/06/13).
Por outro lado, a identificação da sede funcional da autoridade impetrada fixaria o juízo competente para o processamento e julgamento do mandado de segurança, eis que
"A competência para julgar mandado de segurança define-se pela
categoria da autoridade coatora
e pela sua sede funcional"
. (MEIRELLES, Hely.
Mandado de segurança.
26. ed. SP: Malheiros, 2003, p.68).
2.3. Anterior entendimento do STJ sobre o tema:
Convém ter em conta que, por muito tempo, o Superior Tribunal de Justiça e os Tribunais Regionais aplicaram o entendimento de que o mandado de segurança se submeteria à competência absoluta, fixada a partir da identificação do
locus
de atuação da autoridade impetrada, consoante inúmeras decisões colegiadas, antes aludidas.
Por outro lado, reporto-me ao atilado voto do Des. Fed. Jhonsom Di Salvo, do eg. TRF3, ao versar sobre a questão da competência para julgamento de mandado de segurança, no âmbito da
apelação cível n. 0010895-09.2015.403.6100/SP
, DJE de 05.10.2016.
"(...) Sendo apontados no polo passivo o Conselho Superior da Defensoria Pública da União, órgão sediado em Brasília-DF, seria competente para processar e julgar a causa a Justiça Federal localizada no Distrito Federal. Porém, o impetrante e a Procuradoria Regional da República entendem pela aplicação do art. 109, § 2º, da CF em sede mandamental, permitindo a impetração junto à Justiça Federal com jurisdição no domicílio do impetrante - no caso, a cidade de São Paulo (fls. 13).
O STF assim já se posicionou, em decisão não vinculante, sob o fundamento de que: a regra geral prevista no art. 109 da CF não faria distinção quanto à espécie de ações sobre a qual incidirá; a opção pela seção do domicílio do autor conferiria
paridade de armas
às partes; e essa opção não representa prejuízos à União, ente sobre o qual recairiam as repercussões financeiras eventualmente suportadas com o resultado do processo. Confira-se:
CONSTITUCIONAL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. JURISDIÇÃO E COMPETÊNCIA. MANDADO DE SEGURANÇA. UNIÃO. FORO DE DOMICILIO DO AUTOR. APLICAÇÃO DO ART. 109, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal está pacificada no sentido de que as causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou, ainda, no Distrito Federal. 2. Agravo regimental improvido. (RE 509442 AgR / PE / STF - SEGUNDA TURMA / MIN. ELLEN GRACIE / 03.08.10)
A Terceira Turma deste Tribunal teve oportunidade de apreciar o tema recentemente, decidindo, por maioria de votos, pela possibilidade de aplicação do art. 109, § 2º, da CF também no mandado de segurança, ressaltando decisão do STF pela extensão da norma às autarquias federais (RE 627.709); no ensejo o polo passivo da causa era ocupado por autoridade vinculada à ANATEL. Segue a ementa:
AGRAVO DE INSTRUMENTO - MANDADO DE SEGURANÇA - ART. 109, § 2º, CF - DOMICÍLIO DO AUTOR - NÚCLEO REGIONAL DE ATENDIMENTO - RECURSO PROVIDO. 1. O Supremo Tribunal Federal decidiu, nos autos do RE 627709 / DF, repercussão geral, de Relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski, publicado em 29/10/2014,que a regra disposta no art. 109, § 2º, CF aplica-se também às autarquias federais. 2. O entendimento contrário impede que se conduzam as aspirações de realização da democrática interiorização da Justiça Federal, amparada pelo artigo 110 da Constituição Federal. 3. A aplicação ao caso do disposto no artigo 100, IV, a, do Código de Processo Civil, vem a ferir os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade das leis, por implicar sacrifício maior e desnecessário a quem pretende exercer o direito constitucionalmente amparado de acesso à jurisdição, haja vista os custos e sacrifícios desproporcionais à agravante, decorrentes do deslocamento do processo para a capital federal, ao passo que não vislumbro maiores prejuízos à ANATEL em tramitar o feito perante Juízo da Subseção Judiciária de São Paulo-SP. 4.A existência de núcleo regional de atendimento não é óbice à fixação da competência territorial, visto que é equiparado à agência ou sucursal e a criação de tais órgãos visa à melhor consecução do interesse público de forma descentralizada. 5. Agravo de instrumento provido. (2014.03.00.009076-9/SP / TRF3 - TERCEIRA TURMA / DES. FED. NERY JÚNIOR / D.E. 11.03.2015)
Nesse ponto, porém, corroboro declaração de voto em contrário exarada pelo Des. Fed. Carlos Muta, refutando a abrangência da aludida norma ao mandado de segurança, por se tratar de ação cuja competência é fixada pela sede funcional da autoridade impetrada, de caráter personalíssimo e absoluto, não admitindo a opção prevista no art. 109, § 2º, da CF. Em seu voto, o eminente colega refutou ainda o julgado do STF apontado como parâmetro, visto que o acórdão da Suprema Corte não cuidou das especificidades da via mandamental.
Com efeito, a norma constitucional em tela tem por objeto as causas onde a União Federal figura no polo passivo da demanda, situação muito diversa da apresentada em sede de
mandamus
, onde se exige a identificação da autoridade que praticou o ato impugnado ou daquela que ostenta poderes para decidir pela execução do ato, tudo nos termos da Lei 12.016/09.
A regra de competência a partir da sede funcional prestigia a imediatidade do juízo com a autoridade apontada como coatora, oportunizando a prestação de informações de forma mais célere e acurada pelo impetrado, pois em sede de
mandamus
o que se perscruta é um ato específico que a autoridade responsável por ele tem todo o direito de defender; essa situação do impetrado não se confunde com a posição da pessoa jurídica de direito público interno a que pertence, a qual no
mandamus
ostenta relação meramente institucional com a situação posta nos autos; não pode passar despercebido o caráter personalíssimo que - em sede de mandado de segurança - envolve as partes iniciais da causa.
De um lado deve estar aquele que é diretamente atingido pelas consequências materiais do ato ou da conduta discutida; de outro lado deve estar justamente aquele que, no plano jurídico, é o responsável pelo ato (praticando-o ou ordenando-o, conforme o texto do art. 6º, § 3º, LMS) e que pode desfazer as suas consequências. Nisso reside o caráter personalíssimo próprio do mandado de segurança, e por isso não se pode substituir o ajuizamento do
writ
no Juízo da sede da autoridade dita coatora, pelo Juízo federal do domicílio do impetrante. É escolha do legislador prestigiar - em matéria competencial para o
mandamus
- a sede da autoridade dita coatora, o que se justifica diante da presunção
iuris tantum
de legalidade e veracidade dos atos da "administração".
Essa é a posição tradicional do STJ, conforme precedentes em: CC 18.894/RN, Rel. Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 28/05/1997, DJ 23/06/1997, p. 29033 - CC 41.579/RJ, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 14/09/2005, DJ 24/10/2005, p. 156 - CC 60.560/DF, Rel. Ministra ELIANA CALMON, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 13/12/2006, DJ 12/02/2007, p. 218 - CC 48.490/DF, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 09/04/2008, DJe 19/05/2008 - REsp 1101738/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 19/03/2009, DJe 06/04/2009 - AgRg no REsp 1078875/RS, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 03/08/2010, DJe 27/08/2010 - AgRg no AREsp 253.007/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/12/2012, DJe 12/12/2012.
Atente-se para o fato de que a regra de competência territorial funcional é aplicada de forma
temperada
pela jurisprudência, quando é presente no âmbito de competência do Juízo uma repartição ou um órgão correlato com as atribuições do impetrado (AI 00153626620134030000 / TRF3 - TERCEIRA TURMA / DES. FED. NERY JÚNIOR / e-DJF3 Judicial 1 DATA:14/02/2014, AMS 2000.38.00.037252-3 / TRF1 - 6ª TURMA SUPLEMENTAR / JUIZ FED. ANDRÉ PRADO DE VASCONCELOS / e-DJF1 DATA:08/06/2011, CC 00263898520094030000 / TRF3 - SEGUNDA SEÇÃO / DES. FED. MÁRCIO MORAES / e-DJF3 Judicial 1 DATA:24/03/2011). Porém, a situação aqui não se faz presente, pois o Conselho Superior da Defensoria Pública da União desenvolve-se em órgão único e de atribuições exclusivas, consoante disposto em seu Regimento Interno." (TRF3 0 apelação cível n. 0010895-09.2015.403.6100/SP, DJE de 05.10.2016)
Segundo essa análise, sempre que houver efetivo litisconsórcio passivo necessário, de modo que a pretensão deva ser endereçada a distintas autoridades, com atuação em distintas regiões, o
mandamus
pode ser impetrado perante o juízo com competência para quaisquer dessas localidades, como ilustram os julgados abaixo:
"Havendo uma unica autoridade coatora, o ajuizamento de mandado de segurança devera ser efetuado na jurisdição de sua sede. 2 -
Ocorrendo, entretanto, a existência de mais de uma autoridade coatora no polo passivo da demanda, facultado esta o impetrante do 'writ' para ajuizar a ação em qualquer dos juizos das sedes das respectivas autoridades coatoras
. 3 - Inteligência da sumula 63 do ee. TFR 4 - Despacho singular mantido. 5 - agravo improvido."
(AG 9005075708, Desembargador Federal Jose Delgado, TRF5 - Segunda Turma, DJ - Data::08/03/1991 - Página::4111.)
Ademais, "
O mandado de segurança ataca dois atos distintos praticados por duas autoridades coatoras: a cobrança de multa pela Delegacia da Receita Federal; e a não inclusão de tal crédito tributário no REFIS. - É certo que o Delegado da Receita Federal não tem poderes para incluir multa não consolidada no Programa de Recuperação Fiscal. Entretanto, tal pedido foi acertadamente direcionado ao Presidente do Comitê Gestor do REFIS. -
O Delegado da Receita Federal tem legitimidade para responder o mandado de segurança na medida em que é dele a competência para cobrar a multa não abarcada pelo REFIS. - Havendo mais de uma autoridade coatora, o mandado de segurança pode ser ajuizado na sede de qualquer uma delas
."
(AG 200204010106830, VILSON DARÓS, TRF4 - SEGUNDA TURMA, DJ 11/06/2003 PÁGINA: 582.)
Nesse mesmo sentido: "
Indicada duas autoridades coatoras, compete a qualquer dos Juízos Federias a análise meritória, cabendo analisar a lide frente as duas autoridades apontadas como coatoras
. 2. Incabível a extinção da lide por ilegitimidade frente a uma das autoridades, sem análise da lide quanto a outra autoridade coatora. 3. Anulação de ofício da sentença, prejudicada apelação do impetrante, para determinar que o julgador monocrático analise a integralidade da lide aventada." (AMS 200071100032830, MARCOS ROBERTO ARAUJO DOS SANTOS, TRF4 - QUINTA TURMA, DJ 13/03/2002 PÁGINA: 1057.) Acrescento:
"cabível a interposição de agravo de instrumento contra decisão que, em mandado de segurança, declina a competência. 2.
havendo duas autoridades apontadas como coatoras, e competente o juízo da sede de qualquer delas. 3. incabível, sem provocação das partes, alterar-se competência relativa
. 4. agravo provido."
(AG 9204359250, TEORI ALBINO ZAVASCKI, TRF4 - SEGUNDA TURMA, DJ 14/04/1993 PÁGINA: 12651.)
Menciono também o seguinte julgado:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. CUMULAÇÃO DE CARGOS PÚBLICOS. ILEGITIMIDADE PASSIVA DE DUAS AUTORIDADES COATORAS. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL DE SERGIPE. PEDIDO DE REDUÇÃO DE CARGA HORÁRIA DE UM DOS CARGOS JÁ FORMULADO ADMINISTRATIVAMENTE. BOA-FÉ DO SERVIDOR.1. Na hipótese dos autos, apenas o Coordenador-geral de Recursos Humanos em Brasília/DF e a responsável pelo Núcleo de Recursos Humanos em Sergipe podem ser considerados como autoridades coatoras, afinal, é dos dois, como responsáveis pelo setor de Recursos Humanos do IBAMA, que emanam a ordem para a prática do ato impugnado, tendo legitimidade, inclusive, para corrigir supostas ilegalidades apontadas.2.
Havendo duas ou mais autoridades coatoras, o mandado de segurança por ser ajuizado na sede de qualquer delas
, devendo ser afastada, portanto, a tese de incompetência da Justiça Federal de Sergipe.3. Passados mais de cinco anos de efetivo exercício legal de cargos cumulados, sem qualquer registro de comprometimento da qualidade dos serviços prestados, o servidor, agindo de boa-fé, buscou atender a solicitação do IBAMA, feita através do Parecer nº350-2011/SELEN/CGREH/DIPLAN/IBAMA. Tanto é assim que pediu, administrativamente, a redução de sua carga horária de professor perante a Secretaria de Educação do Estado.4. Ao longo dos três primeiros anos em que o servidor se encontra investido no cargo público, faz, obrigatoriamente, avaliação especial de seu desempenho, por se tratar de condição para que este venha a adquirir estabilidade no serviço público (art. 41,parágrafo 4º, da Constituição Federal), sendo correto afirmar, pois, que o sistema jurídico já disponibiliza mecanismos concretos para que se possa aferir a aptidão e capacidade do servidor ao exercício das funções do cargo público que ocupa.5. In casu, não pode a Administração impor ao impetrante que apresente nova declaração da Secretaria de Educação do Estado de Sergipe de que já se encontra em regime de 20 horas semanais, nem exigir a opção por uma dos cargos públicos que ocupa.6. Remessa oficial parcialmente provida, apenas para reconhecer a ilegitimidade passiva do Técnico administrativo e da Analista administrativa que elaboraram o ato impugnado, em estrita obediência a comando exarado por outrem. (REO 00036579620114058500, Desembargador Federal Francisco Cavalcanti, TRF5 - Primeira Turma, DJE - Data::27/07/2012 - Página::76.)
2.4. Aplicação do art. 109, §2º, CF - mandado de segurança:
Gradualmente, porém, os Tribunais passaram a aplicar a norma do
art. 109, §2º, CF, ao rito do mandado de segurança
, como evidenciam os julgados abaixo:
CONSTITUCIONAL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. JURISDIÇÃO E COMPETÊNCIA.
MANDADO DE SEGURANÇA
. UNIÃO. FORO DE DOMICILIO DO AUTOR. APLICAÇÃO DO ART. 109, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal está pacificada no sentido de que as causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou, ainda, no Distrito Federal
. 2. Agravo regimental improvido. (RE 509.442 Agr/PE, Rel. Ministra Ellen Gracie, Segunda Turma, DJe-154 Divulg 19-08-2010 Public 20-08-2010)
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TEMA 374 DA REPERCUSSÃO GERAL. COMPETÊNCIA. MANDADO DE SEGURANÇA. ART. 109, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO. SEÇÃO JUDICIÁRIA DO DOMICÍLIO DO AUTOR. AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. I – O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Tema 374 da Repercussão Geral ( RE 627.709/DF, de minha relatoria), privilegiou o acesso à justiça na interpretação do art. 109, § 2º, da Constituição, ao aplicar a faculdade nele prevista também às autarquias federais. II
A faculdade prevista no art. 109, § 2º, da Constituição deve ser aplicada inclusive em casos de impetração de mandado de segurança, possibilitando-se o ajuizamento na Seção Judiciária do domicílio do autor, a fim de tornar amplo o acesso à justiça
. III – Agravo regimental a que se nega provimento.(STF - AgR RE: 736971 RS - RIO GRANDE DO SUL, Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 04/05/2020, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-118 13-05-2020)
Em sentido semelhante, atente-se para a decisão monocrática da insigne Min. Assusete Magalhães, do Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar o Conflito de Competência n. 149.778/DF:
"(...)
O art. 109, § 2º, da Constituição Federal dispõe: As causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou, ainda, no Distrito Federal
.
Da interpretação desse artigo, extrai-se a ausência de qualquer tipo de restrição no que concerne à opção conferida ao autor, que, por isso, é o juiz de sua conveniência para exercê-la, limitadas, apenas, às opções estabelecidas pelo próprio texto constitucional. Nesse ponto, constata-se que as causas intentadas contra a União poderão, de acordo com a opção do autor, ser aforadas perante os juízos indicados no art. 109, § 2º, da Lei Maior.
O ordenamento constitucional, neste aspecto, objetiva facilitar o acesso ao Poder Judiciário da parte quando litiga contra a União. Assim sendo, uma vez que o art. 109, § 2º da CF elenca foros nos quais a ação pode ser ajuizada, cabendo ao autor da ação escolher o foro em que irá propor a demanda, é legítima a opção da parte autora de que o feito ajuizado seja processado no foro de seu domicílio. Vale destacar que o texto não faz distinção entre o tipo de ação para a aplicação dessa regra
. Nesse sentido não há que se falar em necessidade de correlação entre a opção do autor e a natureza da ação proposta. Nesse contexto, a competência para o julgamento da causa é do juízo federal localizado no domicílio do impetrante do mandado de segurança." (STJ, CC 149.778/DF, rel. Min. Assusete Magalhães, disponível no site do tribunal).
Ainda nesse rastro, atente-se para os precedentes:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. MANDADO DE SEGURANÇA. ART. 109, § 2º, CF. AJUIZAMENTO NO DOMICÍLIO DA IMPETRANTE. POSSIBILIDADE. CASO EM QUE DE TODO MODO SÃO APONTADAS DUAS AUTORIDADES COATORAS COM DOMICÍLIOS DIVERSOS, ENSEJANDO A POSSIBILIDADE DE ESCOLHA. RECURSO PROVIDO. 1.
Nos termos de julgados recentes do Superior Tribunal de Justiça, o art. 109, §2º, da Constituição também se aplica no writ, conforme já decidido pelo Supremo Tribunal Federal, no RE 509442 (Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 03/08/2010, DJe-154 DIVULG 19-08-2010 PUBLIC 20-08-2010 EMENT VOL-02411-05 PP-01046 RT v. 99, n. 901, 2010, p. 142-144), de modo que não pode prosperar a decisão agravada que extinguiu o mandado de segurança quanto à autoridade cuja sede era em local diferente do Juízo a quo
. 2. No caso dos autos, há ainda circunstância de que são duas as autoridades coatoras indicadas pela impetrante, com domicílios distintos, razão pela qual a parte impetrante poderia realizar a escolha de qualquer forma (STJ - CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 143.836 - DF, 2015/0272592-6, RELATOR : MINISTRO HUMBERTO MARTINS, 09/12/2015). 3. O Juízo a quo deverá analisar o pedido liminar levando em conta a integralidade dos fatos e fundamentos arguidos pela impetrante, em relação às duas autoridades coatoras. 4. Agravo provido.
(AI 00157280320164030000, JUÍZA CONVOCADA ELIANA MARCELO, TRF3 - TERCEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:03/02/2017)
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TEMA 374 DA REPERCUSSÃO GERAL. COMPETÊNCIA. MANDADO DE SEGURANÇA. ART. 109, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO. SEÇÃO JUDICIÁRIA DO DOMICÍLIO DO AUTOR. AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. I – O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Tema 374 da Repercussão Geral ( RE 627.709/DF, de minha relatoria), privilegiou o acesso à justiça na interpretação do art. 109, § 2º, da Constituição, ao aplicar a faculdade nele prevista também às autarquias federais. II
A faculdade prevista no art. 109, § 2º, da Constituição deve ser aplicada inclusive em casos de impetração de mandado de segurança, possibilitando-se o ajuizamento na Seção Judiciária do domicílio do autor, a fim de tornar amplo o acesso à justiça. III – Agravo regimental a que se nega provimento.
(STF - AgR RE: 736971 RS - RIO GRANDE DO SUL, Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 04/05/2020, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-118 13-05-2020)
Por sinal, os Tribunais têm aplicado o art. 109, §2º, CF, também quando em causa demanda em face de autarquias federais:
CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA. CAUSAS AJUIZADAS CONTRA A UNIÃO. ART. 109, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CRITÉRIO DE FIXAÇÃO DO FORO COMPETENTE. APLICABILIDADE ÀS AUTARQUIAS FEDERAIS, INCLUSIVE AO CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA - CADE. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. I -
A faculdade atribuída ao autor quanto à escolha do foro competente entre os indicados no art. 109, § 2º, da Constituição Federal para julgar as ações propostas contra a União tem por escopo facilitar o acesso ao Poder Judiciário àqueles que se encontram afastados das sedes das autarquias. II – Em situação semelhante à da União, as autarquias federais possuem representação em todo o território nacional. III - As autarquias federais gozam, de maneira geral, dos mesmos privilégios e vantagens processuais concedidos ao ente político a que pertencem
. IV - A pretendida fixação do foro competente com base no art. 100, IV, a, do CPC nas ações propostas contra as autarquias federais resultaria na concessão de vantagem processual não estabelecida para a União, ente maior, que possui foro privilegiado limitado pelo referido dispositivo constitucional. V - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem decidido pela incidência do disposto no art. 109, § 2º, da Constituição Federal às autarquias federais. Precedentes. VI - Recurso extraordinário conhecido e improvido.
(RE 627709, RICARDO LEWANDOWSKI, STF.)
Nesse mesmo sentido, convergem os julgados: RE 499.093-AgR-segundo/PR e AI 793.409/RS, rel. Min. Ricardo Lewandowski; RE 234.059/AL, Rel. Min. Menezes Direito; RE 484.235-AgR/MG, Rel. Min. Ellen Gracie; RE 488.704/RJ, RE 527.498/SC e RE 603.311/RS, Rel. Min. Marco Aurélio; RE 590.649/RJ, RE 474.691/SC e RE 491.331/SC, Rel. Min. Cármen Lúcia; RE 474.825/PR, Rel. Min. Dias Toffoli.
NO PRESENTE CASO, o impetrante endereçou sua pretensão ao Comandante da Escola de Saúde e Formação Complementar do Exército, com atuação em Salvador/BA, e declarou ser domiciliado em Curitiba/PR, razão pela qual revela-se adequada a distribuição do presente mandado de segurança perante esta Subseção Judiciária Federal, em razão da aplicação da norma do art. 109, §2º, CF/88.
2.5. Competência desta unidade jurisdicional:
Por outro lado, a causa restou submetida ao presente Juízo Substituto da 7.VF mediante sorteio, o que atendeu à garantia do Juízo Natural, na forma do
art. 5, LIII, Constituição de 1988
. Atuo nesse processo em regime de substituição, por conta das férias regulamentares e convocação dos magistrados desta unidade.
2.6. Eventual
conexão
processual:
No presente caso, não diviso situação de conexão que enseje a reunião desta demanda com algum outro processo para solução conjunta, na forma do
art. 55, §1, CPC/15
e leitura
a contrario sensu
da
súmula 235, STJ
.
2.7.
Singularidade
da demanda:
Não há indicativos de que esta demanda seja reiteração de alguma outra, porventura já julgada, com sentença transitada em julgado. Como sabido, a coisa julgada é assegurada constitucionalmente, na forma do art. 5º, XXXVI, Lei Maior, enquanto projeção da garantia da segurança jurídica. Eventual sentença transitada em julgada em regra não pode ser alterada pelo Juízo e tampouco pela parte atingida, salvo eventual celebração de acordo com a parte reconhecida como credora na decisão, quando em causa interesses disponíveis (lógica, por exemplo, do art. 190, CPC).
Desse modo, a sentença transitada em julgado não pode ser alterada ou desconsiderada pelo Juízo, conforme lógica do art. 508, CPC/15. Tal alteração apenas seria admissível em casos de negócio processual, avençado entre as partes, versando sobre pretensões disponíveis, conforme art. 190, CPC/15. Também seria cabível em hipótese de ação rescisória, interposta perante o Tribunal competente e com atenção ao prazo do art. 975, CPC/15; em caso de
querela nullitatis insanabilis
ou de declaração, pela Suprema Corte, da inconstitucionalidade de norma tomada como fundamento para prolação da sentença (art. 535, §4º, CPC). No caso, de todo modo,
não há indicativos de desconsideração à coisa julgada
, por conta do processo em exame.
Ademais, tampouco há sinais de litispendência, o que pressupõe - conforme
art. 337, §2º, CPC/15
- identidade de partes, pedido, causa de pedir. No momento, atentando-se para a presente causa, não vislumbrei sinais de violação ao
ne bis in idem.
Ressalvo nova análise, caso aportem aos autos elementos que infirmem essa análise.
2.8. Eventual suspensão da demanda:
Não estão preenchidos os requisitos para eventual suspensão da demanda, na forma do art. 313, Código de Processo Civil. Não há sinais de alguma questão prejudicial a condicionar a solução deste mandado de segurança.
2.9.
Pertinência subjetiva do(a) impetrante:
O(a) impetrante deduziu pretensão em nome próprio, quanto a interesses próprios, não esbarrando na vedação do art. 18, CPC, dado que pretende sua inscrição e participação no concurso de admissão 2025 para matrícula no curso de formação de oficiais do quadro complementar.
2.10. Legitimidade da autoridade impetrada:
Repiso que, nos termos do
art. 2º. da lei n. 12.016/2009
,
"Considerar-se-á federal a autoridade coatora se as consequências de ordem patrimonial do ato contra o qual se requer o mandado houverem de ser suportadas pela União ou entidade por ela controlada."
No caso em análise, a autoridade demandada está legitimada para o presente mandado de segurança
, por dispor de atribuições suficientes para cumprir eventual decisão judicial quanto à inscrição e participação do impetrante no Concurso Público.
2.11. Intimação da União Federal:
A União há de ser intimada a respeito da deflagração deste mandado de segurança, na forma ditada pelo art. 7º, II, da lei n. 12.016/2009.
2.12. Eventual litisconsórcio necessário:
No presente caso, não diviso um contexto que imponha a convocação de terceiros para comporem a relação processual. Eventual concessão da segurança não atingirá diretamente quem não figura como parte na demanda. Assim, tendo em conta o alcance dos arts. 114, 115, 506, CPC, não parece ser o caso de litisconsórcio necessário.
2.13. Interesse
processual
- caso em exame:
O impetrante possui interesse no processo e julgamento deste mandado de segurança, não sendo exigido o esgotamento do debate no âmbito extrajudicial. O ingresso em Juízo é direito fundamental, consagrado pelo art. 5, XXXV, Constituição/88. A lógica do tema 350, STF, não se aplica ao caso, eis que não se debatem nessa demanda prestações previdenciárias.
Caso sua pretensão venha a ser acolhida, em sentença transitada em julgado, a medida lhe será útil, lhe assegurando-lhe a participação no Concurso Público. O meio processual empregado para aludido debate revela-se adequado, como destaco na sequência. Logo, o trinômio necessidade, utilidade e adequação restou satisfeito no caso em exame, em primeira análise.
2.14. Atribuição de valor à causa:
No caso, há uma compreensível dificuldade de se apreciar o conteúdo econômico da demanda. O impetrante deseja obter sua inscrição e participação em Concurso Público, inexistindo proveito econômico diretamente decorrente de sua efetivação. Em princípio, nesse momento não há como estipular um valor diferente daquele apresentado pela impetrante (R$ 1.000,00).
Por ora, acolho a atribuição de valor à causa, sem prejuízo de eventual reexame em sentença.
2.15. Gratuidade de Justiça:
Defiro ao impetrante a gratuidade de Justiça, com o fim de exonerá-lo - ao menos por ora - da obrigação de recolher custas judiciais, com força no art. 99, §2, CPC. Destaco, de todo modo, que a medida surta reduzidos efeitos no âmbito do mandado de segurança, por força da exoneração de honorários sucumbenciais, na forma do art. 25 da lei n. 12.016/2009, súmulas 512, STF e 105, STJ, normas não ab-rogadas pelo CPC/15 - arts. 82 e 85 -, diante do preceito do art. 2º, §2º, do decreto-lei 4.657/1942.
2.16. Limites do processamento do mandado de segurança:
O mandado de segurança não viabiliza a realização de dilações probatórias no seu curso. Daí que ele demanda a apresentação, pelo impetrante, de prova pré-constituída, já com a peça inicial. Como diz Sérgio Ferraz, um direito é líquido quando
"
se apresenta com alto grau, em tese, de plausibilidade de seu reconhecimento; e certo aquele que se oferece configurado preferencialmente de plano, documentalmente, sem recurso a dilações probatórias
."
(FERRAZ, Sérgio.
Mandado de
segurança
.
São Paulo: Malheiros, 2006, p. 34).
Em outras palavras,
"Direito líquido e certo é direito comprovado de plano. Se depender de comprovação posterior, não é líquido nem certo, para fins de mandado de segurança. Evidentemente, o conceito de liquidez e certeza adotado pelo legislador do mandado de segurança não é o mesmo do legislador civil (CC, art. 1533). É um conceito impróprio - e mal-expresso - alusivo à precisão e comprovação do direito quando deveria aludir à precisão e comprovação dos fatos e situações que ensejam o exercício desse direito."
(MEIRELES, Hely Lopes.
Mandado de
segurança
.
24. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 36).
Como já anotou o ministro Adhemar Ferreira Maciel, "
A essência do mandado de segurança está em ser ele um processo de documentos (Urkundenprozess), exigindo prova pré-constituída
. Quem não prova de modo insofismável com documentos o que deduz na inicial não tem a condição especial da ação de mandado de segurança. Logo, o julgador não tem como chegar ao mérito do pedido e deve extinguir o processo por carência de ação."
(STJ, RMS n. 4.258-8, DJU de 19.12.1994, p. 35.332).
Isso significa que a condição indispensável para
"o socorro da via excepcional do mandado de segurança é, a par da demonstração do direito líquido e certo, a abusividade ou ilegalidade do ato alvejado ou em perspectiva de ser desfechado, mas isso em instrução prévia e indiscutível."
(FERRAZ, Sérgio.
Obra citada.
p. 46).
Segundo José Miguel Garcia Medina e Fábio Caldas Araújo, a expressão direito líquido e certo
"
deve ser interpretada sistemática e finalisticamente: o ato considerado ilegal ou abusivo é aquele que pode ser demonstrado de plano, mediante prova meramente documental
. Tutela-se um direito evidente. Caso exista a necessidade de cognição aprofundada para a averiguação da ilegalidade ou prática do abuso, a situação não permitirá o uso da via estrita do mandado de segurança."
(MEDINA, José Miguel Garca; ARAÚJO, Fábio Caldas.
Mandado de
segurança
individual e coletivo:
comentários à lei n. 12.016/2009. São Paulo: RT, 2009, p. 34-35).
Registro que a pretensão da impetrante deverá ser apreciada atentando-se para os elementos de convicção já jungidos aos autos, eis que o rito processual adotado não permitirá a realização de dilações probatórias no seu curso.
2.17. Eventual decadência:
O direito à impetração do mandado de segurança está submetido ao prazo de caducidade de
120 dias corridos
, na forma do art. 23 da lei n. 12.016/2009. Esse prazo deve ser computado a partir da data da notificação do(s) impetrante(s) a respeito do indeferimento do seu pleito administrativo.
Convém atentar para a súmula 429, do Supremo Tribunal:
"A existência de recurso administrativo com efeito suspensivo não impede o uso do mandado de segurança contra omissão da autoridade."
Ademais, nos termos da súmula 430, STF,
"
Pedido de reconsideração na via administrativa não interrompe o prazo para o mandado de segurança
."
Já a súmula 632, STF, preconiza que
"
É constitucional lei que fixa o prazo de decadência para a impetração de mandado de segurança
."
Quanto se trata, porém, de impugnação de uma conduta administrativa iterativa, que se renova de tempos em tempos, ou de uma conduta permanente, que persiste no tempo, a decadência não se opera, justamente por força da reiteração dos atos impugnados.
"
É iterativa a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça de que não há a decadência do direito à impetração quando se trata de comportamento omissivo da autoridade impetrada, que se renova e perpetua no tempo
”
(MS 20.426/DF, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 13/12/2017, DJe 18/12/2017).
No presente caso, o impedimento à inscrição em razão de limite etário, contra o qual se insurge o impetrante, encontra-se expressamente previsto nos artigos 4º, V, §2º e 143, II, 'a' do Edital do certame, que é datado de 20/03/2025. Ademais, ele se insurgiu contra a negativa de processamento, promovida ao tentar promover a inscrição no sistema eletrônico
.
A decadência do direito à impetração não se ultimou.
2.18.
Antecipação de tutela - considerações gerais:
Como sabido, a cláusula do devido processo envolve alguma aporia. Por um lado, o processo há de ser adequado: deve assegurar defesa, contraditório, ampla produção probatória. E isso consome tempo. Todavia, o processo também deve ser eficiente, ele deve assegurar ao titular de um direito uma situação jurídica idêntica àquela que ele teria caso o devedor houvesse satisfeito sua obrigação na época e forma devidas.
A demora pode contribuir para um debate mais qualificado entre as partes; todavia, também leva ao grande risco de ineficácia da prestação jurisdicional, caso o demandante tenha realmente razão em seus argumentos.
Daí a relevância do prudente emprego da tutela de urgência, prevista no art. 300 e ss. do CPC/15. Desde que a narrativa do demandante seja verossímil, seus argumentos sejam fundados e a intervenção imediata do Poder Judiciário seja necessária - i.e., desde que haja
fumus boni iuris
e
periculum in mora -
a antecipação da tutela deverá ser deferida.
Sem dúvida, porém, que o tema exige cautela, eis que tampouco soa compatível com o devido processo a conversão da antecipação em um expediente rotineiro, o que violentaria a cláusula do art. 5º, LIV e LV, CF. Ademais, o provimento de urgência não pode ser deferido quando ensejar prejuízos irreversíveis ao demandado (art. 300, §3º, CPC).
Daí o relevo da lição de Araken de Assis, como segue:
"A tutela de urgência e a tutela de evidência gravitam em torno de dois princípios fundamentais: (a) o princípio da necessidade; e (b) o princípio da menor ingerência.
-
Princípio da necessidade - Segundo o art. 301, in fine, a par do arresto, sequestro, arrolamento de bens, e protesto contra a alienação de bens, o órgão judiciário poderá determinar qualquer outra medida idônea para asseguração do direito. Essa abertura aplica-se às medidas de urgência satisfativas (art. 303, caput): a composição do conflito entre os direitos fundamentais somente se mostrará legítima quando houver conflito real, hipótese em quase patenteia a necessidade de o juiz alterar o esquema ordinário de equilíbrio das partes perante o fator temporal do processo. A necessidade de o juiz conceder medida de urgência apura-se através da comparação dos interesses contrastantes dos litigantes
. Dessa necessidade resulta a medida adequada à asseguração ou à satisfação antecipada em benefício do interesse mais provável de acolhimento em detrimento do interesse menos provável.
- Princípio do menor gravame - O princípio do menor gravame ou da adequação é intrínseco à necessidade. É preciso que a medida de urgência seja congruente e proporcional aos seus fins, respectivamente a asseguração ou a realização antecipada do suposto direito do autor. Por esse motivo, a medida de urgência cautelar prefere à medida de urgência satisfativa, sempre que adequada para evitar o perigo de dano iminente e irreparável, e, na órbita das medidas de urgência satisfativas, o órgão judiciário se cingirá ao estritamente necessário para a mesma finalidade." (ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
volume II. Tomo II. Parge Geral: institutos fundamentais. São Paulo: RT, 2015, p. 370-371).
Cuidando-se, ademais, de pedido em desfavor da Fazenda Pública, a lei 8.437/1992 veda a antecipação de tutela que implique compensação de créditos tributários ou previdenciários (art. 1º, §5º). A lei do mandado de segurança veda a concessão de liminares com o fim de se promover a entrega de mercadorias, a reclassificação de servidores públicos e o aumento ou extensão de vantagens de qualquer natureza (art. 7º, §2º, lei 12.016). Registre-se que o STF já se manifestou sobre a constitucionalidade de algumas dessas limitações (lei 9.494/97), conforme se infere da conhecida ADC 04-6/DF, rel. Min. Sydnei Sanches (DJU de 21.05.1999), com os temperamentos reconhecidos no informativo 248, STF.
O juízo não pode antecipar a eficácia meramente declaratória de uma cogitada sentença de procedência. Afinal de contas, a contingência é inerente aos provimentos liminares; de modo que a certeza apenas advém do trânsito em julgado (aliás, em muitos casos, sequer depois disso, dadas as recentes discussões sobre a relativização da
res iudicata
).
"
É impossível a antecipação da eficácia meramente declaratória, ou mesmo conferir antecipadamente ao autor o bem certeza jurídica, o qual somente é capaz de lhe ser atribuído pela sentença declaratória
. A cognição inerente ao juízo antecipatório é por sua natureza complemente inidônea para atribuir ao autor a declaração - ou a certeza jurídica por ele objetivada."
(MARINONI, Luiz Guilherme.
A antecipação da
tutela
.
7. ed. SP: Malheiros. p. 55).
2.19. Hipóteses de postergação do contraditório:
Em regra, a antecipação de tutela apenas pode ser promovida quando assegurado prévio contraditório ao demandado, conforme art. 5º, LIV e LV, CF e art. 7º, parte final, CPC. Isso não impede, todavia, que, em situações excepcionais, o contraditório seja postergado, em face da urgência documentada nos autos.
CARTA ROGATÓRIA. Exequatur. Medida cautelar penal. Diligências para identificação e apreensão de bens. Proveito de infração penal. Ciência prévia do paciente. Inadmissibilidade.
Risco de frustração das diligências. Caso de contraditório diferido, retardado ou postergado, mediante embargos ou agravo. Garantia de exercício pleno do direito de defesa. Ilegalidade inexistente. HC indeferido. Inteligência do art. 5º, LVI da CF e da Resolução nº 9/2005, do STJ. É legítima, em carta rogatória, a realização liminar de diligências sem a ciência prévia nem a presença do réu da ação penal, quando estas possam frustrar o resultado daquelas
. (HC 90485, CEZAR PELUSO, STF)
PROCESSUAL CIVIL. MEDIDA CAUTELAR PARA DETERMINAR O PROCESSAMENTO DE RECURSO ESPECIAL. POSSIBILIDADE. EXISTÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS DO FUMUS BONI JURIS E DO PERICULUM IN MORA. 1. O Superior Tribunal de Justiça tem entendido que a regra de obstar o recurso especial retido deve ser obtemperada para que não esvazie a utilidade daquele apelo extremo. 2.
O poder geral de cautela há que ser entendido com uma amplitude compatível com a sua finalidade primeira, que é a de assegurar a perfeita eficácia da função jurisdicional. Insere-se aí a garantia da efetividade da decisão a ser proferida. A adoção de medidas cautelares (inclusive as liminares inaudita altera pars) é fundamental para o próprio exercício da função jurisdicional, que não deve encontrar obstáculos, salvo no ordenamento jurídico
. 3. O provimento cautelar tem pressupostos específicos para sua concessão. São eles: o risco de ineficácia do provimento principal e a plausibilidade do direito alegado (periculum in mora e fumus boni iuris), que, presentes, determinam a necessidade da tutela cautelar e a inexorabilidade de sua concessão, para que se protejam aqueles bens ou direitos de modo a se garantir a produção de efeitos concretos do provimento jurisdicional principal. 4. Em tais casos, pode ocorrer dano grave à parte, no período de tempo que mediar o julgamento no tribunal a quo e a decisão do recurso especial, dano de tal ordem que o eventual resultado favorável, ao final do processo, quando da decisão do recurso especial, tenha pouca ou nenhuma relevância. 5. Existência, em favor da requerente, da fumaça do bom direito e do perito da demora, em face da patente contrariedade ao art. 2º, da Lei nº 8.437/92, visto que, na hipótese dos autos, não há necessidade da prévia audiência do representante judicial da pessoa jurídicade direito público, vez que o ente Municipal sequer figura na relação processual. 6. Medida Cautelar procedente, para determinar o processamento do recurso especial. ..EMEN: (MC 200100113001, JOSÉ DELGADO, STJ - PRIMEIRA TURMA, DJ DATA:13/05/2002 PG:00150 ..DTPB:.)
Com efeito, citando novamente Araken de Assis, quando enfatiza o que transcrevo abaixo:
"
O processo constitucionalmente justo e equilibrado (faires Verfahren) exige a oportunidade de as partes influírem na atividade do órgão judiciário. O princípio do contraditório, na sua dimensão horizontal, assegura à parte a possibilidade de manifestação acerca das (a) razões de fato, (b) os meios de prova tendentes a demonstrar-lhes a veracidade, e (c) as razões de direito da contraparte
.
O processo criará inexoravelmente uma comunidade de trabalho, sem prejuízo da parcialidade das partes, e o contraditório assume dimensão vertical. Limitará a atuação do órgão judiciário no que concerne à matéria de direito, domínio que lhe toca na qualidade maître du droit -,79 impondo a manifestação prévia das partes sobre (a) a qualificação jurídica dos fatos afirmados, ou dos fatos não alegados, mas constantes dos autos, que o juiz possa considerar relevantes; (b) as normas legais que o juiz entenda aplicáveis à resolução da causa; e (c) as questões que se mostra lícito ao juiz conhecer sem alegação das partes (v.g., as “condições” da ação – legitimidade e interesse processual –, a teor do art. 485, § 3.º). O art. 357, IV, exige a delimitação das questões de direito na decisão de saneamento e de organização do processo para essas finalidades.
A urgência autoriza, entretanto, a postergação do contraditório em certas condições. É o que se infere do art. 300, § 2.º, segundo o qual “a tutela de urgência pode ser concedida liminarmente”. O art. 12, caput, da Lei 7.347/1985 determina o seguinte na ação civil pública: “Poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo”. E o art. 7.º, III, da Lei 12.016/2009 estipula que o juiz, no mandado de segurança, ordenará a suspensão incontinenti do ato de autoridade “quando houver fundamento relevante e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida
." (ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
volume II. Tomo II. Parge Geral: institutos fundamentais. São Paulo: RT, 2015, tópico 1.425).
Outrossim,
"
Duas situações autorizam o juiz à concessão de liminar sem a audiência do réu (inaudita altera parte)
: (a)
sempre que o réu, tomando prévio conhecimento da medida, encontre-se em posição que lhe permita frustrar a medida de urgência
; (b)
sempre que a urgência em impedir a lesão revele-se incompatível com o tempo necessário à integração do réu à relação processual
. Essa última hipótese é objeto do seguinte precedente do STJ: “Justifica-se a concessão de liminar inaudita altera parte, ainda que ausente a possibilidade de o promovido frustrar a sua eficácia, desde que a demora de sua concessão possa importar em prejuízo, mesmo que parcial, para o promovente."
(ASSIS, Araken.
Obra citada.
tópico 1.426).
Com efeito,
"
É constitucional a decisão antecipatória de tutela que, liminarmente e adiando a observância do contraditório para momento posterior, concede a antecipação dos efeitos da tutela para homenagear outro direito em voga, cuja preterição se revelar mais danosa
. 2. O perigo de irreversibilidade da medida, não obstante existente no presente caso, não subsiste quando encarado frente ao perigo da demora, o qual milita em favor da parte agravada."
(TJ-PE - AI: 2784312 PE, Relator: Roberto da Silva Maia, Data de Julgamento: 21/05/2013, 1ª Câmara Cível, Data de Publicação: 29/05/2013).
Note-se, por exemplo, que a compreensão e aplicação do art. 2º, da lei n. 8.437, de 1992, não podem implicar inexorável vedação à antecipação de tutela
inaudita altera parte
, sobremodo quando em causa perigo de danos ambientais, dado o alcance do art. 225, da Constituição e legislação correlata. Assim, "
O Superior Tribunal de Justiça tem flexibilizado o disposto no art. 2º da Lei n.º 8.437/92 a fim de impedir que a aparente rigidez de seu enunciado normativo obste a eficiência do poder geral de cautela do Judiciário
."
(REsp 1130031/RS, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, 2.T. julgado em 22/06/2010, DJe 03/08/2010)
Por sinal, "
Excepcionalmente, é possível conceder liminar sem prévia oitiva da pessoa jurídica de direito público, desde que não ocorra prejuízo a seus bens e interesses ou quando presentes os requisitos legais para a concessão de medida liminar em ação civil pública
. Hipótese que não configura ofensa ao art. 2º da Lei n. 8.437/1992."
(AgRg no REsp 1.372.950/PB, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 11/6/2013, DJe 19/6/2013.)
Sabe-se, pois, que
"
a jurisprudência do STJ tem mitigado, em hipóteses excepcionais, a regra que exige a oitiva prévia da pessoa jurídica de direito público nos casos em que presentes os requisitos legais para a concessão de medida liminar em ação civil pública (art. 2º da Lei 8.437/92)
. Precedentes do STJ.
(REsp 1.018.614/PR, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/6/2008, DJe 6/8/2008).
2.20.
Eventual prescrição:
A pretensão à anulação de administrativos prescreve, como regra, em 5 anos, contados da data em que o interessado tenha tomado conhecimento da agressão aos seus interesses (postulado da
actio nata
). É o que se infere do art. 1 do decreto 20.910/32.
No curso de eventual processo administrativa, o cômputo da prescrição resta suspenso. No caso, por derivação da própria ausência de decadência do direito à impetração, aludido prazo não se esgotou.
2.21. C
ontrole jurisdicional da Administração Pública:
Vivemos o tempo da superação do modelo de Estado meramente Legislativo em prol de um efetivo Estado Constitucional, conforme conhecida expressão de Peter Häberle, constitucionalista alemão. Durante muitos anos, a teoria do Estado gravitou em torno do estudo das competências e dos órgãos administrativos. Atualmente, contudo, o eixo tem sido deslocado em direção à busca de efetividade dos direitos fundamentais. E isso é incompatível com a ideia de
legibus solutus
, própria ao Estado oitocentista.
Como explica Gustavo Binembojm,
"A palavra discricionariedade tem sua origem no antigo Estado europeu dos séculos XVI a XVIII, quando expressava a soberania decisória do monarca absoluto (voluntas regis suprema lex). Naquela época, do chamado Estado de polícia, em que o governo confundia-se integralmente com a Administração Pública, a sinonímia entre discricionariedade e arbitrariedade era total. Com efeito, se a vontade do soberano era a lei suprema, não fazia sentido cogitar de qualquer limite externo a ela. Por atavismo histórico, ainda nos dias de hoje encontra-se o adjetivo "discricionário" empregado como sinônimo de arbitrário ou caprichoso, ou para significar uma decisão de cunho puramente subjetivo ou político, liberta de parâmetros jurídicos de controle."
(BINENBOJM, Gustavo.
Uma teoria do direito administrativo:
direitos fundamentais, democracia e constitucionalização. 2. ed. RJ: Renovar, 2008, p. 195-196).
Essa noção de discricionariedade (então compreendida como sinônimo de arbítrio) evoluiu em prol do reconhecimento da existência de distintas opções deliberativas, desde que observados os limites estipulados pela própria lei. Em muitos casos, a lei imporia a finalidade, mas não estipularia os meios a serem escolhidos, pelos administradores, para a sua obtenção.
Em período mais recente, sob o Estado Constitucional, reconhece-se que o administrador público não pode decidir de qualquer forma, ao seu alvedrio.
"Em consequência, como assinala Maria Sylvia Z. Di Pietro, a discricionariedade deixa de ser compreendida como um campo externo ao direito - verdadeiro atavismo monárquico - passando a ser vista como um poder jurídico. É dizer: um espaço decisório peculiar à Administração, não de escolhas puramente subjetivas, mas definida pela prioridade das autoridades administrativas na fundamentação e legitimação dos atos e políticas públicas adotados, dentro de parâmetros jurídicos estabelecidos pela Constituição, pelas leis ou por atos normativos editados pelas próprias entidades da Administração."
(BINENBOJM.
Obra cit.
p. 199).
Ora, há muito é sabido que o Poder Judiciário pode promover o controle de atos administrativos discricionários, quando menos para aferir eventual desvio de finalidade. O grande debate diz respeito, isso sim, à intensidade e aos critérios envolvidos no aludido controle judicial.
Bandeira de Mello explica que
"
Em despeito da discrição presumida na regra de direito, se o administrador houver praticado ato discrepante do único cabível, ou se tiver algum fim seguramente impróprio ante o confronto com a finalidade da norma, o Judiciário deverá prestar a adequada revisão jurisdicional, porquanto, em rigor, a Administração terá desbordado da esfera discricionária
."
(BANDEIRA DE MELLO, Celso A.
Discricionariedade e controle jurisdicional.
SP: Malheiros, 2001, p. 36).
Concordo, pois, com Binenbojm quando enfatiza que
"A emergência da noção de juridicidade administrativa, com a vinculação direta da Administração à Constituição, não mais permite falar, tecnicamente, numa autêntica dicotomia entre atos vinculados e atos discricionários, mas, isto sim, em diferentes graus de vinculação dos atos administrativos à juridicidade.
A discricionariedade não é, destarte, nem uma liberdade decisória externa ao direito, nem um campo imune ao controle jurisdicional. Ao maior ou menor grau de vinculação do administrador à juridicidade corresponderá, via de regra, maior ou menor grau de controlabilidade judicial dos seus atos
."
(BINENBOJM, Gustavo.
Obra citada.
p. 208).
Diante do reconhecimento de efetividade aos princípios constitucionais da boa gestão pública (art. 37, CF), não há como imaginar que o Poder Executivo possa deliberar de qualquer modo, sem justificar suas escolhas e sem ter que prestar contas.
"
O mérito - núcleo do ato -, antes intocável, passa a sofrer a incidência direta dos princípios constitucionais. Deste modo, ao invés de uma dicotomia tradicional (ato vinculado v. ato discricionário), já superada, passa-se a uma classificação em graus de vinculação à juridicidade, em uma escala decrescente de densidade normativa vinculativa
."
(BINENBOJM, Gustavo.
Obra citada.
p. 209).
Convém atentar para a precisa síntese de Binenbojm:
"É interessante registrar que a aplicação da teoria do desvio de poder para o controle da finalidade dos atos administrativos discricionários não importa controle do mérito propriamente dito, mas como que um estreitamento do seu âmbito.
Ou seja: não se trata de controlar o núcleo da apreciação ou da escolha, mas de diminuir mo espaço em que o administrador faz escolhas de acordo com a própria conveniência e oportunidade.
O mesmo pode ser afirmado com relação às outras formas, ditas, de controle do mérito do ato administrativo, como o controle da proporcionalidade, da moralidade e da eficiência. Neste sentido, por exemplo, não se controla o mérito do ato administrativo em descompasso com a proporcionalidade, mas apenas se reconhece que o conteúdo desproporcional do ato simplesmente não é mérito
.
Em outras palavras, não há conveniência e oportunidade possível fora dos limites estabelecidos pela proporcionalidade." (BINENBOJM, Gustavo.
Obra cit.
p. 210)
Sei bem que, no mais das vezes, as questões alusivas à eficiência de determinadas soluções administrativas escapam do controle judicial, sob pena de se instituir um governo de magistrados, inviabilizando-se a própria administração pública e comprometendo o sistema de pesos e contrapesos
. Repiso esse detalhe: os juízos de mera conveniência e de mera oportunidade escapam, em regra, do controle jurisdicional, salvo quando se tratar de escolhas manifestamente desastrosas, desproporcionais, que comprometam a própria moralidade pública ou mesmo uma noção mínima de eficiência.
Colho a lição de Hans Wolff, Otto Bachof e Rolf Stober:
"Enquanto a Administração está orientada para a multiplicidade e tem responsabilidade metajurídica, a jurisprudência é de tipo monodisciplinar-jurídico (...).
Por isso, o controlo jurisdicional circunscreve-se apenas ao controlo jurídico. Este controlo não se confunde com a vigilância completa (Rundum-Beaufsichtigung) da Administração
. Por isso, o controle jurisdicional termina onde deixam de existir padrões jurídicos de controlo (...). Aqui a autonomia da Administração manifesta-se de forma particularmente clara. Em primeiro plano, está a auto-responsabilidade, que terá de ser respeitada pela jurisprudência, bem como a oportunidade, mas não a legalidade da actuação (...). A ideia nuclear é a de que o controlo jurisdicional não conduz a uma subalternização da Administração e os tribunais não devem substituir as apreciações (valorações) da Administração pelas suas próprias valorações.
Nesse contexto, devemos distinguir duas questões fundamentais. Por um lado, suscita-se a questão de saber se num Estado de direito que pratica a divisão de poderes haverá decisões "livres do direito" para a Administração, no sentido de determinadas medidas estarem totalmente excluídas do controlo jurisdicional (os chamados actos de autoridade sem justiça). Esta questão suscitou-se quanto aos actos de governo e quanto aos actos de graça, mas que deve ser recusada na vigência da lei fundamental
(...). Diferente é a questão de saber até que ponto o legislador exclui do controlo jurisdicional decisões administrativas por questões de celeridade e de eficiência administrativas, através da criação de normas de sanação e de preclusão (Heilungs- und Präklusionsvorschriften) (...)
Por outro lado, trata-se do problema de saber se e em que medida a Administração goza, quanto às decisões a tomar, de margens de conformação que apenas limitem a intensidade do controlo jurisdicional (a chamada densidade do controlo). Sejam aqui lembradas apenas as margens de discricionariedade, cujo exercício está subordinado a determinados limites jurídicos." (WOLFF, Hans J.; BACHOF, Otto; STOBER, Rolf.
Direito administrativo. volume I.
Tradução do alemão por António F. de Souza. Calouste Gulbenkian, 2006, p. 247-248)
Em muitos casos, todavia, deve-se ter em conta a teoria dos motivos determinantes, bem explicitada por Hely Lopes Meireles:
"A teoria dos motivos determinantes funda-se na consideração de que os atos administrativos, quando tiverem sua prática motivada, ficam vinculados aos motivos expostos, para todos os efeitos jurídicos. Tais motivos é que determinam e justificam a realização do ato, e, por isso mesmo, deve haver perfeita correspondência entre eles e a realidade.
Mesmo os atos discricionários, se forem motivados, ficam vinculados a esses motivos como causa determinante de seu cometimento e sujeitam-se ao confronto da existência e legitimidade dos motivos indicados. Havendo desconformidade entre os motivos determinantes e a realidade, o ato é inválido
."
(MEIRELLES, Hely Lopes.
Direito Administrativo Brasileiro.
14ª Edição, Editora RT, p. 175)
É fato que, na contemporaneidade, alguns autores têm criticado referida teoria, como bem ilustra a seguinte lição de Marçal Justen Filho:
"A teoria dos motivos determinantes estabelece que o
agente administrativo se vincula à motivação adotada
, de modo que se presume que o motivo indicado foi o único a justificar a decisão adotada. Essa teoria deve ser reputada como
ultrapassada
, não se prestando mais ao controle de validade dos atos administrativos. Foi desenvolvida nos primórdios do direito administrativo, quando ainda não se delineara de modo perfeito a distinção entre autonomia de vontade privada e vontade funcionalizada própria do direito administrativo. Mais ainda, era um instrumento de controle construído em vista de certa concepção de discricionariedade.
A afirmação pelo agente de que atuou fundado em determinados motivos não produz efeitos vinculantes para fins de controle. Pode evidenciar-se a existência de motivos ocultos ou disfarçados. Mas não há impedimento a que a Administração Pública evidencie, posteriormente, que o ato se fundou em outros motivos, que justificavam adequadamente a decisão adotada
. A equivocada indicação do motivo é uma falha, mas o grave reside na ausência de atuação orientada a satisfazer as necessidades coletivas, com a observância de um procedimento democrático." (JUSTEN FILHO, Marçal.
Curso de direito administrativo.
São Paulo: Saraiva, 2005, p. 264)
Em que pese a densidade da crítica de Marçal Justen Filho, essa teoria ainda exerce salutar função democrática, ao estimular, por vias oblíquas, o dever de fundamentação do ato administrativo. Compartilho, pois, da lição de José dos Santos Carvalho Filho quando argumenta:
"
A teoria dos motivos determinantes baseia-se no princípio de que o motivo do ato administrativo deve sempre guardar compatibilidade com a situação de fato que gerou a manifestação da vontade
. E não se afigura estranho que se chegue a essa conclusão: se o motivo se conceitua como a própria situação de fato que impele a vontade do administrador, a inexistência dessa situação provoca a invalidação do ato."
(CARVALHO F, José dos Santos.
Manual de direito administrativo.
24. ed. RJ: Lumen Juris, 2011, p. 109).
Afinal de contas, conquanto o Poder Judiciário não possa invadir a esfera decisória que é própria do Poder Executivo - o que não se discute -, também é fato que se deve
"
fortalecer o postulado da inafastabilidade de toda e qualquer fiscalização judicial. A progressiva redução e eliminação dos círculos de imunidade do poder há de gerar, como expressivo efeito consequencial, a interdição do seu exercício abusivo
."
(FAGUNDES, Seabra.
O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário.
Atualizado por Gustavo Binenbojm. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 191).
Conjugando-se esses elementos, vê-se que o Direito Administrativo contemporâneo não mais acolhe a premissa de que o mérito dos atos administrativos seria sempre insuscetível de controle judicial. Isso não ocorre em um Estado Constitucional,
dado que administrar é exercer função: é atuar em nome próprio, mas no interesse alheio
. É cabível, ademais, o controle de decisões fundadas em fontes normativas que veiculam conceitos porosos, imprecisos, indeterminados (leia-se CARRIÓ, Genaro R.
Notas sobre Derecho y lenguaje.
6. ed. Buenos Aires: Abeledo Perrot, 2011).
Isso significa que, diante da efetividade dos princípios constitucionais, o administrador público não pode decidir ao seu líbito, já que - mesmo em tais casos - há zonas de certeza positiva e negativas, suscetíveis de aferição judicial.
(...) 1.
De acordo com a doutrina mais autorizada, os conceitos jurídicos indeterminados, como, no caso, procedimento irrepreensível e idoneidade moral inatacável, sujeitam-se a controle judicial de sua configuração concreta.
2. Não é omissão de aplicação do disposto no art. 37, I, da Constituição e no art. 8o., I, do Dec.-Lei n. 2.320/87 a afirmação de que os fatos alegados - acontecidos há mais de dez anos e em razão dos quais, processado, o apelado restou absolvido - não justificam exclusão do Curso de Agente de Polícia Federal. (EDAC 964030319994010000, DESEMBARGADOR FEDERAL JOAO BATISTA MOREIRA, TRF1 - QUINTA TURMA, DJ DATA:14/11/2002 PAGINA:207.)
No que toca à fiscalização dos atos discricionários, menciono os precedentes abaixo, colhidos junto ao STF e STJ:
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DE PROFESSORES. EXISTÊNCIA DE CANDIDATOS APROVADOS EM CONCURSO PÚBLICO DE PROVIMENTO EFETIVO. ILEGALIDADE. LEI ESTADUAL 6.915/2007. EXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 279 DESTA CORTE. ANÁLISE DE LEGISLAÇÃO LOCAL. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 280 DO STF. PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO. POSSIBILIDADE DE CONTROLE JUDICIAL DOS ATOS ADMINISTRATIVOS DISCRICIONÁRIOS ABUSIVOS E ILEGAIS. AGRAVO IMPROVIDO. I - Inviável o recurso extraordinário quando sua apreciação demanda o reexame do conjunto fático-probatório constante dos autos, bem como da legislação infraconstitucional local aplicável à espécie. Incidência das Súmulas 279 e 280 do STF. Precedentes. II -
Esta Corte possui entendimento no sentido de que o exame pelo Poder Judiciário do ato administrativo tido por ilegal ou abusivo não viola o princípio da separação dos poderes
. Precedentes. III - Agravo regimental improvido. (RE-AgR 654170, RICARDO LEWANDOWSKI, STF.)
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO. PROCESSO ADMINISTRATIVO. DEMISSÃO. PODER DISCIPLINAR. LIMITES DE ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO. PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA. ATO DE IMPROBIDADE. 1. Servidor do DNER demitido por ato de improbidade administrativa e por se valer do cargo para obter proveito pessoal de outrem, em detrimento da dignidade da função pública, com base no art. 11, caput, e inciso I, da Lei n. 8.429/92 e art. 117, IX, da Lei n. 8.112/90. 2.
A autoridade administrativa está autorizada a praticar atos discricionários apenas quando norma jurídica válida expressamente a ela atribuir essa livre atuação. Os atos administrativos que envolvem a aplicação de "conceitos indeterminados" estão sujeitos ao exame e controle do Poder Judiciário. O controle jurisdicional pode e deve incidir sobre os elementos do ato, à luz dos princípios que regem a atuação da Administração.
3. Processo disciplinar, no qual se discutiu a ocorrência de desídia --- art. 117, inciso XV da Lei n. 8.112/90. Aplicação da penalidade, com fundamento em preceito diverso do indicado pela comissão de inquérito. A capitulação do ilícito administrativo não pode ser aberta a ponto de impossibilitar o direito de defesa. De outra parte, o motivo apresentado afigurou-se inválido em face das provas coligidas aos autos. 4. Ato de improbidade: a aplicação das penalidades previstas na Lei n. 8.429/92 não incumbe à Administração, eis que privativa do Poder Judiciário. Verificada a prática de atos de improbidade no âmbito administrativo, caberia representação ao Ministério Público para ajuizamento da competente ação, não a aplicação da pena de demissão. Recurso ordinário provido. (RMS 24699, EROS GRAU, STF.)
Concluo, pois, ser plenamente cabível o controle judicial dos atos administrativos, mesmo quando discricionários.
Deve-se atuar com circunspeção, todavia, a fim de que o Poder Judiciário não se substitua ao Poder Executivo, no juízo de conveniência e oportunidade de determinadas políticas públicas, salvo quando manifestamente ineficientes, inadequadas ou abusivas
.
2.22. Presunção de legitimidade dos atos administrativos:
As presunções podem ser absolutas ou relativas. As absolutas implicam regras remissivas, verdadeiras ficções jurídicas:
"Em princípio, as presunções absolutas penetram no ordenamento como normas remissivas (ou, em alguns casos, restritivas da hipótese ou modificativas do mandamento da norma). Assim, mesmo que, de forma genérica ou em face de um ou outro caso concreto, a presunção não corresponda à realidade (o fato A não leve ao fato B), isso não a torna, por si só, inválida, principalmente quando, além da pretensa vinculação causal entre os fatos, outras razões levaram à edição da norma."
(PAOLA, Leonardo Sperb de.
Presunções e ficções no direito tributário.
BH: Del Rey, 1997, p. 64).
Por seu turno,
"
O que caracteriza as presunções legais relativas é a previsão, pelo legislador, que, salvo prova em contrário, a ocorrência de um determinado fato faz pressupor a existência de outro, ao qual estão vinculadas cercas consequências jurídicas.
No dizer de Aloísio Surgik, o liame entre os fatos já é estabelecido pela lei, cabendo, apenas, a valoração de provas contrárias."
(PAOLA, Leonardo Sperb de.
Obra citada,
p. 65).
Semelhante é análise de Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart na obra Prova. São Paulo: RT, 2009, p. 137. Em regra, os atos administrativos revelam-se autoexecutáveis; e ensejam, pois, a presunção
iuris tantum
de legitimidade.
"
A autoexecutoriedade indica a possibilidade de a Administração Pública obter a satisfação de um direito ou de dirimir um litígio de que participa sem a intervenção imediata do Poder Judiciário
, produzindo atos materiais necessários a obter o bem da vida buscado. A auto-executoriedade pode conduzir obviamente ao impedimento da prática de certos atos pelos particulares. (...)
Não há vedação radical ao uso da força pela Administração Pública, na medida em que tal seja a solução adequada para a realização do Direito.
Mas o uso da força deverá refletir um devido processo legal, sendo acompanhado da observância de todas as formalidades comprobatórias necessárias e das garantias inerentes ao processo
. Mais ainda, não se admite o uso da força mediante mera invocação de fórmulas genéricas determinadas, tais como interesse público, bem comum, segurança, etc. Deve-se identificar, de modo concreto, o bem jurídico tutelado e expor o o motivo pelo qual se reputa que a força deva ser utilizada. É evidente que existem situações concretas emergenciais em que o cumprimento destas formalidades é impossível." (JUSTEN FILHO, Marçal.
Curso de direito administrativo.
Saraiva, p. 207).
"As medidas de polícia administrativa freqüentemente são autoexecutórias: i.e., pode a Administração Pública promover por si mesma, independentemente de remeter-se ao Poder Judiciário, a conformação do comportamento do particular às injunções dela emanadas, sem necessidade de um prévio juízo de cognição e ulterior juízo de execução processado perante as autoridades judiciárias. Assim, uma ordem para dissolução de comício ou passeata, quando estes sejam perturbadores da tranqüilidade pública, será coativamente assegurado pelos órgãos administrativos. Estes se dispensam de obter uma declaração preliminar do Judiciário, seja para declaração do caráter turbulento do comício ou passeata, seja para determinar sua dissolução. (...)
Todas essas providências (...) têm lugar em três diferentes hipóteses: a) quando a Lei expressamente o autorizar; b) quando a adoção da medida for urgente para a defesa do interesse público e não comportar delongas naturais do pronunciamento judicial sem sacrifício ou risco para a coletividade; c) quando inexistir outra via de direito capaz de assegurar a satisfação do interesse público que a Administração está obrigada a defender em cumprimento à medida de polícia." (BANDEIRA DE MELLO,
Curso de Direito Administrativo.
p. 681, grifei e omiti parte do texto).
A administração pública é exercício de função: exercício de atos em nome próprio, mas no interesse alheio. Daí que, por conta disso, o ordenamento jurídico recepciona regras especiais de ônus da prova, segundo a lição de Hely Lopes Meirelles:
"Os atos administrativos, qualquer que seja a sua categoria ou espécie, nascem com a presunção de legitimidade, independentemente de norma legal que a estabeleça. Já a presunção de veracidade, inerente à de legitimidade, refere-se aos fatos alegados e afirmados pela Administração para a prática do ato, os quais são tidos e havidos como verdadeiros até prova em contrário.
A presunção também ocorre com os atestados, certidões, informações e declarações da Administração, que, por isso, gozam de fé pública. Esta presunção decorre do princípio de legalidade da Administração, que nos Estados de Direito, informa toda a atuação governamental
. Além disso, a presunção de legitimidade e veracidade dos atos administrativos responde a exigências de celeridade e segurança das atividades do Poder Público, que não poderiam ficar na dependência da solução de impugnação dos administrados, quanto à legitimidade dos seus atos, para só após dar-lhes execução.
A presunção de legitimidade autoriza a imediata execução ou operatividade dos atos administrativos, mesmo que arguidos de vícios ou defeitos que os levem à invalidade. Enquanto, porém, não sobrevier o pronunciamento de nulidade os atos administrativos são tidos por válidos e operantes, quer para a Administração, quer para os particulares sujeitos ou beneficiários dos seus efeitos. Admite-se, todavia, a sustação dos efeitos dos atos administrativos através de recursos internos ou de ordem judicial, em que se conceda a suspensão liminar, até o pronunciamento final de validade ou invalidade do ato impugnado.
Outra consequência da presunção de legitimidade e veracidade é a transferência do ônus da prova da invalidade do ato administrativo para quem a invoca. Cuida-se de arguição de nulidade do ato, por vício formal ou ideológico ou de motivo, a prova do defeito apontado ficará sempre a cargo do impugnante, e até a sua anulação o ato terá plena eficácia
." (MEIRELLES, Hely Lopes.
Direito administrativo brasileiro.
29 ed. atualizado por Eurico de Andrade Azevedo e outros. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 156)
Maria Sylvia Zanella di Pietro diz que
"A presunção de veracidade inverte o ônus da prova; é errado afirmar que a presunção de legitimidade produz esse feito, uma vez que, quando se trata de confronto entre o ato e a lei, não há matéria de fato a ser produzida; nesse caso, o efeito é apenas o anterior, ou seja, o juiz só apreciará a nulidade se arguida pela parte."
(PIETRO, Maria Sylvia Z. di.
Direito administrativo.
18. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 192).
"1. Dentre os postulados consagrados pelo regime jurídico administrativo, destaca-se o princípio da presunção de legitimidade dos atos administrativos, que pode ser lido de acordo com 3 acepções: a presunção de legitimidade, que encerra obediência às regras morais, a presunção de legalidade, que impõe observância da lei, e a presunção de veracidade, que corresponde à verdade dos fatos. 2.
Trata-se de presunção relativa, transferindo-se o ônus da prova ao administrado caso esse pretenda desconstituir a presunção de legitimidade do ato administrativo
. Assim, referido princípio tem como consequência prática a aplicação imediata do ato administrativo, consagrando o atributo da autoexecutoriedade, sem prejuízo de sua contestação em momento posterior (...)" (AI 00013894420134030000, DESEMBARGADORA FEDERAL CECILIA MARCONDES, TRF3 - TERCEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:13/09/2013 ..FONTE_REPUBLICACAO:., omiti o restante)
Com efeito, em regra, os atestados, certidões e afirmações de servidores públicos possuem, em seu favor, a presunção relativa de autenticidade do que é declarado
. Do contrário, a atividade administrativa se tornaria praticamente inviável (devendo juntar, a cada certidão, um vídeo, uma fotografia acompanhada de duas testemunhas etc.). Isso não se aplica, porém, no âmbito de processos administrativos sancionadores, em cujo âmbito a inversão do ônus da prova deve ser apreciada com muita desconfiança.
2.23. Devido processo administrativo:
De outro tanto, como cediço, a cláusula do
due process of law
submete-se tanto a um viés formal (procedimento, rito), quanto a um enfoque substancial ("justa causa" para a restrição a direitos fundamentais). O preceito deu causa à edição das conhecidas súmulas 70, 323, 523 e 547 do STF.
Transcrevo, por oportuno, o art. 5º, LIV e LV da Lei Fundamental/88:
LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; LV -
aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes
.
Ora,
"A teoria do devido processo legal, construída na jurisprudência da Suprema Corte dos Estados Unidos, compreende duas perspectivas: substantive due process e procedural due process. A primeira é projeção do princípio no campo do direito material, enquanto a segunda funciona como garantia na esfera processual. O espectro da proteção é o trinômio vida-liberdade-propriedade."
(BACELLAR FILHO, Romeu Felipe.
Processo administrativo disciplinar.
São Paulo: Max Limonad. p. 223).
Desse modo,
"Quanto ao procedural due process, os dois interesses centrais podem ser identificados no caso Marschall versus Jerrico, inc. 446 US 238 (1980):
o governo não deve privar uma pessoa de um interesse importante a menos que a correta compreensão dos fatos e a lei permita; mesmo se o governo puder legalmente privar alguém de um interesse importante, o indivíduo tem o direito de ser ouvido perante uma Corte neutra antes da privação
. Enquanto a primeira regra prende-se à realidade da Justiça ("actuality of justice"), a segunda envolve a aparência de justiça ("appearance of justice")"
(BACELLAR FILHO.
Obra.
p. 224).
Reporto-me também à lição de Canotilho:
"
Processo devido em direito significa a obrigatoriedade da observância de um tipo de processo legalmente previsto antes de alguém ser privado da vida, da liberdade e da propriedade. Nestes termos, o processo devido é o processo previsto na lei para a aplicação de penas privativas da vida, da liberdade e da propriedade
. Dito por outras palavras: due process equivalente ao processo justo definido por lei para se dizer o direito no momento jurisdicional de aplicação de sanções criminais particularmente graves (...) o due process of law pressupõe que o processo legalmente previsto para a aplicação de penas seja ele próprio um processo devido, obedecendo aos trâmites procedimentais formalmente estabelecidos na Constituição ou plasmados em regras regimentais das assembleias legislativas."
(CANOTILHO, José Joaquim Gomes.
Direito constitucional e teoria da Constituição.
7ª ed. Almedina, p. 493)
Sob o enfoque material, portanto, a cláusula do art. 5º, LIV, CF, condiciona a restrição a direitos fundamentais aos requisitos de idoneidade, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.
2.24. Controle da proporcionalidade:
Ademais, como notório, a atuação das entidades estatais deve respeitar ao postulado da proporcionalidade, questão verbalizada expressamente pelo art. 18 da Constituição de Portugal de 1976 e que remanesce implícita, na Lei Maior brasileira (art. 5º, LIV - enquanto projeção material da cláusula do devido processo).
Art. 18 - Constituição de Portugal. 1. Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas. 2.
A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos
. 3. As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.
Reporto-me, tanto por isso, à lição de Bernal Pulido:
"1. Segundo o
subprincípio da idoneidade
, toda intervenção nos direitos fundamentais deve ser adequada para contribuir para a obtenção de um fim constitucionalmente legítimo. 2. Conforme o
subprincípio de necessidade
, toda medida de intervenção nos direitos fundamentais deve se a mais benigna com o direito no qual se interveio, dentre todas aquelas que revistam da mesma idoneidade para contribuir para alcançar o fim proposto. 3. No fim, conforme o
princípio da proporcionalidade em sentido estrito
, a importância dos objetivos perseguidos por toda intervenção nos direitos fundamentais deve guardar uma adequada relação com o significado do direito intervindo. Em outros termos, as vantagens que se obtém mediante a intervenção no direito devem compensar os sacrifícios que esta implica para seus titulares e para a sociedade em geral."
(PULIDO, Carlos Bernal.
El principio de proporcionalidad y los derechos fundamentales:
el principio de proporcionalidad como criterio para determinar el contenido de los derechos fundamentales vinculantes para el legislador. 3. ed. Madri: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales. 2007. p. 42)
Ou seja, as opções estatais não podem ser promovidas com excesso, eis que deve se conter ao mínimo indispensável para a salvaguarda dos interesses públicos que o justificam. Deve-se atentar para o conhecido postulado
odiosa sunt restringenda
(
Übermamaßverbot
). A respeito do tema, menciono também a obra de Suzana de Toledo Barros.
O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das Leis restritivas de direitos fundamentais.
Brasília jurídica, 2ª ed., p. 69/82.
Transcrevo, ademais, a análise de Canotilho e Vital Moreira:
"O terceiro pressuposto material para a restrição legítima de direitos, liberdades e garantias consiste naquilo que genericamente se designa por princípio da proporcionalidade. Foi a LC 01/82 que deu expressa guarida constitucional a tal princípio (art. 18-2, 2ª parte), embora já antes, não obstante a ausência de texto expresso, ele fosse considerado um princípio material inerente ao regime dos direitos, liberdades e garantias.
O princípio da proporcionalidade (também chamado de princípio da proibição de excesso) desdobra-se em três subprincípios
: (a) princípio da adequação (também designado como princípio da idoneidade), isto é, as medidas restritivas legalmente previstas devem revelar-se como meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei (salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); (b) princípio da exigibilidade (também chamado de princípio de necessidade, ou da indispensabilidade), u seja, as medidas restritivas previstas na Lei devem revelar-se necessárias (tornaram-se exigíveis), porque os fins visados pela Lei não podiam ser obtidos por outros meios menos onerosos para os direitos, liberdades e garantias; (c) princípio da proporcionalidade em sentido estrito, que significa que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa justa medida, impedindo-se a adopção de medidas legais restritivas desproporcionadas, excessivas, em relação aos fins obtidos.
Em qualquer caso, há um limite absoluto para a restrição de direitos, liberdades e garantias, que consiste no respeito ao conteúdo essencial dos respectivos preceitos
."
(CANOTILHO, J.J. Gomes; MOREIRA, Vital.
Constituição da República Portuguesa Anotada.
Volume 1: arts. 1º a 107. 1ª ed. brasileira. 4ª edição portuguesa. Coimbra Ed. p. 394-395)
Vale dizer: a restrição a direitos fundamentais deve ser graduada pelo critério da indispensabilidade; ela somente pode ser imposta quando - e no limite em que - se revelar indispensável. Do contrário, o chamado núcleo essencial dos direitos fundamentais (
Wesengehalt
) restaria atingido, como reconhecem expressamente o art. 18 da Constituição de Portugal/1976 e implicitamente a nossa Lei Maior.
Acrescento que o Poder Judiciário pode controlar a proporcionalidade dos atos administrativos, a fim de aferir se não implicam um comprometimento injustificado das expectativas jurídicas legítimas dos sujeitos, em prol de um retorno social que se revele reduzido ou inadequado. Como registrei antes, o mérito do ato administrativo não se furta ao controle jurisdicional, conquanto isso deva ser empregado com redobradas cautelas.
ATO ADMINISTRATIVO. CONTROLE JUDICIAL. PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. 1.
Ao controle judicial submete-se não apenas a legalidade do ato administrativo, como também a observância aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade e, uma vez verificada a desproporção entre a multa aplicada e a infração cometida, cabe ao Judiciário adequá-la a parâmetros razoáveis
. 2. Apelação não provida. 3. Peças liberadas pelo Relator, em 03/02/2009, para publicação do acórdão. (TRF-1 - AC: 20899 DF 1997.34.00.020899-0, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL LUCIANO TOLENTINO AMARAL, Data de Julgamento: 03/02/2009, 7. TURMA, Publicação: 20/02/2009 e-DJF1 p.370)
2.25. Dever de motivação:
A Administração Pública está obrigada a motivar os atos administrativos concretos, consectário direto do postulado da legalidade.
"
A motivação é elemento essencial para o controle, sobretudo para o controle judicial. Não haverá possibilidade de aferir se o ato se conteve dentro da competência administrativa, dentro da razoabilidade, que deve nortear toda competência, caso não sejam explicitadas as razões condutoras do provimento emanado
."
(FIGUEIREDO, Lúcia Valle.
Curso de direito administrativo.
5. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 174).
Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, o princípio da motivação
"implica para a Administração o dever de justificar seus atos, apontando-lhes os fundamentos de direito e de fato, assim como a correlação lógica entre os eventos e situações que deu por existentes e a providência tomada, nos casos em que este último aclaramento seja necessário para aferir-se a consonância da conduta administrativa com a lei que lhe serviu de arrimo."
(BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio.
Curso de Direito administrativo.
19ª Ed, revisada e atualizada. SP: Malheiros, 2005, p. 100).
O art. 2º, caput, lei 9784/1999 dispõe expressamente que
"
A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência
."
O art. 38, §1º da mesma lei preconiza que os elementos probatórios colhidos no curso da instrução devem ser considerados na motivação do relatório e da decisão. A motivação também é invocada, por exemplo, nos arts. 45 e 49 da mesma lei. O seu art. 50, §1º dispõe que
"A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato."
Registre-se, todavia, que os tribunais têm reconhecido a validade da fundamentação
per relationem,
inclusive quanto a deliberações judiciais:
"A decisão administrativa do Corregedor-Geral de Justiça empregou a chamada motivação
per relationem
- isto é, valeu-se integralmente das razões lançadas no parecer da Juíza-Corregedora para não conhecer do recurso -,
técnica essa que não é vedada, tampouco importa ausência de fundamentação
desde que o decisum se reporte a manifestações ou peças processuais que contenham os motivos, de fato e de direito, a amparar a conclusão judicial esposada, como na espécie."
(ROMS 200601698350, CASTRO MEIRA, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:10/02/2011 ..DTPB:. omiti o restante da ementa)
2.26.
Respeito à boa-fé objetiva:
Deve-se ter em conta, ademais, o postulado da boa-fé objetiva, enquanto preceito que deve regular a relação entre os sujeitos, entre estes e o Poder Público, mesmo entre distintas unidades da Administração Pública.
Com efeito, "
ao impor sobre todos um dever de não se comportar de forma lesiva aos interesses e expectativas legítimas despertadas no outro, a tutela da confiança revela-se, em um plano axiológico-normativo, não apenas como principal integrante do conteúdo da boa-fé objetiva,
mas também como forte expressão da solidariedade social, e importante instrumento de reação ao voluntarismo e ao liberalismo ainda amalgamados no direito privado como um todo
."
(SCHREIBER, Anderson.
A proibição de comportamento contraditório:
tutela da confiança e
venire contra factum proprium.
Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 91).
Ademais,
"
Os princípios da segurança jurídica e da boa-fé objetiva, bem como a vedação ao comportamento contraditório (venire contra factum proprium), impedem que a parte, após praticar ato em determinado sentido, venha a adotar comportamento posterior e contraditório
."
(AGRESP 200802418505, ARNALDO ESTEVES LIMA, STJ - QUINTA TURMA, DJE DATA:29/03/2010).
Acrescento que
"
O Poder Público não é um poder irresponsável e arbitrário, ele se vincula e se limita pelos seus próprios atos
. Não se pode reservar o privilégio, que se resume na mais cínica das prerrogativas que se arrogava o poder absoluto, de surpreender a boa-fé dos que confiam na sua palavra ou nas suas promessas, violando aquela ou anulando essas, depois de haver conseguido, por causa de uma ou de outras, as prestações cuja execução havia sido feita na boa-fé, fundamental não só ao seu comércio jurídico, como à convivência moral, de que a ninguém é dado retirar a palavra empenhada ou desfazer a promessa mediante a qual obteve vantagem de outrem ou lhe causou ou infligiu sacrifício."
(CAMPOS, Francisco.
Direito administrativo.
vol. I. Livraria Freitas Bastos, 1958, p. 70-71)
O respeito à boa-fé objetiva corresponde a "
uma norma de conduta que impõe aos participantes de uma relação obrigacional um agir pautado pela lealdade, pela consideração dos interesses da contraparte. Indica, outrossim, um critério de interpretação dos negócios jurídicos e uma norma balizamento ao exercício de direitos subjetivos e poderes formativos."
(MARTINS-COSTA, Judith.
Comentários ao novo Código Civil.
RJ: Forense, 2005, p. 42).
Com as devidas adequações, essas regras também são oponíveis ao Estado. Nâo se pode reconhecer à Administração Pública a prerrogativa de surpreender os sujeitos, cobrando valores sem que lhes tenha comunicado anteriormente a causa dessa obrigaçã, ou modificando de inopino cláusulas contratuais.
"
Este Tribunal já decidiu que a frustração de expectativas legítimas criadas pelo poder público configura verdadeira afronta ao princípio da boa-fé objetiva, em seu postulado da proibição ao `venire contra factum proprium, que também deve ser respeitada pela Administração Pública
. Através da referida cláusula, vedam-se os comportamentos contraditórios que aviltam direitos e deveres previamente fixados entre as partes e quebram a relação de confiança que deveria prevalecer"
(TRF-1 - REOMS: 10056493420184013200, Relator: Desembargador Federal João Batista Moreira, Data de Julgamento: 06/07/2020, Sexta Turma, Data de Publicação: 07/07/2020).
A legislação processual civil trata do respeito à boa-fé objetiva no curso da demanda, conforme seus
arts. 7, 322, §2 e 489, §3, CPC/15
.
2.27. Postulado da
legalidade
e atuação administrativa:
Atualmente, tem havido uma profusão de normas veiculadas em portarias, circulares e quejandos. Isso se explica pela necessidade de freqüentes adaptações da estrutura estatal às perturbações conjunturais. Exige-se um quadro flexível o suficiente, que permita adequações de rota, frente a eventuais crises internacionais, por exemplo.
Não raras vezes, isso suscita debates a respeito da legitimidade de tais dispositivos; afinal de contas, como sabido, ninguém pode ser obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei (art. 5º, II, CF). O poder emana do povo por meio dos seus representantes eleitos (art. 1º, parágrafo único, CF) e a Administração Pública apenas pode fazer aquilo que lhe tenha sido expressa e detalhadamente franqueado em lei.
Paulo Affonso Leme Machado sustenta, por exemplo, não haver grandes embaraços a que a Administração Pública regulamente, por meio do Poder Executivo, quais seriam as condutas rotuladas como infração administrativa:
"Infração administrativa ambiental é toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente (art. 70, caput). As regras jurídicas deve estar expressas em algum texto, devidamente publicado. O autor de infração ambiental deverá apontar a regra jurídica violada. 'Ao contrário do Direito Penal, em que a tipicidade é um dos princípios fundamentais, decorrente do postulado segundo o qual não há crime sem lei que o preveja, no Direito Administrativo prevalece a atipicidade; são muito poucas as infrações descritas na lei, como ocorre com o abandono do cargo' - ensina Maria Sylvia Zanella Di Pietro."
(MACHADO, Paulo Affonso Leme.
Direito ambiental brasileiro.
21. ed. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 372)
Essa observação deve ser examinada com temperamentos, eis que o postulado da legalidade autorizativa, previsto no art. 37 da Lei Fundamental/88, também vigora nesse âmbito, reitere-se. A Administração Pública pode fazer o que está autorizada em lei. Paulo de Bessa Antunes argumenta, em sentido contrário, que
"
existe uma clara natureza bifronte no que diz respeito às infrações administrativas de índole ambiental: (i) expressão previsão legal e (ii) remissão às normas administrativas, em fórmula geral, como é o caso do art. 70 da lei 9605/1998. A matéria será tratada mais adiante, especialmente no que diz respeito ao duplo sistema, o qual, em meu modo de ver, carece de sustentação constitucional
."
(ANTUNES, Paulo.
Direito ambiental.
15. ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 268).
Ainda segundo aquele autor,
"As normas que estabelecem os ilícitos administrativos praticados contra o meio ambiente são, a toda evidência, normas restritivas da ação privada, haja vista que definem condutas puníveis, cerceando a liberdade de terceiros. Não se discute da necessidade de estabelecer limites à atividade particular com vistas a garantir a salubridade ambiental. O ponto de discussão está no método utilizado para a definição das restrições. O decreto n. 6514/2008, a partir de uma suposta autorização genérica contida no art. 70 e ss. da lei 9605/1998 simplesmente repetiu, em grande parte, os tipos penais existentes na lei e atribuiu-lhes a condição de tipos administrativos."
(ANTUNES, Paulo de Bessa.
Obra citada,
p. 272).
Ainda que tais obras versem sobre a temática ambiental, a lógica é em tudo aplicável no âmbito da intervenção econômica como um todo. Vê-se que o tema envolve alguma polêmica. Convém atentar também para a lição de Eduardo Salomão Neto e de Marçal Justen Filho a respeito desse tema
:
"Qualquer disposição que autorizasse o exercício de competência regulamentar pelo CMN ou pelo BC, principalmente se tal exercício envolvesse a atribuição de direitos e obrigações a particulares, implicaria portanto delegação vedada de competência constitucional para legislar.
Devemos, no entanto, reagir a esse entendimento, como faz Eros Roberto Grau, argumentando, em resumo, que a função legislativa do Estado deve ser separada de sua função normativa. Norma jurídica seria, para ele, o preceito abstrato, genérico e inovador - tendente a regulamentar o comportamento social de sujeitos associados - que se integra no ordenamento jurídico
.
A função normativa está distribuída pelo Estado como um todo, sendo necessário apenas que a Lei, em obediência ao preceito contido no art. 5º, II, da Constituição Federal, dê a autorização necessária para que essa função se exerça. Sendo a função normativa uma das funções originárias do poder Executivo, a autorização legislativa para exercê-la não implicaria delegação, mas mera condição para esse exercício.
De fato, embora o sentido do artigo 5º, II, da Constituição Federal não seja que todas e quaisquer obrigações devam estar em normas legais, implica esse dispositivo, todavia, que toda e qualquer obrigação tenha um fundamento legal. Em outras palavras: para que seja válida, toda e qualquer obrigação deve poder encontrar numa norma legal (e não regulamentar) o seu fundamento de validade. Assim nos parece deva ser entendida a expressão em virtude de lei contida no dispositivo constitucional em questão." (SALOMÃO NETO, Eduardo.
Direito Bancário.
Atlas, p. 104-105)
"Em síntese, o exercício da competência legislativa pode traduzir-se em duas modalidades de disciplina normativa, relativamente à margem de autonomia reconhecida à autoridade pública encarregada da atividade de aplicação da norma. A Lei poderá optar por disciplinar completa e exaustiva, em que todos os pressupostos de incidência e todos os ângulos do comando normativo estão previamente determinados, de modo abstrato, através de lei. Quando assim se formaliza a disciplina legislativa, alude-se à configuração de uma competência vinculada do aplicador à lei.
Mas também se admite que a Lei adote disciplina que deixa margem para maior autonomia do seu aplicador. Nesses casos, um ou mais dos pressupostos de incidência da norma ou uma ou mais das determinações mandamentais não estão disciplinadas de modo exaustivo através da Lei. Atribui-se ao aplicador a competência para identificar os pressupostos ou determinar os comandos normativos para o caso concreto. Nesse caso, surge para o aplicador da Lei uma competência discricionária. A delegação normativa secundária, a que ora se refere, identifica-se com a atribuição de competência discricionária." (JUSTEN FILHO, Marçal.
O direito das agências reguladoras independentes.
São Paulo: Dialética, p. 513)
John Rawls sustenta o seguinte:
"O vínculo entre o império da lei e a liberdade é bem claro. A liberdade, como já afirmei, é um complexo de direitos e deveres definidos por instituições. As diversas liberdades especificam coisas que podemos optar por fazer, se assim o desejarmos, e nas quais, quando a natureza da liberdade as torna apropriadas, todos têm um dever de não interferir.
Mas se for violado o princípio de que não há crime sem uma lei, por exemplo, em virtude de os estatutos serem vagos e imprecisos, o que temos liberdade de fazer fica igualmente vago e impreciso. Os limites de nossa liberdade se tornam incertos. E na medida em que isso acontece, a liberdade é restringida por um temor razoável de exercê-la
."
(RAWLS, John.
Uma teoria da justiça.
Trad. Jussara Simões. SP: Martins Fontes, 2008. p. 296-297),
Reporto-me à lição do juiz federal Heraldo Garcia Vitta:
"
Pouco valeria o princípio da legalidade se o administrador pudesse impor penalidades administrativas sem que houvessem sido definidos, com antecedência e de maneira exaustiva, os comportamentos que são pressupostos de sanções
. Do mesmo modo, o referido princípio seria inócuo se, acaso, o administrador pudesse determinar as infrações por atos subalternos da lei, ficando ao Legislativo apenas a enumeração das respectivas penalidades."
(GARCIA VITTA
apud
ANTUNES, Paulo de Bessa. Obra citada, 275).
Transcrevo, ademais, a conclusão da obra de Fabrício
Motta
, conquanto o excerto seja extenso:
"a)
Existem bases para o reconhecimento da função normativa da Administração Pública no ordenamento jurídico brasileiro
?
O ordenamento jurídico brasileiro admite o exercício de função normativa pelos órgãos e entidades que compõem a Administração Pública. Deve-se relembrar que a função normativa pode ser compreendida como gênero que abrange as espécies função legislativa e função normativa em sentido estrito.
Nesse sentido, o ordenamento contempla a possibilidade de edição de normas distintas da lei editada pelo Poder Legislativo. Essa possibilidade não afronta o princípio constitucional da legalidade, desde que considerado na acepção ampliada, adequada ao estágio do Estado Constitucional. Na acepção proposta, o princípio deve ser encarado em sintonia com os demais princípios constitucionais, de forma a reconhecer-lhes normatividade. A consideração da legalidade em acepções restritas a transformaria em mero sinônimo de reserva legal, a qual é apenas uma das suas dimensões.
Desta maneira, a Administração encontra-se vinculada a todo o ordenamento, sobretudo à Constituição da República, em diferentes intensidades e formas. O fundamento imediato de qualquer ato ou ação da Administração nesse sentido pode se encontrar na própria Constituição, não só na lei.
Os atos normativos editados pela Administração Pública possuem generalidade e abstração em variadas intensidades, não sendo possível identificar à moda tudo ou nada. Da mesma maneira, a integração destes atos ao ordenamento e a extensão e aplicabilidade de seus efeitos são variáveis, muito embora seja sempre possível e necessário aferr a incorporação da fonte responsável pela sua edição.
b)
Como a resposta foi afirmativa: b.1.) qual seu fundamento, sua relevância, suas possibilidades e seus limites
?
O fundamento da função normativa da Administração não é unívoco. Com efeito, existem competências normativas previstas explicitamente pela Constituição: regulamento, decreto autônomo, competência derivada a autonomia, competência atribuída a órgãos despidos de autonomia, mas com função normativa, atos normativos derivados de segundo grau. Outras competências são previstas explicitamente pela lei, que incumbe a Administração de elaborar ato normativo secundário, subordinado à mesma lei, para tratar de determinado assunto. Nesta situação, esses atos deverão obedecer aos parâmetros legalmente estabelecidos. A obediência aos princípios constitucionais também é imperativa, inclusive na ausência de parâmetros legais claros.
Em outras situações, o ordenamento admite o exercício implícito da função normativa. A existência de competências implícitas é creditada, sobretudo, à força normativa da Constituição e à vinculação direta da Administração aos seus preceitos, acenando, inclusive, para a possibilidade de aplicação direta da mesma, sem intermediação legislativa, em algumas hipóteses.
Em determinadas situações específicas, é possível reconhecer com maior nitidez a irrupção da competência normativa implícita:
a) o princípio da segurança jurídica exige que seja previamente fixada, quando possível - e levada ao conhecimento do público - a acepção conferida pela Administração a um conceito de menor densidade, a priori indeterminado. Esta fixação deve ser feita por meio de atos normativos, que não somente terão a função informativa para o particular como, sobretudo, direcionarão e vincularão a atividade dos órgãos e agentes subordinados, evitando aplicações diferenciadas do ordenamento;
b) como a Administração pode estar obrigada a agir em razão de imposições extraídas diretamente dos princípios constitucionais, a edição de ato normativo pode ser necessária para que o cidadão tenha, antecipadamente, ciência das posições da Administração e possa, com isso, programar suas condutas.
c) o procedimento, gênero que compreende a espécie processo, funciona como garantia constitucional, assegurando a regularidade e a racionalidade do poder estatal. É interessante, em particular, a função do procedimento de sistematizar as atuações administrativas, mediante o estabelecimento de diretrizes-padrão para a condução das atividades. Em diversos casos, pode ser necessária a edição de ato normativo para disciplinar o procedimento. ESsa necessidade pode ou não ser observada em virtude do risco de normatização excessiva, que afrontaria os princípios da segurança jurídica e da eficiência administrativa. O exercício da função normativa será obrigatório, conduto, quando existir risco de afronta ao princípio constitucional de isonomia, e quando for necessário à eficácia de algum direito fundamental.
d) no exercício os poderes conferidos em razão de relações hierárquicas, existe a possibilidade jurídica de emanar comandos vinculados a todos os órgãos subordinados, específicos para uma situação concreta ou de aplicação generalizada e abstrata, mediante a expedição de atos normativos. A existência de relação hierárquica deve ser verificada em cada caso, mediante observação do ordenamento. A necessidade de organização, conduto, não se restringe às hipóteses em que existe relação de hierarquia. Em outras situações, é possível identificar a necessidade de organizar as atividades administrativas, mediante a edição de atos normativos, para que seja possível alcançar as finalidades estabelecidas pelo ordenamento.
Os limites impostos aos atos normativos existem, sobretudo, em razão da organização escalonada do ordenamento. Com efeito, deve-se verificar em qual degrau hierárquico se posiciona o ato editado, para, então, observar quais atos lhe serão superiores. Na maioria das situações, com exceção das situações em que o ato fundar-se explicitamente na Constituição, será aplicada a preferência da lei. Em qualquer caso, por imposição do conteúdo material do princípio da legalidade, não se admite que o teor da norma afronte regras e princípios constitucionais." (MOTA, Fabrício.
Função normativa da Administração Pública.
Belo Horizonte: Editora Fórum, 2007, p. 256-260)
O Poder Executivo possui, destarte, certa atribuição normativa, como bem explicita Fabrício Mota. Não obstante, é igualmente certo que, segundo a Constituição, ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei (art. 5º, II, CF), de modo que aludidos decretos não podem ganhar foros inovadores (decretos autônomos), sob pena de deturpação do art. 37, CF/88.
2.28. Breves notas sobre o postulado da isonomia:
A forma republicana é incompatível com a atribuição de privilégios ou com a imposição de prejuízos para grupos específicos de indivíduos, de forma arbitrária (p.ex., art. 5º,
caput
e art. 150, II, CF).
Roque Antônio Carrazza sustenta, por exemplo, que
"numa verdadeira República não pode haver distinções entre nobres e plebeus, entre grandes e pequenos, entre poderosos e humildes. É que, juridicamente, nela não existem classes dominantes, nem classes dominadas. Assim, os títulos nobiliárquicos desaparecem e, com eles, os tribunais de exceção. Todos são cidadãos, não súditos."
(CARRAZZA, Roque Antônio.
Curso de direito constitucional tributário.
19. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 48).
José Afonso da Silva argumenta que
"
a igualdade constitui o signo fundamental da democracia. Não admite privilégios e distinções que um regime simplesmente liberal consagra
."
(SILVA, José Afonso da.
Curso de direito constitucional positivo.
13. ed. SP: Malheiros. 1997, p. 206).
Assim, é indiscutível a relevância do princípio da igualdade. Isso não se traduz, todavia, na imposição de uma espécie de leito de Procusto, pela qual todos os sujeitos deveriam estar submetidos a normas absolutamente idênticas. A vingar algo do gênero, impondo tratamento rigorosamente homogêneo entre crianças, adultos e idosos, deficientes físicos e atletas, milionários e marginalizados, a isonomia viraria mero eufemismo.
Daí o relevo da observação de José Afonso da Silva:
"O conceito de igualdade provocou posições extremadas. Há os que sustentam que a desigualdade é a característica do universo. Assim, os seres humanos, ao contrário da afirmativa do art. 1º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, nascem e perduram desiguais. Nesse caso, a igualdade não passaria de um simples
nome,
sem significação no mundo real, pelo que os adeptos dessa corrente são denominados de
nominalistas.
No polo oposto, encontram-se os
idealistas,
que postulam um igualitarismo absoluto entre as pessoas. Afirma-se, em verdade, uma igual liberdade natural ligada à hipótese do estado de natureza, em que reinava uma igualdade absoluta. (...)
Aristóteles vinculou a ideia de igualdade à ideia de justiça, mas, nele, trata-se de igualdade de justiça relativa que dá a cada um o seu, uma igualdade - como nota Chomé - impensável sem a desigualdade complementar e que é satisfeita se o legislador tratar de maneira igual os iguais e de maneira desigual os desiguais. Cuida-se de uma justiça e de uma igualdade formais, tanto que não seria injusto tratar diferentemente escravo e seu proprietário (
sic
); sê-lo-ia, porém, se os escravos, ou seus senhores, entre si, fossem tratados desigualmente. No fundo, prevalece, nesse critério de igualdade, uma injustiça real. Essa verificação impôs a evolução do conceito de igualdade e de justiça, a fim de se ajustarem às concepções formais e reais ou materiais
." (SILVA, José Afonso da.
Curso de direito constitucional positivo.
13. ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 208)
Muito embora seja um truísmo, deve-se ter em conta que a Constituição não veda a diferenciação entre os sujeitos, eis que isso é mesmo da própria essência do regime jurídico. O que a Lei Maior veda, isso sim, é a
diferenciação despropositada
, impertinente, fundada em mero capricho dos legisladores e administradores. O importante é aferir, tanto por isso, se o fator de
discrimen
empregado pelos servidores do povo convive harmonicamente com a Constituição - e essa é, a bem da verdade, a grande questão.
Reporto-me à lição de Joaquim Gomes Canotilho:
"A fórmula "o igual deve ser tratado igualmente e o desigual desigualmente' não contém o critério material de um juízo de valor sobre a relação de igualdade (ou desigualdade). A questão da igualdade justa pode colocar-se nesses termos: o que é ´que nos leva a afirmar que uma lei trata dois indivíduos de uma forma igualmente justa? Qual o critério de valoração para a relação de igualdade?
Uma possível resposta, sufragada em algumas sentenças do Tribunal Constitucional [lusitano], reconduz-se à proibição geral do arbítrio: existe observância da igualdade quando indivíduos ou situações iguais não são arbitrariamente (proibição de arbítrio) tratados como desiguais. Por outras palavras:
o princípio da igualdade é violado quando a desigualdade de tratamento surge como arbitrária
.
O arbítrio da desigualdade seria condição necessária e suficiente da violação ao princípio da igualdade
. Embora ainda hoje seja corrente a associação do princípio da igualdade como princípio da proibição do arbítrio, este princípio, como simples princípio de limite, será também insuficiente se não transportar já, no seu enunciado normativo-material, critérios possibilitadores da valoração das relações de igualdade ou desigualdade. Esta a justificação de o princípio da proibição do arbítrio andar sempre ligado a um fundamento material ou critério material objectivo. Ele costuma ser sintetizado da forma seguinte: existe uma violação arbitrária da igualdade jurídica quando a disciplina jurídica não se basear num (i) fundamento sério; (ii) não tiver um sentido legítimo; (iii) estabelecer diferenciação jurídica sem um fundamento razoável. Todavia, a proibição do arbítrio intrinsecamente determinada pela exigência de um fundamento razoável implica, de novo, o problema de qualificação desse fundamento, isto é, a qualificação de um fundamento como razoável aponta para um problema de valoração.
A necessidade de valoração ou de critérios de qualificação bem como a necessidade de encontrar elementos de comparação subjacentes ao caráter relacional do princípio da igualdade implicam: (1) a insuficiência do arbítrio como fundamento adequado de valoração; (2) a imprescindibilidade da análise da natureza, do peso, dos fundamentos ou motivos justificadores de soluções diferenciadas; (3) insuficiência da consideração do princípio da igualdade como um direito de natureza apenas defensiva ou negativa. Esta ideia de
igualdade
justa
deverá aplicar-se mesmo quando estamos em face de medidas legislativas de graça ou de clemência (perdão, amnistia), pois embora se trate de medidas que, pela sua natureza, transportam referências individuais ou individualizáveis, elas não dispensam a existência de fundamentos materiais justificativos de eventuais tratamentos diferenciadores." (CANOTILHO, J.J. Gomes.
Direito constitucional e teoria da Constituição.
7. ed. Coimbra: Almedina, 2003, p. 428-429)
Semelhante é a análise empreendida por Celso Antônio Bandeira de Mello, quando enfatiza o que segue:
"Parece-nos que o reconhecimento das diferenciações que não podem ser feitas sem quebra da isonomia se divide em três questões: (a) a primeira diz com o elemento tomado como fator de desigualização; (b) a segunda reporta-se à correlação lógica abstrata existente entre o fator erigido em critério de descrímen e a disparidade estabelecida no tratamento jurídico diversificado; (c) a terceira atina à consonância desta correlação lógica com os interesses absorvidos no sistema constitucional e destarte juridicizados.
Esclarecendo melhor: tem-se que investigar, de um lado, aquilo que é adotado como critério discriminatório; de outro, cumpre verificar se há justificativa racional, isto é, fundamento lógico para, à vista do traço desigualador acolhido, atribuir o específico tratamento jurídico construído em função da desigualdade proclamada. Finalmente, impende analisar se a correlação ou fundamento racional abstratamente existente é, in concreto, afinado com os valores prestigiados no sistema normativo constitucional. A dizer: se guarda ou não harmonia com eles.
Em suma: importa que exista mais que uma correlação lógica abstrata entre o fator diferencial e a diferenciação consequente. Exige-se, ainda, haja uma correlação lógica concreta, ou seja, aferida em função dos interesses abrigados no direito positivo constitucional. E isto se traduz na consonância ou dissonância dela com as finalidades reconhecidas como valiosas na Constituição.
Só a conjugação dos três aspectos é que permite a análise correta do problema. Isto é, a hostilidade ao preceito isonômico pode residir em quaisquer deles. Não basta, pois, reconhecer-se que uma regra de direito é ajustada ao princípio da igualdade no que pertine ao primeiro aspecto. Cumpre que o seja, também, com relação ao segundo e ao terceiro. É claro que a ofensa a requisitos do primeiro é suficiente para desqualificá-la. O mesmo, eventualmente, sucederá por desatenção a existências dos demais, porém quer-se deixar bem explícita a necessidade de que a norma jurídica observe cumulativamente aos reclamos provenientes de todos os aspectos mencionados para ser inobjetável em face do princípio isonômico
." (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio.
Conteúdo jurídico do princípio da igualdade.
3. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 21-22)
Vale a pena atentar, ademais, para o seguinte excerto da obra de Bandeira de Mello:
"O ponto modular para exame da correção de uma regra em face do princípio isonômico reside na existência ou não de correlação lógica entre o fator erigido em critério de discrímen e a discriminação legal decidida em função dele. Na introdução deste estudo sublinhadamente enfatizou-se este aspecto. Com efeito, há espontâneo e até inconsciente reconhecimento da juridicidade de uma norma diferenciadora quando é per perceptível a congruência entre a distinção de regimes estabelecida e a desigualdade de situações correspondentes. De revés, ocorre imediata e intuitiva rejeição de validade à regra que, ao apartar situações, para fins de regulá-las diversamente, calça-se em fatores que não guardam pertinência com a desigualdade de tratamento jurídico dispensado. Tem-se, pois, que é o vínculo de conexão lógica entre os elementos diferenciais colecionados e a disparidade de disciplinas estabelecidas em vista deles, o quid determinante da validade ou invalidade de uma regra perante a isonomia."
(BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio.
Conteúdo jurídico do princípio da igualdade.
3. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 21-22)
Com efeito, é indispensável que se aprecie a correlação lógica entre o fator de diferenciação e o tratamento jurídico dispensado. No exemplo de Bandeira de Mello, uma norma que atribuísse vantagens funcionais apenas aos servidores magros deveria ser reputada inconstitucional, por inadequação do critério eleito. Talvez esse mesmo critério possa ser aceito, todavia, quando se trata de atribuir prêmios para atletas que tenham conseguido perder massa, p.ex.
O STF já decidiu que
"O atentado à isonomia consiste em se tratar desigualmente situações iguais, ou em se tratar igualmente situações diferenciadas, de forma arbitrária, e não fundamentada.
É na busca da isonomia que se faz necessário tratamento diferenciado, em decorrência de situações que exigem tratamento distinto, como forma de realização da igualdade
."
(STF, RE 453.740, voto do Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 28-2-2007, DJ de 24-8-2007.)
A isonomia impõe, isso sim, a adoção de critérios razoáveis de diferenciação entre os sujeitos de direito. O problema está justamente nessa eleição dos elementos que podem ser tomados em conta para a diferenciação entre os administrados, como bem explicita Marciano Seabra Godoi:
"A máxima da igualdade é violada quando para a diferenciação legal, ou para o tratamento legal igual não é possível encontrar uma razão razoável, que surja da natureza da coisa ou que, de alguma outra forma, seja concretamente compreensível, é dizer, quando a disposição tem que ser qualificada como arbitrária."
(GODOI, Marciano Seabra de.
Justiça, igualdade e Direito Tributário.
São Paulo: Dialética, 1999, p. 132).
2.29. Conflitos normativos:
Conquanto muito possa ser dito sobre o tema, é fato que, nas sociedades contemporâneas, tem prevalecido a pluralidade de valores, encontrando abrigo nas dispositivos normativas. Assim, dinte da pretensão estatal de regular distintos aspectos da vida em comunidade, é fato que surgem inexorável conflitos entre preceitos. A Constituição tutela a propriedade individual, ao tempo em que impõe o respeito à função social. Proíbe a censura ao tempo em que também veda o discurso de ódio (caso Ellwanger - HC 82.424, STF). Assegura direitos animais, ao tempo em que parece se opor a uma ética vegana, dado ter regulado a pesca, conforme art. 24, VI, Constituição. A Constituição assegura a liberdade inerente ao respeito ao estado de inocência (art. 5, LVII, CF e ADC 43), ao tempo em que veda a concessão de liberdade provisória para presos em flagrante, por conta da suspeita da prática de crimes hediondos e equiparados (art. 5, XLIII, CF).
Na medida em que a vida humana não é isenta de conflitos, é fato que isso se projeta sobre a forma como os textos normativos são produzidos e interpretados, podendo ensejar soluções antagônicas para o mesmo caso ou para casos semelhantes, superando-se o mito ga "fungibilidade do juiz" (a suposição de que o mesmo caso, quando submetido a juízes diferentes, deveriam redundar na mesma resposta jurídica, salvo algum "defeito na máquina: falta de isenção, por exemplo).
Sem dúvida que, no Estado Constitucional, não apenas os juízes, mas também os legisladores estão obrigados a cumprir e fazer cumprir a Lei Maior. Diante de normas programáticas, porém, isso pode se converter em uma tarefa difícil, dado que muitos chegam a conclusões diferentes, diante do mesmo Texto Fundamental. Como diz o já citado Bernal Pullido,
"O problema se coloca justamente por conta da indeterminação normativa das disposições de direitos fundamentais. A indeterminação não é, contudo, uma propriedade exclusiva destas disposições, senão um fenômeno generalizado da linguagem, que afeta todo tipo de enunciados. A indeterminação se apresenta cada vez que um enunciado não deixa explícito de forma exaustiva o conjunto dos seus significados e, portanto, gera uma incerteza sobre se um ou vários significados específicos podem ser-lhe atribuídos."
(PULIDO, Carlos Bernal.
Obra citada.
p. 103).
É sabido que a "teoria da proporcionalidade" busca ofertar critérios para a deliberação judicial e mesmo administrativa, diante de efetivos conflitos valorativos. Para tanto, parte da premissa de que haveria diferença entre normas-princípios e normas-regras. As normas-princípios podem ser cumpridas de modo graduável, a exemplo do princípio de busca da justiça tributária. Cuida-se de um vetor que pode ser cumprido de modo progressivo, contínuo. Assim, pode-se dizer que um determinado país apresenta maior justiça tributária do que outro. Ou que um mesmo país tem atualmente mais justiça tributária do que no passado. Algo um tanto distinto ocorre com normas-regras. Nesse caso, incidem na base do tudo-ou-nada. É o que ocorre com a norma que exige lei para que um tributo seja exigido. Não há como atender esse requisito gradualmente. Há lei preconizando a cobrança do tributo - esse requisito foi cumprido, demandando-se o exame dos demais -, ou não. Assim, bem compreendida essa teoria, o princípio da legalidade penal é, na verdade, uma regra. A regra da legalidade, que exige que haja lei para cobrança do tributo e que não pode ser atendido gradualmente. Uma fração de lei não basta, um projeto de lei não basta, um debate legislativo não basta.
Não raro, invoca-se a "teoria da proporcionalidade" sem se atentar para essa diferenciação. As normas-princípios podem ser ponderadas, tendo-se-tudo-em-conta, em um determinado caso, a fim de se aferir - diante de um efetivo conflito normativo - qual princípio deve prevalecer, ofertando-se as razões para tanto. Claro que, para isso, não raro, invocam-se valores de segundo nível ou algum critério para se explicar a razão pela qual a norma-princípio A prevaleceria sobre a norma-B. No que toca às regras, a questão que se coloca é de geral-exceção, ou de derrotabilidade normativa. Ou seja, pode-se aferir o conflito em regras, mas isso implica o afastamento daquela regra para todos os demais casos semelhantes. Em frente à escola, a placa diz ser proibido conduzir o veículo com velocidade superior a 30km/h. É a regra. Essa norma pode ser excepcionada quando há alguém passando mal e carecendo de urgente tratamento no hospital mais próximo? E quando o colégio esteja fechado, em um feriado? Enfim, pode-se cogitar de exceções para regras. Mas, depois de reconhecidas, não se trata de ponderação. Trata-se de efetiva delimitação do alcance da regra, da sua subsunção.
Alexy explicita que
"O ponto decisivo na distinção entre regras e princípios é que princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Princípios são, por conseguinte, mandamentos de otimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas. O âmbito das possibilidades jurídica é determinado pelos princípios e regras colidentes. Já as regras são normas que são sempre ou satisfeitas ou não satisfeitas. Se uma regra vale, então, deve se fazer exatamente aquilo que ela exige; nem mais, nem menos. Regras contêm, portanto, determinações no âmbito daquilo que é fática e juridicamente possível. Isso significa que a distinção entre regras e princípios é uma distinção qualitativa, e não uma distinção de grau. Toda norma é ou uma regra ou um princípio."
(ALEXY, Robert.
Teoria dos direitos fundamentais.
Trad. Virgílio
Afonso da Silva
. SP: Malheiros, 2.008, p. 90-91).
Sem dúvida que isso apenas pode ser promovido depois da devida interpretação das fontes normativas, que normas-princípio e normas-regras são fruto da hermenêutica, da devida compreensão dos textos de leis ou dos costumes, quando estes adquirem o caráter de fonte normativa.
"
Dworkin oferece dois critérios de distinção. De acordo com este autor, em primeiro lugar, os princípios se diferenciam das regras desde uma perspectiva lógica, em razão do caráter da solução que oferecem. As regras são aplicáveis por completo ou não são aplicáveis em absoluto para a solução de um caso determinado. As regras geram ao juiz sempre uma disjunção extrema, lhe apresentam um dilema de tudo ou nada
. Se sucede o fato previsto na regra, o juiz deve aplicá-la por completo. Se, pelo contrário, o suposto de fato previsto pela regra não se verifica, ou apesar de ocorrer, ocorre uma exceção estipulada por ela, o juiz deve excluir a sua aplicação. Os princípios, ao contrário, não ostentam a estrutura condicional característica das regras, que se compõem de uma hipótese de incidência e de uma sanção. Os princípios não estabelecem com toda clareza quais são as circunstâncias da realidade diante das quais devem ser aplicados, nem quais são suas exceções, assim como tampouco determinam as consequências jurídicas que devem ser produzidas com a sua aplicação. Um princípio é só uma razão a favor de argumentações encaminhadas em certo sentido, mas não implicam necessariamente uma decisão concreta. Por efeito desse caráter, pode suceder que, 291 diante de uma certa situação fática, concorram dois ou mais princípios que resultem pertinentes e que entre em colisão entre si. Esta hipótese se apresenta quando os princípios concorrentes fundamentam diversas soluções contraditórias para o caso. Nessa situação, o juiz deve reconhecer que todos os princípios relevantes formam parte do sistema jurídico, e, portanto, deve tê-los em conta para construir sua decisão." (PULIDO, Carlos Bernal.
Obra citada.
p. 576-577).
Nesse mesmo sentido, BRANCO, Paulo Gustavo Gonet.
Juízo de ponderação na jurisdição constitucional.
São Paulo, Saraiva, 2009. p. 146-157. Com frequência, portanto, os litígios se dão com partes invocando como argumento dispositivos da mesma Constituição ou da mesma legislação infraconstitucional, com conteúdos aparentemente antagônicos, demandando-se então algum critério para solução da contradição, em prol da maior racionalidade pública.
Assim, em situações de efetivos dilemas normativos, a teoria da proporiconalidade pode ofertar mecanismos para que a solução se dê de modo transparente e bem fundamentado, ainda que não resolva suficientemente a questão valorativa que está na sua base
. Conquanto aponte o caminho a ser traçado para a decisão, não chega a ofertar mecanismos para que o intérprete identifique qual norma-princípio realmente deve prevalecer em um dado caso concreto.
2.30. Limites etários e isonomia:
Diante do equacionamento acima, não raro surgem problemas no que toca ao respeito ao direito à isonomia, quando em causa certas limitações etárias. Mesmo que alguém com 16 anos demonstre saber conduzir bem um veículo, apresentando laudos atestando isso, não poderá conduzi-lo, dado não ter atendido o requisito de idade.
Ainda que sujeito demonstre ter trabalhado muito, não poderá se aposentar no regime comum sem comprovar o atendimento de requisito etário. Há previsões etárias a respeito da prestação de serviço militar obrigatório. Isso se dá também quanto à aposentação compulsória etc. Nesses casos, a legislação presume um determinado contexto, associado à idade - a exemplo do que faz com o estatuto do idoso (lei 10.741/2003).
Hà alguma dificuldade em se promover a modificação desses critérios etários invocando o postulado da isonomia, dado cuidar-se de uma presunção decorrente de certas regras de experiência (art. 375, CPC/15). Não há como emancipar alguém com 14 anos, dado que o art. 5, do Código Civil, exige 16 anos e assim por diante.
De todo modo, em determinados contextos, aludidos limites etários podem ser revistos, sempre que se revelem arbitrários, se maior fundamentação para isso, a exemplo de imposição de limites etários para determinados concursos públicos, sem que haja uma motivação razoável para isso. Ao apreciar o ARE 678112, de relatoria do Ministro Luiz Fux, o Supremo Tribuntla consolidou o entendimento de que: "
O estabelecimento de limite de idade para inscrição em concurso público apenas é legítimo quando justificado pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido
." (ARE 678112 RG, Relator(a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 25-04-2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-093 DIVULG 16-05-2013 PUBLIC 17-05-2013)
Exige-se, pois, que haja lei válida fixando o limite de idade para participação de concursos públicos, de modo que a restrição não pode ser fixada apenas no edital do certame:
"
A fixação de limite de idade para a inscrição em concurso público é permitida, todavia, tal entendimento não prescinde de que a definição do limite etário inserida no edital esteja previamente estabelecida em lei
. Precedente do STF."
(TRF4, AG 5020166-86.2018.4.04.0000, TERCEIRA TURMA, Relatora VÂNIA HACK DE ALMEIDA, 23/08/2018)
2.31. Limite etário para ingresso nas Forças Armadas
O art. 142 da Constituição Federal preconizou o limite de idade para ingresso nas fileiras das Forças Armadas:
"As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem. (...) X -
a lei disporá sobre o ingresso nas Forças Armadas, os limites de idade, a estabilidade e outras condições de transferência do militar para a inatividade, os direitos, os deveres, a remuneração, as prerrogativas e outras situações especiais dos militares, consideradas as peculiaridades de suas atividades, inclusive aquelas cumpridas por força de compromissos internacionais e de guerra
."
A lei 12.705/2012 dispôs, no seu art. 3º, III, 'e', sobre aludidos critérios etários para atuação como militar nas Forças Armadas nacionais:
Art. 3º
São requisitos específicos para o candidato ao ingresso nos cursos de formação de oficiais e sargentos de carreira do Exército, nas formas definidas na legislação e regulamentação vigentes e nos editais dos concursos públicos
: (...) III -
atender aos seguintes requisitos de idade em 31 de dezembro do ano de sua matrícula
: a) no Curso Preparatório de Cadetes: possuir no mínimo 16 (dezesseis) e no máximo 21 (vinte e um) anos de idade; b) nos Cursos de Formação de Oficiais das Armas, do Quadro de Material Bélico e do Serviço de Intendência: possuir no mínimo 17 (dezessete) e no máximo 22 (vinte e dois) anos de idade; c) no Curso de Formação e Graduação do Quadro de Engenheiros Militares: possuir no mínimo 16 (dezesseis) e no máximo 22 (vinte e dois) anos de idade; d) no Curso de Formação de Oficiais do Quadro de Engenheiros Militares: possuir no máximo 26 (vinte e seis) anos de idade; e) nos cursos de formação de Oficiais Médicos, Dentistas, Farmacêuticos e do
Quadro Complementar de Oficiais: possuir, no máximo, 32 (trinta e dois) anos de idade; (Redação dada pela Lei nº 13.954, de 2019
) f) nos Cursos de Formação de Sargentos das diversas Qualificações Militares, exceto de Músico e de Saúde: possuir no mínimo 17 (dezessete) e no máximo 24 (vinte e quatro) anos de idade; e g) nos Cursos de Formação de Sargentos das Qualificações Militares de Músico e de Saúde: possuir no mínimo 17 (dezessete) e no máximo 26 (vinte e seis) anos de idade;
No que toca a tais limites, o STF já deliberou como segue:
DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO PARA INGRESSO NAS FORÇAS ARMADAS: CRITÉRIO DE LIMITE DE IDADE FIXADO EM EDITAL. REPERCUSSÃO GERAL DA QUESTÃO CONSTITUCIONAL. SUBSTITUIÇÃO DE PARADIGMA. ART. 10 DA LEI N. 6.880/1980. ART. 142, § 3º, INCISO X, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. DECLARAÇÃO DE NÃO-RECEPÇÃO DA NORMA COM MODULAÇÃO DE EFEITOS. DESPROVIMENTO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. 1. Repercussão geral da matéria constitucional reconhecida no Recurso Extraordinário n. 572.499: perda de seu objeto; substituição pelo Recurso Extraordinário n. 600.885. 2. O art. 142, § 3º, inciso X, da Constituição da República, é expresso ao atribuir exclusivamente à lei a definição dos requisitos para o ingresso nas Forças Armadas. 3.
A Constituição brasileira determina, expressamente, os requisitos para o ingresso nas Forças Armadas, previstos em lei: referência constitucional taxativa ao critério de idade. Descabimento de regulamentação por outra espécie normativa, ainda que por delegação legal. 4. Não foi recepcionada pela Constituição da República de 1988 a expressão “nos regulamentos da Marinha, do Exército e da Aeronáutica” do art. 10 da Lei n. 6.880/1980
. 5. O princípio da segurança jurídica impõe que, mais de vinte e dois anos de vigência da Constituição, nos quais dezenas de concursos foram realizados se observando aquela regra legal, modulem-se os efeitos da não-recepção: manutenção da validade dos limites de idade fixados em editais e regulamentos fundados no art. 10 da Lei n. 6.880/1980 até 31 de dezembro de 2011. 6. Recurso extraordinário desprovido, com modulação de seus efeitos.(RE 600885, Relator(a): CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 09-02-2011, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-125 DIVULG 30-06-2011 PUBLIC 01-07-2011 EMENT VOL-02555-03 PP-00398)
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região tem se pronunciado pela legalidade do requisito etário quando em consonância com a lei:
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO SELETIVO. MILITAR TEMPORÁRIO. LIMITE ETÁRIO.1. No julgamento do RE 600.885, com repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento de que a imposição de limites de idade para ingresso em concurso público deve ser requisito assentado em lei,
não sendo admissível a fixação do requisito etário apenas em edital de convocação, tampouco em regulamento
, que não tem força de lei formal.2. Existindo Lei prevendo o limite de idade para ingresso no Exército como militar temporário, cabível a introdução de tal exigência no edital de convocação do concurso. (TRF4, AC 5027887-22.2024.4.04.7100, 3ª Turma, Relator ROGERIO FAVRETO, julgado em 03/12/2024)
ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. MILITAR. CURSO DE FORMAÇÃO DE OFICIAIS DO SERVIÇO DE SAÚDE DO EXÉRCITO. MÉDICO ESPECIALISTA. LIMITE ETÁRIO. ART. 142, §3º, X, DA CF/1988. ART. 3º, III, ALÍNEA E, §3º DA LEI 12.705/2012. INDENIZAÇÃO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.1. Conforme o teor do art. 142, §3º, X, da Constituição Federal, a lei disporá sobre o ingresso nas Forças Armadas e os limites de idade .... 2.
A Lei 12.705/2012, que dispõe sobre os requisitos para ingresso nos cursos de formação de militares de carreira do Exército, em seu art. 3º, III, alínea e, §3º, dispõe: Art. 3º São requisitos específicos para o candidato ao ingresso nos cursos de formação de oficiais e sargentos de carreira do Exército, nas formas definidas na legislação e regulamentação vigentes e nos editais dos concursos públicos: III - atender aos seguintes requisitos de idade em 31 de dezembro do ano de sua matrícula: e) nos cursos de formação de Oficiais Médicos, Dentistas, Farmacêuticos e do Quadro Complementar de Oficiais: possuir, no máximo, 32 (trinta e dois) anos de idade
; § 3º O limite de idade estabelecido na alínea e do inciso III do caput deste artigo não se aplica aos médicos especialistas, que poderão possuir, no máximo, 34 (trinta e quatro) anos de idade em 31 de dezembro do ano de sua matrícula. 3. Existindo Lei prevendo o limite de idade para ingresso em seleção das Forças Armadas, cabível a introdução desta exigência no edital de convocação do concurso. 4. Caso em que o autor, médico especialista, possuía idade acima do limite etário fixado no art. 3º, III, alínea e, §3º, da Lei nº 12.705/2012 para o ingresso no Curso de Formação de Oficiais de Saúde do Exército.5. O art. 82, §2º, do CPC, refere-se às despesas relacionadas à prática de atos processuais, onde não se incluem os honorários advocatícios, sujeitos à regra especial do art. 85, do CPC. Deve ser afastada a condenação do recorrente ao pagamento de indenização de honorários advocatícios. (TRF4, AC 5009593-58.2020.4.04.7003, 12ª Turma, Relatora GISELE LEMKE, julgado em 06/09/2023)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO. CONCURSO. MILITAR. LIMITE DE IDADE PARA INSCRIÇÃO. LEGALIDADE. 1. Caso em que é mantida a decisão recorrida, que indeferiu tutela de urgência, requerida para o fim de inscrição do impetrante no Concurso de Admissão à Escola Preparatória de Cadetes do Exército - EsPCEx 2021, a fim de que participe das etapas do certame independentemente da sua idade, pois: a) a decisão recorrida está alinhada com o atual entendimento desta 4ª Turma, quanto à possibilidade de limite etário, conforme previsão legal, para inscrição em concurso militar; b) há expressa vedação legal para o ingresso do impetrante na carreira militar pleiteada, o que afasta o direito à inscrição naquele Concurso de Admissão; c) a controvérsia não se resolve unicamente com a aplicação do princípio da razoabilidade, na medida em que a carreira militar possui diversas idades-limite para a permanência no serviço ativo, o que também deve ser levado em consideração para que seja mantido o limite etário legal em discussão; d) o óbice à inscrição não se mostra ilegal ou arbitrário, pois pode-se antever a data em que será realizada a matrícula do candidato, cujo dia 31 do mês de dezembro do ano da matrícula serve de parâmetro para aferição do requisito da idade; e e) a autoridade impetrada, ao impedir a inscrição de candidatos que não satisfarão o requisito etário legal exigido para a matrícula no Curso de Formação e Graduação de Oficiais de Carreira da Linha de Ensino Militar Bélico, está atendendo aos princípios da legalidade e da eficiência da Administração Pública, que devem prevalecer ao interesse particular do impetrante de inscrever-se no concurso com o intuito de testar os seus conhecimentos.2. Agravo de instrumento desprovido. Agravo interno prejudicado. (TRF4, AG 5022751-09.2021.4.04.0000, 4ª Turma, Relator LUÍS ALBERTO D'AZEVEDO AURVALLE, julgado em 26/07/2021)
ADMINISTRATIVO. MILITAR TEMPORÁRIO. SELEÇÃO. LIMITE ETÁRIO . PREVISÃO LEGAL. POSSIBILIDADE. ARTIGO 142, § 3º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. LEI 12 .464/2011. SÚMULA 683 DO STF. INAPLICABILIDADE. REGIME CONSTITUCIONAL DIVERSO . 1.
No julgamento do RE 600.885, com repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento de que a imposição de limites de idade para ingresso em concurso público deve ser requisito assentado em lei, não sendo admissível a fixação do requisito etário apenas em edital de convocação, tampouco em regulamento, que não tem força de lei forma
l. 2 .
Existindo Lei prevendo o limite de idade para ingresso em seleção das Forças Armadas, cabível a introdução de tal exigência no edital de convocação do concurso
. 3. Não se desconhece a existência de julgados do e. STF no sentido de que o limite máximo de idade para ingresso nas Forças Armadas não seria aplicável aos profissionais da saúde, por não exercerem atividade militar típica . A despeito disso, entendo que tal entendimento não deve prevalecer porquanto a súmula 683 do STF - principal fundamento dos aludidos precedentes -, salvo melhor juízo, não se aplicaria às seleções para ingresso nas Forças Armadas quando embasadas em Lei, e à vista da não-incidência do inciso XXX do artigo 7º da CF ao regime constitucional das Forças Armadas, a teor expresso do artigo 142, § 3º, VIII, da Constituição Federal. 4.
Nem se argumente que a fixação de limite etário nesta hipótese consubstanciaria critério arbitrário ou desproporcional. Primeiro, porque o requisito encontra-se assentado em Lei . Segundo, e especialmente porquanto o artigo 20, inciso V, da Lei 11.705/2012, já contemplou limites etários diferentes, a depender da especialidade e curso de formação do cargo pretendido - prevendo limite etário bastante majorado para o Curso de Adaptação de Oficiais Médicos, Dentistas e Farmacêuticos da Aeronáutica -, em observância, de um lado, às especificidades de cada um dos ramos da Força Aérea, e, de outro, aos princípios da proporcionalidade, razoabilidade, legalidade, isonomia e, por via reflexa, da separação dos poderes
(artigo 2º da CF). (TRF-4 - AC: 50504838220194047000 PR, Relator.: VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, Data de Julgamento: 29/07/2020, 4ª Turma)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO CONSTITUICIONAL E ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. ADMISSÃO AO CURSO DE FORMAÇÃO DE SARGENTOS. LIMITE DE IDADE FIXADO EM EDITAL. OBEDIÊNCIA À LEI Nº 12.705/2012. RECURSO NÃO PROVIDO. - O artigo 142, § 3º, inciso X, da Constituição Federal preconiza que a lei disporá sobre o ingresso nas Forças Armadas, abordando, entre outros fatores, os limites de idade. - Não houve ressalva a respeito do art. 37, II, da Constituição Federal, de modo que é cabível às Forças Armadas certa discricionariedade a respeito dos tipos de seleção a serem adotados. - A questão foi pacificada pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE nº 600885/RS, com repercussão geral, nos termos do artigo 543-B do Código de Processo Civil/1973, definindo que a matéria relativa às condições de ingresso nas Forças Armadas deve ser disciplinada por lei formal em sentido estrito, a ser criada pelo Congresso Nacional, até 31/12/2011. -
Neste sentido a Lei nº 12.705/2012, que dispõe sobre os requisitos para ingresso nos cursos de formação de militares de carreira do Exército, elenca no art. 3º alguns requisitos, dentre eles os limites de idade. - Outrossim, em respeito ao princípio da segurança jurídica, determinou-se que os concursos realizados com base nas condições fixadas pelos atos normativos infralegais, anteriores ao julgamento do RE nº 600885/RS, continuariam válidos
. - O edital do concurso ora debatido traz a seguinte disposição: "3. INSCRIÇÃO (...) 3) possuir no mínimo, 17 (dezessete) e, no máximo, 24 (vinte e quatro) anos de idade, sendo que, para as áreas de saúde e música, a idade máxima será de 26 (vinte e seis) anos de idade. Para todas as áreas as idades serão referenciadas a 31 de dezembro do ano da matrícula, conforme inciso III do art. 3º da Lei nº 12.705, de 2012; (...)" - Verifica-se, portanto, que o edital está em perfeita consonância com o previsto em lei vez que traz em sua redação requisitos idênticos aos encontrados na norma jurídica. Desse modo, insta salientar, a declaração de nulidade do subitem 3 do edital, implica, de forma transversa, na negativa de vigência da lei n. 12.705/12, o que não pode ser obtido pela via eleita. - Demais disso, o STF não considera inconstitucional o limite de idade para ingresso em carreira militar, desde que sejam fundadas as razões para a exigência. - A limitação etária é vista como requisito legítimo dentro das Forças Armadas, considerando as peculiaridades das atribuições militares, as quais, via de regra, exigem requisitos especiais atrelados a natureza do cargo. - Assim, a limitação prevista no edital do "Concurso de Admissão aos cursos de formação de sargentos 2017-18, áreas combatente/logístico-técnica/aviação, música e saúde" encontra respaldo legal suficiente para ser mantida. - Agravo de instrumento não provido. (AI 0014773-69.2016.4.03.0000, DESEMBARGADORA FEDERAL MÔNICA NOBRE, TRF3 - QUARTA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:25/05/2018).
ADMINISTRATIVO. MILITAR. EXAME DE ADMISSÃO. CURSO DE FORMAÇÃO DA ESCOLA DE SARGENTO DAS ARMAS. LIMITAÇÃO ETÁRIA. RE Nº 600.885/RS. LEI 12.705/12. REQUISITO VÁLIDO. 1. No julgamento do Recurso Extraordinário n.º 600.885, na sistemática estabelecida no art. 543-B do Código de Processo Civil, o STF reconheceu a exigência de lei para a imposição de restrição etária ao acesso a cargos públicos, porém admitiu a validade dos limites de idade fixados em editais e regulamentos, com base no art. 10 da Lei n.º 6.880/1980, até 31 de dezembro de 2011, preservando o direito daqueles que buscaram a via judicial. 2. Em sede de embargos de declaração, julgados em 29/06/2012, a Suprema Corte prorrogou os efeitos da declaração de não recepção até 31 de dezembro de 2012, deixando expresso que essa modulação não alcançaria os candidatos com ações ajuizadas nas quais se discute o mesmo objeto do recurso. 3. Hipótese em que o edital do certame foi publicado em momento posterior à publicação da decisão prolatada no aludido Recurso Extraordinário, exigindo-se lei específica prevendo a limitação etária. 4.
A Lei nº 12.705, de 08 de agosto de 2012, publicada no Diário Oficial da União 09/08/2012, que dispõe sobre os requisitos para ingresso nos cursos de formação de militares de carreira do Exército, passou a regular os requisitos para ingresso nas Forças Armadas, aplicando plenamente ao caso, porquanto publicada em data anterior ao edital de seleção. 5. Portanto, a limitação etária exigida no Concurso de Admissão aos Cursos de Formação de Sargentos mostra-se válida
. (TRF4, AG 5036354-91.2017.4.04.0000, TERCEIRA TURMA, Relatora VÂNIA HACK DE ALMEIDA. DJE 31/01/2018).
AGRAVO DE INSTRUMENTO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. CURSO DE FORMAÇÃO DE SARGENTOS. REALIZAÇÃO DAS PROVAS. LIMITE ETÁRIO ESTABELECIDO NO EDITAL DO CERTAME. LEI 12.705/2012. 1.
O art. 9º da Lei n.º 12.705/2012, segundo o qual 'esta Lei não se aplica aos concursos cujos editais já tenham sido publicados na data de sua entrada em vigor', não interfere na solução do caso concreto, já que se destina a, em respeito à segurança jurídica, manter hígidos eventuais editais em descompasso com a nova Lei, o que não ocorre no caso dos autos. 2. Regulamentada a matéria por meio de lei, não subsiste mais ilegalidade na limitação de idade constante do edital de inscrição questionado
. (TRF4, AG 5028230-27.2014.4.04.0000, TERCEIRA TURMA, Relator NICOLAU KONKEL JÚNIOR. DJE 20/03/2015).
ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CURSOS DE FORMAÇÃO DE MILITARES DE CARREIRA DO EXÉRCITO. LIMITAÇÃO ETÁRIA. RESTRIÇÃO. POSSIBILIDADE 1.
A Lei nº 12.705, de 08 de agosto de 2012, publicada no Diário Oficial da União 09/08/2012, dispõe sobre os requisitos para ingresso nos cursos de formação de militares de carreira do Exército, tal como preceituado pelo art. 142, § 3º, X, da Constituição Federal e, em seu art. 3º, III, definidos os limites etários a tal fim. Assim, regulamentada a matéria por meio de lei, não subsiste mais ilegalidade na limitação de idade constante do edital de inscrição questionado. 2. Referida lei é, efetivamente, aplicável ao caso em comento, porquanto publicado o edital do processo seletivo em maio de 2013, ou seja, em data posterior à da Lei
. (TRF4, AG 5015238-68.2013.4.04.0000, TERCEIRA TURMA, Relator FERNANDO QUADROS DA SILVA, juntado aos autos em 17/10/2013).
ADMINISTRATIVO. MILITAR. CONCURSO. CARREIRA MILITAR. LIMITE DE IDADE. ARÉA DA SAÚDE. RAZOABILIDADE.
O limite de idade como critério para ingresso no serviço público apenas se legitima quando estritamente relacionado à natureza e às atribuições inerentes ao cargo público a ser provido. Precedentes do STF. No caso, as atribuições a ser desempenhadas não são propriamente aquelas típicas do serviço militar, se tratando de vaga relacionada à área de saúde, que requer formação específica para o seu desempenho
. (TRF4, AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5041047-21.2017.4.04.0000, 4ª Turma, Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, DECIDIU, POR UNANIMIDADE JUNTADO AOS AUTOS EM 24/11/2017)
2.32. Ônus demonstrativo - exame precário:
Como registrei acima, no
rito do mandado de segurança
incumbe ao impetrante o encargo de apresentar, com a peça inicial, elementos probatórios da veracidade da sua narrativa sobre os fatos. Aludido procedimento não viabiliza a realização de diligências probatórias no seu curso.
Tanto por isso, revela-se incabível a inversão do ônus da prova prevista no art. 373, §1º, Código de Processo Civil.
Ademais, como regra, “
cabe ao administrado demonstrar a contrariedade da atuação administrativa, no exercício do poder de polícia, com as regras jurídicas pertinentes. A concordância da descrição fática apresentada pela Administração com a realidade prevalece até prova em contrário, no que a doutrina especializada denomina presunção iuris tantum de veracidade dos atos administrativos
."
(EDcl no REsp 894571/PE, rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, publ. DJe 01/07/2009; Ag 1326850, rel. Min. Luiz Fux, publ. 02/12/2010; Ag 1371059, rel. Min. Herman Benjamin, publ. 14/02/2011. ( AMS 0005259-92.2007.4.01.4000/PI, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE, Rel.Conv. JUIZ FEDERAL CARLOS EDUARDO CASTRO MARTINS (CONV.), QUINTA TURMA, e-DJF1 p.33 de 12/12/2012).
O ônus da prova incumbe, pois, à parte autora.
2.33. Elementos de convicção:
O impetrante instruiu os autos com cópia do edital do concurso de admissão 2025 para matrícula no curso de formação de oficiais do quadro complementar e no curso de formação de oficiais do quadro de capelães militares em 2026 da Escola de Saúde e Formação Complementar de Exército, que assim dispôs acerca dos requisitos para inscrição. (evento 8, edital 2).
Art. 4º Para a inscrição no CA, o candidato deverá atender aos seguintes requisitos:
I - pagar a taxa de inscrição, exceto o candidato que preencha a 1 (um) ou mais requisitos que lhe permitam a isenção da referida taxa;
II - ser brasileiro nato;
III - possuir carteira de identidade civil ou militar;
IV - possuir comprovante de inscrição no Cadastro de Pessoa Física (CPF); e
V -
estar nos limites de idade estabelecidos no art. 143 deste edital
.
§ 1º O candidato que conseguir êxito em todas as etapas e fases do CA a que for inscrito, e for convocado para matrícula, deverá, obrigatoriamente, atender, além dos requisitos listados neste artigo, aos requisitos previstos no art. 85 deste edital.
§ 2º
O candidato que estiver fora dos limites de idade estabelecido neste edital não conseguirá finalizar sua inscrição, em virtude de o sistema estar configurado para tal
.
Art. 143. O candidato para ser matriculado no Curso de Formação de Oficiais do Quadro Complementar ou no Curso de Formação de Oficiais do Quadro de Capelães Militares deverá, obrigatoriamente, atender aos requisitos previstos no art. 4º deste edital, e aos requisitos abaixo relacionados, entregando cópias legíveis (frente e verso), dos documentos devidamente comprovados por intermédio da apresentação dos respectivos documentos originais (...) II - requisitos específicos exigidos do candidato ao CFO/QC: a)
possuir idade de, no máximo, 32 (trinta e dois) anos, completados até 31 de dezembro do ano da matrícula (2026)
;
No Anexo B do Edital há listagem das áreas de concorrência para o Curso de Formação de Oficiais do Quadro Complementar de Oficiais:
A CNH do impetrante registra sua data de nascimento, 22/12/1993, de modo que atingirá 32 anos em 22/12/2025.
O impetrante afirma que pretende concorrer à vaga prevista para economistas; mas, não jungiu aos autos documento nesse sentido.
2.34. Valoração dos elementos de convicção:
Equacionei acima alguns vetores jurídicos relacionados à pretensão da impetrante, ao tempo em que também detalhei os elementos probatórios veiculados neste eproc
.
Reitero que a questão gravita em torno da isonomia, uma conquista iluminista e que se funda no reconhecimento de que todos nós, humanos, somos iguais uns aos outros, a despeito de diferenças inerentes a heranças, rendimentos, patrimônio, graus de estudo formal, origem, diferenças de gênero, de visões de mundo, de compleição sexual etc. Como alegou Boaventura de Souza Santos,
"Temos o direito de ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito de ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades."
Anoto, uma vez mais, que os limites etários podem ser controlados pelo Poder Judiciário. Não raro, porém, suscitam algumas dificuldades, porquanto certas disposições legislativas parecem incontornáveis, a exemplo do limite para emancipação, idades para aposentação, idade para aposentação compulsória, limites fixados na legislação para obtenção da carteira nacional de habilitação - CNH, idade para ser candidato à Presidência da República etc. Por maior que seja o conhecimento e a maturidade de uma criança, não há como lhe assegurar o ingresso nas Forças Armadas para atuar como combatente.
De toda sorte, diante do detalhado exame acima - ainda que promovido com cognição precária -, registro que a limitação etária prevista em editais só pode ser tomada como legítima caso tenha sido prevista em lei em sentido estrito - não bastando, portanto, a previsão em decretos. Além disso, a lei que fixa tais limites também deve ser reputada válida, quando confrontada com a Constituição Republicana/88.
No caso, registro que, em princípio, o edital impugnado pelo impetrante encontra amparo na lei 12.705/2012. Transcrevo novamente o seu art. 3, nos termos seguintes:
Art. 3º
São requisitos específicos para o candidato ao ingresso nos cursos de formação de oficiais e sargentos de carreira do Exército, nas formas definidas na legislação e regulamentação vigentes e nos editais dos concursos públicos
: I - nível de escolaridade de ensino médio completo para o ingresso nos cursos de formação de sargentos; II - nível de escolaridade de ensino médio, completo ou incompleto, ou de ensino superior completo para o ingresso nos cursos de formação de oficiais; e III - atender aos seguintes requisitos de idade em 31 de dezembro do ano de sua matrícula: a) no Curso Preparatório de Cadetes: possuir no mínimo 16 (dezesseis) e no máximo 21 (vinte e um) anos de idade; b) nos Cursos de Formação de Oficiais das Armas, do Quadro de Material Bélico e do Serviço de Intendência: possuir no mínimo 17 (dezessete) e no máximo 22 (vinte e dois) anos de idade; c) no Curso de Formação e Graduação do Quadro de Engenheiros Militares: possuir no mínimo 16 (dezesseis) e no máximo 22 (vinte e dois) anos de idade; d) no Curso de Formação de Oficiais do Quadro de Engenheiros Militares: possuir no máximo 26 (vinte e seis) anos de idade; e) nos Cursos de Formação de Oficiais Médicos, Dentistas, Farmacêuticos e do Quadro Complementar de Oficiais: possuir no máximo 36 (trinta e seis) anos de idade; e)
nos cursos de formação de Oficiais Médicos, Dentistas, Farmacêuticos e do Quadro Complementar de Oficiais: possuir, no máximo, 32 (trinta e dois) anos de idade
; (Redação dada pela Lei nº 13.954, de 2019) f) nos Cursos de Formação de Sargentos das diversas Qualificações Militares, exceto de Músico e de Saúde: possuir no mínimo 17 (dezessete) e no máximo 24 (vinte e quatro) anos de idade; e g) nos Cursos de Formação de Sargentos das Qualificações Militares de Músico e de Saúde: possuir no mínimo 17 (dezessete) e no máximo 26 (vinte e seis) anos de idade; IV - (VETADO). § 1º À comprovação de nível de escolaridade referido nos incisos I e II do caput do art. 3º pode ser acrescido, nos termos do edital do concurso, exigência de habilitação em área do conhecimento específica, quando necessária para as atividades a serem desempenhadas. § 2º Os requisitos para ingresso no Quadro de Capelães Militares são os estabelecidos pela Lei nº 6.923, de 29 de junho de 1981. § 3º O limite de idade estabelecido na alínea “e” do inciso III do caput deste artigo não se aplica aos médicos especialistas, que poderão possuir, no máximo, 34 (trinta e quatro) anos de idade em 31 de dezembro do ano de sua matrícula. (Incluído pela Lei nº 13.954, de 2019)
Logo, o requisito da previsão em lei restou atendido. Resta apurar se aludida lei, em sentido estrito, seria válida, quanto ao tópico. Quanto ao particular, destaco a avaliação promovida pelo TRF4:
"(i)
o pronunciamento do e. Supremo Tribunal Federal é abrangente e consolida a diretriz de que o limite de idade para inscrição em concurso público em geral só se legitima, constitucionalmente, quando possa ser justificado pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido
; (ii)
não se extrai da ausência de remissão ao inciso XXX do art. 7º no art. 142, § 3º, inciso VIII, da Constituição Federal, autorização para a estipulação de restrição etária arbitrária e dissociada da realidade fática
; (iii)
as atividades do profissional da saúde - de natureza eminentemente técnico-científica (serviços de promoção da saúde) - são distintas das atividades tipicamente militares (para cujo desempenho é impositivo um padrão de vigor físico mais elevado que pode ser parametrizado pela idade do candidato), ainda que existam tarefas comun
s; (iv) à vista da natureza das atribuições do cargo, não há, aparentemente, 'nenhum fator objetivo que imponha a escolha da idade de 36 anos como limite máximo para o ingresso nos cursos militares da área da saúde; ao contrário, o limite contém grande parcela de arbitrariedade, e (v) a legislação relativa ao serviço militar de médicos, dentistas e farmacêuticos já firmou outro marco etário, mais elástico, de 38 anos, para a hipótese de convocação para o serviço militar obrigatório de profissional que tenha sido dele dispensado na época própria ou que tenha requerido seu adiamento."
(TRF-4 - AG - Agravo de Instrumento: 50427570820194040000 RS, Relator.: VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, Data de Julgamento: 11/10/2019, 4ª Turma, DJE 11/10/2019)
Desse modo, enfatizo, "
não há, aparentemente, 'nenhum fator objetivo que imponha a escolha da idade de 36 anos como limite máximo para o ingresso nos cursos militares da área da saúde; ao contrário, o limite contém grande parcela de arbitrariedade, e (v) a legislação relativa ao serviço militar de médicos, dentistas e farmacêuticos já firmou outro marco etário, mais elástico, de 38 anos, para a hipótese de convocação para o serviço militar obrigatório de profissional que tenha sido dele dispensado na época própria ou que tenha requerido seu adiamento
."
Em situação semelhante, o TRF4 já decidiu:
"
De qualquer sorte, o tema é controvertido e, até que haja um deliberação do Colegiado, é de se acolher o pleito liminar, porque se vislumbra a probabilidade do direito alegado pelo agravante e a urgência da tutela, haja vista a realização de uma das etapas do processo seletivo no próximo dia 20/10/2019, existindo risco concreto de perecimento de direit
o. À vista de tais considerações, e a fim de assegurar a utilidade da prestação jurisdicional, é de se afastar, por ora, o limite máximo de idade para assegurar a participação do agravante no concurso público para ingresso no Curso de Formação de Oficiais Serviço de Saúde do Exército Brasileiro almejado. Ante o exposto, defiro o pedido de antecipação de tutela recursal, nos termos da fundamentação. Intimem-se, com urgência, sendo a agravada para contrarrazões."
(TRF-4 - AG - Agravo de Instrumento: 50427570820194040000 RS, Relator.: VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, Data de Julgamento: 11/10/2019, 4ª Turma, DJE 11/10/2019)
Diviso verossimilhança, pois, na narrativa dos fatos, promovida pelo impetrante e densidade jurídica nos seus argumentos.
2.34. Perigo de dano:
No caso, há manifesto perigo de dano, diante da proximidade da efetivação do concurso em questão.
2.35. Eventual limitação do sistema eletrônico:
Os maquismos, enquanto técnica, se submetem aos direitos, e não o contário. Logo, impedimentos meramente decorrentes de sistemas eletrônicos não podem impedir a efetivação desta decisão. Sem dúvida que a computação contemporânea tem tornado os procedimentos mais céleres, transparentes e consistentes. Ainda assim, não podem ser concebidos e implementados sem que se assegurem mecanismos para adequação, em prol do cumprimento de ordns judiciais, o que registro por cautela.
2.36. Contracautelas e irreversibilidade:
Há debates a respeito da aplicação do art. 300, CPC, no âmbito do mandado de segurança. De todo modo, no caso, a medida não se revela irreversível, eis que - caso revogada - a situação do impetrante no concurso poderá ser revista.
Dado o exame detalhado acima, deixo de condicionar a liminar à apresentação de caução, dado que a previsão do art. 300, §1, CPC, depende de um juízo de necessidade.
2.37. Cominação de multas-diárias:
Os Tribunais têm reputado cabível a cominação de multas-diárias, no âmbito do mandado de segurança, mediante aplicação do art. 537, Código de Processo Civil.
"Admite-se a aplicação de multa diária em caso de descumprimento de obrigação de fazer fixada no âmbito do mandado de segurança. A "astreinte" - que se reveste de função coercitiva - tem por finalidade específica compelir, legitimamente, seu destinatário a cumprir a decisão atacada e só será cobrada se o "decisum" não for observado - Havendo razoabilidade no valor da multa, reduzido pelo juízo de origem, e ausente justa causa para o descumprimento da ordem judicial, sobre a qual o executado foi intimado pessoalmente, não há que se falar em nova redução (...)"
(TJ-MG - Agravo de Instrumento: 33701391020238130000 1 .0000.23.337012-1/001, Relator.: Des.(a) Luís Carlos Gambogi, Data de Julgamento: 04/07/2024, 5ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 05/07/2024)
Arbitro multa de R$ 3.000,00 - três mil reais, em caso de descumprimento desta decisão. Cominada multa, resta afastada a viabilidade de imputação da prática de crime de desobediência.
"O crime de desobediência, entretanto, não ficou configurado, pois firme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que não há o crime de desobediência se para o descumprimento da ordem legal já há previsão legislativa de sanção civil ou administrativa, salvo se há expressa admissibilidade da cumulação das sanções extrapenal e penal."
(ACR 0016055-73.2015.4.01.3900, DES. FEDERAL NÉVITON GUEDES, TRF1 - QUARTA TURMA, e-DJF1 09/12/2020 PAG.)
Caso se faça necessário, a multa poderá ser majorada, na forma do art. 537, CPC, dado o seu caráter modulável. Em casos extremos, persistindo o descumprimento da decisão, a medida poderá ser orientada ao patrimônio do servidor porventura responsável pelo inadimplemento, viabilizando-se sua manifestação nos autos a respeito do tema. Sendo cominada e paga, haverá de ser destinada a favor da empresa impetrante, na forma do art. 537, §2, CPC. Em tal caso, deverá ser paga de modo atualizado, conforme variação da taxa SELIC, com termo inicial na data em que a multa teria se tornado devida e termo final na data do efetivo pagamento. Não estando definida a variação da SELIC no mês de pagamento, deverá ser aplicado 1% (um por cento) ao mês, de modo linear e
pro rata die,
a título de correção monetária. Não incidem juros moratórios sobre aludida multa, dado que isso configuraria
bis in idem,
eis que ela já é mecanismo dissuasório do atraso.
Anoto ainda que a fixação das
astreintes
não gera preclusão
pro iudicato,
eis que, em determinados contextos, contanto que a liminar reste cumprida, aludido crédito pode ser reduzido ou mesmo cancelado, dado que se trata de medida de inibição do inadimplemento. De todo modo, como regra, surge com isso certo dilema envolvendo, de um lado, a vedação de enriquecimento sem causa de uma das partes (art. 884, Código Civil) e, de outro, a necessidade de assegurar mecanismo indispensável para assegurar a efetividade da tutela de direitos, debatidos em Juízo.
Acresento que a cobrança de
astreintes
apenas pode ser promovida depois de eventual confirmação da liminar em sentença (STJ - EAREsp: 513829, Relator.: LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Publicação: 05/06/2015).
No caso, por ora, reputo que a multa haverá de ser suportada pela União Federal, sem prejuízo de que, conforme o caso, aludida verba seja cominada também à autoridade que se revele reniente em cumprir ordem judicial
.
2.38. Súmula 410, STJ e notificação:
Por época da notificiação da autoridade impetrada, deverá ser promovida também a intimação a respeito da comunicação da multa acima registrada, para fins de aplicação da súmula 410, STJ.
2.39. Responsabilização processual:
Registrei acima que o devido processo implica certo dilema. Por outro lado, deve assegurar defesa, dilações probatórias etc., de modo que, como regra, uma sentença de procedência apenas poderia surtir efeitos depois do trânsito em julgado. Por outro lado, o processo deve ser efetivo, assegurando ao titular do direito a efetiva proteção da sua situação jurídica.
Acrescento que, para além disso, o processo não pode causar prejuízos para quem tenha razão. A antecipação de tutela é fundada em um juízo provisório, precário, tomando em conta os elementos probatórios com exame
prima facie.
Nada impede, portanto, que aludido exame tenha que ser revisto no curso do processo ou em sentença, conforme lógica do art. 296, Código de Processo Civil/15.
A eventual revogação da antecipação de tutela surtirá efeitos retroativos -
ex tunc -,
tornando-a sem efeitos desde o deferimento
. Logo, caso isso venha a ocorrer, a empresa requerente poderá ser responsabilizada por prejuízos que porventura tenham decorrido do provimento de urgência. Isso decorre da lógica dos arts. 302, 520, CPC e da súmula 405, STF.
No caso em exame, estando em causa a inscrição em concurso, isso poderá implicar desconsideração da situação do impetrante no âmbito do certame, não se podendo invocar nesse âmbito a teoria do fato consumado, consoante reiterados julgados dos Tribunais Superiores. Faço esse equacionamento pois decorre do caráter contingente deste comando liminar.
III - EM CONCLUSÃO
3.1. DECLARO a competência do presente juízo para processamento deste mandado de segurança, conforme fundamentação.
3.2. ANOTO que não diviso um contexto de conexão processual a ensejar a reunião desta causa com alguma outra, para fins de solução conjunta, conforme art. 55, §1, CPC e súmula 235, STJ.
3.3. ACRESCENTO que não há indicativos de violação à garantia do respeito à coisa julgada - art. 508, CPC/15 e art. 5, XXXVI, CF/88. Tampouco há sinais de litispendência na espécie, conforme art. 337, §2, CPC/15. Não estão preenchidos os requisitos da suspensão da demanda.
3.4. RECONHEÇO, com cognição precária, a legitimidade do impetrante para o presente mandado de segurança, na forma do art. 17, CPC. REGISTRO, ademais, que a autoridade impetrada detém atribuições para atender a pretensão no âmbito administrativo.
3.5. SUBLINHO ainda que não se operou a decadência do direito à impetração, conforme art. 23 da lei 12.016/2009. Por outro lado, a pretensão em exame não esbarra na prescrição - art. 1 do decreto 20.910/32.
3.6. DEFIRO ao impetrante a gratuidade de Justiça, com o fim de exonerá-lo - ao menos por ora - da obrigação de recolher custas judiciais, com força no art. 99, §2, CPC, sem prejuízo de novo exame, caso a tanto instado.
3.7. DEFIRO o pedido de liminar, determinando que a autoridade impetrada promova a inscrição do impetrante no concurso mencioando na peça inicial, contanto que a única alegada restrição para tanto consista no limite etário previsto no edital. Prazo: a inscrição deverá ser promovida até a data limite prevista no edital - dia 20 de julho/2025, de modo a assegurar efetiva participação do impetrante no certame. Deverá ser assegurado ao impetrante a evolução no concurso, tudo a depender das notas por ele obtidas, salvo eventual revogação desta deliberação.
3.8. COMINO multa de R$ 3.000,00 - três mil reais - para o caso de descumprimento desta decisão, sem prejuízo de eventual exasperação, caso se faça necessário (art. 337, CPC). Registro que aludida multa haverá de ser paga, em princípio, pela União, ressalvando eventual cominação também em desfavor da autoridade impetrada, caso demonstrada renitência sua em descumprir ordem judicial. A multa deverá ser paga, caso incidente, de modo autalizado, conforme variação da SELIC, com termo inicial na data da sua incidência e termo final na data do efetivo pagamento. Caso, no mês de pagamento, a SELIC não esteja prevista, deverá incidir 1% (um por cento) ao mês, de modo linear e
pro rata die,
a título de atualização, conforme art. 39, §4, lei n. 9.250/1995. Não incidem juros moratórios sobre as astreintes. Eventual execução apenas pode ser promovida depois do trânsito em julgado de eventual sentença que porventura confirme a liminar em questão.
3.9. INTIME-SE a autoridade impetrada a respeito da comunicação da multa em questão, para os fins da súmula 410, STJ.
3.10. ANOTO que, por conta da urgência, o impetrante poderá promover a notificação da autoridade impetrada, apresentando cópia desta deliberação, nos termos do art. 269, §1, Código de Processo Civil.
3.11. INTIME-SE o impetrante a respeito desta decisão. Prazo de 15 dias úteis, contados da intimação.
3.12. NOTIFIQUE-SE, desde logo, a autoridade impetrada - pela via mais célere possível (art. 5º, §5º, da lei n. 11.419/2006) - para que preste as informações no prazo de 10 dias úteis, conforme art. 7º da lei de mandado de segurança - lei n. 12.016/2009. Reitero que a parte impetrante poderá promover aludida notificação, por meio do(a) seu(sua) advogado(a) na forma do art. 269, § 1, Código de Processo Civil/15.
3.13. INTIME-SE a União Federal por meio da sua representação jurídica, para os fins do art. 7, II, da lei de mandado de segurança, facultando-lhe manifestação em 30 dias úteis, contados da intimação - art. 183, CPC.
3.14. INTIME-SE o MPF para apresentar parecer, tão logo as informações tenham sido prestadas ou se esgote o prazo para tanto arbitrado. Prazo de 10 dias úteis, contados da intimação - arts. 219, 224, CPC/15 e 12 da LMS.
3.15. VOLTEM conclusos para prolação de sentença, tão logo o MPF se manifeste nos autos ou se esgote o prazo para tanto previsto.
3.16. INTIMEM-SE as partes a respeito desta deliberação.
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