Processo nº 1002495-90.2024.8.11.0029
ID: 335524571
Tribunal: TJMT
Órgão: Quarta Câmara Criminal
Classe: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO
Nº Processo: 1002495-90.2024.8.11.0029
Data de Disponibilização:
28/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
VINICIUS DE OLIVEIRA RIBEIRO
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1002495-90.2024.8.11.0029 Classe: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) Assunto: [Homicídio Qualificado] Relator: Des(a). LIDIO …
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1002495-90.2024.8.11.0029 Classe: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) Assunto: [Homicídio Qualificado] Relator: Des(a). LIDIO MODESTO DA SILVA FILHO Turma Julgadora: [DES(A). LIDIO MODESTO DA SILVA FILHO, DES(A). HELIO NISHIYAMA, DES(A). JUVENAL PEREIRA DA SILVA] Parte(s): [ALISSON SILVA CORREA - CPF: 088.697.012-12 (RECORRENTE), VINICIUS DE OLIVEIRA RIBEIRO - CPF: 003.255.061-83 (ADVOGADO), MARKS SANDRO RODRIGUES DOS SANTOS - CPF: 044.929.371-88 (ADVOGADO), POLÍCIA JUDICIÁRIA CIVIL DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 03.507.415/0029-45 (RECORRIDO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (RECORRIDO), HENDERSSON GUSTAVO DA COSTA RECKZIEGEL - CPF: 001.138.451-46 (TERCEIRO INTERESSADO), AMILTON CESAR HOSHINA - CPF: 138.683.508-02 (TERCEIRO INTERESSADO), ANTONIO GOMES DOS SANTOS - CPF: 011.891.753-63 (TERCEIRO INTERESSADO), DIEGO DUARTE DE SANTANA - CPF: 109.108.995-76 (TERCEIRO INTERESSADO), GUILHERME LUCAS VIANA - CPF: 115.626.819-23 (TERCEIRO INTERESSADO), IRANDIR PEREIRA DE LIMA - CPF: 003.955.001-09 (TERCEIRO INTERESSADO), LARISSA DOS SANTOS NASCIMENTO - CPF: 062.336.092-67 (TERCEIRO INTERESSADO), LEANDRO GOMES DE LIMA - CPF: 021.048.461-61 (TERCEIRO INTERESSADO), MARLON CHRISTIAN NUNES MATOS - CPF: 621.271.773-71 (VÍTIMA)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUARTA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). JUVENAL PEREIRA DA SILVA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE NEGOU PROVIMENTO AO RECURSO, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR. E M E N T A DIREITO PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. HOMICÍDIO QUALIFICADO. LEGÍTIMA DEFESA. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. IMPRONÚNCIA. DESCLASSIFICAÇÃO PARA HOMICÍDIO SIMPLES. DECOTE DAS QUALIFICADORAS. PEDIDO DE REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA. PRESENÇA DE INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA E MATERIALIDADE. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI. MANUTENÇÃO DA PRISÃO. RECURSO DESPROVIDO. I. Caso em exame: Recurso em Sentido Estrito interposto contra decisão prolatada pelo Juízo da 2ª Vara da Comarca de Canarana (MT), que pronunciou o acusado para ser submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri pela suposta prática do crime de homicídio qualificado (art. 121, § 2º, incisos II e IV, do Código Penal). A defesa postula a absolvição sumária com base em legítima defesa; alternativamente, a impronúncia por ausência de indícios suficientes de autoria; ou, ainda, a desclassificação para homicídio simples, com o afastamento das qualificadoras. Requer também a revogação da prisão preventiva ou a substituição por medidas cautelares diversas. II. Questão em discussão: Há quatro questões em discussão: (i) verificar se estão presentes nos autos elementos incontestes que justifiquem a absolvição sumária com base em legítima defesa; (ii) analisar a suficiência dos indícios de autoria para manutenção da decisão de pronúncia; (iii) examinar a possibilidade de exclusão das qualificadoras de motivo fútil e recurso que dificultou a defesa da vítima; e (iv) avaliar a presença dos requisitos da prisão preventiva para fins de sua manutenção ou revogação. III. Razões de decidir: 1. A absolvição sumária com fundamento em legítima defesa pressupõe prova cabal e incontestável da presença de excludente de ilicitude, o que não se verifica nos autos, sendo a dinâmica dos fatos ainda controversa e dependente de instrução aprofundada. 2. A decisão de pronúncia exige apenas a presença de indícios suficientes de autoria e materialidade delitiva, sem necessidade de certeza plena, estando esse standard probatório devidamente atendido nos autos. 3. O afastamento das qualificadoras somente é admissível se manifestamente improcedentes, o que não se constata, diante da existência de elementos que apontam para possível motivo fútil e a utilização de recurso que dificultou a defesa da vítima, devendo tais circunstâncias ser apreciadas pelo Conselho de Sentença. 4. A manutenção da prisão preventiva encontra amparo na gravidade concreta dos fatos, na periculosidade do agente e na necessidade de garantia da ordem pública, não havendo nos autos elementos suficientes que justifiquem a substituição por medidas cautelares diversas. IV. Dispositivo e Tese: Recurso desprovido. Tese de julgamento: “1. A absolvição sumária com base em legítima defesa exige prova inequívoca da presença dos requisitos legais da excludente, o que deve ser apreciado pelo Tribunal do Júri quando presentes controvérsias sobre os fatos. 2. A decisão de pronúncia deve ser mantida quando presentes indícios suficientes de autoria e materialidade do crime doloso contra a vida. 3. O afastamento das qualificadoras na fase de pronúncia somente é cabível quando manifestamente improcedentes. 4. A prisão preventiva deve ser mantida quando presentes seus pressupostos legais, especialmente diante da gravidade concreta do crime e da necessidade de resguardar a ordem pública”. Dispositivos relevantes citados: art. 5º, XXXVIII, da CF/88; arts. 121, § 2º, II e IV, e 413, 415, 282, 312 e 319, todos do CPP. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg no AREsp n. 2.560.912/RJ, Rel. Min. Otávio de Almeida Toledo (Desembargador Convocado do TJSP), Sexta Turma, j. em 26/8/2024; STJ, AgRg no HC n. 894.353/MG, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, j. em 22/4/2024; TJMT, N.U 0000539-69.2008.8.11.0109, Rel. Des. Orlando de Almeida Perri, Primeira Câmara Criminal, j. em 30/04/2024; TJMT, N.U 0001018-94.2010.8.11.0108, Rel. Des. Pedro Sakamoto, Segunda Câmara Criminal, j. em 20/02/2024. RELATÓRIO EXMO. SR. DES. LÍDIO MODESTO DA SILVA FILHO Egrégia Câmara: Trata-se de Recurso em Sentido Estrito interposto por ALISSON SILVA CORREA contra decisão prolatada pelo Juízo da 2ª Vara da Comarca de Canarana (MT), que o pronunciou a fim de que seja submetido a julgamento pelo Egrégio Tribunal do Júri pela suposta prática do crime de tentativa de homicídio qualificado, tipificado no artigo 121, § 2º, incisos II e IV do Código Penal (Id. 290259989). Em suas razões recursais, pugna pela reforma da decisão, com fundamento na ausência de indícios suficientes de autoria, requerendo sua impronúncia ou, alternativamente, a absolvição sumária, sob o argumento de que agiu em legítima defesa. Subsidiariamente, pleiteia a desclassificação para o caput do artigo 121 do Código Penal, mediante o afastamento das qualificadoras imputadas na exordial acusatória. Requer, ainda, a revogação da prisão preventiva ou a substituição por medidas cautelares diversas (Id. 290260003). Contrarrazões pelo desprovimento do recurso (Id. 290260007). Em sede de Juízo de retratação, o magistrado de primeiro grau manteve a decisão recorrida por seus próprios fundamentos (Id. 290260008). A Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do d. Procurador de Justiça Élio Américo, manifestou pelo desprovimento do recurso interposto, devendo o acusado ser submetido ao julgamento pelo Tribunal do Júri (Id. 298217859). É o relatório. Inclua-se em pauta para julgamento. VOTO RELATOR EXMO. SR. DES. LÍDIO MODESTO DA SILVA FILHO Egrégia Câmara: O recurso em apreço é tempestivo, foi interposto por quem tinha interesse e legitimidade para fazê-lo, bem como o meio de impugnação empregado afigura-se necessário e adequado para se atingirem as finalidades colimadas, motivos pelos quais, estando presentes os seus requisitos objetivos e subjetivos de admissibilidade, CONHEÇO do recurso manejado pelo réu. No caso em apreço, o recorrente insurge-se contra a decisão de pronúncia, buscando sua reforma para que seja absolvido sumariamente, ao argumento de que agiu amparado pela excludente de ilicitude da legítima defesa, a qual deve ser reconhecida, segundo alega, a partir do conjunto probatório constante dos autos. Subsidiariamente, requer o afastamento das qualificadoras descritas nos incisos II e IV do § 2º do artigo 121 do Código Penal. Para melhor compreensão da pretensão recursal, faz-se necessária a transcrição de parte do que consta na denúncia acerca dos fatos: Consta nos autos do inquérito policial incluso que, no dia 08 de dezembro de 2024, por volta das 04h00, em propriedade particular situada na Fazenda Stela, zona rural desta cidade e Comarca de Canarana – MT, o denunciado ALISSON SILVA CORREA, ciente da ilicitude e reprovabilidade de sua conduta, com manifesto animus necandi, valendo-se de arma branca (canivete), por motivo fútil e mediante recurso que dificultou a defesa da vítima, matou MARLON CHRISTIAN NUNES MATOS, conforme boletim de ocorrência nº 2024.372180 e certidão de óbito de Id. 179317699. Histórico dos Fatos: Ressai dos autos que, na data dos fatos, a vítima e o denunciado estavam participando de uma confraternização que se realizava na Fazenda Stela, local de trabalho do ofendido MARLON CHRISTIAN. Após algumas desavenças com os participantes da festa, a vítima foi embora. Contudo, retornou momentos depois. Em seguida, o ofendido e o denunciado tiveram uma discussão, ocasião em que o implicado ALISSON golpeou a vítima MARLON CHRISTIAN com um canivete, atingindo-lhe na região torácica. A vítima não resistiu ao ferimento e foi a óbito no local, conforme laudo pericial de necropsia nº 522.1.01.9191.2024.218724-A01. Logo após o ocorrido, a Polícia Civil foi acionada, sendo ouvidas as testemunhas e identificado o denunciado como autor dos fatos. Em razão disso, o implicado foi preso em flagrante delito. Demonstrou-se das investigações que o crime foi perpetrado em virtude de uma discussão entre a vítima e o denunciado, o que se revela absolutamente desproporcional. Evidencia-se, pois, o motivo fútil. Por fim, o denunciado fez uso de recurso que dificultou a defesa da vítima, pois abordou a vítima de surpresa e lhe golpeou com um canivete, dificultando qualquer reação ou defesa. (...) (Id. 290259894). Após o regular trâmite processual, o recorrente foi pronunciado nos termos contidos na denúncia. 1. Da absolvição sumária (legítima defesa): Sabe-se que o processo do júri, utilizado para julgar crimes dolosos contra a vida e seus casos correlatos (conforme o artigo 5º, XXXVIII, da Constituição Federal de 1988), consiste em duas etapas distintas. A primeira delas, chamada de judicium accusationis, ocorre diante de um juiz singular e tem como objetivo analisar os fatos apresentados na acusação inicial para determinar se há justificativa para levar o acusado a julgamento pelo Tribunal do Júri. A sentença de pronúncia constitui uma avaliação preliminar da admissibilidade da acusação, levando em consideração a existência de um crime doloso contra a vida, não sendo discutido, nessa fase, o mérito do crime, mas sim se a acusação deve ser aceita ou rejeitada, havendo pronúncia em caso de existência de fundamento para o convencimento acerca da materialidade do fato e presentes indícios suficientes da autoria ou da participação do acusado no crime (artigo 413, do CPP). A acusação tem, após o recebimento da denúncia, a oportunidade de fortalecer os indícios colhidos durante a apuração indiciária com ganho de consistência probatória para que ao analisar os autos na primeira etapa do processo, possa o magistrado ter à sua disposição elementos que indiquem de maneira forte que o acusado participou ou seja o autor do crime. Estes indícios, a serem sopesados pelo magistrado que prolata uma decisão de submissão do acusado ao Júri Popular, devem fornecer um nível de certeza mais elevado que o necessário para o recebimento da denúncia, devendo não ser comprobatório de certeza, mas deve estar próximo desta. Sobre este aspecto ponderou o decano de nosso Tribunal, o Des. Orlando de Almeida Perri, em seu artigo “O standard de provas na decisão de pronúncia e as informações do inquérito policial. Basta de juiz-pilatos!”: Assim, os indícios para a pronúncia devem ser vistos como aqueles que sejam necessários e suficientes para uma condenação, não em nível de certeza plena, mas de uma certeza aproximada. Esta, a mens legis que o juiz deve considerar, pois não se admite que o réu seja levado a júri sem que existam provas que despontem uma probabilidade elevada (não elevadíssima) de ser ele o autor do crime” (PERRI, Orlando de Almeida. O standard de provas na decisão de pronúncia e as informações do inquérito policial. Basta de juiz-pilatos! #Elenão. Migalhas. Julho de 2020. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/330397/o-standard-de-provas-na-decisao-de-pronuncia-e-as-informacoes-do-inquerito-policial--basta-de-juiz-pilatos---elenao. Acesso em: 02/06/2024). Nos termos do artigo 415, do CPP, o juiz poderá absolver o acusado sumariamente quando: (I) estiver comprovada a inexistência do delito; (II) estiver provado não ser ele autor ou partícipe do fato; (III) o fato não constituir infração penal; e, por fim, (IV) estiver demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do crime. Com exceção dos casos de inimputabilidade para os quais seja cabível a aplicação de medida de segurança, quaisquer dessas hipóteses absolutórias devem exsurgir incontestáveis nos autos, para que esteja preenchido o standard probatório necessário. Em que pese a divergência jurisprudencial e doutrinária sobre a existência ou não do princípio in dubio pro societate quanto à sentença de pronúncia, torna-se preferível que sejam utilizados os standards probatórios em seu lugar, que advém da previsão legal, e, portanto, menos influenciáveis por questões políticas e ideológicas, além daquelas inescapáveis à própria elaboração da lei pelos legisladores. Imperioso ressaltar o entendimento firmado no julgamento do REsp 2.091.647/DF, finalizado em 26/9/2023, em que a Sexta Turma do STJ adotou o posicional de banir de seu léxico o in dubio pro societate, visando evitar que o juiz, na pronúncia, invoque o in dubio pro societate “como escusa para eximir-se de sua responsabilidade de filtrar adequadamente a causa, submetendo ao Tribunal popular acusações não fundadas em indícios sólidos e robustos de autoria delitiva” (REsp n. 2.091.647/DF, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 26/9/2023, DJe de 3/10/2023). Essa discussão de que o princípio da presunção de inocência e sua regra de julgamento in dubio pro reo, seria suplantado pelo in dubio pro societate na sentença de pronúncia, pode levar ao equívoco de que o juiz da primeira fase do procedimento especial dos crimes dolosos contra a vida seja mero expectador, que age como Pôncio Pilatos e simplesmente “lave as mãos”, mandando ao crivo do júri popular todo acusado sem distinção, já que nesta primeira fase, havendo sempre a versão do réu e a do Ministério Público, esta deveria prevalecer por estar supostamente representando a sociedade. A representação da sociedade se dá quando a justiça é feita, condenando aquele que praticou o crime, quando presentes os requisitos para isso, e absolvendo aquele que provado inocente ou quando não houver prova o suficiente para uma certeza apta à condenação. Encaminhar alguém para ser submetido a julgamento perante o Tribunal do Júri sem substrato probatório mínimo, ampliando a chance de erro judicial, de injustiças, não parece ser a vontade da sociedade (Se é que ela existe. Quem e como ela foi consultada?). Se um caso sob análise de um magistrado togado fosse por ele julgado e este se deparasse com uma dúvida acerca da autoria, imediatamente iria absolver o réu. Nesta quadra, em se deparando com idêntica situação, porém em um caso de crime doloso contra a vida, não é crível a submissão de alguém para ser analisado por quem desconhece a forma de se apreciar uma prova e de quem não se cobra tal técnica, podendo o réu correr o risco de ser condenado com base em qualquer prova ou em grau manifestamente insuficiente, sobretudo porque o julgamento é guiado pela íntima convicção e consciência dos jurados, sendo que deve ser considerado, ainda, que pode o júri ser formado por homens com a mesma envergadura moral daqueles que compuseram a multidão que condenou Jesus (Ibid, PERRI, Orlando). Não desconsiderando a importância, a origem e a força que as expressões contêm e carregam consigo, tampouco das consequências da adoção entre uma máxima ou outra, o uso dos standards probatórios soluciona a questão de maneira que me parece mais apropriada e técnica do que ficar atado ao conflito, ao meu sentir infrutífero, entre o uso ou não do in dubio pro societate. Quando falamos sobre os standards probatórios, “padrões mínimos” exigidos pela lei, a pergunta a ser feita é “o que é necessário”, em termos de prova (qualidade e credibilidade) para se prolatar uma decisão judicial? Mas afinal, o que é standard de prova? Podemos definir como os critérios para aferir a suficiência probatória, o “quanto” de prova é necessário para proferir uma decisão, o grau de confirmação da hipótese acusatória. É o preenchimento desse critério de suficiência que legitima a decisão. O standard é preenchido, atingido, quando o grau de confirmação alcança o padrão adotado. É um marco que determina “o grau mínimo de prova” exigido para considerar-se provado um fato. Suzan HAACK acrescenta ainda que standard probatório está relacionado com o “grau de confiança que a sociedade crê que o juiz deveria ter ao decidir”. E prossegue a autora explicando que standards de prova são graus de “aval”, confiabilidade, credibilidade, confiança (sempre subjetivo, portanto). Esses graus de “aval” não são probabilidades matemáticas. (LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal. 19ª ed; São Paulo: SaraivaJur. 2022. p. 410 - 411). Evidente que isso depende de qual decisão judicial será prolatada. Para se prolatar uma sentença condenatória, necessário seria a demonstração da materialidade e da autoria do crime, isto é, que o conjunto probatório carreado aos autos evidenciasse, com segurança, que tal pessoa praticou aquele crime. Vale lembrar que no Processo Penal Brasileiro cabe à acusação o ônus de comprovar as imputações feitas, e somente assim estaria afastada a presunção de inocência e o princípio in dubio pro reo, previstos na Constituição Federal, bem como a máxima "além da dúvida razoável" prevista na Convenção Americana de Direitos Humanos, para ao final da instrução processual ser possível emitir um juízo condenatório, contrariando, assim a hipótese de absolvição. Sobre o assunto o professor Aury Lopes Jr, assevera: E quais são os principais padrões probatórios (standard) adotados? Basicamente, a partir da matriz teórica mais bem elaborada, que é anglo-saxã, são estabelecidos os seguintes padrões: (...). Prova além de toda a dúvida razoável (beyond/any resonable doubt – BARD), (...). E no Brasil, existe um standard probatório? Podemos trabalhar com o “além de toda a dúvida razoável”? (...). O in dúbio pro reo é uma manifestação da presunção de inocência enquanto regra probatória e também como regra para o juiz, no sentido de que não só não incumbe ao réu nenhuma carga probatória, mas também no sentido de que para condená-lo é preciso prova robusta e que supere a dúvida razoável. Na dúvida, a absolvição se impõe. E essa opção também é fruto de determinada escolha no tema e da gestão do erro judiciário: na dúvida, preferimos absolver o responsável a condenar um inocente. Portanto, ao consagrar a presunção de inocência e seu subprincípio in dubio pro reo, a Constituição e a Convenção Americana sinalizam a possibilidade de adoção do standard probatório de “além de toda a dúvida razoável”, que somente preenchido autoriza um juízo condenatório (LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal. 19ªed; São Paulo: SaraivaJur. 2022. p. 411 - 412). Qual seria o standard probatório necessário para a sentença de pronúncia? Não poderia ser apenas o mesmo exigido para o recebimento da denúncia ou decretação de uma medida cautelar (indícios de autoria e materialidade), pois do contrário a primeira etapa do procedimento especial seria inútil. Portanto, deve ser algo entre o necessário para o início de uma ação penal e o necessário para se prolatar um decreto condenatório. É imprescindível que haja indícios suficientes de autoria e materialidade e que ao menos alguma destas provas tenha sido produzida em contraditório judicial na primeira etapa do procedimento especial. É isso que se extrai do Código de Processo Penal em uma interpretação sistemática, corroborado pela doutrina e jurisprudência abalizadas, conforme já mencionado alhures. Há que se considerar que na fase de pronúncia deve o magistrado, caso tenha certeza de que o acusado não tenha participado ou praticado o crime, absolvê-lo. Pode, ainda, realizar a desclassificação, caso haja elementos para tanto. Na dúvida quanto à autoria, deve o magistrado se ater no princípio in dubio pro reo, pois a presunção de inocência é princípio soberano na Constituição Federal, de maneira que neste caso, cabe a impronúncia do acusado. Dessa forma, para que o pedido de absolvição sumária com base em legítima defesa (putativa), conforme apresentado pela ilustre defesa, seja acolhido, é imprescindível que haja uma demonstração clara e incontestável da presença dessa excludente de ilicitude. Caso contrário, caberá ao Tribunal do Júri, no exercício de sua competência constitucional, resolver as dúvidas pendentes, incluindo a análise do estado de ânimo do acusado e a existência ou não de dolo em sua conduta. Com base nesses princípios e ao analisar o caso concreto, não vejo como afastar a pronúncia do recorrente. No caso em análise, a materialidade delitiva está comprovada pelo boletim de ocorrência (Id. 290258430), auto de prisão em flagrante delito (Id. 290258432), laudo pericial de necropsia n. 522.1.01.9191.2024.218724-A01 (Id. 290259885), laudo pericial de local de morte violenta n. 522.2.21.9191.2024.219327-A01 (Id. 290259886), além dos termos de depoimento e declarações prestadas na fase inquisitorial e judicial. No que tange aos indícios de autoria, estes também estão devidamente comprovados. Ao ser ouvida em juízo, a testemunha GUILHERME LUCAS VIANA contou que a vítima, Marlon, convidou a esposa de Alisson, o réu, para dançar, o que gerou uma pequena confusão. A esposa do acusado pediu ao depoente que pedisse a Marlon para parar, pois aquilo poderia causar problemas. O depoente conversou com Marlon, que se afastou. Pouco depois, Marlon tirou a camisa e voltou a dançar, e então o depoente pediu que ele fosse embora. Antes de sair, houve nova discussão, mas parecia algo controlado. Mais tarde, Marlon retornou dizendo que tinha esquecido o chinelo. Nesse momento, começou outra confusão. O depoente tentou separar, mas já encontrou Alisson no chão, ferido. Quando perguntou quem tinha atingido Marlon, Alisson ficou em silêncio. A testemunha HENDERSON GUSTAVO DA COSTA RECKZIEGEL, policial civil, afirmou que tomou conhecimento do ocorrido por meio do gerente da fazenda. Informou que Guilherme promovia uma festa de despedida, da qual o acusado, Alisson, também participava. Conforme relatos colhidos no local, Alisson teria flertado com mulheres que estavam na festa, o que causou desentendimentos. Por conta disso, a vítima foi retirada do local, mas retornou algum tempo depois, quando teve início uma nova confusão, culminando no fato criminoso. Ao ser questionado, Guilherme relatou que perguntou diretamente a Alisson se ele ou seu irmão teriam cometido o crime, ocasião em que Alisson apenas abaixou a cabeça, sem responder. Em seguida, todos foram levados à delegacia, onde Guilherme confirmou que Alisson era o autor da agressão. A testemunha LEANDRO GOMES DE LIMA, policial civil, informou que foi comunicada sobre o crime pelo gerente da fazenda. Ao chegar ao local e interrogar os presentes, ninguém soube explicar o que havia ocorrido. Em seguida, dirigiram-se à casa de Guilherme, onde encontraram Alisson e Jeferson. Inicialmente, todos negaram envolvimento ou conhecimento dos fatos. Mais tarde, Guilherme conduziu os policiais até o local do crime e indicou Alisson como o possível autor. Relatou que cerca de quinze pessoas estavam na festa, e que a vítima Marlon — também chamado de “Maranhão” —, ao chegar, passou a dançar com as mulheres presentes, o que causou incômodo, sendo orientado a se retirar. Aproximadamente trinta minutos depois, Marlon retornou e voltou a se insinuar para as mulheres, momento em que a situação se agravou. Guilherme afirmou não ter presenciado o instante do golpe, apenas viu quando Marlon caiu no solo. Disse que conversou com os demais e, ao perguntar diretamente a Alisson se havia sido ele o autor, este apenas abaixou a cabeça. Todos os envolvidos foram então levados à delegacia para prestar esclarecimentos. Ressaltou que, na fazenda, tanto Alisson quanto Jeferson haviam negado a autoria, sendo ouvidos inicialmente como testemunhas. Acrescentou que o deslocamento até a delegacia foi feito a convite dos policiais, com auxílio do próprio gerente da fazenda. A informante LARISSA DOS SANTOS NASCIMENTO, companheira do réu, relatou que a vítima chegou no local da festa sem ter sido convidada, mas permaneceu com a autorização do anfitrião. Segundo ela, a vítima passou a importunar várias mulheres presentes, inclusive a própria depoente. Diante da insistência, Larissa procurou o réu e pediu que ele pedisse à vítima que se retirasse, para evitar maiores conflitos. A vítima deixou o local, mas retornou pouco tempo depois e voltou a se aproximar da depoente, atitude que foi percebida pelo acusado. Alisson, então, se dirigiu à vítima e pediu que parasse, esclarecendo que se tratava de sua esposa. Nesse momento, a vítima teria agredido o réu com uma garrafa na cabeça, iniciando-se uma briga entre ambos. Após o golpe, a luta continuou e, logo depois, a vítima caiu. Ao ser interrogado na fase inquisitorial, o recorrente ALISSON SILVA CORREIA relatou que foi convidado para uma festa de despedida na fazenda Estela, sendo que a celebração transcorria sem intercorrências até a chegada da vítima, que se juntou ao grupo. Por volta da meia-noite, a vítima, visivelmente embriagada, começou a exibir um comportamento agressivo e inadequado, tentando forçar uma convidada a dançar e depois se expondo de forma obscena na piscina, inclusive na frente da esposa de Alisson e de outras mulheres. Diante da situação, Alisson e os demais pediram ao amigo da vítima que a levasse embora, o que ele conseguiu fazer. No entanto, após cerca de 30 a 40 minutos, a vítima retornou ao local em um carro com mais pessoas, uma delas portando um facão. A vítima, então, avançou diretamente em Alisson com uma garrafa de whisky vazia, golpeando sua cabeça e causando inchaço em seu dedo. Alegando legítima defesa imediata e diante da agressão e da ameaça que percebeu, Alisson desferiu uma única "canivetada" na vítima com seu canivete, que na sequência escorregou de sua mão. Ele enfatizou que não foi para cima da vítima e que agiu puramente para se defender de um ataque iminente, já que a vítima havia retornado com a intenção de agredir. Após o incidente, Alisson, Guilherme e seu irmão Jeferson permaneceram no local esperando a polícia, e, ao amanhecer, foram acordados pelas autoridades que iniciaram as investigações. Alisson expressou arrependimento pelo ocorrido, mas reiterou que sua ação foi uma reação direta ao comportamento inaceitável e à agressão da vítima. Em juízo, o recorrente admitiu ser o autor do golpe de canivete que levou à morte de Marlon Cristian Nunes Matos, embora tenha sustentado que agiu em legítima defesa. Relatou que ambos participavam de uma confraternização realizada na fazenda Estela, quando a vítima, visivelmente embriagada, começou a assediar as mulheres presentes, inclusive sua companheira. Diante da situação, Marlon foi orientado a deixar o local, o que ocorreu inicialmente. No entanto, minutos depois, retornou, desceu de um veículo com uma garrafa nas mãos e, segundo o acusado, puxou novamente sua companheira pelo braço. Ao intervir, Alisson afirmou ter sido atingido na cabeça com a garrafa, iniciando-se uma luta corporal entre os dois. Ainda conforme o interrogatório, no momento do embate, o réu retirou um canivete que trazia consigo — ferramenta que alegou utilizar em seu trabalho rural — e desferiu um único golpe na região torácica da vítima, com a intenção de afastá-la. A vítima cambaleou, recuou alguns metros e caiu no chão, vindo a óbito ainda no local. O réu permaneceu na fazenda após o ocorrido e, posteriormente, apresentou sua versão dos fatos à autoridade policial, sendo autuado em flagrante. Nesse contexto, imprescindível ressaltar que para a configuração da excludente de ilicitude alegada, faz-se necessária a demonstração inequívoca de que o agente, utilizando-se de meios necessários e de forma moderada, reagiu a uma agressão injusta, atual ou iminente, contra direito próprio ou de terceiros, porém diante da versão do pronunciado é necessário o encaminhamento do feito ao Conselho de Sentença para avalias as teses apresentas pela acusação e defesa. No presente caso, o recorrente desferiu um golpe de canivete na região torácica da vítima, ato que, por sua gravidade, não permite concluir, de plano, de forma inequívoca, pela utilização moderada dos meios para repelir a suposta agressão. Assim, não se pode afastar, nesta fase processual, a existência do animus necandi. Ademais, não há prova nos autos de que a vítima tenha atacado o réu com uma garrafa de maneira iminente e com intensidade suficiente a justificar uma reação letal, especialmente considerando que a dinâmica dos fatos ainda se mostra controvertida. Portanto, tendo sido a vítima atingida por um golpe de canivete no tórax, o qual resultou em sua morte ainda no local, evidencia-se, em juízo preliminar, a presença aparente de dolo por parte do recorrente. Diante disso, impõe-se a manutenção da decisão de pronúncia, reservando-se ao Tribunal do Júri a análise aprofundada da dinâmica dos fatos. A reação do recorrente, ao que parece, foi desproporcional, pois ainda que desferido único golpe de canivete, este atingiu ponto vital da vítima, o que afasta, a princípio, qualquer alegação de moderação, pois a legítima defesa exige proporcionalidade e, a contrario sensu, o excesso ou desproporcionalidade desconfigura a excludente. No caso em apreço, considerando as provas coligidas nos autos e as circunstâncias que envolveram a prática delituosa, não é possível afirmar, com a segurança jurídica requerida, que o acusado agiu em legítima defesa ou sem intenção de matar, sendo evidente que ainda restam elementos a serem esclarecidos sobre a dinâmica dos acontecimentos, tornando prematuro e inviável, diante das provas disponíveis nos autos, decidir, com a segurança exigida pela lei, sobre a ocorrência ou não da excludente de legítima defesa nesta fase processual. A propósito, perfilhando esse entendimento: Na hipótese, não há como ser proferida decisão de absolvição sumária, porquanto as provas não apontam, de maneira indubitável, que o acusado agiu em legítima defesa putativa. Havendo dúvidas quanto às circunstâncias fáticas, o caso deve ser enviado ao Tribunal do Júri, instância competente para realizar o julgamento meritório. (AgRg no AREsp n. 2.560.912/RJ, relator Ministro Otávio de Almeida Toledo (Desembargador Convocado do TJSP), Sexta Turma, julgado em 26/8/2024, DJe de 29/8/2024). Em situação semelhante, este e. Tribunal assim decidiu: Não estando nitidamente demonstrada, pelas provas coligidas ao longo da fase do judicium accusationis, a excludente de ilicitude da legítima defesa putativa, ou a ausência do animus necandi a autorizar a desclassificação para o delito de lesão corporal, é de se manter intacta a decisão de pronúncia, conferindo ao Tribunal Popular do Júri a soberania e a autonomia que lhe são ínsitas para resolver as matérias correlatas aos crimes dolosos contra a vida. (N.U 0000539-69.2008.8.11.0109, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, ORLANDO DE ALMEIDA PERRI, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 30/04/2024, Publicado no DJE 03/05/2024). Assim, da simples análise do conjunto probatório constante dos autos, verifica-se que o magistrado de primeiro grau agiu acertadamente ao pronunciar o acusado, pois devidamente preenchido o standard probatório necessário. Dessa maneira, em atendimento à legislação que rege a matéria, à jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, bem como desta Egrégia Corte, descabido o pleito de impronúncia formulado pela defesa, devendo o pronunciado ser submetido ao crivo do Tribunal Popular. 2. Do decote das qualificadoras do motivo fútil e recurso que impossibilitou a defesa da vítima: No que pertine ao pedido de exclusão das qualificadoras, verifico que há nos autos elementos mínimos que justificam a submissão ao Conselho de Sentença, o que torna inadequada a interferência do juízo singular, sob o risco de usurpação da competência do Tribunal do Júri. Compulsando os autos, fica evidente que o Juízo de origem examinou a admissibilidade das qualificadoras, concluindo, acertadamente, que tal matéria é reservada para análise na fase subsequente, a cargo do Tribunal do Júri. A ausência de uma análise aprofundada não significa falta de admissibilidade, mas sim que o Juízo de primeiro grau observou com cautela o conjunto fático, reconhecendo indícios de materialidade e autoria, elementos suficientes para esta fase processual. Verifico que o conjunto probatório apresentado até o momento é mais que suficiente para justificar sua submissão ao julgamento pelo Tribunal do Júri, considerando-se que a motivação declarada para o cometimento do crime ultrapassa a tipificação penal básica, sem qualquer indício de inadmissibilidade que permita sua exclusão monocrática. Quanto ao motivo fútil, a denúncia atribui ao réu a prática do crime em razão de desentendimento banal, decorrente de comportamento inconveniente da vítima durante uma confraternização. Embora a defesa alegue provocação prévia e comportamento hostil por parte da vítima, o conjunto indiciário — repiso, ao menos nesta fase — aponta que o desfecho letal decorreu de uma reação desproporcional a uma conduta incômoda, o que autoriza a submissão da tese de motivo fútil à apreciação do Conselho de Sentença. No que concerne ao recurso que dificultou a defesa da vítima, há elementos suficientes para justificar sua manutenção na decisão de pronúncia, tendo em vista que o golpe foi desferido de forma repentina, no curso de uma briga iniciada após a vítima ter supostamente puxado a companheira do réu e lhe desferido um golpe com garrafa. No entanto, há controvérsia sobre o modo e a intensidade da reação do acusado, bem como sobre a real possibilidade de defesa da vítima naquele momento. Tais circunstâncias, por envolverem análise aprofundada da dinâmica dos fatos, devem ser objeto de deliberação pelo Tribunal Popular. Na hipótese, o Juízo de primeiro grau consignou na decisão de pronúncia: Nesse passo, quanto à qualificadora do motivo fútil verifico que consiste na conduta que se mostra insignificante, flagrantemente desproporcional ou em relação à gravidade do resultado produzido. No caso em apreço, entendo ser cabível a manutenção da referida qualificadora, uma vez que não se vislumbra justificativa plausível para a ação delituosa. Conforme se extrai dos autos, o réu, em tese, foi motivado por ciúmes, circunstância que, por si só, não configura causa legítima para a prática de homicídio, revelando-se, portanto, desarrazoada e desproporcional a decisão de atentar contra a vida da vítima. Logo, existindo indícios de que o crime foi praticado nas circunstâncias descritas pela qualificadora, esta deve ser submetida ao Conselho de Sentença, uma vez que o seu afastamento só seria viável se fosse manifestamente improcedente ou dissociada do contexto fático-probatório, o que não ocorreu. No que tange à qualificadora referente ao recurso que dificultou ou impossibilitou a defesa da vítima, verifica-se, à luz dos elementos constantes dos autos, que, embora tenha havido uma discussão prévia entre a vítima e o réu, não há indícios suficientes a afastar a conclusão de que a vítima foi surpreendida, ou não, pela ação do acusado, não tendo, portanto, meios eficazes de se defender. Ainda que o delito possa ter decorrido de um impulso ou desentendimento momentâneo, a dinâmica dos fatos revela que a vítima pode ter sido atingida, em tese, de forma inesperada, o que justifica a incidência da referida qualificadora. (...) (Id. 290259989). Sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que as qualificadoras somente poderão ser excluídas na sentença de pronúncia quando se revelarem manifestamente improcedentes, sob pena de usurpação da competência constitucional do Conselho de Sentença. Vejamos: As qualificadoras só podem ser excluídas da decisão de pronúncia se foram manifestamente improcedentes, isto é, se estiverem completamente destituídas de amparo nos autos (...) sob pena de usurpação da competência do juiz natural da causa para o pleno exame dos fatos, qual seja, o Tribunal do Júri (RHC n. 119.158/PI, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 5/5/2020, DJe de 13/5/2020) (...) (STJ, AgRg no HC n. 894.353/MG, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 22/4/2024, DJe de 25/4/2024). Assume relevo, ainda, o disposto no Enunciado Orientativo n. 02, da Turma de Câmaras Criminais Reunidas do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, que dispõe que somente se admite a exclusão das qualificadoras na pronúncia quando manifestamente improcedentes, sob pena de se suprimir a competência constitucional do Tribunal do Júri. Nesse sentido: O decote das qualificadoras só é permitido quando houver provas robustas de sua inexistência; do contrário, seu exame deve ser delegado ao Tribunal do Júri, em consonância com o Enunciado nº 02 do TJMT. Diante do evidenciado, a decisão de pronúncia, nos moldes como foi proferida, é medida que se impõe, cabendo ao Tribunal do Júri apreciar livremente a tese da acusação e as teses defensivas, dirimindo eventuais dúvidas (N.U 0001018-94.2010.8.11.0108, CÂMARAS ISOLADASCRIMINAIS, PEDRO SAKAMOTO, Segunda Câmara Criminal, Julgado em 20/02/2024, Publicado no DJE 23/02/2024). Além disso, a jurisprudência dos Tribunais Superiores é pacífica no sentido de que, uma vez constatadas qualificadoras devidamente demonstradas no conjunto probatório, estas não podem ser desconsideradas ou afastadas sem fundamentação idônea. A simples alegação de que as circunstâncias do crime não seriam suficientes para a configuração das qualificadoras não tem o condão de afastá-las, especialmente quando estas encontram amparo em provas robustas e harmônicas, como depoimentos testemunhais, laudos periciais e demais elementos dos autos. Dessa forma, considerando o conjunto probatório devidamente organizado que emerge do contexto em exame, é possível afirmar que os indícios são robustos e justificam a submissão do acusado a julgamento, nos termos da sentença de pronúncia, perante o Tribunal do Júri, instância constitucionalmente designada para a análise dos fatos e a decisão de acordo com a justiça e o direito aplicável. 3. Da prisão preventiva: A defesa insurge-se também contra a manutenção da custódia cautelar, sustentando a ausência dos requisitos do art. 312 do CPP, bem como postulando, subsidiariamente, a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão, com fulcro nos arts. 282 e 319 do mesmo diploma. O magistrado de origem, ao proferir a decisão de pronúncia, indeferiu o pedido de revogação da custódia preventiva sob o argumento da gravidade concreta do delito, em razão do modus operandi e das qualificadoras imputadas, vislumbrando risco à ordem pública. Pois bem. A prisão preventiva, como medida excepcionalíssima, somente se justifica quando presentes seus pressupostos legais e requisitos autorizadores, a saber: prova da materialidade do crime, indícios suficientes de autoria e, cumulativamente, a demonstração de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado, conforme exige o art. 312 do CPP. Embora o réu reúna circunstâncias pessoais favoráveis, como primariedade, residência fixa, ocupação lícita e comportamento colaborativo durante a investigação, tais fatores não têm o condão, por si sós, de afastar os requisitos autorizadores da segregação cautelar, quando presentes elementos objetivos que demonstrem risco concreto à ordem pública, como no caso em exame. O conjunto probatório revela um crime cometido em ambiente festivo, com diversos convidados, em que o acusado utilizou arma branca para desferir golpe fatal na vítima, após um episódio de tensão prévia. A conduta, em tese, demonstra acendrado grau de periculosidade, justificando a excepcionalidade da medida constritiva. Não faz sentido alguém ir armado para uma festa. É firme o entendimento jurisprudencial de que a prisão preventiva pode ser mantida quando evidenciada a gravidade concreta da infração, o risco de reiteração delitiva e a necessidade de preservar a paz social, não se tratando de presunção automática, mas de motivação lastreada nos autos. Para elucidar os fatos, extrai-se do Habeas Corpus n. 1000199-51.2025.8.11.0000 a fundamentação utilizada para a manutenção da prisão preventiva do recorrente: Verifico que o investigado foi preso em flagrante delito no dia 08 de dezembro de 2024 pela prática, em tese, do crime previsto no artigo 121, 2º, inciso II e IV do Código Penal. Em audiência de custódia realizada no mesmo dia, teve sua prisão em flagrante convertida em prisão preventiva, nos autos n.º 1002421-36.2024.8.11.0029, com fundamento na garantia da ordem pública e aplicação da lei penal. (ID.177992979). Como é cediço, a prisão preventiva somente pode ser revogada pelo magistrado "se, no correr da investigação ou do processo, verificar a falta de motivo para que ela subsista" (CPP, art. 316), situação que não ocorreu nos presentes autos. De modo que, ainda se fazem presentes os requisitos autorizadores da prisão preventiva. Conforme ressaltado na decisão que decretou a prisão preventiva em audiência de custódia, os elementos informativos advindos do procedimento administrativo inquisitorial são fartamente suficientes para a conclusão da indiciariedade da autoria em relação ao investigado, de modo que, configura o fumus comissi delicti, eis que presente no IP n. 323/2024 (ID. 179316984), do comunicado de auto de prisão em flagrante delito n. 1002421-36.2024.8.11.0029 e o relatório de investigação n° 2024.12.13843. (ID. 179318352). Ainda, o periculum libertatis também se evidencia na necessidade de assegurar a ordem pública e com base em elementos concretos extraídos dos autos que evidenciam a gravidade da conduta criminosa e o seu modus operandi, vez que o crime foi praticado por motivos ínfimos, que revela a crueldade e a falta de empatia sem qualquer justificativa plausível ou motivo relevante à tirar a vida de outra pessoa. (...). Do mesmo modo, tendo sido concretamente demonstrada a necessidade da prisão preventiva nos autos, não se mostra suficiente a aplicação de medidas cautelares mais brandas, nos termos do art. 282, inciso II, do Código de Processo Penal. Ademais, verifico que é evidentemente necessária a respectiva segregação preventiva para aplicação da lei penal, para o bem da instrução criminal, e para garantir a ordem pública, restabelecendo a credibilidade da justiça e acautelando-se o meio social, ante à gravidade do crime e sua repercussão no meio social. Neste sentido, qualquer medida que não a prisão cautelar do requerente, poderá tornar-se inócua, causando sensação de impunidade à sociedade. Assim sendo, considero que os fundamentos que ensejaram a custódia preventiva mantêm-se incólumes. Ante o exposto, com fulcro no art. 316 do Código de Processo Penal, INDEFIRO o pedido formulado pela defesa e MANTENHO a prisão preventiva do investigado ALISSON SILVA CORREA (...) (Id. 290259880). É da jurisprudência pátria a possibilidade de se recolher alguém ao cárcere quando presentes os pressupostos autorizadores da medida extrema, previstos na legislação processual penal. No ordenamento jurídico vigente, a liberdade é a regra. A prisão antes do trânsito em julgado, cabível excepcionalmente e apenas quando concretamente comprovada a existência do periculum libertatis, deve vir sempre baseada em fundamentação concreta, não em meras conjecturas. Note-se que a prisão preventiva se trata propriamente de uma prisão provisória e dela se exige venha sempre fundamentada, uma vez que ninguém será preso senão por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente (CF, art. 5º, inciso LXI). Mormente porque a fundamentação das decisões do Poder Judiciário é condição absoluta de sua validade (CF,art. 93, inciso IX). No caso dos autos, o decreto de prisão cautelar encontra-se devidamente fundamentado, tal qual exige a legislação vigente. Foram regularmente tecidos argumentos idôneos e suficientes para o encaminhamento ao cárcere provisório, não havendo a apresentação de elementos novos capazes de infirmar a fundamentação anteriormente adotada, portanto não vislumbro irregularidades na decisão que decretou a segregação do recorrente, pois demostrados os indícios suficientes de autoria, bem como a gravidade concreta do crime que lhe é imputado, de modo a dar ensejo à manutenção da prisão preventiva. Vale ressaltar o disposto no art. 282 e incisos do Código de Processo Penal: Art. 282. As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a: (...). § 6º. A prisão preventiva somente será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar, observado o art. 319 deste Código, e o não cabimento da substituição por outra medida cautelar deverá ser justificado de forma fundamentada nos elementos presentes do caso concreto, de forma individualizada. Dessa forma, a decisão do magistrado de primeiro grau evidencia que a aplicação de medidas cautelares menos gravosas e alternativas à prisão não se revela suficiente para resguardar a ordem pública, diante da gravidade concreta da conduta atribuída ao recorrente, consistente na suposta prática de homicídio qualificado, mediante o uso de arma branca, em ambiente social e em circunstâncias que indicam frieza e desproporção da reação. Por outro lado, impende consignar que embora o impetrante sustente a desproporcionalidade da segregação, ressalto que toda e qualquer prisão, antes da sentença condenatória transitada em julgado, tem caráter provisório e cautelar, que não se confunde com a reprimenda definitiva ou com o seu regime de cumprimento, de maneira que a análise da proporcionalidade entre a custódia preventiva e a pena a ser aplicada ao final é questão afeta ao juiz de primeira instância, considerando os fatos e evidências apresentados no caso específico, sendo que a prisão preventiva tem natureza distinta da pena a ser aplicada. Ante o exposto, em consonância com o parecer ministerial, NEGO PROVIMENTO ao recurso interposto por Alisson Silva Correa, mantendo incólume a sentença de pronúncia objurgada. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 22/07/2025
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