Processo nº 5004069-76.2022.4.03.6344
ID: 280515790
Tribunal: TRF3
Órgão: 10º Juiz Federal da 4ª TR SP
Classe: RECURSO INOMINADO CíVEL
Nº Processo: 5004069-76.2022.4.03.6344
Data de Disponibilização:
27/05/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
HUGO ANDRADE COSSI
OAB/SP XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO JUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO TURMAS RECURSAIS DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5004069-76.2022.4.03.6344 RELATOR: 10º Juiz Feder…
PODER JUDICIÁRIO JUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO TURMAS RECURSAIS DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5004069-76.2022.4.03.6344 RELATOR: 10º Juiz Federal da 4ª TR SP RECORRENTE: ANGELA MARIA BREVES DA SILVA Advogado do(a) RECORRENTE: HUGO ANDRADE COSSI - SP110521-A RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: D E C I S Ã O Trata-se de recurso interposto em face da sentença que julgou improcedente o pedido de concessão de benefício assistencial de prestação continuada. Requer a parte autora, a reforma do julgado, de modo a ser concedido o benefício. Contrarrazões não apresentadas. É o relatório. Nos termos do disposto no artigo 932, IV e V, do Código de Processo Civil de 2015, estão presentes os requisitos para a prolação de decisão monocrática, porque as questões controvertidas já estão consolidadas nos tribunais, havendo entendimento dominante sobre o tema (vide súmula nº 568 do Superior Tribunal de Justiça). Aplica-se a regra do artigo 2º, § 2º, da Resolução 347/2015 (CJF), com a redação dada pela Resolução 417/2016. No mesmo diapasão, o Enunciado 29/Fonajef: "Cabe ao Relator, monocraticamente, atribuir efeito suspensivo a recurso, não conhecê-lo, bem assim lhe negar ou dar provimento nas hipóteses tratadas no artigo 932, IV, ‘c’, do CPC, e quando a matéria estiver pacificada em súmula da Turma Nacional de Uniformização, enunciado de Turma Regional ou da própria Turma Recursal (Revisado no XIII FONAJEF)". Conheço do recurso, porque presentes os requisitos de admissibilidade. Discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício assistencial de prestação continuada - BPC previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93, regulamentado, atualmente, pelos Decretos n. 6.214/2007 e 7.617/2011. Essa lei deu eficácia ao inciso V do artigo 203 da Constituição Federal, ao estabelecer, em seu artigo 20, as condições para a concessão do benefício da assistência social, a saber: ser o postulante pessoa deficiência ou idosa com mais de 65 (sessenta e cinco) anos e, em ambas as hipóteses, comprovar a miserabilidade ou a hipossuficiência, ou seja, não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. A análise do caso concreto não presciente da menção às críticas, vertidas no Brasil e em países desenvolvidos, aos direitos sociais, considerados de nicho, por não se destinarem a todos. Há quem acuse certos beneficiários de usarem a seguridade social “como meio de vida” (Cf. “O custo dos direitos”, Stephen Holmes e Cass R. Sustein, São Paulo: Martins Fontes, pp. 109-123). Muitos enxergam uma excessiva busca de direitos sociais na Justiça, forjadora de exagerada atuação protetiva do Estado (Cf., quanto à doutrina estrangeira, por todos, a obra de Catarina dos Santos Botelho, Direito sociais em tempo de crise: revisitando as normas constitucionais programáticas. Coimbra: Almedina, 2015, p. 416 e ss.), em pleitos às vezes descabidos (Canotilho, a propósito, teceu considerações percucientes no texto O direito dos pobres no activismo judiciário. In: CORREIA, Marcus Orione Gonçalves; CORREIA, Erica Paula Barcha. CANOTILHO, J. J. Gomes. (coords). Direitos Fundamentais Sociais. São Paulo: Saraiva, 2013). Por uma ótica oposta, outros pretendem extrair, para a efetivação dos direitos sociais de prestação, uma interpretação otimizada, no sentido de conferir a máxima efetividade das normas constitucionais, objetivando minimizar as injustiças da sociedade, sobretudo no Brasil onde avultam a pobreza e as desigualdades sociais. De qualquer maneira, faz-se necessária, em casos que tais, a interpretação dos fenômenos fáticos à luz das normas e princípios constitucionais e infraconstitucionais. 1.DA HIPOSSUFICIÊNCIA OU MISERABILIDADE A respeito do requisito objetivo, o tema foi levado à apreciação do Pretório Excelso por meio de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, movida pelo Procurador Geral da República, quando, em meio a apreciações sobre outros temas, decidiu que o benefício do art. 203, inciso V, da CF só pode ser exigido a partir da edição da Lei n.° 8.742/93. Trata-se da ADIN 1.232-2, de 27/08/98, publicada no DJU de 1/6/2001, Pleno, Relator Ministro Maurício Correa, RTJ 154/818, ocasião em que o STF reputou constitucional a restrição conformada no § 3o do art. 20 da Lei n.° 8.742/93. Posteriormente, em controle difuso de constitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal manteve o entendimento (vide RE 213.736-SP, Rel. Min. Marco Aurélio, informativo STF n.° 179; RE 256.594-6, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 28/4/2000, Informativo STF n.° 186; RE n.° 280.663-3, São Paulo, j. 06/09/2001, relator Maurício Corrêa). Não obstante, o Superior Tribunal de Justiça, em vários precedentes, considerou que a presunção objetiva absoluta de miserabilidade, da qual fala a Lei, não afasta a possibilidade de comprovação da condição de miserabilidade por outros meios de prova (REsp n. 435.871, 5ª Turma Rel. Min. Felix Fischer, j. 19/9/2002, DJ 21/10/2002, p. 61, REsp n. 222.764, STJ, 5ªT., Rel. Min. Gilson Dipp, j. 13/2/2001, DJ 12/3/2001, p. 512; REsp n. 223.603/SP, STJ, 5ª T., Rel. Min. Edson Vidigal, DJU 21/2/2000, p. 163). O Plenário do Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade do parágrafo 3º do artigo 20 da LOAS, que previa como critério para a concessão de benefício a idosos ou deficientes a renda familiar mensal per capita inferior a um quarto do salário-mínimo, por considerar que esse critério está defasado para caracterizar a situação de miserabilidade, cabendo a análise dessa condição no caso concreto (RE 567985) Para além disso, foi declarada, no julgamento do RE 580963, a inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade do parágrafo único do artigo 34 da Lei 10.471/2003 (Estatuto do Idoso), sob o fundamento da inexistência de justificativa plausível para discriminação das pessoas com deficiência em relação aos idosos, bem como dos idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios previdenciários no valor de até um salário mínimo, o que fere o princípio da isonomia. Logo, consoante a súmula nº 14 da TRU da 3ª Região, “O valor do benefício equivalente a um salário mínimo, concedida a idoso, a partir de 65 anos, também não é computado para fins do cálculo da renda familiar a que se refere o artigo 20, § 3º da Lei nº 8.742/93." E consoante a súmula nº 21 da TRU da 3ª Região, “" Na concessão do benefício assistencial, deverá ser observado como critério objetivo a renda per capita de ½ salário mínimo gerando presunção relativa de miserabilidade, a qual poderá ser infirmada por critérios subjetivos em caso de renda superior ou inferior a ½ salário mínimo." Para além, conforme entendimento plasmado na súmula 22 da mesma Turma Regional de Uniformização da 3ª Região, “Apenas os benefícios previdenciários e assistenciais no valor de um salário mínimo recebidos por qualquer membro do núcleo familiar devem ser excluídos para fins de apuração da renda mensal per capita objetivando a concessão de benefício de prestação continuada.” A propósito, conforme decidido pela TNU, a renda inferior a ¼ do salário mínimo não induz presunção absoluta quanto ao estado de miserabilidade, razão pela qual “(...) tem se admitido que o Magistrado alcance o benefício em situações nas quais a renda supera o limite de ¼ do salário mínimo, e do mesmo modo, parece razoável também negá-lo, ainda que a renda comprovada seja inferior ao indicado limite, quando presentes elementos fáticos que demonstram a inexistência de necessidade premente de sua concessão” (PEDILEF 50004939220144047002, Relator Juiz Federal Daniel Machado da Rocha, data de julgamento: 14/04/2016, data de publicação 15/04/2016). Outro não é o entendimento da Turma Regional de Uniformização desta 3ª Região, consolidado na súmula nº 4: “A renda mensal 'per capita' correspondente a 1/4 (um quarto) do salário mínimo não constitui critério absoluto de aferição da miserabilidade para fins de concessão de benefício assistencial." (Origem: Enunciado 01 do JEFSP; Súmula nº 05 das Turmas Recursais da Seção Judiciária de São Paulo).” As decisões concluíram que a mera interpretação gramatical do preceito, por si só, pode resultar no indeferimento da prestação assistencial em casos que, embora o limite legal de renda per capita seja ultrapassado, evidenciam um quadro de notória hipossuficiência econômica. Essa insuficiência da regra decorreria não só das modificações fáticas (políticas, econômicas e sociais), mas principalmente das alterações legislativas que ocorreram no País desde a edição da Lei Orgânica da Assistência Social, em 1993. Assim, não há como considerar o critério previsto no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93 como absoluto e único para a aferição da situação de miserabilidade, até porque o próprio Estado Brasileiro elegeu outros parâmetros, como os defluentes da legislação acima citada. Deve-se verificar, na questão in concreto, a ocorrência de situação de pobreza - entendida como a de falta de recursos e de acesso ao mínimo existencial -, a fim de se concluir por devida a prestação pecuniária da assistência social constitucionalmente prevista. Sendo assim, ao menos desde 14/11/2013 (RE 580963 e RE 567985), o critério da miserabilidade do § 3º do artigo 20 da Lei n. 8.742/93 não impede o julgador de levar em conta outros dados, a fim de identificar a situação de vida do idoso ou do deficiente, principalmente quando estiverem presentes peculiaridades, a exemplo de necessidades especiais com medicamentos ou com educação. Nesse diapasão, apresento alguns parâmetros razoáveis, norteadores da análise individual de cada caso: a) todos os que recebem renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo são miseráveis; b) nem todos que percebem renda familiar per capita superior a ¼ e inferior a ½ salário mínimo são miseráveis; c) nem todos que percebem renda familiar per capita superior a ½ salário mínimo deixam de ser miseráveis; d) todos que perceberem renda mensal familiar superior a um salário mínimo (artigo 7º, IV, da Constituição Federal) não são miseráveis. Nesse diapasão, vide meu “ZACHARIAS, Rodrigo. Manual do Benefício Assistencial de Prestação Continuada, São Paulo: Dialética, 2023, item 10.10.7, pp. 339 e seguintes). No mais, a mim me parece que, em todos os casos, outras circunstâncias diversas da renda devem ser levadas em conta, mormente se o patrimônio do requerente também se subsume à noção de hipossuficiência. Vale dizer, é de ser apurado se o interessado possui internet, poupança, se vive em casa própria, com ou sem ar condicionado, se possui veículo, TV paga por assinatura ou streaming, telefones celulares, plano de saúde, auxílio permanente de parentes ou terceiros etc. Cumpre salientar que o benefício de prestação continuada foi previsto, na impossibilidade de atender a um público maior, para socorrer os desamparados (artigo 6º, caput, da Constituição Federal), ou seja, àquelas pessoas que sequer teriam possibilidade de equacionar um orçamento doméstico, pelo fato de não terem renda ou de ser essa insignificante. 2.CONCEITO DE FAMÍLIA Para se apurar se a renda per capita do requerente atinge, ou não, o âmbito da hipossuficiência, faz-se mister abordar o conceito de família. O artigo 20 da Lei n. 8.742/93 estabelecia, ainda, para efeitos da concessão do benefício, os conceitos de família (conjunto de pessoas do art. 16 da Lei n. 8.213/91, desde que vivendo sob o mesmo teto - § 1º), de pessoa portadora de deficiência (aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho - § 2º) e de família incapacitada de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa (aquela com renda mensal per capita inferior a um quarto do salário-mínimo - § 3º). A Lei n. 12.435, vigente desde 7/7/2011, alterou os §§ 1º e 2º do artigo 20 da Lei n. 8.742/93, estabelecendo que a família, para fins de concessão do benefício assistencial, deve ser aquela composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. Ao mesmo tempo, o dever de sustento familiar (dos pais em relação aos filhos e destes em relação àqueles) não pode ser substituído pela intervenção Estatal, pois o próprio artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o sustento não puder ser provido pela família. Essa conclusão tem arrimo no próprio princípio da solidariedade social, conformado no artigo 3º, I, do Texto Magno. O que quero dizer é que, à guisa de regra mínima de coexistência entre as pessoas em sociedade, a técnica de proteção social prioritária é a família, em cumprimento ao disposto no artigo 229 da Constituição Federal, in verbis: " Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade." 3.SUBSIDIARIEDADE DA ASSISTÊNCIA SOCIAL Por conseguinte, à vista da preponderância do dever familiar de sustento, hospedado no artigo 229 da Constituição da República, a Assistência Social, tal como regulada na Lei nº 8.742/93, terá caráter subsidiário em relação às demais técnicas de proteção social (previdência social, previdência privada, caridade, família, poupança etc.), dada a gratuidade de suas prestações. Com efeito, levando-se em conta o alto custo do pretendido “Estado de bem-estar social”, forjado no Brasil pela Constituição Federal de 1988 quando a grande maioria dos países europeus já haviam reconhecido sua inviabilidade financeira, forçoso é reconhecer que a assistência social, a par da dimensão social do princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III, do CF), só deve ser prestada em casos de real necessidade, sob pena de comprometer – dada a crescente dificuldade de custeio – a proteção social da coletividade, não apenas das futuras gerações, mas também da atual. De fato, o benefício previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal tem o valor de 1 (um) salário-mínimo, ou seja, a mesma quantia paga a milhões de brasileiros que se aposentaram no Regime Geral de Previdência Social mediante o pagamento de contribuições, durante vários anos. De modo que a assistência social deve ser fornecida com critério, pois do contrário se gerarão privilégios e desigualdades, em oposição à própria natureza dos direitos sociais que é a de propiciar igualdade, isonomia de condições a todos, observados os fins sociais (não individuais) da norma, à luz do artigo 5º da LINDB. A concessão indiscriminada do benefício assistencial, mediante interpretação extensiva ou ampliativa dos requisitos constitucionais, geraria não apenas injustiça aos contribuintes da previdência social, mas incentivo para que estes parem de contribuir, ou mesmo não se filiem ou não contribuam ao seguro social, o que constituiria situação anômala e gravíssima do ponto de vista atuarial, apta a comprometer o custeio de todo o sistema de seguridade. Pertinente, in casu, o ensinamento do professor de direito previdenciário Wagner Balera, quando pondera a respeito da dimensão do princípio da subsidiariedade: "O Estado é, sobretudo, o guardião dos direitos e garantias dos indivíduos. Cumpre-lhe, assinala Leão XIII, agir em favor dos fracos e dos indigentes exigindo que sejam, por todos respeitados os direitos dos pequenos. Mas, segundo o princípio da subsidiariedade - que é noção fundamental para a compreensão do conteúdo da doutrina social cristã - o Estado não deve sobrepor-se aos indivíduos e aos grupos sociais na condução do interesse coletivo. Há de se configurar uma permanente simbiose entre o Estado e a sociedade, de tal sorte que ao primeiro não cabe destruir, nem muito menos exaurir a dinâmica da vida social I (é o magistério de Pio XI, na Encíclica comemorativa dos quarenta anos da 'Rerum Novarum', a 'Quadragésimo Anno', pontos 79-80)." (Centenárias Situações e Novidade da 'Rerum Novarum', p. 545). Por fim, quanto a esse tópico, lícito é inferir que quem está coberto pela previdência social está, em regra, fora da abrangência da assistência social. Nesse sentido, prelecionou Celso Bastos, in verbis: “A assistência Social tem como propósito satisfazer as necessidades de pessoas que não podem gozar dos benefícios previdenciários, mas o faz de uma maneira comedida, para não incentivar seus assistidos à ociosidade. Concluímos, portanto, que os beneficiários da previdência social estão automaticamente excluídos da assistência social. O benefício da assistência social, frise-se, não pode ser cumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo o de assistência médica” (Celso Bastos e Ives Gandra Martins, in Comentários à Constituição do Brasil, 8o Vol., Saraiva, 2000, p. 429). A propósito, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU), ao analisar um pedido de uniformização do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), fixou a tese que “o benefício assistencial de prestação continuada pode ser indeferido se ficar demonstrado que os devedores legais podem prestar alimentos civis sem prejuízo de sua manutenção”. A decisão aconteceu durante sessão realizada em 23/2/17, em Brasília. Quanto ao mérito, o relator afirmou em seu voto que a interpretação do art. 20, §1º, da Lei n. 8.742/93, conforme as normas veiculadas pelos arts. 203, V, 229 e 230, da Constituição da República de 1988, deve ser no sentido de que “a assistência social estatal não deve afastar a obrigação de prestar alimentos devidos pelos parentes da pessoa em condição de miserabilidade socioeconômica (arts. 1694 e 1697, do Código Civil), em obediência ao princípio da subsidiariedade” (PEDILEF 200580135061286). Para além disso, a Turma Regional de Uniformização da 3ª Região aprovou o seguinte verbete: “SÚMULA Nº 23- " O benefício de prestação continuada (LOAS) é subsidiário e para sua concessão não se prescinde da análise do dever legal de prestar alimentos previsto no Código Civil " Sobre as questões relativas à subsidiariedade social em assistência social, conferir, ainda, artigo de minha autoria publicado em Revista do sistema Qualis, sujeitos a revisão de pares: https://portal.unifafibe.com.br/revista/index.php/direitos-sociais-politicas-pub/article/view/1099 4. ÔNUS DA PROVA Cabe à parte autora a comprovação dos fatos constitutivos do direito alegado, devendo ser lembrado que a Constituição Federal prevê a justiça gratuita e a assistência judiciária gratuita, que garantem tanto a propositura da ação quanto a realização de estudo social e avaliação biopsicossocial gratuitamente. A eventual hipossuficiência da parte autora não garante inversão do ônus da prova, como se dá com as lides que envolvem o Código de Defesa do Consumidor. Não passo, não se desconhece o entendimento presente em julgados do Superior Tribunal de Justiça, em lides assistenciárias rurais, a respeito da solução pro misero - pelo qual se atenua o rigorismo legal diante da particular condição sociocultural do rurícola -, de reconhecer o documento como novo em ações rescisórias, preexistente à propositura da ação originária. Entretanto, há parcela da doutrina cujo pensamento representa exatamente o oposto, segundo a qual tal solução pro misero é de ser aplicada excepcionalmente, e com a máxima ponderação, em previdência social, porquanto "o uso indiscriminado deste princípio afeta a base de sustentação do sistema, afetando sua fonte de custeio ou de receita, com prejuízos incalculáveis para os segurados, pois o que se proporciona a mais a um, é exatamente o que se tira dos outros" (Rui Alvim, Interpretação e Aplicação da Legislação Previdenciária, in Revista de Direito do Trabalho n° 34). No mesmo diapasão, caminha o pensamento de Miguel Horvath Junior, em seu Direito Previdenciário, 2020, 12 edição). A propósito, sobre a solução pro misero em ações de seguridade social, convido à leitura de artigo de minha autoria, publicado em revista estrangeira, dentro do sistema Qualis, com avaliação dos pares: https://www.cadernosdedereitoactual.es/ojs/index.php/cadernos/article/view/747/392 https://www.cadernosdedereitoactual.es/ojs/index.php/cadernos/article/view/747 Oportuno não deslembrar que, diferentemente da lide trabalhista, nas ações previdenciárias não há litígio entre hipossuficiente e parte mais forte, mas conflito entre hipossuficiente e a coletividade de hipossuficientes, corporificada esta última na autarquia previdenciária. 5.IDOSOS E PESSOAS COM DEFICIÊNCIA Na hipótese de postulante idoso, a idade mínima de 70 (setenta) anos foi reduzida para 67 (sessenta e sete) anos pela Lei n. 9.720/98, a partir de 1º de janeiro de 1998, e, mais recentemente, para 65 (sessenta e cinco) anos, com a entrada em vigor do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03). No que se refere ao conceito de pessoa com deficiência - previsto no § 2º da Lei n. 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 13.146/2015 -, passou a ser considerada aquela com impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, possam obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. CASO CONCRETO No caso dos autos, verifico que a r. sentença recorrida foi clara e bem fundamentada com uma linha de raciocínio razoável e coerente, baseando-se nas provas constantes nos autos. Eis os fundamentos específicos, sem formatação original: “(...) O requisito etário é incontroverso. A autora nasceu em 09.04.1957 (id. 265981411 e já tinha completado 65 anos de idade quando apresentou o pedido administrativo, em 04.08.2022 (id. 265981414). Resta, pois, analisar o requisito objetivo - renda (art. 20, § 3º da Lei n. 8742/93, com redação dada pela Lei 12.435/2011). Vale ressaltar que o critério de ¼ do salário-mínimo não é absoluto. O Plenário do STF declarou, incidentalmente, a inconstitucionalidade do § 3º do art. 20 da Lei 8.742/93 (sem pronúncia de nulidade) por considerar que o referido critério está defasado para caracterizar a situação de miserabilidade. A Corte Suprema afirmou que, para aferir que o idoso ou deficiente não tem meios de se manter, o juiz está livre para se valer de outros parâmetros, não estando vinculado ao critério da renda per capita inferior a 1/4 do salário-mínimo previsto no § 3º do art. 20. (STF. Plenário. RE 567985/MT e RE 580963/PR, red. p/ o acórdão Min. Gilmar Mendes, julgados em 17 e 18.04.2013). O legislador, de forma acertada, encampou o entendimento jurisprudencial acima e, por meio da Lei nº 13.146/2015, inseriu o § 11 ao art. 20 da Lei nº 8.742/93 prevendo o seguinte: § 11. Para concessão do benefício de que trata o caput deste artigo, poderão ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, conforme regulamento. Nesse contexto, o estudo social (id. 299925715) revela que o grupo familiar é composto por duas pessoas, quais sejam, a autora (Angela Maria Breves – 66 anos) e seu esposo (Aparecido Antônio da Silva – 60 anos). Segundo o laudo social, a renda do grupo familiar era formada pelo valor do benefício por incapacidade temporária auferido pelo esposo da autora, no valor de R$ 1.000,00. Contudo, através do Dossiê Previdenciário (id 304814783), verifica-se que o valor recebido pelo esposo é no importe de um salário mínimo (R$ 1.320,00), tendo como referência o mês de agosto de 2023. Portanto, a renda per capita a ser considerada é de ao menos R$ 660,00. Quanto às despesas, constou do laudo que “Despesas: Aluguel R$ 370,00. Alimentação R$ 600,00. Energia Elétrica R$ 180,00. Saneamento Básico R$ 75,00. Medicação R$ 200,00. Gás R$ 130,00. Total das despesas: R$ 1.555,00”. Em relação à infraestrutura e às condições gerais de habitabilidade e moradia, certificou o assistente social o seguinte: “A residência é alugada, bairro acessível, conta com poucos comércios próximos, unidade de saúde a qual frequenta é longe, imóvel está em boas condições, laje, piso, pintura boa; 1 sala com 2 sofás e 1 rack, radio, 1 quarto com 1 cama de casal e 1 guarda roupa, outro quarto com 1 cama de solteiro, armário, rack e TV, 1 banheiro com vaso sanitário, pia e chuveiro sem box, cozinha com pia com gabinete, geladeira, fogão, armário e mesa com 4 cadeiras. O imóvel é pequeno, porém em boas condições.”. As fotos que instruem o laudo demonstram que a casa está no mínimo em regular estado de conservação, guarnecida por móveis, eletrodomésticos e utensílios que permitem vida digna aos moradores (id. 299925715, fls. 5 e seguintes). Pois bem, no caso concreto, o grupo familiar percebe rendimentos suficientes para fazer frente às despesas declaradas, sendo que o conjunto probatório constante dos autos não indica que a autora enfrente situação de miserabilidade tutelada pela norma, necessária à concessão do benefício aqui vindicado. Nesse aspecto é importante registrar que o BPC/LOAS não tem por finalidade servir de complemento de renda daqueles grupos familiares que passam por dificuldades financeiras, mas sim socorrer a quem não conta com o mínimo necessário à sobrevivência digna. Dessa forma, uma vez que a parte autora não se encontra na condição de miserabilidade tutelada pela norma, não faz jus à concessão do benefício assistencial. (...).” Assim, perfilho os fundamentos da sentença, integralmente. A renda do marido não pode ser “dispensada” porque não tem 65 anos, nem é PCD. Não há no caso miserabilidade jurídica e o BPC não pode ser visto como “complemento” da renda de idosos. A constituição e as leis estabelecem obrigações de prestar alimentos. Descabe atribuir à coletividade as obrigações primárias da sociedade, como já visto no item “subsidiariedade”. Registre-se, novamente, o teor da súmula 23 da TRU da 3ª Região. A renda per capita mensal do caso desborda sobremaneira dos limites da capacidade assistencial. As fotografias do imóvel, enfim, indicam PLENO ACESSO AOS MÍNIMOS SOCIAIS (id 325224984). As regras do §§ 1º e 3º do artigo 20 da LOAS não podem ser reduzida ao critério matemático, cabendo a aferição individual da situação socioeconômica. Essa a ratio dos RE 580963 e RE 567985. Cumpre salientar que o benefício de prestação continuada foi previsto, na impossibilidade de atender a um público maior, para socorrer os desamparados (artigo 6º, caput, da CF), ou seja, àquelas pessoas que sequer teriam possibilidade de equacionar um orçamento doméstico, pelo fato de não terem renda ou de ser essa insignificante. Com efeito, deve ser seguida a orientação dos RE 580963 e RE 567985 (repercussão geral); e súmulas 22 e 23 da TRU da 3ª Região, pelo qual a miserabilidade é analisada caso a caso, permitindo inclusive o julgamento monocrático, na forma do artigo 2º, § 2º, da Resolução 347/2015 (CJF), com a redação dada pela Resolução 417/2016. Diante do exposto, nos termos do artigo 932, IV, “b”, do CPC, conheço do recurso inominado e lhe nego seguimento. No caso de a parte autora estar assistida por advogado, condeno a parte recorrente ao pagamento de honorários advocatícios, que fixo em 10% do valor da causa, nos termos do art. 85, em especial seus parágrafos 2º, 3º e 4º do Código de Processo Civil vigente, bem como art. 55 da Lei nº 9099/95, observado o artigo 98, § 3º, do CPC, suspensa a cobrança diante da eventual justiça gratuita deferida. Publique-se. Intimem-se. São Paulo, 23 de maio de 2025.
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