Banco Do Estado Do Rio Grande Do Sul S/A - Banrisul x Pedro Pereira Da Silva
ID: 312777946
Tribunal: TJRS
Órgão: Secretaria da 18ª Câmara Cível
Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO
Nº Processo: 5159194-67.2025.8.21.7000
Data de Disponibilização:
01/07/2025
Polo Passivo:
Advogados:
GUSTAVO CENCI AGOSTINI
OAB/RS XXXXXX
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MAURICIO RODRIGUES DE FREITAS
OAB/RS XXXXXX
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LUIZ HENRIQUE CABANELLOS SCHUH
OAB/RS XXXXXX
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Agravo de Instrumento Nº 5159194-67.2025.8.21.7000/RS
TIPO DE AÇÃO:
Superendividamento
RELATOR
: Desembargador ANDRE GUIDI COLOSSI
AGRAVANTE
: BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL S/A - BANRISUL
AGR…
Agravo de Instrumento Nº 5159194-67.2025.8.21.7000/RS
TIPO DE AÇÃO:
Superendividamento
RELATOR
: Desembargador ANDRE GUIDI COLOSSI
AGRAVANTE
: BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL S/A - BANRISUL
AGRAVADO
: PEDRO PEREIRA DA SILVA
ADVOGADO(A)
: MAURICIO RODRIGUES DE FREITAS (OAB RS100379)
ADVOGADO(A)
: GUSTAVO CENCI AGOSTINI (OAB RS102173)
EMENTA
DIREITO DO CONSUMIDOR. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS. SUPERENDIVIDAMENTO. preliminar. Nulidade da Decisão por Ausência de Fundamentação. rejeitada. LIMITAÇÃO DOS DESCONTOS SOBRE PROVENTOS DO CONSUMIDOR. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. CONSIGNAÇÕES FACULTATIVAS. NORMATIZAÇÃO FEDERAL QUE NÃO COLIDE COM A ESTADUAL. APLICAÇÃO DO TETO ESTABELECIDO NA LEGISLAÇÃO FEDERAL. Interpretação conforme o resp 1.169.334/RS - STJ.
PRESERVAÇÃO DO MÍNIMO EXISTENCIAL. CABIMENTO. AGRAVO DESPROVIDO. DECISÃO MONOCRÁTICA.
I. CASO EM EXAME:
1. Agravo de instrumento interposto contra decisão proferida nos autos de ação de repactuação de dívidas, que deferiu parcialmente a tutela de urgência, determinando a limitação dos descontos sobre os ganhos comprovados do autor ao percentual máximo de 35%, com acréscimo de 5% para dívidas de cartão de crédito, sob pena de multa, bem como a abstenção de inscrição em cadastros de inadimplentes e protesto de títulos.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO:
1. Há cinco questões em discussão: (i) saber se a decisão agravada é nula por falta de fundamentação; (ii) definir se é permitida a limitação dos descontos incidentes sobre os ganhos comprovados do consumidor superendividado, incluindo descontos automáticos em conta-corrente, garantindo o mínimo existencial; (iii) se é possível o afastamento do Decreto nº 11.567/2023; (iv) se deve ser observada a margem de 70% para readequação dos contratos, observando o Decreto Estadual Nº 43.337/04, por se tratar de servidor público estadual e (v) se devem ser excluídos da ação de repactuação de dívidas as operações de crédito consignado, sujeitas à regramento específico.
III. RAZÕES DE DECIDIR:
1. A preliminar de nulidade por falta de fundamentação não merece acolhida, pois a decisão agravada está devidamente motivada, nos termos do art. 93, IX, da CF e art. 489, § 1º, II, do CPC.
2. A decisão agravada observa os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e do mínimo existencial, previstos no art. 1º, III, da CF/1988, e assegurados pelo art. 6º, inciso XII, do Código de Defesa do Consumidor, com as alterações introduzidas pela Lei nº 14.181/2021 (Lei do Superendividamento).
3. O afastamento do Decreto 11.567/2023, em controle difuso de constitucionalidade, vem sendo aceito pela Corte. A decisão encontra-se devidamente fundamentada.
4. A redução dos descontos em 35% dos rendimentos líquidos do consumidor, acrescidos de 5% para dívidas de cartão de crédito, está em conformidade com a jurisprudência consolidada e com a legislação federal relacionada (art. 1º, §1º da Lei nº 10.820/03, com redação dada pela nº 14.431/22 c/c Lei nº 14.131/2021), e tem por objetivo resguardar a subsistência do consumidor em situação de superendividamento.
5. Quanto aos descontos em folha de pagamento de servidor público estadual, a título de empréstimos consignados, aplicável o Decreto Estadual nº 43.574/05, que modificou a redação original do art. 15 do Decreto Estadual nº 43.337/04, observando-se que o somatório das consignações facultativas e obrigatórias não devem exceder o limite de 70% do valor da remuneração mensal bruta, nem 35% da renda líquida (com acréscimo de 5% para dívidas de cartão de crédito), assim considerada o ganho bruto com dedução dos descontos obrigatórios (previdência, IRPF e pensão alimentícia). Interpretação coerente com entendimento do STJ no julgamento do REsp 1.169.334/RS, em observância às disposições da legislação federal relacionada à matéria.
6. Assim, o teto (70% da remuneração bruta mensal) dos descontos em folha dos servidores públicos estaduais, previsto nos decretos estaduais referidos, não exclui a aplicação do teto de 35% - regulado em legislação federal - à soma das consignações facultativas, em proteção ao mínimo existencial, fundamentada na preservação da dignidade da pessoa humana. Precedentes do TJRS e STJ.
IV. DISPOSITIVO E TESE:
1. Recurso desprovido em decisão monocrática.
Tese de julgamento:
1. A limitação de descontos nos proventos do consumidor superendividado é medida necessária para garantir o mínimo existencial e a dignidade da pessoa humana, conforme a Lei nº 14.181/2021.
___________
Dispositivos relevantes citados:
CF/1988, art. 1º, III; CF/1988, art. 93, IX; CPC, art.300; CPC, art.300, §3º; CPC, art. 489, § 1º, II; CPC, art. 932, VIII; CDC, art. 6º, XII; CDC, art. 54-A, §1º; Regimento Interno TJRS, art. 206, XXXVI; Súmula 568 do STJ; art. 1º, §1º, da Lei nº 10.820/2003 com redação dada pela Lei nº 14.131/2021; Decreto Estadual nº 43.337/2004 com redação dada pelo Decreto Estadual nº 43.574/2005.
Jurisprudência relevante citada:
Agravo de Instrumento, Nº 52269832020248217000, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Pedro Celso Dal Pra, Julgado em: 20-03-2025; Agravo de Instrumento, Nº 51213906520258217000, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Fabiana Zilles, Julgado em: 14-05-2025; Agravo de Instrumento, Nº 51185031120258217000, Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carmem Maria Azambuja Farias, Julgado em: 12-05-2025; REsp n. 1.169.334/RS, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 23/8/2011, DJe de 29/9/2011; Apelação Cível, Nº 52674858020238210001, Vigésima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Léo Romi Pilau Júnior, Julgado em: 25-02-2025; Agravo de Instrumento, Nº 52321424120248217000, Vigésima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Pippi Schmidt, Julgado em: 29-10-2024.
DECISÃO MONOCRÁTICA
Trata-se de recurso de agravo de instrumento interposto por BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL S/A - BANRISUL em face da decisão
evento 10, DESPADEC1
que deferiu parcialmente a tutela de urgência postulada para limitar
os descontos relativos a todos os empréstimos consignados com desconto em folha de pagamento e empréstimos não consignados com débito automático na conta-corrente da parte autora ao percentual máximo de 35% dos proventos desta (abatidos os valores da previdência, IRPF e pensão alimentícia), percentual que pode ser acrescido de 5%, em se tratando de dívida de cartão de crédito cujo pagamento decorre de débito em conta; até elaboração do plano de pagamento ao final do processo;
nos autos da ação de repactuação de dívidas (superendividamento) movida por
PEDRO PEREIRA DA SILVA
.
Por oportuno transcrevo a decisão recorrida:
(...)
DA TUTELA DE URGÊNCIA
Consoante determina a Lei 14.181/21, a audiência de conciliação é fase obrigatória, nos termos do artigo 104-A, tratando-se do primeiro ato a ser realizado.
Nada impede
, todavia, que o pedido de tutela de urgência possa ser apreciado tão logo distribuída a ação, até porque, a fase consensual é requisito para a fase de mérito, e não para a fase de cognição sumária.
Nesse sentido:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS. SUPERENDIVIDAMENTO. DECISÃO QUE DEFERIU A LIMITAÇÃO DE DESCONTOS EM TUTELA DE URGÊNCIA. PRELIMINAR DE NULIDADE DA DECISÃO POR VIOLAÇÃO AO ART. 489, §1º, III, DO CPC: A decisão agravada apresenta fundamentos que são coerentes e se conectam diretamente com o caso concreto, observando suas particularidades, de modo que não há nulidade a ser reconhecida. POSSIBILIDADE DO DEFERIMENTO DA TUTELA ANTES DA AUDIÊNCIA CONCILIATÓRIA: Uma vez instaurado o processo, não há obstáculo legal ao deferimento da tutelas antecipatória que, no caso concreto, se deu como meio de assegurar a perfeita eficácia da função jurisdicional e a proteção do consumidor em situação de superendividamento (...). AGRAVO DE INSTRUMENTO PARCIALMENTE CONHECIDO E DESPROVIDO.(Agravo de Instrumento, Nº 50725947720248217000, Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Roberto José Ludwig, Julgado em: 18-03-2024)
Na lição de Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero:
"(...) Toda e qualquer providência capaz de alcançar um resultado prático à parte pode ser antecipada. Vale dizer: o pedido de tutela de urgência - satisfativa ou cautelar - não está limitado à proteção de apenas determinadas situações substanciais. A atipicidade da tutela de urgência, como da tutela jurisdicional geral, está ligada à necessidade de se oferecer uma cobertura o mais completa possível às situações substanciais carentes de proteção (...)".11
Outrossim, incidente o artigo 318 do Código de Processo Civil a autorizar a prestação jurisdicional de cognição sumária no procedimento especial instaurado para tratamento do superendividamento, como forma de
assegurar o resultado útil do processo e a preservação do mínimo existencial
:
Art.318: Aplica-se a todas as causas o procedimento comum, salvo disposição em contrário deste Código ou de lei.
Parágrafo único. O procedimento comum aplica-se subsidiariamente aos demais procedimentos especiais e ao processo de execução.
Assim,
entendo pela possibilidade de análise do pedido de tutela antes da realização da audiência de conciliação
, o que passo a fazer, conforme fundamentação supra:
DO CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE - DECRETO 11.567/2023
A leitura do Decreto n. 11.567, de 19 de junho de 2023, confrontou o superprincípio da dignidade da pessoa, cuja função precípua era conferir-lhe unidade material.12 Nessa senda, o princípio da dignidade atua como fundamento à proteção do consumidor superendividado e criador do direito ao mínimo existencial, cuja previsão infraconstitucional foi sedimentada pelo Poder Legislativo na Lei n.14.181/21, que atualizou o Código de Defesa do Consumidor, instalando um microssistema de crédito ao consumo.
Para além da redação do regulamento determinado no Código do Consumidor atualizado, artigo 6
o
, XI, a eficácia horizontal direta dos direitos fundamentais nas relações privadas para a preservação da dignidade da pessoa era avanço doutrinário e jurisprudencial pátrios já reconhecidos, a partir da previsão do art. 5
o
, parágrafo 1
o
da CF/88.13
A respeito da vigência do Decreto em apreço, duas demandas pendem de julgamento no STF, respectivamente, a ADPF 1.005 e a ADPF 1.006, sob o fundamento da inconstitucionalidade do conteúdo, cuja fundamentação encontra coro na doutrina brasileira e Notas Técnicas elaboradas pelo Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor(Brasilcon), firmada pelo seu diretor-presidente (membro do Ministério Público e professor) Fernando Rodrigues Martins, e do Instituto de Defesa Coletiva, de Belo Horizonte, respectivamente publicadas em 27/7/2022 e 29/7/2022. Afinal, a garantia de R$ 600,00 (seiscentos reais) a qualquer família brasileira, sem considerar a situação sócio-econômica e individualizar as necessidades que comportam as despesas básicas de sobrevivência não representa interpretação harmônica com os valores constitucionais.
Além disso, a lei n. 14. 181/2021 padece de conceito de mínimo existencial, que é um termo indeterminado e amplo, sem regulamentação.
Portanto, passo à análise do caso concreto,
sem incidência do Decreto n.11.567/2023, em controle difuso de constitucionalidade.
CASO CONCRETO:
De acordo com os documentos apresentados pela parte demandante (
evento 8, EXTRBANC2
,
evento 8, EXTRBANC3
,
evento 8, CHEQ6
), entendo que o requerimento de tutela de urgência merece acolhimento, pois a
demora no recebimento da citação
e consequente
espera na designação de audiência de conciliação
não pode atuar em prejuízo à parte demandante
.
Além disso, os argumentos expostos pela parte autora (analisados em conjunto com a prova documental) revelam-se coerentes e, em sede de cognição sumária, demonstram a probabilidade do direito afirmado, pois a continuidade dos descontos,
na proporção efetuada atualmente
prejudica a sua própria subsistência, conforme demonstro a seguir:
Dos descontos em folha de pagamento e conta-corrente
Conforme os documentos anexados, observo que a parte demandante contratou empréstimos com modalidade de pagamento mediante desconto direto em folha de pagamento, bem como em conta-corrente (
evento 8, EXTRBANC2
,
evento 8, EXTRBANC3
,
evento 8, CHEQ6
).
A Lei n. 10.820/2003 trouxe o patamar dos
descontos em folha de pagamento ao montante de 35% (trinta e cinco por cento)
. Cabe destacar que, nos termos do Art. 1º, §1º da Lei 10.820/2003, dentre o limite de 35% (trinta e cinco por cento) estipulado para o desconto em folha de pagamento, 5% (cinco por cento) deveriam ser destinados exclusivamente para a amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito ou a utilização com a finalidade de saque por meio do cartão de crédito.
Tais limites restaram alterados, acrescendo-se 5% aos percentuais máximos para contratação até então estipulados, consoante a Lei n. 14.131/2021
1
, a qual converteu a Medida Provisória 1.006/2020, autorizando-se, assim,
consignações de até 40%
quando existente contratação de cartão de crédito:
Art. 1º Até 31 de dezembro de 2021, o percentual máximo de consignação nas hipóteses previstas no
inciso VI do
caput do art. 115 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991
, no
§ 1º do art. 1º
e no
§ 5º do art. 6º da Lei nº 10.820, de 17 de dezembro de 2003
, e no
§ 2º do art. 45 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990
, bem como em outras leis que vierem a sucedê-las no tratamento da matéria, será de 40% (quarenta por cento), dos quais 5% (cinco por cento) serão destinados exclusivamente para:
I - amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito; ou
II - utilização com finalidade de saque por meio do cartão de crédito.
DA NÃO INCIDÊNCIA DO TEMA 1085 DO STJ:
Não desconheço que os descontos em conta bancária de titularidade do consumidor decorrem de cláusula contratual pactuada de forma voluntária, tampouco da formação da tese repetitiva n. 1085 pelo Superior Tribunal de Justiça, com reconhecimento da ausência de analogia capaz de limitar o percentual de desconto em conta-corrente preponderando a autonomia da vontade das partes.
Contudo, o suporte fático descrito não apresenta, salvo melhor juízo, identidade de fundamentos com aquele que motivou a formação da tese repetitiva em comento, porquanto evidenciado que a globalidade das obrigações existentes apresentam como pano de fundo o superendividamento do consumidor, comprometendo o mínimo existencial, direito básico tutelado pelo artigo 6
o
, XI e XII, ambos do Código de Defesa do Consumidor, como outrora tivemos a oportunidade de diferenciar:
“A tese repetitiva proferida pelo STJ foi ao encontro da teoria dos contratos, no berço da autonomia da vontade, na
pacta sunt servanda
, aplicando todo o arcabouço de uma relação contratual sadia, celebrada e executada dentro da normalidade, sem patologia ou necessidade especial das partes envolvidas; é o desconto de parcelas de empréstimos bancários comuns em conta-corrente de correntistas/consumidores saudáveis, os quais se encontram em condições de manter o pagamento das suas contas básicas, como luz, água e alimentação.
Situação diametralmente oposta são dos correntistas/consumidores superendividados, que buscam no Poder Judiciário a reorganização dos descontos efetuados tanto no contracheque como na conta-corrente sob o fundamento do excesso de descontos em detrimento da preservação do mínimo existencial. Neste cenário vem demonstrados descontos acima do limite legal e extrato bancário com saldo negativo, pois todo o valor líquido depositado em sua conta-corrente está sendo utilizado para pagamento de empréstimos bancários comuns, juros do cheque especial, seguro, entre outros. Nas hipóteses relatadas, verifica-se a diversidade do suporte fático daquele submetido à apreciação no julgado que ensejou a formação do convencimento na tese repetitiva nº. 1085, uma vez que não se estava diante de consumidor superendividado, sujeito destinatário da norma que introduziu no país a concreção da dignidade da pessoa com a preservação do mínimo existencial. Aliás, insta destacar, mínimo existencial já assegurado na fase da formação do contrato, quando da análise da capacidade de reembolso pelo concedente de crédito, de acordo com a inteligência do artigo 54-D do Código atualizado. Daí a interpretação sobre a necessidade de limitação dos descontos em conta-corrente quando evidenciada situação de superendividamento do consumidor.” (
A repactuação de dívidas do consumidor superendividado e os descontos bancários em conta-corrente, BERTONCELLO, Káren R. D.; RANGEL, Andréia Fernandes de Almeida. Extrato texto encaminhado para publicação no CONJUR, novembro/2022)
Na linha do entendimento que firmo, pertinentes as palavras da respeitável Desembargadora Carmem Maria Azambuja Farias, quando do julgamento do Agravo de Instrumento Nº 5308681-48.2024.8.21.7000/RS, relacionado a caso similar:
A tese do Tema 1.085 do STJ, invocada pelo agravante, refere-se a uma situação jurídica diversa, não aplicável ao caso de superendividamento regulado pela Lei nº 14.181/2021, que possui disposições específicas para proteção do consumidor nesta condição. A decisão agravada observou corretamente que o caso dos autos não se enquadra nos critérios do Tema 1.085, justificando, portanto, a limitação dos descontos de forma abrangente.
Ressalvada a questão sobre os percentuais a serem utilizados como balizadores e não aplicação do Tema 1085 do STJ, saliento que, ainda que respeitados os limites individuais das modalidades acima destacadas,
o conjunto dos descontos ultrapassa 50% da remuneração disponível
.
Daí porque, necessária a limitação, fins de possibilitar a reestruturação financeira da parte demandante.
Destaco que, a parte reservada ao pagamento das despesas de subsistência encontra identificação na proteção do mínimo existencial, enquanto direito fundamental social de defesa originário do princípio da dignidade da pessoa humana, assegurado na Constituição Federal, art. 1º, inciso III; e no Código de Defesa do Consumidor, artigo 6º, XII,
in verbis:
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
XII - a preservação do mínimo existencial, nos termos da regulamentação, na repactuação de dívidas e na concessão de crédito;
(Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021)
Como tal, o direito fundamental ao mínimo existencial independe de atuação legislativa, uma vez que revestido de eficácia imediata, consoante vasta doutrina de Ingo Wolfgang Sarlet.
Consoante bem delineado pelo douto Desembargador Aymoré Roque Pottes de Mello, quando do julgamento de pretensão similar nos autos do Agravo de Instrumento Nº 51630265020218217000, a manutenção dos descontos "
coloca em risco o postulado constitucional da dignidade da pessoa humana e o princípio de garantia do mínimo existencial, materializados na garantia de subsistência do autor-agravante e de sua família, posto que os valores creditados na sua conta-corrente são utilizados
integralmente
para abater as suas dívidas, não havendo sobra de qualquer dinheiro para garantir o seu
mínimo existencial.
(...)".
Nesta linha de entendimento, situa-se a jurisprudência infra ao preservar a dignidade do consumidor mediante o deferimento da limitação dos descontos:
DIREITO DO CONSUMIDOR. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS. SUPERENDIVIDAMENTO. LIMITAÇÃO DOS DESCONTOS SOBRE PROVENTOS DO CONSUMIDOR. PRESERVAÇÃO DO MÍNIMO EXISTENCIAL. AGRAVO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Agravo de instrumento interposto contra decisão proferida nos autos de ação de repactuação de dívidas, que deferiu parcialmente a tutela de urgência, determinando a limitação dos descontos sobre os comprovados do autor ao percentual máximo de 35%, com acréscimo de 5% para dívidas de cartão de crédito, sob pena de multa, bem como a abstenção de inscrição em cadastros de inadimplentes e protesto de títulos. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há duas questões em discussão: (i) definir se é permitido a limitação dos descontos incidentes sobre os comprovados do consumidor superendividado, incluindo descontos automáticos em conta-corrente, garantindo o mínimo existencial; (ii) avaliar a razoabilidade da multa cominatória aplicada para garantir o cumprimento da tutela de urgência. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A decisão agravada observa os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e do mínimo existencial, previstos no art. 1º, III, da CF/1988, e assegurados pelo art. 6º, inciso XII, do Código de Defesa do Consumidor, com as alterações introduzidas pela Lei nº 14.181/2021 (Lei do Superendividamento). 4. A redução dos descontos em 35% dos rendimentos líquidos do consumidor, acrescidos de 5% para dívidas de cartão de crédito, está em conformidade com a exclusão consolidada e tem por objetivo resguardar a subsistência do consumidor em situação de superendividamento. 5. O suporte fático do caso, caracterizado pelo comprometimento substancial da renda da parte agravada, não guarda com o tema relação com Tema 1.085 do STJ, que trata da liberdade contratual em descontos em conta-corrente, aplicável a consumidores em condições regulares, não a superendividados. 6. A multa cominatória no valor de R$ 500,00 por desconto indevido, limitada ao valor da dívida, é adequada e proporcional, obrigando o cumprimento da decisão judicial sem configurar enriquecimento ilícito. 7. A proteção ao mínimo existencial, fundamentada na preservação da dignidade da pessoa humana, justifica a restrição abrangente dos descontos, inclusive para descontos automáticos em conta-corrente, conforme precedentes do TJRS e STJ. IV. DISPOSITIVO E TESE 8. Recurso desprovido. Tese de julgamento : 1. A redução de descontos a 35% dos rendimentos líquidos, com acréscimo de 5% para dívidas de cartão de crédito, é aplicável às obrigações financeiras que comprometam a subsistência do consumidor superendividado, abrangendo descontos automáticos em conta-corrente. 2. A fixação de multa cominatória é válida, proporcional e visa garantir a efetividade da tutela judicial para resguardar o mínimo existencial do consumidor. Dispositivos relevantes citados : CF/1988, art. 1º, III; CDC, art. 6º, XII; PCC, arts. 300, 537 e 932, VIII; Lei nº 10.820/2003; Lei nº 14.181/2021. Jurisprudência relevante relevante : TJRS, Agravo de Instrumento nº 51553675320228217000, Rel. Des. Aimoré Roque Pottes de Mello, j. 24-03-2023; TJRS, Agravo de Instrumento nº 53445082320248217000, Rel. Des. Roberto José Ludwig, j. 25-11-2024; TJRS, Agravo de Instrumento nº 52789259120248217000, Rel. Des. Carla Patrícia Boschetti Marcon, j. 13-11-2024. (Agravo de Instrumento, Nº 53086814820248217000, Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carmem Maria Azambuja Farias, Julgado em: 16-01-2025)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS. SUPERENDIVIDAMENTO. DECISÃO QUE DEFERIU A LIMITAÇÃO DE DESCONTOS EM TUTELA DE URGÊNCIA. REQUISITOS PARA A CONCESSÃO DA MEDIDA: A decisão agravada se valeu das disposições da Lei nº 10.820/2003 e da Lei nº 14.131/2021 para fundamentar que a ocorrência de descontos em patamar superior a 35% da renda do consumidor comprometeria o seu mínimo existencial. Esse critério vem sendo aceito por esta Câmara no âmbito das ações de repactuação de dívidas, pelo que está presente a probabilidade do direito e a urgência para justificar a concessão da medida. MULTA POR DESCUMPRIMENTO DA MEDIDA: A multa tem caráter coercitivo, incidindo em razão do descumprimento da medida pelo destinatário da ordem. Dessa forma, falar em desnecessidade é desvirtuar o objetivo da previsão legal, que é se adiantar a eventual descumprimento e, sob pena de incidência de multa, obrigar o demandado ao cumprimento da obrigação imposta. No caso, a multa foi arbitrada pelo juízo de origem de forma adequada, tanto no valor, quanto na periodicidade. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO, EM DECISÃO MONOCRÁTICA.(Agravo de Instrumento, Nº 50280125520258217000, Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Roberto José Ludwig, Julgado em: 13-02-2025)
Em vista disso, com base no artigo 300, do Código de Processo Civil
DEFIRO parcialmente a tutela de urgência
a fim de determinar que:
a) A parte
ré LIMITE
os descontos relativos a todos os empréstimos consignados com desconto em folha de pagamento e empréstimos não consignados com débito automático na conta-corrente da parte autora ao percentual máximo de
35% dos proventos desta (abatidos os valores da previdência, IRPF e pensão alimentícia)
,
percentual que pode ser acrescido de
5%, em se tratando de dívida de cartão de crédito cujo pagamento decorre de débito em conta
;
dividindo-se o percentual de forma igualitária entre todos os credores demandados até elaboração do plano de pagamento ao final do processo;
b) A limitação aqui determinada é aplicável, inclusive, em se tratando de portabilidade salarial;
c) No caso em discussão, pelas razões já expostas,
esta limitação também se aplica aos descontos no cheque especial
, dividindo-se o percentual entre todos os credores demandados até elaboração do plano de pagamento ao final do processo.
d) Outrossim, DETERMINO que o (os) credor (res) se
abstenha(m) de incluir a parte autora nos cadastros restritivos de crédito ou emitir títulos para fins de protesto
, enquanto pendente a lide. Caso já o tenham feito, seja SUSPENSO o efeito da restrição.
A esse respeito, a determinação não se aplica ao Sistema de Informações de Crédito do Banco Central - SCR, o qual, conforme a Resolução CMN n° 5.037 de 29/9/2022, em seu artigo 2º, possui duas finalidades:
Art. 2º O SCR é administrado pelo Banco Central do Brasil e tem por finalidades:
I - prover informações ao Banco Central do Brasil, para fins de monitoramento do crédito no sistema financeiro e para o exercício de suas atividades de fiscalização; e
II - propiciar o intercâmbio de informações entre instituições financeiras e entre demais entidades, conforme definido no art. 1º da Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001, sobre o montante de responsabilidades de clientes em operações de crédito.
Conforme destacou a respeitável Ministra Maria Isabel Gallotti, quando do julgamento do Recurso Especial Nº 1.365.284 - SC (2011/0263949-3), ambas as finalidades do sistema dizem com interesse público:
(...) o interesse público primário, direto, imediato, de viabilizar a supervisão do Sistema Financeiro pelo Banco Central (inciso I do art 2º da Resolução 3658/2008) e o interesse público indireto, consistente em detectar e evitar operações financeiras arriscadas, causadoras de risco bancário sistêmico, protegendo os recursos depositados, tudo consultando o interesse do consumidor bom pagador de obter melhores taxas de juros (inciso II) do art 2º da Resolução 3658/2008 (...)".
Observadas as finalidades supra e considerando as disposições sobre a prevenção do superendividamento trazidas pela Lei 14.181/21, entendo que se trata de ferramenta protetiva, em verdade, que auxilia no controle da concessão de crédito sem capacidade de reembolso, evitando o agravamento da situação do superendividamento da parte consumidora.
Atua como ferramenta consultiva de relevância, visando ao controle das operações de crédito existentes e comprometimento de renda, evitando a concessão de crédito desmedida, penalizada pela legislação protetiva:
Art. 54-D. Na oferta de crédito, previamente à contratação, o fornecedor ou o intermediário deverá, entre outras condutas:
(Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021)
(...)
II - avaliar, de forma responsável, as condições de crédito do consumidor, mediante análise das informações disponíveis em bancos de dados de proteção ao crédito, observado o disposto neste Código e na legislação sobre proteção de dados;
(Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021)
(...)
Parágrafo único. O descumprimento de qualquer dos deveres previstos no caput deste artigo e nos arts. 52 e 54-C deste Código poderá acarretar judicialmente a redução dos juros, dos encargos ou de qualquer acréscimo ao principal e a dilação do prazo de pagamento previsto no contrato original, conforme a gravidade da conduta do fornecedor e as possibilidades financeiras do consumidor, sem prejuízo de outras sanções e de indenização por perdas e danos, patrimoniais e morais, ao consumidor.
(Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021)
Sobre a importância das informações disponibilizadas pelo sistema SCR, ponderou referida Ministra:
Trata-se, como visto, de cadastro público, de consulta restrita, necessário à atividade do BACEN, o qual ficaria seriamente comprometido com sua equiparação à regência legal e jurisprudencial dos cadastros de inadimplentes e mesmo de centrais de risco de crédito privadas.
Não pode, portanto, ser considerado como cadastro restritivo comum, exigindo tratamento diferenciado dos demais cadastros de inadimplentes como SPC e Serasa.
Dessa forma, a exclusão dos dados em relação aos débitos em repactuação não se aplica ao sistema SCR do Banco Central.
ADVIRTO, TAMBÉM a ambas as partes:
1. A tutela de urgência compreende, em cognição sumária, o restabelecimento do mínimo existencial ao consumidor que detem descontos em folha e/ou conta-corrente em percentuais que comprometam sua sobrevivência, na forma da fundamentação supra.
Daí por que NÃO
abrange eventuais obrigações pendentes, cujo pagamento deva ser efetuado mediante boleto bancário ou outra forma de pagamento voluntária.
2. Em preservação à cooperação das partes e boa-fé dos contrantes,
NÃO
podem ser abrangidos na presente repactuação, os
contratos celebrados após o ajuizamento da ação
, em razão da vedação, ao consumidor, da prática de condutas que importem no agravamento de sua situação de superendividamento, artigo 104-A, § 4º, IV, do CDC.
A esse respeito, pondero que o consumidor que adota tal prática enquadra-se na definição de superendividado ativo, conceito que, conforme a doutrina, pode ser dividido em ativo consciente, assim considerado aquele que agiu com a intenção deliberada de não pagar ou fraudar seu credor (consumidor de má-fé), ou, ativo inconsciente, o qual, ou age de forma impulsiva ou sem formular o cálculo correto no momento da contratação de novas dívidas (consumidor imprevidente e sem malícia).1
3. Fica a parte demandada, ainda, ADVERTIDA de que
a concessão irresponsável de crédito após o ajuizamento da presente ação
, será igualmente valorada na decisão final, acarretando, inclusive, a aplicação das penalidades definidas pela lei.
4 Ademais, saliento que a presente decisão
NÃO
abrange
contratos com garantia real e/ou alienação fiduciária
, visto que não apresentam identidade com os pressupostos contidos no artigo 54-A do CDC.
5. Ainda,
INDEFIRO
a
suspensão indiscriminada de ações ou atos de constrição patrimonial
, ante a impossibilidade de determinação genérica e desprovida de fundamentação.
6. Fica a parte demandada CIENTIFICADA sobre a impossibilidade de proceder a cobranças
de forma abusiva
, bem como,
PRATICAR CONDUTAS
que importem no agravamento da situação de superendividamento da parte demandante.
7. Por fim, fica a parte demandante CIENTIFICADA sobre a
vedação da prática de condutas que importem no agravamento de sua situação de superendividamento
, sob pena de REVOGAÇÃO DA TUTELA PARCIAL AQUI DEFERIDA.
DO CUMPRIMENTO DA ORDEM JUDICIAL
O DESCUMPRIMENTO desta decisão judicial importará incidência de multa de R$ 500,00 por cada desconto indevido até o limite da dívida pendente. Saliento que a presente decisão, deverá ser cumprida no prazo máximo de 30 dias. A data inicial de contagem do prazo do descumprimento iniciará do protocolo de entrega do ofício/despacho.
Esta decisão vale como ofício, que deverá ser encaminhado pela parte autora de forma pessoal aos credores réus, fins de atender a exigência da Súmula 410 do STJ.
Fica registrado que, em caso de eventual descumprimento de ordem judicial, a cobrança do valor da multa deverá ser promovida em ação autônoma, a fim de evitar tumulto processual. (...)
Em suas razões recursais (
evento 1, INIC1
) a parte agravante requer a concessão de efeito suspensivo ao agravo de instrumento, a fim de suspender os efeitos da decisão recorrida no que tange à limitação dos descontos. Preliminarmente requer (i) seja reconhecida a nulidade da decisão por ausência de fundamentação e (ii) seja reconhecido que a agravada não se caracteriza como pessoa superendividada e a inexistência de dano irreparável.
Quanto ao mérito requer i) seja reconhecida a impossibilidade de controle de constitucionalidade de norma secundária (Decreto 11.150/2022 com redação dada pelo Decreto 11.567/2023), bem como seja reconhecida a ausência de fundamentação para o afastamento do Decreto; (ii) sejam excluídos da ação de repactuação de dívidas as operações de crédito consignado, sujeitas à regramento específico; (iii) seja observada a margem de 70% para readequação dos contratos, observando o Decreto Estadual nº 43.337/04, por se tratar de servidor público estadual; e (iv) seja revogada a liminar para que seja afastada a limitação dos descontos em conta corrente. Assim, requer o conhecimento e o provimento do recurso.
Vieram os autos conclusos para decisão.
É o relatório.
I. ADMISSIBILIDADE
Preenchidos os pressupostos de admissibilidade, conheço do presente recurso de apelação / agravo de instrumento.
Conforme estabelecido no artigo 932, VIII, do CPC, incumbe ao relator “
exercer outras atribuições estabelecidas no regimento interno do tribunal
”.
Nesse sentido o artigo 206, XXXVI do Regimento Interno deste Tribunal autoriza o Relator negar ou dar provimento ao recurso quando há jurisprudência dominante acerca da matéria em discussão no âmbito do próprio Tribunal, a saber:
Art. 206. Compete ao Relator:
(...) XXXVI – negar ou dar provimento ao recurso quando houver jurisprudência dominante acerca do tema no Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça com relação, respectivamente, às matérias constitucional e infraconstitucional e deste Tribunal; (...).
Em reforço, estabeleceu a Súmula 568 do STJ que "
o relator, monocraticamente e no Superior Tribunal de Justiça, poderá dar ou negar provimento ao recurso quando houver entendimento dominante acerca do tema.
".
Portanto, o presente agravo de instrumento comporta pronunciamento monocrático.
II. PRELIMINARMENTE
Da alegada nulidade da decisão agravada
Afasto a preliminar de nulidade da decisão agravada, tendo em vista que está devidamente fundamentada e correlacionada com os pontos analisados no caso concreto, de modo que respeitado o art. 93, IX, da CF e art. 489, § 1º, II, do CPC.
Nesse sentido:
AGRAVO DE INSTRUMENTO
. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO.
AÇÃO DE
REPACTUAÇÃO
DE
DÍVIDAS
.
DECISÃO QUE DEFERIU EM PARTE A TUTELA DE URGÊNCIA. PRELIMINAR.
ALEGAÇÃO DE NULIDADE DA DECISÃO POR
AUSÊNCIA
DE
FUNDAMENTAÇÃO
E OFENSA ÀS DISPOSIÇÕES DO ART. 489, §1º, III, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. INOCORRÊNCIA. DECISÃO DEVIDAMENTE
FUNDAMENTADA
.
PRELIMINAR DE SUPOSTA NULIDADE DA DECISÃO POR
AUSÊNCIA
DE PROCEDIMENTO CONCILIATÓRIO PRÉVIO. TUTELA DE URGÊNCIA QUE NÃO SE ENCONTRA CONDICIONADA À REALIZAÇÃO PRÉVIA DE AUDIÊNCIA CONCILIATÓRIA, NOS TERMOS DA LEI 14.181/2021. MÉRITO. DESCONTOS EM FOLHA DE PAGAMENTO. PRESSUPOSTOS DO ART. 300 DO CPC CONFIGURADOS. VEROSSIMILHANÇA NAS ALEGAÇÕES E PERIGO DE DANO A ENSEJAR A CONCESSÃO DA TUTELA PLEITEADA. DESCONTOS EM CONTA-CORRENTE. LIMITAÇÃO AO PERCENTUAL DE 35%. INVIABILIDADE. INEXISTE ILEGALIDADE NO DESCONTO DE VALORES EM CONTA-CORRENTE QUE POSSUA LIVRE MOVIMENTAÇÃO, AINDA QUE TENHA, TAMBÉM, A FUNÇÃO DE RECEBIMENTO DE SALÁRIO. PRECEDENTES DESTA CORTE E DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. TEMA 1.085 DO STJ. DECISÃO REFORMADA NO PONTO. POSSIBILIDADE DE ALONGAMENTO DAS PARCELAS A FIM DE EVITAR PREJUÍZOS AO CREDOR. MERA CONSEQUÊNCIA DA LIMITAÇÃO DO PERCENTUAL DOS DESCONTOS. PRELIMINARES REJEITADAS E RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. UNÂNIME.(Agravo de Instrumento, Nº 52269832020248217000, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Pedro Celso Dal Pra, Julgado em: 20-03-2025) [Grifado não contido no original].
Da caracterização do superendividamento e da possibilidade de dano
A decisão agravada destacou a necessidade de preservar o mínimo existencial ao autor, dada a sua situação de superendividamento evidenciada pelos documentos juntados pela parte agravada nos autos de origem, bem como pela relação de débitos indicado na inicial.
O artigo 54-A do Código de Defesa do Consumidor (CDC), incluído pela Lei 14.181/2021, assim dispõem quanto ao superendividamento da pessoa natural:
Art. 54-A. Este Capítulo dispõe sobre a prevenção do superendividamento da pessoa natural, sobre o crédito responsável e sobre a educação financeira do consumidor.
(Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021)
§ 1º Entende-se por superendividamento a impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial, nos termos da regulamentação.
(Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021)
(Grifado não contido no original)
§ 2º As dívidas referidas no § 1º deste artigo englobam quaisquer compromissos financeiros assumidos decorrentes de relação de consumo, inclusive operações de crédito, compras a prazo e serviços de prestação continuada.
(Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021)
§ 3º O disposto neste Capítulo não se aplica ao consumidor cujas dívidas tenham sido contraídas mediante fraude ou má-fé, sejam oriundas de contratos celebrados dolosamente com o propósito de não realizar o pagamento ou decorram da aquisição ou contratação de produtos e serviços de luxo de alto valor.
(Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021)
Considerando que a preliminar se confunde com o mérito da decisão recorrida, em especial quanto a legislação aplicável ao caso, analiso, em conjunto, nas razões de decidir.
III. MÉRITO
Adianto que é o caso de negar provimento ao recurso
Do afastamento do Decreto nº 11.520/2022 com redação dada pelo Decreto nº 11.567/2023, em controle de constitucionalidade
Registro que o afastamento do Decreto 11.567/2023, em controle difuso de constitucionalidade, vem sendo aceito pela presente Corte, conforme jurisprudência ora colacionada:
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL.
AGRAVO DE INSTRUMENTO
. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS.
SUPERENDIVIDAMENTO
. TUTELA DE URGÊNCIA. DEFERIMENTO NA ORIGEM. MANUTENÇÃO. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Agravo de instrumento interposto contra decisão que deferiu tutela de urgência para limitar descontos e cobranças mensais em conta bancária nos autos de ação de superendividamento. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. O julgamento versa sobre: (i) preliminar de nulidade da decisão agravada por ausência de fundamentação; (ii) possibilidade de concessão de tutela de urgência em ação de superendividamento antes da realização da audiência de conciliação; (iii) presença dos requisitos do art. 300 do CPC; (iv) aplicação da Lei n.º 14.181/2021 e afastamento do Tema 1085 do STJ; (v) controle difuso de constitucionalidade do
Decreto
n.º
11.567/2023
. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. Decisão recorrida suficientemente fundamentada, conforme o disposto nos arts. 93, IX, da CF e 11 do CPC, e não é genérica, tampouco deixou de analisar ou fundamentar as razões para deferir parcialmente a tutela de urgência. 4. Artigo 300 do CPC. São requisitos para a concessão da tutela de urgência, a probabilidade do direito alegado pela parte e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. 5. Os descontos referentes aos contratos firmados após a edição da lei n.º 14.131/21 não devem superar o percentual de 35% dos proventos auferidos pelo consumidor, acrescidos de mais 5% se existirem descontos oriundos de cartão de crédito. 6. Caso no qual a parte autora refere a existência de dívidas, que comprometem mais de 60% dos seus vencimentos mensais. Evidenciada suficientemente a probabilidade do direito. 7. Possível a limitação dos descontos também em conta-corrente, com base nos princípios da proporcionalidade, da razoabilidade e da dignidade da pessoa humana. 8. Descontos diretamente em contracheque e conta-corrente que poderão implicar em prejuízo a subsistência da parte autora. Perigo de dano demonstrado.
9. Afastamento do
Decreto
11.567/2023
, em controle difuso de constitucionalidade, que vem sendo aceito pela presente Corte. Ademais, a presente Câmara vem adotando entendimento de que se mostra inaplicável ao caso o disposto no
Decreto
n° 11.150/2022 e atualizações, o qual restringe a aplicação da Lei do Superendividamento, representando um retrocesso aos direitos assegurados pela Lei n° 14.181/2021.
10. Ausência de risco de irreversibilidade da medida, a qual pode ser facilmente revertida em caso de improcedência dos pedidos postos na petição inicial. IV. DISPOSITIVO E TESE 11. Recurso desprovido. 12. Teses de julgamento: 1. São requisitos para a concessão da tutela de urgência, a probabilidade do direito alegado pela parte (fumus boni iuris) e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo (periculum in mora); 2. Os descontos referentes aos contratos firmados após a edição da lei n.º 14.131/21 não devem superar o percentual de 35% dos proventos auferidos pelo consumidor, acrescidos de mais 5% se existirem descontos oriundos de cartão de crédito; 3. Possível a limitação dos descontos em conta-corrente, com base nos princípios da proporcionalidade, da razoabilidade e da dignidade da pessoa humana; 4. Possibilidade de afastamento do
Decreto
11.567/2023
, em controle difuso de constitucionalidade. Dispositivos relevantes citados: CF/88, art. 93, IX. CPC, art. 300, 932 e 11. Lei 14.181/2021, art. 54-A.
Decreto
11.567/2023
.
Decreto
n° 11.150/2022; Lei n° 14.181/2021. Jurisprudência relevante citada: TJRS, Agravo de Instrumento, n.º 51742377820248217000, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Fabiana Zilles, Julgado em: 03-07-2024; Agravo de Instrumento, n.º 53423927820238217000, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Amadeo Henrique Ramella Buttelli, Julgado em: 21-06-2024; Agravo de Instrumento, n.º 52339407120238217000, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Antonio Angelo, Julgado em: 07-12-2023; Agravo de Instrumento, n.º 51172652520238217000, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Mylene Maria Michel, Julgado em: 25-09-2023; Agravo de Instrumento, n.º 50185816520238217000, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Eduardo João Lima Costa, Julgado em: 21-07-2023; Agravo de Instrumento, n.º 53105273720238217000, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Amadeo Henrique Ramella Buttelli, Julgado em: 23-02-2024; Agravo de Instrumento, n.º 51940511320238217000, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Antonio Angelo, Julgado em: 07-12-2023; Agravo de Instrumento, n.º 53694277620248217000, Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Roberto José Ludwig, Julgado em: 19-12-2024; Agravo de Instrumento, n.º 51086700320248217000, Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Vinícius Andrade Jappur, Julgado em: 13-07-2024; Agravo de Instrumento, n.º 50946362320248217000, Décima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Amadeo Henrique Ramella Buttelli, Julgado em: 23-06-2024; Agravo de Instrumento, n.º 53609267020238217000, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Amadeo Henrique Ramella Buttelli, Julgado em: 19-04-2024; Agravo de Instrumento, n.º 51001842920248217000, Vigésima Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ana Paula Dalbosco, Julgado em: 23-07-2024; Agravo de Instrumento, Nº 53609267020238217000, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Amadeo Henrique Ramella Buttelli, Julgado em: 19-04-2024; Agravo de Instrumento, Nº 51001842920248217000, Vigésima Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ana Paula Dalbosco.(Agravo de Instrumento, Nº 51213906520258217000, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Fabiana Zilles, Julgado em: 14-05-2025) [Grifado não contido no original].
DIREITO DO CONSUMIDOR.
AGRAVO DE INSTRUMENTO
. AÇÃO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDA.
SUPERENDIVIDAMENTO.
LIMITAÇÃO DE DESCONTOS. TUTELA DE URGÊNCIA. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME:1. Agravo de instrumento interposto por instituição financeira contra decisão que deferiu parcialmente tutela de urgência, limitando os descontos incidentes sobre os proventos e conta-corrente do consumidor, além de suspender anotações em cadastros restritivos de crédito, condicionando a tutela à observância do mínimo existencial. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO:1. Há três questões em discussão: (i) a alegação de nulidade da decisão por falta de fundamentação; (ii) a validade da tutela antecipada deferida antes da audiência de conciliação; (iii) a inaplicabilidade do Tema 1085 do STJ e do
Decreto
nº
11.567/2023
ao caso de superendividamento. III. RAZÕES DE DECIDIR:1. A decisão agravada está devidamente fundamentada, com análise individualizada do caso concreto, não havendo nulidade por ausência de fundamentação.2. A tutela de urgência pode ser deferida antes da audiência de conciliação, desde que presentes os requisitos legais, visando garantir o mínimo existencial do consumidor superendividado.3. O caso não se insere na moldura fática do Tema 1085 do STJ, pois trata de superendividamento, situação que permite a limitação dos descontos para preservar a dignidade do consumidor.4.
A decisão não declarou a inconstitucionalidade do
Decreto
nº
11.567/2023
, apenas reconheceu sua inaplicabilidade ao caso concreto, sem violar a reserva de plenário.
IV. DISPOSITIVO E TESE:1. Recurso desprovido.Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 1º, III; CDC, art. 6º, XII; CPC, art. 300.Jurisprudência relevante citada: TJRS, Agravo de Instrumento nº 53086814820248217000, Rel. Des. Carmem Maria Azambuja Farias, j. 16-01-2025.(Agravo de Instrumento, Nº 51185031120258217000, Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carmem Maria Azambuja Farias, Julgado em: 12-05-2025) [Grifado não contido no original].
Tem sido entendimento desta Corte de que mostra-se inaplicável ao caso o disposto no Decreto nº 11.520/2022 com redação dada pelo Decreto nº 11.567/2023, o qual restringe a aplicação da Lei do Superendividamento, representando um retrocesso aos direitos assegurados pela Lei n° 14.181/2021.
Também não há que se falar em ausência de fundamentação para o controle de constitucionalidade, tendo em vista que está devidamente fundamentada e correlacionada com os pontos analisados no caso concreto, de modo que respeitado o art. 93, IX, da CF e art. 489, § 1º, II, do CPC.
Dessa forma, sem razão o agravante.
Dos créditos sujeitos a repactuação com base na Lei nº 14.181/2021 e do Tema 1.085/STJ
As recorrentes defendem a necessidade de exclusão da ação de repactuação de dívidas as operações de crédito consignado e/ou cartão de crédito e/ou cheque especial, sujeitas à regramento específico.
Contudo, sem razão.
Dispõem o § 2º do art. 54-A do CDC, incluído pela Lei nº 14.181/2021 que as dívidas que caracterizam o superendividamento "
englobam
quaisquer compromissos financeiros assumidos decorrentes de relação de consumo
, inclusive operações de crédito, compras a prazo e serviços de prestação continuada
". (grifo não contido no original).
A repactuação de dívidas é um procedimento que visa renegociar as dívidas de um consumidor superendividado. O objetivo é garantir a dignidade e o mínimo existencial do devedor.
A
Cartilha sobre Superendividamento do Conselho Nacional de Justiça
esclarece no capítulo "Perguntas e Respostas sobre o Superendividamento" que as dívidas que podem levar ao superendividamento "s
ão as dívidas de consumo também designadas de crédito aos consumidores,
compreendendo todo empréstimo a pessoa física
(CPF) que não se destine a uma atividade econômica ou profissional. Inclui o crédito destinado à aquisição de bens e serviços.
". (grifo não contido no original).
A limitação dos descontos determinada pela decisão agravada está em conformidade com a legislação aplicável, pois, tratando-se de uma ação de repactuação de dívidas nos termos da Lei nº 14.181/21, cujo objetivo é garantir a preservação do mínimo existencial da parte devedora, a restrição dos descontos deve incidir sobre todas as dívidas que serão incluídas no plano de pagamento, seja este consensual ou compulsório (artigos 104-A e 104-B do Código de Defesa do Consumidor).
Portanto, a tese firmada no julgamento do Tema 1.085 do STJ não é aplicável ao presente caso. Por oportuno:
DIREITO DO CONSUMIDOR.
AGRAVO DE INSTRUMENTO
. AÇÃO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDA.
SUPERENDIVIDAMENTO
. LIMITAÇÃO DE DESCONTOS. TUTELA DE URGÊNCIA. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME:1. Agravo de instrumento interposto por instituição financeira contra decisão que deferiu parcialmente tutela de urgência, limitando os descontos incidentes sobre os proventos e conta-corrente do consumidor, além de suspender anotações em cadastros restritivos de crédito, condicionando a tutela à observância do mínimo existencial. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO:1. Há três questões em discussão: (i) a alegação de nulidade da decisão por falta de fundamentação; (ii) a validade da tutela antecipada deferida antes da audiência de conciliação; (iii) a inaplicabilidade do Tema
1085
do
STJ
e do Decreto nº 11.567/2023 ao caso de superendividamento. III. RAZÕES DE DECIDIR:1. A decisão agravada está devidamente fundamentada, com análise individualizada do caso concreto, não havendo nulidade por ausência de fundamentação.2. A tutela de urgência pode ser deferida antes da audiência de conciliação, desde que presentes os requisitos legais, visando garantir o mínimo existencial do consumidor superendividado.
3. O caso não se insere na moldura fática do Tema
1085
do
STJ
, pois trata de superendividamento, situação que permite a limitação dos descontos para preservar a dignidade do consumidor.
4. A decisão não declarou a inconstitucionalidade do Decreto nº 11.567/2023, apenas reconheceu sua inaplicabilidade ao caso concreto, sem violar a reserva de plenário. IV. DISPOSITIVO E TESE:1. Recurso desprovido.Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 1º, III; CDC, art. 6º, XII; CPC, art. 300.Jurisprudência relevante citada: TJRS, Agravo de Instrumento nº 53086814820248217000, Rel. Des. Carmem Maria Azambuja Farias, j. 16-01-2025.(Agravo de Instrumento, Nº 51185031120258217000, Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carmem Maria Azambuja Farias, Julgado em: 12-05-2025) [Grifado não contido no original].
Logo, não há que se falar em exclusão de operações de crédito consignado e/ou outras sujeitas a regramentos específicos.
Portanto, nenhum reparo a ser feito à decisão recorrida no tocante à definição das operações alcançadas pela limitação de descontos deferida liminarmente.
Do Decreto Estadual nº 43.337/04, da legislação aplicável e da caracterização do superendividamento
Como bem destacado pelo juízo singular, previa o art. 1º, §1º, da Lei nº 10.820/2003 que o patamar dos descontos em folha de pagamento limitava-se ao montante de 35%, sendo que 5% deveriam ser destinados exclusivamente para a amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito ou a utilização com a finalidade de saque por meio do cartão de crédito.
Com o advento da Lei nº 14.131/2021 novos limites foram estabelecidos, autorizando-se, assim, consignações de até 40%, dos quais 5% devem ser destinados exclusivamente para amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito ou utilização com finalidade de saque por meio do cartão de crédito, como se vê:
Art. 1º Até 31 de dezembro de 2021, o percentual máximo de consignação nas hipóteses previstas no
inciso VI do
caput do art. 115 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991
, no
§ 1º do art. 1º
e no
§ 5º do art. 6º da Lei nº 10.820, de 17 de dezembro de 2003
, e no
§ 2º do art. 45 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990
, bem como em outras leis que vierem a sucedê-las no tratamento da matéria,
será de 40% (quarenta por cento), dos quais 5% (cinco por cento) serão destinados exclusivamente para
:
I - amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito; ou
II - utilização com finalidade de saque por meio do cartão de crédito.
Art. 2º Após 31 de dezembro de 2021, na hipótese de as consignações contratadas nos termos e no prazo previstos no art. 1º desta Lei ultrapassarem, isoladamente ou combinadas com outras consignações anteriores, o limite de 35% (trinta e cinco por cento) previsto no
inciso VI do caput do art. 115 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991
, no
§ 1º do art. 1º
e no
§ 5º do art. 6º da Lei nº 10.820, de 17 de dezembro de 2003,
e no
§ 2º do art. 45 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990
, será observado o seguinte:
I - ficarão mantidos os percentuais de desconto previstos no art. 1º desta Lei para as operações já contratadas;
II - ficará vedada a contratação de novas obrigações.
[...]
Ainda a respeito desse aumento do percentual de consignação inerente ao texto legal acima transcrito, restou corroborado pela nova redação do art. 1º, §1º, da Lei nº 10.820/2003 dada pela Lei nº 14.431/2022.
Fato é que a ampliação do teto para os descontos dos servidores públicos estaduais em 70% da renda bruta, previsto no Decreto Estadual nº 43.337/2004 com redação dada pelo Decreto Estadual nº 43.574/2005, não exclui a aplicação da legislação federal mencionada.
No julgamento do Recurso especial nº. 1.169.334/RS o Superior Tribunal de Justiça determinou que o Decreto Estadual nº 43.337/2004, com redação dada pelo Decreto Estadual nº 43.574/2005, deve ser interpretado em consonância com as disposições da Lei nº. 10.820/2003 e da Lei nº. 8.112/90.
Por oportuno, transcrevo trecho do voto do Ministro Relator Luis Felipe Salomão no Recurso Especial nº. 1.169.334/RS:
5.1. Em princípio, consigno que não extrapola a competência desta Corte o julgamento da matéria,
pois é patente que não não há antinomia entre a norma estadual e a federal
, pois aquela impõe limitação ao percentual de 70% à soma das consignações facultativas e obrigatórias, enquanto a última impõe limitação ao percentual de 30% apenas à soma das consignações facultativas, podendo, pois, coexistir no âmbito administrativo estadual, já que é princípio basilar de direito administrativo que as normas atinentes à administração pública federal aplicam-se subsidiariamente às administrações estaduais e municipais.
Nesse sentido, já se manifestou esta Corte no RMS 13.439/MG, da relatoria do Ministro FELIX FISCHER.
Ao que parece,
a norma estadual, sem renunciar à normatização federa
l, buscou, em consonância com o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, conferir maior proteção ao trabalhador, restringindo os descontos obrigatórios e facultativos a 70% da remuneração.
Fica evidente que não renegou, no ponto em questionamento, a norma federal, pois nem sequer disciplinou a limitação específica, no que tange às consignações facultativas
.
Afinal, seria impensável que a Administração Estadual impusesse limitação percentual à soma das consignações facultativas e obrigatórias, sem, simultaneamente, impor limitação específica às consignações facultativas, resultando em prejuízo às suas próprias receitas para a satisfação de créditos de particulares
... (...) - grifado não contido no original
Disso se conclui - em interpretação coerente com entendimento do STJ no julgamento do resp 1.169.334/RS, e em observância às disposições da leis federais nºs 10.820/03 e nº 8.112/90 - que o teto (70% da remuneração mensal bruta) dos descontos em folha dos servidores públicos estaduais, previsto nos decretos estaduais referidos, não exclui a aplicação do teto de 35% à soma das consignações facultativas.
A seguir a ementa do precedente do STJ antes mencionado:
DESCONTO EM FOLHA. RECURSO ESPECIAL. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. DESCONTOS DE EMPRÉSTIMO EM FOLHA. LIMITAÇÃO A 30% DOS VENCIMENTOS DA SERVIDORA PÚBLICA ESTADUAL. POSSIBILIDADE. NORMATIZAÇÃO FEDERAL QUE NÃO COLIDE COM A NORMA ESTADUAL.
1. Não caracteriza omissão, contradição ou obscuridade quando o tribunal apenas adota outro fundamento que não aquele defendido pela parte.
2. Conforme interpretação conferida pela Corte de origem ao Decreto estadual 43.574/2005, a soma mensal das consignações facultativas e obrigatórias de servidor público do Estado do Rio Grande do Sul não poderá exceder a setenta por cento (70%) do valor de sua remuneração mensal bruta.
3. Não há antinomia entre a norma estadual e a regra federal, pois os artigos 2º, § 2º,I, da Lei 10.820/2003; 45 da Lei 8.112/90 e 8º do Decreto 6.386/2008, impõem limitação ao percentual de 30% apenas à soma das consignações facultativas.
4. Por um lado, a norma federal possibilita ao consumidor que tome empréstimos, obtendo condições e prazos mais vantajosos, em decorrência da maior segurança propiciada ao agente financeiro. Por outro lado, por meio de salutar dirigismo contratual, impõe limitações aos negócios jurídicos firmados entre os particulares, prevendo, na relação privada, o respeito à dignidade humana, pois impõe, com razoabilidade, limitação aos descontos que incidirão sobre a verba alimentar, sem menosprezar a autonomia da vontade.
5. Recurso especial parcialmente provido.
(REsp n. 1.169.334/RS, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 23/8/2011, DJe de 29/9/2011.)(grifado não contido no original)
Também neste sentido os seguintes julgados deste Tribunal de Justiça:
Ementa:
NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE LIMITAÇÃO DE
DESCONTOS
A TÍTULO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO EM FOLHA DE PAGAMENTO. PATAMAR DE 35%. PROVIMENTO PARCIAL. I. CASO EM EXAME 1. Apelação cível objetivando a reforma da sentença que, nos autos da ação de limitação de
descontos
a título de empréstimo consignado em folha de pagamento, julgou improcedentes os pedidos. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. A questão em discussão consiste em saber se possível o acolhimento da pretensão da parte autora,
servidora
pública
estadual, de limitação dos
descontos
a título de empréstimo consignado em folha de pagamento ao patamar de 30%. III. RAZÕES DE DECIDIR 3.
Na esteira da jurisprudência deste Tribunal de Justiça, a despeito de a legislação estadual permitir que os
descontos
em folha de pagamento dos
servidores
estaduais
possam ser efetuados em valor de até
70
% da
renda
bruta
, tais abatimentos não poderão superar 35% dos rendimentos líquidos do
servidor
, considerando a data da celebração dos contratos sub judice, por força do disposto na recente lei nº 14.431/2022, que alterou o art. 1°, §1°, da lei nº 10.820/2003. 4. Desse modo, no caso concreto, os
descontos
mensais não poderão ultrapassar 35% das verbas disponíveis (leia-se o valor
bruto
recebido pela parte demandante,
descontados
os
descontos
obrigatórios), nos termos da legislação de regência, a fim de assegurar a manutenção do mínimo existencial e de um padrão de vida digno à parte autora, observada a ordem cronológica das contratações e o alongamento da dívida.
IV. DISPOSITIVO E TESE 4. Recurso provido em parte. Tese de julgamento: "Conforme exegese jurisprudencial, a despeito de a legislação estadual permitir que os
descontos
em folha de pagamento dos
servidores
estaduais
possam ser efetuados em valor de até
70
% da
renda
bruta
, tais abatimentos não poderão superar 35% dos rendimentos líquidos do
servidor
, considerando a data da celebração dos contratos sub judice, por força do disposto na recente lei nº 14.431/2022, que alterou o art. 1°, §1°, da lei nº 10.820/2003". (Apelação Cível, Nº 52674858020238210001, Vigésima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Léo Romi Pilau Júnior, Julgado em: 25-02-2025) - grifado não contido no original
Ementa:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS.
SERVIDOR
PÚBLICO
ESTADUAL. LIMITAÇÃO DE
DESCONTOS
FACULTATIVOS. EMPRÉSTIMOS CONSIGNADOS EM FOLHA DE PAGAMENTO. CABIMENTO, RESPEITADO O PERCENTUAL E A ORDEM CRONOLÓGICA DE CONSIGNAÇÕES.
DESCONTOS
QUE, NO CASO DOS AUTOS, ULTRAPASSAM O LIMITE LEGAL. DECISÃO REFORMADA. RECURSO PROVIDO.
EMPRÉSTIMOS CONSIGNADOS CELEBRADOS POR
SERVIDORES
ESTADUAIS
PODEM SER
DESCONTADOS
EM FOLHA DE PAGAMENTO, OBSERVADO QUE O SOMATÓRIO DAS CONSIGNAÇÕES FACULTATIVAS E OBRIGATÓRIAS NÃO DEVEM EXCEDER O LIMITE DE
70
% DO VALOR DA REMUNERAÇÃO MENSAL
BRUTA
. A PAR DISSO, EM CONSONÂNCIA COM PRECEDENTE DO STJ (RESP 1.169.334/RS), TAL REGRAMENTO DEVE SER INTERPRETADO DE ACORDO COM AS DISPOSIÇÕES DA LEIS FEDERAIS NºS 10.820/03, Nº 8.112/90 E 14.431/2022.
AINDA, O RECENTE DECRETO ESTADUAL Nº 57.241,
PUBLICADO
EM 10/10/2023, ACRESCENTOU QUE A SOMA MENSAL DAS CONSIGNAÇÕES FACULTATIVAS NÃO PODERÁ EXCEDER A 40% DA REMUNERAÇÃO LÍQUIDA DO CONSIGNADO, SENDO 5% DESTINADOS EXCLUSIVAMENTE PARA A AMORTIZAÇÃO DE DESPESAS CONTRAÍDAS POR MEIO DE CARTÃO DE CRÉDITO.
CONSIDERANDO A OBSERVÂNCIA DAS LEGISLAÇÕES FEDERAIS E
ESTADUAIS
, AS
CONSIGNAÇÕES FACULTATIVAS
NÃO PODEM SUPERAR 35% DOS RENDIMENTOS LÍQUIDOS DO
SERVIDOR
, ASSIM CONSIDERADOS A
RENDA
BRUTA
MENOS OS
DESCONTOS
OBRIGATÓRIOS,
RESPEITANDO A ORDEM CRONOLÓGICA DE CONSIGNAÇÕES. C
ASO CONCRETO EM QUE OS
DESCONTOS
EM FOLHA DE PAGAMENTO ULTRAPASSARAM TAL MARGEM, ATINGINDO APROXIMADAMENTE 48,40% DA REMUNERAÇÃO LÍQUIDA (
BRUTA
, MENOS OS
DESCONTOS
OBRIGATÓRIOS DE IMPOSTO DE
RENDA
E PREVIDÊNCIA SOCIAL) DO
SERVIDOR
. NECESSIDADE DE READEQUAÇÃO, PRESERVANDO-SE O MÍNIMO EXISTENCIAL DO
SERVIDOR
PÚBLICO
ESTADUAL,
RESPEITADA A ORDEM CRONOLÓGICA DAS CONSIGNAÇÕES. DECISÃO REFORMADA. RECURSO PROVIDO.(Agravo de Instrumento, Nº 52321424120248217000, Vigésima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Pippi Schmidt, Julgado em: 29-10-2024) - grifado e sublinhado não contido no original
Feitas tais considerações, analiso com relação ao caso concreto.
Conforme é possível inferir do contracheque referente a fevereiro/2025 (
evento 8, CHEQ6
), mais atualizado existente nos autos e contemporâneo à decisão agravada, o total de vencimentos recebidos pelo agravado foi de R$ 8.449,99 (oito mil quatrocentos e quarenta e nove reais e noventa e nove centavos), e o total de descontos foi de R$ 5.089,32 (cinco mil oitenta e nove reais e trinta e dois centavos), o que representa 60,23% do total de vencimentos. A saber:
Em relação aos descontos, o total de descontos obrigatórios foi de R$ 1.794,36 (um mil setecentos e noventa e quatro reais e trinta e seis centavos); e o total de descontos facultativos foi de R$ 3.294,96 (três mil duzentos e noventa e quatro reais e noventa e seis centavos).
Se considerados os vencimentos totais, menos os descontos obrigatórios, chegamos ao valor líquido de R$ 6.655,63, dessa forma, os descontos facultativos representam 49,50% dos vencimentos líquidos.
Portanto, os descontos
obrigatórios e facultativos
não ultrapassam a margem de 70% prevista no Decreto Estadual, porém, os descontos
facultativos
ultrapassam o limite de 35%, com possibilidade de acréscimo de 5%, sobre o valor líquido recebido, conforme acima delineado, previstos na legislação federal.
Não obstante a isso, os extratos bancários juntados com a emenda da inicial (
evento 8, EXTRBANC2
,
evento 8, EXTRBANC3
e
evento 8, EXTRBANC7
) indicam, em cognição sumária, a existência de descontos direto em conta corrente, além dos descontos em folha, o que acaba por aumentar o percentual da margem de comprometimento da renda com dívidas de consumo consignadas; além de demonstrar a existência de saldo negativo na ocasião.
Assim, objetivando garantir à parte superendividada o mínimo existencial e a dignidade da pessoa humana, inviável o afastamento da limitação dos descontos nas contas da parte agravada, sendo impositiva a manutenção da decisão recorrida no ponto.
PREQUESTIONAMENTO
O julgador não precisa citar especificadamente os dispositivos indicados quando sua análise está incorporada nos fundamentos jurídicos da decisão adversa à pretensão do recorrente, ainda que suscitados com o propósito de prequestionamento.
Contudo, para não dar ensejo ao manejo de embargos de declaração com o mesmo propósito, tenha-se por apreciados e incorporados nas razões de decidir os dispositivos legais invocados pela parte recorrente.
Dispositivo
Ante o exposto, em decisão monocrática,
NEGO PROVIMENTO
ao recurso.
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