Processo nº 1002419-07.2021.8.11.0018
ID: 295607591
Tribunal: TJMT
Órgão: Regime de Cooperação da 2ª Câmara de Direito Público
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 1002419-07.2021.8.11.0018
Data de Disponibilização:
11/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO REGIME DE COOPERAÇÃO DA 2ª CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO Número Único: 1002419-07.2021.8.11.0018 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Serviços de Saúde] Relator: …
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO REGIME DE COOPERAÇÃO DA 2ª CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO Número Único: 1002419-07.2021.8.11.0018 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Serviços de Saúde] Relator: Des(a). MARCOS REGENOLD FERNANDES Turma Julgadora: [DES(A). MARCOS REGENOLD FERNANDES, DES(A). ANTONIO VELOSO PELEJA JUNIOR, DES(A). MARCOS FALEIROS DA SILVA] Parte(s): [FRANCINEIA DAS DORES LIMA - CPF: 007.189.151-00 (APELANTE), PROCURADORIA GERAL DO ESTADO (APELADO), MUNICIPIO DE JUARA (APELADO), HOSPITAL MUNICIPAL DE JUARA ELIDIA MACHIETTO SANTILLO (APELADO), MUNICIPIO DE JUARA - CNPJ: 15.072.663/0001-99 (APELADO), MARCELO JUNIOR GONCALVES - CPF: 326.922.772-87 (ADVOGADO), CASA CIVIL DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 03.507.415/0007-30 (APELADO), ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 03.507.415/0020-07 (APELADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (CUSTOS LEGIS)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a REGIME DE COOPERAÇÃO DA 2ª CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). MARCOS REGENOLD FERNANDES, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO. E M E N T A DIREITO ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ÓBITO FETAL INTRAUTERINO. ATENDIMENTO EM HOSPITAL PÚBLICO. ALEGAÇÃO DE ERRO MÉDICO E VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA. PROVA PERICIAL NÃO REQUERIDA OPORTUNAMENTE. INEXISTÊNCIA DE NEGLIGÊNCIA MÉDICA COMPROVADA. RECURSO DESPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA. I. CASO EM EXAME 1. Trata-se de Ação de Obrigação de Fazer cumulada com indenização por danos morais ajuizada por gestante em razão da morte intrauterina de seu filho, alegando negligência médica no atendimento prestado em unidade hospitalar municipal, e posterior violência obstétrica. O pedido foi julgado improcedente em primeiro grau, com fundamento na ausência de conduta culposa dos profissionais de saúde. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há duas questões em discussão: (i) verificar a legitimidade passiva do Estado de Mato Grosso; (ii) saber se houve cerceamento de defesa pela negativa de produção de prova pericial médica; e (ii) saber se restou demonstrada falha no atendimento médico apta a ensejar responsabilidade civil do ente público. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A legitimidade passiva do Estado deve ser reconhecida, à luz da Teoria da Asserção e da solidariedade federativa na prestação dos serviços de saúde (STF, Tema 793). 4. A produção de prova pericial foi expressamente indeferida em decisão de saneamento, e a parte autora não impugnou a decisão no momento oportuno, operando-se a preclusão. 5. A prova documental e testemunhal constante dos autos demonstra que o atendimento médico seguiu os protocolos clínicos usuais, inexistindo indícios de negligência, imperícia ou imprudência dos profissionais de saúde. 6. O óbito fetal decorreu de enrolamento do cordão umbilical, evento trágico e imprevisível, sem nexo causal com suposta omissão médica. 7. As alegações de violência obstétrica carecem de comprovação nos autos, não havendo prova robusta de impedimento injustificado de contato com o natimorto ou de ausência de suporte psicológico institucional. IV. DISPOSITIVO E TESE 8. Recurso desprovido. Sentença mantida. Tese de julgamento: “1. A responsabilidade solidária dos entes federativos na prestação do SUS enseja a legitimidade passiva do Estado em ações por suposta falha no serviço de saúde. 2. A ausência de impugnação ao indeferimento de prova pericial no momento oportuno configura preclusão, afastando alegação de cerceamento de defesa. 3. A responsabilidade civil por erro médico exige prova inequívoca de conduta culposa e nexo causal com o dano, o que não restou demonstrado nos autos. 4. Alegações de violência obstétrica devem ser comprovadas por prova robusta, sob pena de improcedência do pedido indenizatório.” Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 23, II; CPC, art. 98, §3º. Jurisprudência relevante citada: STF, Tema 793; STJ, REsp 1388822/RN; TJ-SC, Ap. Cív. 0000989-82.2011.8.24.0064; TJMT, AgInt no AREsp 1127166/MG. R E L A T Ó R I O Egrégia Câmara: Trata-se de recurso de apelação interposto por FRANCINÉIA DAS DORES LIMA, contra sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Juara/MT, que julgou improcedente o pedido formulado nos autos da Ação de Obrigação de Fazer com Pedido de Tutela de Urgência Antecipada, movida em face do MUNICÍPIO DE JUARA e do ESTADO DE MATO GROSSO. Nas razões recursais constantes no ID 208792743, a Apelante argui preliminar de cerceamento de defesa, por indeferimento de prova pericial, que teria sido fundamental para o esclarecimento técnico da controvérsia. No mérito, argumenta que o juízo não poderia concluir pela ausência de culpa médica sem a realização dessa prova, requerida desde a petição inicial, dada a complexidade da matéria e a ausência de dados precisos no prontuário. O Município de Juara apresentou contrarrazões (ID. 208792746), sustentando que não houve falha na prestação do serviço médico, tendo sido adotadas todas as providências cabíveis e adequadas ao caso, ao passo que os profissionais médicos exercem atividade de meio, não de resultado, não restando demonstrada a culpa em qualquer modalidade. O Estado de Mato Grosso (ID. 256445165), por sua vez, argumentou, preliminarmente, sua ilegitimidade passiva, alegando que o atendimento ocorreu em hospital municipal, sem qualquer relação com o Estado. No mérito, sustentou a inexistência de prova do erro médico, a necessidade de demonstração de culpa por se tratar de responsabilidade subjetiva, além da inexistência de nexo causal. Sem custas em razão da gratuidade de justiça. A Procuradoria-Geral de Justiça deixou de se manifestar por ausência de interesse público no feito (Id. 217432661). É o relatório. Inclua-se em pauta. V O T O R E L A T O R VOTO (PRELIMINAR) EXMO. SR. DES. MARCOS REGENOLD FERNANDES (RELATOR). Egrégia Câmara: I. Inicialmente, vê-se que o Estado de Mato Grosso suscitou a preliminar de ilegitimidade passiva, contudo, entendo que não merece prosperar. De início, cumpre assentar que, consoante a Teoria da Asserção, a legitimidade das partes deve ser verificada a partir das afirmações constantes na petição inicial, consideradas verdadeiras em juízo de delibação. No caso em exame, a parte autora narra prejuízo decorrente de suposta falha na prestação do serviço público de saúde. Nesse contexto, é certo que o atendimento médico foi prestado em unidades de saúde vinculadas ao Município de Juara. Contudo, conforme reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Tema 793, a prestação dos serviços públicos de saúde constitui competência comum entre os entes federativos, nos termos do art. 23, II, da Constituição da República, o que enseja a responsabilidade solidária da União, dos Estados e dos Municípios pelos danos decorrentes de eventual falha na oferta dos serviços integrantes do SUS. Vejamos: “ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL POR ERRO MÉDICO. HOSPITAL PRIVADO. ATENDIMENTO CUSTEADO PELO SUS. RESPONSABILIDADE MUNICIPAL. LEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO. 1. Considerando que o funcionamento do SUS é de responsabilidade solidária da União, do Estados e dos Municípios, é de se concluir que qualquer um destes entes tem legitimidade ad causam para figurar no polo passivo de quaisquer demandas que envolvam tal sistema, inclusive as relacionadas à indenizatória por erro médico ocorrido em hospitais privados conveniados. 2. É entendimento desta Corte que, em sede de recurso especial, não se admite a revisão de danos morais, ante o óbice contido na Súmula 7/STJ, salvo se o valor fixado for exorbitante ou irrisório, excepcionalidade essa não verificada nos presentes autos. 3. Nas condenações indenizatórias posteriores à entrada em vigor do Código Civil de 2002, deve-se aplicar a taxa Selic, que é composta de juros moratórios e de correção monetária. Precedentes: EDcl no REsp 1.300.187/MS, Rel. Min. Raul Araújo, Quarta Turma, DJe 26/03/2014; EDcl nos EDcl no AgRg no AREsp 245.218/SP, Rel. Min . João Otávio de Noronha, Terceira Turma, DJe 25/11/2013; REsp 1.279.173/SP, Rel. Min . Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, DJe 09/04/2013; EDcl no AgRg no AREsp 109.928/SP, Rel. Min. Antônio Carlos Ferreira, Quarta Turma, DJe 01/04/2013; EDcl no REsp 1210778/SC, Rel . Min. Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe 19/12/2011; AgRg no REsp 1.233.030/PR, Rel . Min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 14/04/2011. 4. Recurso especial não provido.” (STJ - REsp: 1388822 RN 2012/0055646-4, Relator.: Ministro BENEDITO GONÇALVES, Data de Julgamento: 16/06/2014, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 01/07/2014) Dessa forma, ainda que a execução direta do serviço tenha se dado por meio de estabelecimento de saúde municipal, tal circunstância não afasta a legitimidade passiva do Estado, que integra solidariamente o pacto federativo responsável pela organização e financiamento do SUS, respondendo, portanto, conjuntamente pelos vícios ou falhas na prestação do serviço público essencial. Assim, da análise dos autos e à luz da jurisprudência consolidada na instância constitucional, não se pode afastar a legitimidade passiva do Estado de Mato Grosso. Portanto, rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva suscitada pelo Estado de Mato Grosso, prosseguindo-se no exame do mérito recursal. II. Posteriormente, a Apelante apresentou alegação de cerceamento de defesa, porém esta não merece acolhida. Embora a parte autora tenha, de fato, requerido a produção de prova pericial na petição inicial, verifica-se dos autos que tal pleito foi expressamente indeferido na decisão de saneamento (ID 208792343), ocasião em que o Juízo entendeu suficiente a prova documental já constante dos autos, designando audiência de instrução apenas para a oitiva de testemunhas, com vistas à formação de seu convencimento. Após tal decisão, a parte autora não impugnou especificamente o indeferimento da prova técnica, tampouco reiterou, de forma fundamentada, a imprescindibilidade de sua produção durante a instrução, limitando-se a renovar a questão apenas em sede de apelação. Necessário consignar que este Tribunal possui entendimento pacificado no sentido de que, não sendo requerido o meio de prova no momento processual oportuno, opera-se a preclusão do direito à sua produção, nos termos do princípio da concentração das provas e da estabilidade da marcha processual. Vejamos: E M E N T A RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR ACIDENTE DE TRÂNSITO – INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL – PRECLUSÃO – PEDIDO FORMULADO DEPOIS DE ENCERRADA A INSTRUÇÃO PROCESSUAL – DECLARAÇÃO DA PARTE – DISPENSA DE OUTRAS PROVAS A SEREM PRODUZIDAS – AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO ENCERRADA – AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO NO MOMENTO OPORTUNO - PRECLUSÃO – ENTENDIMENTO PACIFICADO NO STJ ARESP 1127166/MG – RECURSO DESPROVIDO. Consoante entendimento pacificado do STJ, o direito à prova preclui quando não requerida no momento oportuno, ainda que haja pedido expresso na inicial ou na contestação (AgInt no AREsp 1127166/MG).-(TJ-MT 10057790420218110000 MT, Relator.: MARILSEN ANDRADE ADDARIO, Data de Julgamento: 27/10/2021, Segunda Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 01/11/2021) Destaquei Tal entendimento aplica-se, sobretudo, ao presente caso, em que o pedido de produção de prova pericial formulado na petição inicial foi expressamente indeferido, sem que a parte tenha renovado a solicitação em momento oportuno, seja na audiência de instrução e julgamento, seja por meio de manifestação nos memoriais finais. Assim, a decisão de primeiro grau, que indeferiu a prova pericial, não padece de nulidade, tampouco houve qualquer irregularidade procedimental a justificar o retorno dos autos à origem para reabertura da instrução, razão pela qual rejeito a preliminar. É como VOTO. VOTO (MÉRITO) EXMO. SR. DES. MARCOS REGENOLD FERNANDES (RELATOR). Egrégia Câmara: Consta nos autos que FRANCINÉIA DAS DORES LIMA, ajuizou Ação de Obrigação de Fazer com Pedido de Tutela de Urgência Antecipada em face do MUNICÍPIO DE JUARA e do ESTADO DE MATO GROSSO, alegando erro médico praticado nas dependências do Hospital Municipal Elídia Machietto Santillo, sob responsabilidade do Município de Juara/MT e, segundo a inicial, também do Estado de Mato Grosso. Narra a incoativa que estava gestante de seu oitavo filho, tendo realizado adequadamente o acompanhamento pré-natal. Afirma que, ao procurar o posto de saúde (PSF) com sintomas de possível trabalho de parto, recebeu orientação para observar os movimentos fetais, mas não foi submetida a exames diagnósticos. No dia seguinte, constatou-se a ausência de batimentos cardíacos do feto, sendo encaminhada ao hospital, onde se confirmou o óbito fetal intrauterino, o que motivou a realização de parto cesariana. Aduz que houve negligência médica por omissão na realização de exames e procedimentos adequados, alegando, ainda, ter sofrido violência obstétrica, pois não lhe foi permitido o contato com o feto, nem lhe foram fornecidos apoio psicológico ou informações suficientes após o evento. Sustenta a responsabilidade objetiva do ente público pelo serviço de saúde, razão pela qual ajuizou a demanda visando a indenização por danos morais. Após a instrução processual, o juízo singular assim sentenciou o processo: (...)No mérito, o pedido inicial é improcedente. Trata-se de pedido de danos morais fundado na morte do feto da autora gestante em decorrência de suposto erro médico no atendimento ocorrido no dia 01/04/2021 nas dependências do Hospital requerido. Preliminarmente, observo que a medicina não é ciência exata, onde todos os diagnósticos são obtidos com precisão matemática, trata-se, na verdade, de ciência baseada no correto emprego do conhecimento existente naquele momento com vistas ao melhor resultado possível. Portanto, “o médico deve esforçar-se, usar de todos os meios necessários para alcançar a cura do doente, apesar de nem sempre alcançá-la”, pois “inexiste o compromisso de curar, mas tão somente o de proceder de acordo com as regras e métodos da profissão” (in STOCO, Rui. Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudencial. 4ª ed., São Paulo: Ed. RT, p. 287/288). Feita tal consideração, e observando que a parte autora imputa as partes requeridas condutas negligentes e imperitas, passo à análise da prova produzida nos autos. A prova documental produzida é suficiente para a deslinde do feito, considerando que nelas contém informações importantíssimas, senão, vejamos: (...) Consta do relatório do mencionado acima, que o feto se encontrava com o cordão umbilical em volta do seu pescoço, sendo a causa da morte. Assim, considerando que não foi negado atendimento a requerente pelo hospital, que eles agiram com o zelo esperado para a situação, bem como que a conduta deles era justificada diante do quadro clínico que ela apresentava nos momentos em que foi examinada, de rigor a afastamento das alegações de negligência e imperícia Ademais, constatado que foram observadas todas as regras e técnicas da ciência médica, bem como que foram tomados os cuidados habituais, não há como se responsabilizar as partes requerida pelos evidentes danos sofridos pela autora, que em boa verdade decorrem de uma fatalidade inerente ao processo de nascimento e não de falha no atendimento médico que recebeu. Desta forma, não havendo negligência ou imperícia das rés não há conduta ilícita, não configurando, assim, o dever de indenizar. Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido inicial, declarando extinto o feito, com resolução de mérito, nos termos do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil. Em razão da sucumbência, condeno a parte autora ao pagamento das custas e despesas processuais, além de honorários advocatícios, que fixo em 10% sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, §§ 2º e 6º, do CPC. A exigibilidade de tais verbas, contudo, fica suspensa, por se tratar de beneficiário da gratuidade judiciária (CPC, art. 98, § 3º). (...) (ID. 208792738) Pois bem. A questão trazida para análise se refere a suposta ocorrência de erro médico, consubstanciado em alegada negligência do serviço público de saúde no atendimento obstétrico da Apelante, que resultou na morte intrauterina de seu filho e eventual ocorrência de violência obstétrica, como a ausência de contato com o feto falecido e falta de apoio psicológico adequado. Antes de adentrar propriamente nas questões jurídicas da controvérsia, impõe-se registrar, com a sensibilidade que o caso exige, a profunda gravidade do sofrimento vivenciado pela parte autora, cuja dor pela perda de um filho ainda no ventre materno é daquelas experiências humanas que ultrapassam qualquer consideração jurídica. A dor da perda gestacional reclama empatia e respeito. No entanto, após uma profunda análise dos autos, não se verifica o dever jurídico de indenizar no presente caso. Isso porque não restou comprovada a ocorrência de negligência, imperícia ou imprudência no atendimento médico recebido pela autora, sendo a morte fetal atribuída à ocorrência de enrolamento do cordão umbilical, conforme registrado nos prontuários médicos coligidos ao feito. Vejamos: O documento acima estampado, anexado em ID. 2208792338 – pág. 18, registra que a “Retirada do concepto, um natimorto com quatro circulares de cordão umbilical, inserção nas paredes ântero e póstero-lateral.”. Ainda, a certidão de óbito registra que a morte como “óbito fetal”, ou seja, intrauterina. Necessário esclarecer que, conforme o depoimento da testemunha João Francisco Midleton, médico responsável pelo acompanhamento gestacional e pelo parto da Apelante, o pré-natal foi realizado regularmente. Relatou que, quando a paciente compareceu à unidade de saúde se queixando de dor, após a realização de exame físico, entendeu-se não haver indicação para a realização de ultrassonografia naquele momento, diante da ausência de sinais de risco para a gestante e o concepto. Destaca-se que, embora a Apelante afirme ter contatado o Pronto Atendimento em razão da suspeita de estar em trabalho de parto, referiu, à época, apenas desconforto leve. Somente procurou atendimento presencial na unidade de saúde no dia seguinte, ao perceber ausência de movimentação fetal. Na ocasião, após ausculta cardíaca e realização de ultrassonografia, constatou-se a morte fetal. Trata-se de evento trágico, inegavelmente doloroso, mas que não pode, por si só, ser presumido como fruto de falha médica. A responsabilidade civil do Estado por omissão médica, ainda que se trate de serviço público de saúde, exige a demonstração inequívoca de conduta negligente por parte dos agentes envolvidos, com nexo de causalidade direto entre a suposta conduta omissiva e o dano verificado – o que, como bem salientado pelo juízo singular, não restou evidenciado nos autos. Vale destacar que não se verifica qualquer ação ou omissão por parte dos profissionais de saúde que possa ter contribuído para o desfecho fatal. Quando do primeiro atendimento na unidade de saúde, não havia indícios clínicos de anormalidade que justificassem intervenções adicionais. No retorno, entretanto, já não foram identificados batimentos cardíacos fetais, sendo posteriormente constatado, por meio de exame, que o feto apresentava quatro voltas do cordão umbilical em torno do pescoço, o que causou a morte intrauterina, não ensejando, assim, a responsabilidade do Estado e Município. Nesse sentido: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ERRO MÉDICO. ÓBITO DE BEBÊ. CORDÃO UMBILICAL ENROLADO NO PESCOÇO. AUSÊNCIA DE NEXO CAUSAL ENTRE A MORTE E O ATENDIMENTO PRESTADO À PARTURIENTE. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DO ESTADO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. "Não há como responsabilizar o Município pela indenização de danos morais sofridos pela mãe de bebê que nasceu sem vida em decorrência de sofrimento fetal por estar com o cordão umbilical enrolado no pescoço, além da existência de outra patologia, sem que tenha havido comprovação de qualquer erro, omissão ou negligência de parte dos médicos do hospital público que atenderam o caso." (TJ-SC - APL: 00009898220118240064 São José 0000989-82.2011 .8.24.0064, Relator.: Júlio César Knoll, Data de Julgamento: 26/07/2016, Terceira Câmara de Direito Público) Destaquei Ainda que se admitisse, em tese, a incidência da teoria da perda de uma chance – comumente aplicada em hipóteses semelhantes -, necessário seria demonstrar, com base técnica, que a conduta médica efetivamente frustrou uma chance real e concreta de sobrevivência do feto, o que também não restou demonstrado. Quanto às alegações de violência obstétrica, como o impedimento de ver o feto falecido ou ausência de apoio psicológico no hospital, também não prosperam. Apesar de a Apelante alegar que não recebeu apoio psicológico, a informante Bruna Karolyne de Lima Lopes, filha, relatou que após os fatos a mãe realizou acompanhamento psicológico. Quanto ao impedimento de acesso ao feto, não houve instrução processual voltada à produção de prova robusta sobre os fatos narrados, tampouco diligência da autora no sentido de demonstrar, minimamente, as circunstâncias que sustentassem sua tese de violação à dignidade da parturiente. Apesar de a informante ter relatado os fatos ocorridos, nenhum questionamento foi dirigido à testemunha João Francisco, médico responsável pelo parto, o qual poderia ter esclarecido, com precisão técnica, os detalhes do procedimento realizado, bem como se havia alguma contraindicação ou impedimento clínico para o contato imediato entre mãe e filho após o nascimento. Diante de todo o exposto, a sentença recorrida não merece reforma. CONCLUSÃO: Ante o exposto, REJEITO a preliminar, no mérito, NEGO PROVIMENTO ao recurso de apelação interposto por FRANCINÉIA DAS DORES LIMA, mantendo-se a r. sentença por seus próprios e jurídicos fundamentos. Em cumprimento ao disposto no art. 85, § 11, do CPC, majoro a condenação em honorários advocatícios fixadas na origem para 12% (doze por cento) sobre o valor atualizado da causa, ficando suspensa a exigibilidade em razão da justiça gratuita. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 09/06/2025
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