P. L. Garcia - Comercio De Veiculos x 3ª Turma Recursal Dos Juizados Especiais Civeis Do Estado Do Paraná
ID: 301335512
Data de Disponibilização:
17/06/2025
Polo Ativo:
Advogados:
FABRÍCIO DE MELLO MARSANGO
OAB/PR XXXXXX
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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ 5ª SEÇÃO CÍVEL RECLAMAÇÃO CÍVEL N° 0041194-85.2025.8.16.0000 – 3ª Turma Recursal dos Juizados Especiais RELATOR: SERGIO LUIZ KREUZ ÓRGÃO JULGADOR: 5ª SESSÃ…
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ 5ª SEÇÃO CÍVEL RECLAMAÇÃO CÍVEL N° 0041194-85.2025.8.16.0000 – 3ª Turma Recursal dos Juizados Especiais RELATOR: SERGIO LUIZ KREUZ ÓRGÃO JULGADOR: 5ª SESSÃO CÍVEL RECLAMANTE: P.L GARCIA COMÉRCIO DE VEÍCULOS LTDA ADVOGADO: FABIO LUIZ FRANTZ RECLAMADO: 3ª TURMA RECURSAL DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL DO ESTADO DO PARANÁ INTERESSADA: VALMIR ANTONIO DIAS e VITOR RAMOS DA SILVA DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECLAMAÇÃO CÍVEL. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. SUCEDÂNEO RECURSAL. INVIABILIDADE. DECISÃO MONOCRÁTICA. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ AFASTADA. RECLAMAÇÃO NÃO CONHECIDA. I. CASO EM EXAME 1. Reclamação Cível ajuizada contra acórdão da 3ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Paraná, que, em sede de Recurso Inominado, reformou sentença para rescindir contrato de compra e venda de veículo e condenar a Reclamante a diversas obrigações de fazer e indenizações decorrentes de vícios no motor do automóvel vendido. A Reclamante pleiteia a cassação do acórdão sob fundamentos de julgamento extra petita, omissão judicial, negativa de prestação jurisdicional, entre outros. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há duas questões em discussão: (i) definir se a Reclamação Cível é cabível para contestar decisão proferida por Turma Recursal de Juizado Especial, à luz do art. 988 do CPC; (ii) determinar se a conduta da Reclamante configura litigância de má-fé. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A Reclamação Cível possui hipóteses de cabimento taxativas, conforme previsão do art. 988 do CPC e art. 290 do RITJPR, não se prestando como sucedâneo recursal para rediscutir fatos e provas ou reformar decisões de Turma Recursal. 4. A decisão impugnada observou a legislação vigente e apresentou fundamentação suficiente, não se verificando julgamento extra petita, decadência, ilegitimidade ativa e ausência de motivação na fixação de danos morais ou fundamentação teratológica 5. O Recurso Inominado e os embargos de declaração enfrentaram as questões suscitadas, inexistindo negativa de prestação jurisdicional ou vício que justifique o uso da Reclamação como instrumento excepcional. 6. A caracterização da litigância de má-fé exige demonstração inequívoca de conduta dolosa ou temerária, o que não se verifica no caso concreto, sendo inviável a imposição de penalidade com base apenas na improcedência do pedido. IV. DISPOSITIVO E TESE 7. Reclamação não conhecida. Tese de julgamento: 1. A Reclamação Cível não se presta como sucedâneo recursal, sendo cabível apenas nas hipóteses taxativas do art. 988 do CPC e do art. 290 do Regimento Interno do TJPR, como a preservação da competência do tribunal e a garantia da autoridade de suas decisões. 2. A propositura de Reclamação Cível fora das hipóteses legais, mesmo que improcedente, não configura por si só litigância de má-fé. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, XXXV e art. 93, IX; CPC/2015, arts. 26, § 1º e § 2º, I; arts. 77, 80, 81, 485, I e IV, 487, II, 988 e 989; CDC, arts. 2º, 3º, 6º, VIII, 18 e 26; RITJPR, art. 290. Jurisprudência relevante citada: TJPR, RC nº 0045805-81.2025.8.16.0000, Rel. Des. Eugenio Achille Grandinetti, j. 22.05.2025; TJPR, RC nº 0115071-92.2024.8.16.0000, Rel. Des. Francisco Eduardo Gonzaga de Oliveira, j. 15.03.2025; TJPR, RC nº 0087079-93.2023.8.16.0000, Rel. Subst. Anderson Ricardo Fogaça, j. 15.04.2024; STJ, AgInt no AREsp nº 2.115.563/MS, Rel. Min. Raul Araújo, j. 26.09.2022. Resumo em linguagem acessível: O Relator decidiu não aceitar a reclamação feita pela empresa que vendeu um carro, que queria mudar a decisão anterior que mandou devolver o veículo e pagar indenizações. O Desembargador explicou que a reclamação não se encaixa nas regras que permitem esse tipo de pedido, pois não houve erro grave na decisão anterior. A empresa alegou que a decisão falhou em considerar alguns pontos, mas o Tribunal confirmou que todos os argumentos foram analisados e que a venda do carro com problemas causou danos ao consumidor. Assim, a reclamação foi considerada improcedente e o processo foi encerrado sem resolver o mérito da questão. I – RELATÓRIO Trata-se de Reclamação Cível com pedido liminar interposta contra o acórdão proferido no dia 6.12.2024, no mov. 23.1 dos autos de Recurso Inominado Cível nº 0027163-65.2023.8.16.0021, em trâmite perante a 3ª Turma Recursal dos Juizados Especiais, que, por maioria de votos, reformou a decisão homologada pelo Juízo do 2º Juizado Especial Cível De Cascavel, para: “a)rescindir o contrato de compra e venda, entre as partes, e diante do retorno ao status quo ante, determino que o recorrente entregue o veículo perante a ré nas mesmas condições em que o recebeu, no prazo de 15 (quinze) dias, a contar da intimação desta decisão; b) condenar a ré a quitação integral do saldo devedor do financiamento junto ao Banco ITAUCARD S. A., oriundo da operação nº 20893042, no prazo de 15 (quinze) dias, a contar da intimação desta decisão, sob pena de multa diária no valor de R$300,00; c) condenar a ré à restituição de todas as parcelas do financiamento no valor de R$929,69 (novecentos e vinte e nove reais e sessenta e nove centavos), que foram pagas pelo autor até a quitação integral do saldo devedor do financiamento junto ao Banco ITAUCARD pela ré. O montante deverá ser atualizado pelo IPCA desde a data do desembolso. Também devem incidir juros de mora desde a citação, calculados pela taxa Selic subtraído o IPCA; d) condenar a ré à restituição dos gastos empreendidos pelo autor com o veículo, no importe de R$2.905,00 (dois mil, novecentos e cinco reais), a título de dano material, conforme comprovantes colacionados ao mov. 1.11. O montante deverá ser atualizado pelo IPCA desde a data do desembolso. Também devem incidir juros de mora desde a citação, calculados pela taxa Selic subtraído o IPCA; e) condenar a ré ao pagamento do valor de R$5.000,00 (cinco mil reais), a título de indenização por dano moral. Tratando-se de responsabilidade contratual, a correção monetária pelo índice IPCA deve ocorrer desde a sua fixação e os juros de mora – calculados pela taxa SELIC subtraído o IPCA – desde a citação.”, nos seguintes termos[1]: "(...) Inicialmente, observo que, aplicam-se ao caso as disposições contidas no Código de Defesa do Consumidor, pois as partes se enquadram nos conceitos de consumidor e fornecedor (arts. 2.º e 3.º do CDC), ensejando a aplicação do instituto da inversão do ônus da prova, nos termos do art. 6.º, inc. VIII, do CDC. A divergência recursal reside em verificar se o contrato celebrado entre as partes merece ser rescindido, e, portanto, se os fatos narrados ensejam a condenação ao pagamento de indenização por dano material e moral. Restou incontroverso nos autos que, pouco tempo após a celebração do negócio, o veículo adquirido apresentou defeito de funcionamento no motor, ocorrendo a retífica do cabeçote e demais reparos, que foram cobertos pela garantia legal, sem qualquer custo ao autor. A existência dos defeitos mecânicos nunca foi negada pela ré, tanto que relatou ter feito os reparos no motor quando acionada pelo autor, não prestando mais a devida assistência após o prazo da garantia legal. Contudo, é evidente que os defeitos no funcionamento do motor existiam desde o momento da compra do veículo. Assim, uma vez o autor tendo acionado a garantia e o veículo retornado sem condições de uso, com os mesmos problemas no motor, aplica-se ao caso concreto o artigo 18, do Código de Defesa do Consumidor, podendo o consumidor exigir as hipóteses constantes no § 1º, à sua escolha, como assim o fez, notificando a ré para tanto (mov. 1.4). De acordo com as testemunhas ouvidas em juízo, o autor comprovou que foi até a loja na mesma semana da compra exigir que lhe fosse entregue outro veículo em condições de uso, o que não foi acatado pela ré, esta que procedeu ao suposto reparo do veículo no prazo de 30 (trinta) dias, e depois por mais 7 (sete) dias, tendo ocorrido a suspensão da garantia nesse período, voltando a contar a partir da efetiva entrega do automóvel ao autor. Deste modo, tem-se que o veículo ficou na posse da ré por um total de 37 dias logo após a compra para fins de reparos, tempo em que não se conta o período de garantia, pois o veículo não estava disponível a uso pelo consumidor, voltando o prazo decadencial a contar a partir da entrega efetiva do produto ou do término da execução dos serviços, nos termos do art. 26, § 1º, do CDC. Assim, após o retorno do veículo da assistência técnica com os mesmos problemas, incumbia ao autor a escolha das hipóteses legais trazidas pelo artigo 18, § 1°, do Código de Defesa do Consumidor, e à ré não haveria outra alternativa senão o seu cumprimento, eis que devidamente notificada ainda dentro do prazo de garantia legal, pois o autor comprou o veículo em 01/04/2023, e notificou a ré em 20/06/2023 (mov. 1.4), e considerando que o veículo ficou na posse da ré por 37 dias, o autor teria garantia legal até o dia 05 /08/2023. Importante frisar que os defeitos no funcionamento do motor já se mostravam evidentes desde o primeiro dia da compra do veículo. Embora a ré tenha prestado assistência técnica, devolveu o veículo ao autor ainda com problema de funcionamento no motor, conforme comprovado pelo autor, tanto pela oitiva das testemunhas quanto pelos documentos colacionados. Além disso, vale destacar que foi colocado no veículo entregue ao autor cabeçote de ano diverso ao da fabricação do veículo, ou seja, ficou comprovado a instalação de cabeçote 2005 no veículo que é de 2010. Diante disso, como o negócio de compra e venda foi celebrado sob a égide do CDC, indubitável que o fornecedor possui o dever previsto em lei de prestar a garantia legal de noventa dias por vícios aparentes ou ocultos contida no art. 26, do CDC. Logo, como os defeitos surgiram dentro do prazo estabelecido em lei e considerando, ainda, que o consumidor notificou a ré dentro do prazo de garantia legal, reputo que o demandante faz jus a rescisão contratual e a devolução do veículo para ré, diante da sua impossibilidade de pleno uso, conforme comprovado pelos documentos, em especial pela oitiva do mecânico do autor, além da devolução de todos os valores pagos em razão do conserto do veículo, eis que uma vez estando o veículo coberto pela garantia legal, é integral a responsabilidade da ré por todos os custos do conserto. Além disso, o ato de proceder o reparo no motor do veículo demonstra que a ré assumiu a obrigação de consertar os defeitos do carro, de modo que se torna imperativo o dever de custear todas as despesas decorrentes dos reparos, o que não se limita ao conserto do motor propriamente dito, mas alcança todos os gastos empreendidos, inclusive com mão de obra e etc. Já quanto aos argumentos da ré de que o conserto não era devido porque estava fora do prazo de garantia legal e de que o carro possui muitos anos de uso, não merecem prosperar, uma vez que a própria ré reconheceu administrativamente o dever de reparar o motor quando procurada pelo autor. Então, é inverossímil a argumentação no sentido que os reparos deverão ocorrer somente no prazo de garantia e que o autor não procedeu a devida manutenção do veículo, pois, no caso dos autos, trata-se de defeito persistente mesmo após o envio do veículo para a assistência técnica da ré já na primeira semana da compra, sendo ônus da ré, in casu, comprovar que o carro foi vendido em perfeitas condições de uso. Nesse sentido é o entendimento desta Turma Recursal: (...) Outro ponto importante é o fato de que o autor Vitor não recebeu cópia do contrato e também não foi sequer comunicado acerca de que o veículo teria sido reprovado em perícia, especialmente porque não foi este quem assinou o contrato e demais documentos, ao passo que foi o autor Valmir quem financiou o veículo ao autor, o qual teria sido levado para uma sala a fim de assinar os referidos documentos, desacompanhado do autor Vitor, sendo enfatizado por ambos que sequer leram os termos, e tampouco estes foram lhes explicados, não logrando êxito a ré em comprovar que cientificou os autores acerca das consequências de estarem adquirindo um veículo reprovado em perícia, nos termos do art. 373, inciso II, do CPC. Deste modo, imperioso se faz a reforma da sentença para o fim de rescindir o contrato de compra e venda celebrado entre as partes, devendo o autor proceder a entrega do veículo para a ré no prazo de 15 (quinze) dias, contados da intimação desta decisão, além de que, diante do retorno ao status quo ante, cabe acolher o pleito acerca da conversão do contrato em perdas e danos, determinando à ré que realize a quitação integral do saldo devedor do financiamento junto ao Banco ITAUCARD S.A., oriundo da operação nº 20893042, no prazo de 15 (quinze) dias, a contar da intimação desta decisão, sob pena de multa diária no valor de R$ 300,00, devendo a ré, ainda, proceder à restituição ao autor de todas as parcelas do financiamento pagas até a quitação do contrato pela ré. Além disso, merece acolhimento o pleito de indenização por dano material relativo aos gastos empreendidos pelo autor com o veículo, no importe de R$ 2.905,00, conforme comprovantes colacionados ao mov. 1.11, diante da rescisão contratual." A Reclamante, inconformada, ajuizou a presente Reclamação a fim de que seja cassado ou reformado o r. acórdão, a fim de que os pedidos do autor nos autos nº 0027163-65.2023.8.16.0021 sejam julgados improcedentes ou, seja o feito extinto com resolução de mérito, nos termos do art. 487, II, do CPC ou, seja o feito extinto sem resolução de mérito, nos termos do art. 485, VI, do CPC. Pugna, liminarmente, pela suspensão imediata dos efeitos do acórdão recorrido, com base no art. 989, II, do CPC, alegando risco de dano grave e de difícil reparação consistente na execução provisória e, ao final o acolhimento das razões apresentadas. Argumentou, para tanto, em síntese, que: a) há Julgamento extra petita, nos termos do art. 492, CPC, pois a decisão fala em vício no motor quando na verdade a exordial trata de falhas elétricas e perda de potência após uso, e não de vício grave de fábrica ou defeito oculto no conjunto do automóvel; b) houve omissão judicial a respeito da alegada decadência, nos termos do art. 26, II, CDC, bem como da suscitada ilegitimidade ativa do recorrente; c) a indenização por danos morais foi imposta sem exposição de fundamentos fáticos específicos, sem individualização dos elementos que configuram ofensa à dignidade do consumidor, e sem aplicação de qualquer critério de modulação proporcional, nos termos do art. 944 e em ofensa a 93, IX, da Constituição Federal; d) há negativa de prestação jurisdicional, em ofensa ao art. 93, IX, CF/88, pois a decadência do direito, a ilegitimidade ativa, o julgamento extra petita e a ausência de fundamentação concreta na fixação dos danos morais foram expressa, clara e tecnicamente suscitados nos embargos de declaração opostos pela ora Reclamante, os quais foram rejeitados com fundamentação genérica e evasiva; e) a concessão de efeito suspensivo é necessária a fim de evitar os efeitos irreversíveis e danosos da execução provisória de decisão eivada de vícios graves e a demora no julgamento da Reclamação poderá tornar irreversível o cenário de prejuízo patrimonial e reputacional (mov. 1.1). Requisitadas informações ao Juiz de Direito Relator Fernando Ganem, da 3ª Turma Recursal dos Juizados Especiais, este prestou as seguintes informações: “A parte P. L. GARCIA COMÉRCIO DE VEICULOS LTDA. afirma que a decisão deve ser cassada porque configura julgamento extra petita, sob o fundamento de que a exordial trata de falhas elétricas e perda de potência após o uso, mas o acórdão fundamentou a condenação da reclamante na existência de vício no motor do veículo, e ainda, acrescenta que os problemas reclamados pelo autor decorrem de desgaste natural pelo uso do veículo. Além disso, aduz que: i) houve omissão a respeito das preliminares de decadência e ilegitimidade ativa do recorrente; a indenização por danos morais foi imposta sem a devida fundamentação; e iii) houve negativa da prestação jurisdicional quando do julgamento dos embargos de declaração em face do acórdão, os quais foram rejeitados. Consoante o artigo 988 do Código de Processo Civil, são taxativas as hipóteses de cabimento da Reclamação Civil. Não há que falar no presente caso em julgamento extra petita, pois os defeitos mencionados na inicial decorrem de falhas graves no motor, a própria “perda de potência” apontada pela reclamante se trata justamente da potência do motor. Ademais, restou incontroverso nos autos que a reclamante realizou a retífica do cabeçote, peça que compõe o motor do veículo. Quanto às alegações de omissões no julgamento, melhor sorte não assiste a reclamante. A questão da decadência não foi omitida, mas sim afastada no julgamento do recurso inominado. Já a questão da ilegitimidade do recorrente Vitor, a preliminar não foi levantada em sede de contrarrazões ao recurso inominado, mas sim quando instaurada em embargos de declaração, e foi devidamente analisada e afastada. Quanto à condenação por danos morais, a questão restou suficientemente fundamentada. Vejamos: No que concerne a indenização por dano moral, é inegável que a aquisição de veículos que não ostentam condições mínimas de uso é situação que ocasiona inúmeros transtornos aos compradores, especialmente nos casos em que há nítida abusividade por parte do vendedor que, no ímpeto de auferir lucro mediante a venda do automóvel, aproveita-se da vulnerabilidade fática e técnica do consumidor para vender-lhe produto que sabe ou devia saber eivado de vícios. Além disso, como demonstrado nos autos, o autor sequer pôde fazer uso pleno do veículo, ficando impossibilitado de viajar com o carro diante do problema de funcionamento do motor. Somado a isso, tem o fato de que a ré não solucionou o imbróglio administrativamente, pois mesmo o autor tendo a procurado para resolver integralmente o problema, inclusive realizando notificação extrajudicial nesse sentido, esta se limitou a num primeiro momento reparar o motor e devolvê-lo ao autor, contudo, com os mesmos problemas [...], e, num segundo momento sequer respondeu aos reclamos do consumidor. Aludida conduta, portanto, enseja dano moral, nos termos dos enunciados das Turmas Recursais do TJ /PR: 1ª TR/TJ: ENUNCIADO Nº 1 – Defeito/vício do produto – pós-venda ineficiente: O descaso com o consumidor que adquire produto com defeito e/ou vício enseja dano moral. 3ª TR/TJ: ENUNCIADO Nº 1.5 - Call center ineficiente– dano moral: A falha na prestação dos serviços, combinada com a ausência de solução administrativa aos reclamos do consumidor, configura dano moral. Por fim, destaco que a Reclamação Cível não se presta como peça recursal após o Recurso Inominado, a fim de que o Tribunal de Justiça reveja as decisões das Turmas Recursais. E é isso que o reclamante pretende. Eram as informações que tinha a prestar.” Devidamente intimada, a Reclamada apresentou contrarrazoes, suscitando, preliminarmente, a deserção ante o não recolhimento das custas e, sucessivamente, o não conhecimento da ação, ante o não preenchimento do requisitos da Reclamação Cível. No mérito, requer seja o pedido julgado improcedente, pois a Turma Recursal enfrentou satisfatoriamente as matérias objetos da demanda, não havendo que se falar em rejeição dos embargos de declaração de forma “genérica e evasiva”, muito menos em negativa de prestação jurisdicional, ou afronta ao art. 93, IX, da CF, tratando-se a pretensão da Reclamante de mero inconformismo e descontentamento com a decisão que lhe foi desfavorável. Por fim, requereu a condenação da Reclamante às penas da litigância de má-fé, pois a presente ação autônoma teria o intuito manifestamente protelatório 6. 0041194-85.2025.8.10000. Instada, a Procuradoria Geral de Justiça exarou ciência (mov. 21.1) Vieram-me os autos conclusos. É o breve relato. II – DECISÃO MONOCRÁTICA Em que pese os argumentos despendidos, verifico desde logo, que a presente reclamação não comporta conhecimento. Tal procedimento se constitui em ação autônoma de impugnação instituída pelo art. 105, inc. I, alínea ‘f’, da Constituição da República, regulamentada pelos arts. 988 a 993 do Código de Processo Civil e, no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, regida pelo art. 290 do RITJ. A propósito, confira-se: Pela Constituição Federal: “Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça: I - processar e julgar, originariamente: (...) f) a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões; ” No Código de Processo Civil: “Art. 988. Caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério Público para: I - preservar a competência do tribunal; II - garantir a autoridade das decisões do tribunal; III – garantir a observância de enunciado de súmula vinculante e de decisão do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade IV – garantir a observância de acórdão proferido em julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas ou de incidente de assunção de competência;” Já no Regimento Interno do TJPR: “Art. 290. Caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério Público para: I – preservar a competência do Tribunal; II – garantir a autoridade das decisões do Tribunal; III – garantir a observância de acórdão proferido pelo Tribunal em julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas ou de incidente de assunção de competência em todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre questão idêntica e que tramitem em área de sua jurisdição, inclusive naqueles que tramitem nos Juizados Especiais; IV- dirimir divergência entre acórdão proferido por Turma Recursal e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça consolidada em incidente de resolução de demandas repetitivas, julgamento de recurso especial repetitivo, ou em enunciados de súmulas, e para garantir a observância de precedentes vinculantes. § 1º Nas hipóteses do inc. I e II do caput, a reclamação será distribuída ao órgão julgador do Tribunal cuja a competência se busca preservar ou cuja autoridade da decisão se pretenda garantir, sendo que, neste último caso, ao mesmo Relator, sempre que possível. § 2º Na hipótese do inc. III do caput, a reclamação será distribuída ao órgão julgador que proferiu o acórdão cuja observância deve ser garantida, ao mesmo Relator, sempre que possível. § 3º Na hipótese do inc. IV do caput, a reclamação será distribuída às Turmas de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais, presididas por Desembargadora a ser designada ou Desembargador a ser designado pela Presidência do Tribunal, na forma prevista em resolução do Órgão Especial. § 4º As reclamações para garantir a observância de acórdão proferido pela Seção Cível extinta pela Resolução nº 59 de 26 de agosto de 2019 do Tribunal Pleno, nas hipóteses dos incs. II e III do caput, serão distribuídas a uma das oito Seções Cíveis, observadas as suas especializações.” Com a leitura dos dispositivos legais acima transcritos, vemos que a reclamação cível tem de cabimento em casos específicos, quais sejam: afronta à autoridade de decisão anterior desta Corte; usurpação de competência desta Corte por Juiz de instância inferior; afronta à jurisprudência consolidada em incidente de assunção de competência e de resolução de demandas repetitivas, em julgamento de recurso especial repetitivo e em enunciados das Súmulas do STJ. Contudo, o caso em tela não se amolda a qualquer dessas hipóteses. Isto é, a menos que a decisão fosse muito teratológica, tal ação não é cabível para corrigir eventual error in judicando ou questionar a valoração divergente a respeito do substrato fático e das provas pelo órgão julgador, se não enquadrável como ofensa à decisão vinculante, usurpação de competência ou afronta à autoridade do tribunal. Extrai-se da decisão, a 3ª Turma Recursal observou a legislação vigente no ordenamento jurídico, assim como as provas produzidas nos autos, não podendo se falar em decisão teratológica. Outrossim, do Recurso inominado vislumbra-se que o tema decadência não foi omitido, e sim afastado pois “tem-se que o veículo ficou na posse da ré por um total de 37 dias logo após a compra para fins de reparos, tempo em que não se conta o período de garantia, pois o veículo não estava disponível a uso pelo consumidor, voltando o prazo decadencial a contar a partir da entrega efetiva do produto ou do término da execução dos serviços, nos termos do art. 26, § 1º, do CDC. Assim, após o retorno do veículo da assistência técnica com os mesmos problemas, incumbia ao autor a escolha das hipóteses legais trazidas pelo artigo 18, § 1°, do Código de Defesa do Consumidor, e à ré não haveria outra alternativa senão o seu cumprimento, eis que devidamente notificada ainda dentro do prazo de garantia legal, pois o autor comprou o veículo em 01/04/2023, e notificou a ré em 20/06/2023 (mov. 1.4), e considerando que o veículo ficou na posse da ré por 37 dias, o autor teria garantia legal até o dia 05 /08/2023.” Também na origem a decadência foi afastada pelo Juiz Leigo, pois o “Requerente formulou notificação extrajudicial em 14/06/2023 interrompendo, assim, o prazo decadencial, na forma do §2º, inciso I do art. 26 do CDC.”. Dos embargos de declaração 0002280-83.2025.8.16.0021 se extrai que, quanto à alegação de decisão extra petita, que o Colegiado mencionou que “quando se utiliza a palavra “motor”, refere-se ao conjunto de todos os problemas de funcionamento informados pelos embargados”. Além disso, restou comprovado nos autos que o veículo adquirido apresentou defeito de funcionamento no motor e a própria Reclamante realizou a retífica do cabeçote, que se sabe compõe o motor. Quanto à alegada ilegitimidade do recorrente Vitor, litisconsorte ativo de Valmir, tem-se, primeiramente, que tal preliminar não foi suscitada em contrarrazoes ao recurso inominado (mov. 63.1), e, em segundo lugar, uma vez inaugurada em aclaratórios, foi analisada: “não merece acolhimento a ilegitimidade ativa do autor Valmir, eis que se pauta na Teoria da Asserção, e restou devidamente demonstrada nos autos”. Já quanto à condenação em danos morais, observa-se que restou devidamente fundamentada no acórdão e a Reclamante sequer embargou a decisão neste tópico. A propósito: “No que concerne a indenização por dano moral, é inegável que a aquisição de veículos que não ostentam condições mínimas de uso é situação que ocasiona inúmeros transtornos aos compradores, especialmente nos casos em que há nítida abusividade por parte do vendedor que, no ímpeto de auferir lucro mediante a venda do automóvel, aproveita-se da vulnerabilidade fática e técnica do consumidor para vender-lhe produto que sabe ou devia saber eivado de vícios. Além disso, como demonstrado nos autos, o autor sequer pôde fazer uso pleno do veículo, ficando impossibilitado de viajar com o carro diante do problema de funcionamento do motor. Somado a isso, tem o fato de que a ré não solucionou o imbróglio administrativamente, pois mesmo o autor tendo a procurado para resolver integralmente o problema, inclusive realizando notificação extrajudicial nesse sentido, esta se limitou a num primeiro momento reparar o motor e devolvê-lo ao autor, contudo, com os mesmos problemas no motor, e num segundo momento sequer responder aos reclamos do consumidor. (...) O arbitramento da indenização pelo dano moral deve sempre ter o cuidado de não proporcionar, por um lado, o enriquecimento ilícito do autor em detrimento dos réus, nem por outro, a banalização da violação aos direitos do recorrente. Também deve ser considerada a dupla finalidade do instituto, qual seja, a reparatória em face do ofendido e à educativa e sancionatória quanto ao ofensor. Deste modo, concluo que a sentença merece reforma, para fixar o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a título de indenização por dano moral, eis que bem atende ao caráter pedagógico e punitivo, não se revelando tal montante em enriquecimento ilícito do recorrente, mas sim em suficiente poder compensatório, atendendo aos critérios da razoabilidade e proporcionalidade.” Ou seja, não há sequer um caso extremo de ausência absoluta de fundamentação, com violação ao art. 93, IX, da CF/88, que justifique o recebimento da ação fora das hipóteses taxativas do art. 988, CPC. Não se vislumbra pois, quaisquer defeito na decisão prolatada, mas mera divergência em face da pretensão deduzida oriunda da avaliação dos fatos e provas produzidas, porém, insatisfeita com o resultado obtido, a parte optou pela propositura da presente reclamação, o que não serve para o alcance dos seus objetivos, como sucedâneo recursal. O que se vê é apenas um mero descontentamento da parte com a interpretação feita pelo Magistrado, o que não deve ser admitido em sede de reclamação cível, porquanto padece de previsão no ordenamento jurídico. Claramente, o reclamante busca se valer de procedimento inadequado para rediscutir e reformar a decisão proferido. Inclusive, em casos similares, assim tem decidido esta Corte de Justiça: "DECISÃO MONOCRÁTICA PROFERIDA EM RECLAMAÇÃO CÍVEL. ALEGAÇÃO DE INOBSERVÂNCIA À TESE FIXADA NO IRDR 21 PELA 4ª TURMA RECURSAL DO JUIZADOS ESPECIAIS. DECISÃO IMPUGNADA QUE ENTENDEU QUE A LEGISLAÇÃO DO MUNICÍPIO DE CASCAVEL DISPÕE QUE O CÁLCULO DAS HORAS EXTRAS DEVE INCIDIR SOBRE O VALOR DA HORA NORMAL DE TRBALHO. SITUAÇÃO AQUI EXAMINADA QUE NÃO ENVOLVE IDÊNTICA QUESTÃO DE FATO E DE DIREITO. MERO INCONFORMISMO. VIOLAÇÃO À TESE ADOTADA NO IRDR 21 NÃO CONFIGURADA. INEXISTÊNCIA DOS REQUISITOS PREVISTOS NO ART. 998 DO CPC. IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DA RECLAMAÇÃO COMO SUCEDÂNEO RECURSAL. RECURSO NÃO CONHECIDO." (TJPR - 1ª Seção Cível - 0045805-81.2025.8.16.0000 - Cascavel - Rel.: DESEMBARGADOR EUGENIO ACHILLE GRANDINETTI - J. 22.05.2025) - Destaquei "DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. RECLAMAÇÃO. INDEFERIMENTO LIMINAR DA PETIÇÃO INICIAL POR INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. INEXISTÊNCIA DE HIPÓTESES DE CABIMENTO PREVISTAS NO ART. 988 DO CPC OU NO REGIMENTO INTERNO DO TJPR. DECISÃO MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. I. CASO EM EXAME Agravo interno interposto contra decisão monocrática que indeferiu liminarmente a Reclamação, julgando extinto o processo sem resolução de mérito, com fulcro no art. 485, I, do CPC. O agravante alega, em síntese, o cabimento da Reclamação com base no art. 988, §4º, do CPC, argumentando que a decisão recorrida contrariou precedente do TJPR e é manifestamente teratológia. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO A questão em discussão consiste em verificar se a decisão que indeferiu liminarmente a Reclamação, por inadequação da via eleita, deve ser reformada, à luz das hipóteses legais de cabimento previstas no art. 988 do CPC e no Regimento Interno do TJPR. III. RAZÕES DE DECIDIR A Reclamação, de competência originária dos tribunais, possui hipóteses de cabimento taxativamente previstas no art. 988 do CPC, tais como preservar a competência do tribunal, garantir a autoridade de suas decisões e assegurar a observância de precedentes vinculantes, não sendo admitida como sucedâneo recursal. No caso concreto, a Reclamação foi proposta contra decisão da 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais que não conheceu dos Embargos de Declaração por intempestividade, situação que não se enquadra nas hipóteses legais e regimentais de cabimento da Reclamação. O Superior Tribunal de Justiça e o TJPR possuem entendimento consolidado de que a Reclamação não se presta a corrigir eventual erro de julgamento ou a substituir recurso próprio, devendo observar estritamente os requisitos legais. Ausentes elementos capazes de afastar a fundamentação da decisão monocrática ou demonstrar que esta foi indevidamente proferida, impõe-se a manutenção da decisão recorrida. Não se aplica, no caso, a multa prevista no art. 1.021, §4º, do CPC, tendo em vista que o agravo interno não se revelou manifestamente inadmissível ou improcedente. IV. DISPOSITIVO Recurso conhecido e não provido. Jurisprudência relevante citada: TJPR, 4ª Seção Cível, Reclamação Cível nº 0069485-71.2020.8.16.0000, Rel. Juiz Carlos Henrique Licheski Klein, j. 10.02.2023; TJPR, 4ª Seção Cível, Reclamação Cível nº 0030394-71.2020.8.16.0000, Rel. Des. Roberto Portugal Bacellar, j. 10.06.2020; TJPR, Seção Cível, Reclamação Cível nº 0001877-90.2019.8.16.0000, Rel. Des. Rosana Amara Girardi Fachin, j. 29.10.2019. (TJPR - 6ª Seção Cível - 0115071-92.2024.8.16.0000 - Arapongas - Rel.: DESEMBARGADOR FRANCISCO EDUARDO GONZAGA DE OLIVEIRA - J. 15.03.2025) - Destaquei “AGRAVO INTERNO. RECLAMAÇÃO CÍVEL. DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU SEGUIMENTO À RECLAMAÇÃO. ALEGAÇÃO DE DECISÃO TERATOLÓGICA E OFENSA AO ENUNCIADO 141 DO TJPR E DECISÃO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. NÃO CONFIGURAÇÃO. AUSÊNCIA DE HIPÓTESE DE CABIMENTO DA RECLAMAÇÃO CONFORME REQUISITOS DISPOSTOS NO ART. 988 DO CPC. RECURSO MANIFESTAMENTE INADMISSÍVEL. IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DA RECLAMAÇÃO COMO SUCEDÂNEO RECURSAL. TENTATIVA DE REEXAME DO MÉRITO DA DEMANDA ORIGINAL. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES DESTA CORTE. EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, ARTIGO 485, IV, DO CPC. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO INTERNO CONHECIDO E DESPROVIDO.1. “A reclamação constitucional não se presta à reforma de decisões contrárias à jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça; quando proposta sob o pretexto de garantir a autoridade das decisões da Corte, destina-se a fazer cumprir decisão proferida em caso concreto que envolva as partes postas no litígio do qual é oriundo a reclamação” (STJ – 2ª Seção – AgInt. na Rcl. n. 38.020/RJ – Rel.: Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – Unân. – j. em 03.12.2019).2. Extinção do feito sem resolução do mérito, nos termos do artigo 485, IV, do CPC, que deve ser mantida. (TJPR - 2ª Seção Cível - 0087079-93.2023.8.16.0000 - Guaíra - Rel.: SUBSTITUTO ANDERSON RICARDO FOGACA - J. 15.04.2024) - Destaquei Portanto, ausente o preenchimento dos requisitos de admissibilidade, deixo de conhecer da reclamação cível, indefiro a petição inicial e julgo o processo extinto sem resolução do mérito, com fundamento no art. 485, I e IV, do CPC[2] Da litigância de má-fé suscitada em contrarrazões A parte interessada requer seja reconhecida a litigância de má-fé da parte reclamante, ao fundamento de que a presente medida teria sido manejada com o exclusivo intuito de protelar o cumprimento do acórdão proferido pela 3ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis do Paraná, sem respaldo jurídico plausível. Contudo, razão não lhes assiste. A caracterização da litigância de má-fé demanda prova inequívoca de que a parte agiu com dolo processual, vale dizer, de forma temerária, com deslealdade ou má intenção, contrariando os deveres processuais impostos pelo art. 77, incisos I a IV[3], e art. 80 do Código de Processo Civil[4]. Dentre as hipóteses ali elencadas, destacam-se a alteração da verdade dos fatos (inciso II), a interposição de recurso manifestamente protelatório (inciso VII) e a oposição à resistência injustificada ao andamento do processo (inciso IV). No presente caso, ainda que a tese recursal possa não se mostrar acolhivel em juízo de mérito, a simples propositura da reclamação com a invocação de fundamentos jurídicos — ainda que frágeis ou já enfrentados pela instância de origem — não é suficiente para caracterizar má-fé processual. O exercício do direito de ação ou de recurso, mesmo que venha a ser considerado improcedente, encontra respaldo no princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, da Constituição Federal[5]), sendo necessário que se comprove, de forma objetiva, o abuso desse direito com intuito deliberado de causar tumulto processual ou prejuízo à parte contrária, o que não se evidencia na espécie. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem sido firme no sentido de que a litigância de má-fé não pode ser presumida pelo mero uso do recurso ou ação prevista em lei, exigindo-se a demonstração cabal de conduta dolosa: “AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DECISÃO DA PRESIDÊNCIA. RECONSIDERAÇÃO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO E INDENIZATÓRIA POR DANO MORAL. OFENSA AOS ARTS. 489, § 1º, E 1.022 DO CPC. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. JULGAMENTO CONTRÁRIO AOS INTERESSES DA PARTE. MULTA POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. AFASTAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO INTERNO PROVIDO. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. 1. Não há falar em ofensa aos arts. 489, § 1º, e 1.022, II, do CPC/2015, uma vez que o acórdão recorrido adotou fundamentação suficiente decidindo integralmente a controvérsia. É indevido conjecturar-se a existência de omissão, obscuridade ou contradição no julgado apenas porque decidido em desconformidade com os interesses da parte. 2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que "o simples fato de haver o litigante feito uso de recurso previsto em lei não significa litigância de má-fé" (AgRg no REsp 995.539/SE, Terceira Turma, Rel. Min. NANCY ANDRIGHI, DJe de 12/12/2008). "Isso, porque a má-fé não pode ser presumida, sendo necessária a comprovação do dolo da parte, ou seja, da intenção de obstrução do trâmite regular do processo, nos termos do art. 80 do Código de Processo Civil de 2015" (EDcl no AgInt no AREsp 844.507/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 08/10/2019, DJe de 23/10/2019). (...) (AgInt no AREsp n. 2.115.563/MS, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 26/9/2022, DJe de 13/10/2022.) - Destaquei Assim sendo, não há elementos nos autos que evidenciem conduta temerária, desleal ou protelatória por parte da Reclamante a justificar a aplicação da penalidade prevista no art. 81 do CPC. Ante o exposto, afasto a alegação de litigância de má-fé formulada contra a parte Reclamante. III - DECISÃO MONOCRÁTICA Por todo o exposto, indefiro a presente Reclamação Cível, com fundamento no artigo 182, inciso XII, do Regimento Interno deste Tribunal, por não se amoldar a qualquer das hipóteses previstas no art. 988 do Código de Processo Civil e 290, do Regimento Interno deste Tribunal. Nestas condições e nos termos da fundamentação acima, não conheço da presente reclamação, a qual deve ser extinta com base 485, I e IV, do CPC/15. Ciência ao Juízo de Origem. Procedam-se as intimações necessárias. Certificado o trânsito em julgado, arquivem-se. Curitiba, data da assinatura eletrônica. Des. Sergio Luiz Kreuz Relator [1] Decisão de Relatoria do Juiz Fernando Swain Ganem. [2] “Art. 485. O juiz não resolverá o mérito quando: I - indeferir a petição inicial; (...) IV - verificar a ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo;” [3]“Art. 77. Além de outros previstos neste Código, são deveres das partes, de seus procuradores e de todos aqueles que de qualquer forma participem do processo: I - expor os fatos em juízo conforme a verdade; II - não formular pretensão ou de apresentar defesa quando cientes de que são destituídas de fundamento; III - não produzir provas e não praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou à defesa do direito; IV - cumprir com exatidão as decisões jurisdicionais, de natureza provisória ou final, e não criar embaraços à sua efetivação” [4] “Art. 80. Considera-se litigante de má-fé aquele que: XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;” “[5] VII - interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório.” VI - provocar incidente manifestamente infundado; V - proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo; IV - opuser resistência injustificada ao andamento do processo; III - usar do processo para conseguir objetivo ilegal; II - alterar a verdade dos fatos; I - deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso;
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