Processo nº 1003713-68.2023.8.11.0004
ID: 283479636
Tribunal: TJMT
Órgão: Quarta Câmara de Direito Privado
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 1003713-68.2023.8.11.0004
Data de Disponibilização:
29/05/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ANDRE RENNO LIMA GUIMARAES DE ANDRADE
OAB/MG XXXXXX
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BREINER RICARDO DINIZ RESENDE MACHADO
OAB/MG XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO NÚMERO ÚNICO: 1003713-68.2023.8.11.0004 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) ASSUNTO: [DEFEITO, NULIDADE OU ANULAÇÃO, INDENIZAÇÃO POR D…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO NÚMERO ÚNICO: 1003713-68.2023.8.11.0004 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) ASSUNTO: [DEFEITO, NULIDADE OU ANULAÇÃO, INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL, BANCÁRIOS] RELATORA: EXMA. SRA. DESA. SERLY MARCONDES ALVES Turma Julgadora: [DES(A). SERLY MARCONDES ALVES, DES(A). ANGLIZEY SOLIVAN DE OLIVEIRA, DES(A). RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO] Parte(s): [CLEUZA DE SOUZA BARBOSA - CPF: 451.823.101-53 (APELADO), ALCY BORGES LIRA - CPF: 184.044.728-15 (ADVOGADO), BANCO BMG SA - CNPJ: 61.186.680/0001-74 (APELANTE), BREINER RICARDO DINIZ RESENDE MACHADO - CPF: 037.193.746-96 (ADVOGADO), ANDRE RENNO LIMA GUIMARAES DE ANDRADE - CPF: 002.000.166-52 (ADVOGADO), JOAO VICTOR LIRA DE RESENDE - CPF: 066.738.431-60 (ADVOGADO), BRUNO FELLIPE BORATTI DOS SANTOS - CPF: 091.751.509-99 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: PREJUDICIAIS AFASTADAS. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO, APÓS RELATORA E A 1ª VOGAL ADERIREM AO VOTO 2º VOGAL – DES. RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHOS. E M E N T A DIREITO DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. FALHA NO DEVER DE INFORMAÇÃO. CONVERSÃO EM EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. DANO MORAL AFASTADO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Apelação cível interposta contra sentença proferida nos autos de ação declaratória de nulidade de ato jurídico, devolução de valores e indenização por danos morais, proposta por aposentada beneficiária do INSS. O juízo de origem reconheceu a nulidade do contrato de cartão de crédito n. 60647223, determinou sua conversão em empréstimo consignado com aplicação da taxa média de mercado (1,72% a.m. e 22,69% a.a.), ordenou o cancelamento dos descontos na folha de pagamento, rejeitou o pedido de restituição de valores, condenou o banco ao pagamento de R$ 5.000,00 por danos morais e fixou honorários advocatícios em 10% sobre o valor da condenação. O banco apelou buscando a reforma integral da sentença. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há três questões em discussão: (i) definir se incidem decadência ou prescrição sobre a pretensão deduzida; (ii) estabelecer se houve falha no dever de informação apta a justificar a conversão do contrato de cartão de crédito em empréstimo consignado; (iii) determinar se estão presentes os pressupostos para a condenação por danos morais. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A pretensão de reconhecimento de nulidade contratual tem natureza declaratória, sendo insuscetível de decadência, à luz do art. 178 do Código Civil e do entendimento firmado pelo STJ. 4. Aplica-se o prazo prescricional decenal previsto no art. 205 do Código Civil às pretensões de responsabilidade contratual, contados a partir de cada desconto indevido, conforme precedentes da própria Câmara. 5. Configura-se violação ao dever de informação quando a instituição financeira disponibiliza crédito como se empréstimo fosse, mas o formaliza sob a roupagem de cartão de crédito consignado, sem esclarecimentos adequados sobre a natureza do contrato. 6. A contratação apresentou vício informacional e desvirtuamento da finalidade do produto, pois os valores foram disponibilizados por TED e cobrados por faturas compostas exclusivamente por encargos e taxas, sem qualquer uso do cartão pela consumidora para compras. 7. A conversão do contrato para a modalidade de empréstimo consignado é admitida com base no princípio da conservação dos negócios jurídicos (art. 170 do CC), com incidência da taxa média de juros divulgada pelo Banco Central à época da contratação. 8. Ausente prova de abalo psicológico grave ou situação excepcional, a mera cobrança indevida e descontos em folha não justificam condenação por danos morais, nos termos da jurisprudência dominante do TJMT. 9. Reconhecida a sucumbência recíproca, devem ser repartidos os ônus da sucumbência. IV. DISPOSITIVO E TESE 10. Recurso parcialmente provido. Tese de julgamento: 1. O prazo prescricional aplicável às ações de responsabilidade contratual envolvendo descontos indevidos decorrentes de contratos bancários é de 10 anos, nos termos do art. 205 do CC. 2.É nulo o contrato de cartão de crédito consignado quando comprovada a ausência de informação clara sobre a natureza da operação e a real modalidade contratada. 3. Deve-se converter o contrato para empréstimo consignado quando a operação efetivada pelo banco possuir natureza e efeitos dessa modalidade, aplicando-se a taxa média de mercado divulgada pelo Banco Central à época. 4. A cobrança indevida e descontos em folha, por si sós, não configuram dano moral, na ausência de prova de sofrimento extraordinário ou violação grave à dignidade do consumidor. Dispositivos relevantes citados: CC, arts. 170, 178, II, 205 e 206, §5º, I; CDC, arts. 4º, III, 6º, 39, III e V, 46, 51, §2º, e 52; CPC, arts. 85, §2º e §11, 86 e 942. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgInt no AREsp 2.303.670/RJ, Rel. Min. Raul Araújo, 4ª T., j. 16.10.2023; STJ, REsp 1722322/MA, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze; TJMT, Ap. Cív. nº 1030361-71.2023.8.11.0041, Rel. Des. Guiomar Borges, j. 29.01.2025; TJMT, Ap. Cív. nº 1047022-33.2020.8.11.0041, Rel. Desa. Serly Marcondes Alves, j. 05.05.2021. R E L A T Ó R I O EXMA. SRA. DESA. SERLY MARCONDES ALVES (RELATORA): Egrégia Câmara: Trata-se de recurso de apelação, interposto pelo Banco BMG S/A, contra sentença proferida pelo Juízo da 2ª Vara Especializada em Direito Bancário da Comarca de Cuiabá, que julgou parcialmente procedentes os pedidos dos autos da ação declaratória de nulidade de ato jurídico, devolução de valores cobrados indevidamente em dobro e danos morais, ajuizada em face de Cleuza de Souza Barbosa, para declarar a nulidade do contrato de cartão de crédito n. 60647223, vinculado ao cartão n. 5259.1265.9156.3702, convertendo-o em empréstimo consignado para aposentados e pensionistas do INSS, devendo incidir sobre o valor do crédito a taxa média de mercado existente à época da contratação: 1,72%a.m. e 22,69%a.a; realizar a compensação dos valores do crédito bancário; indeferiu o pedido de restituição de valores; determinou a expedição de ofício ao Instituto Nacional do Seguro Social, Fonte Pagadora da parte autora, para o cancelamento imediato e definitivo dos descontos consignados vinculados ao contrato n. 60647223 e condenou o banco requerido no pagamento do valor de R$ 5.000,00 a título de indenização pelos danos morais sofridos, devendo incidir juros de mora de 1% a.m. a contar da citação e correção monetária a partir da publicação da sentença, pelo INPC. Por conseguinte, entendeu a sucumbência mínima da parte autora e condenou o banco ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor da condenação (art.85, §2º, CPC). Pretende o banco apelante, em síntese, a reforma da sentença. De início, alega em prejudicial de mérito a decadência e prescrição. Alega que a apelada não nega a realização de negócio jurídico com o banco, questionando apenas a modalidade da contratação. Insurge-se quanto à declaração de nulidade do contrato e respectiva conversão em empréstimo consignado. Sustenta a validade da contratação, sob a alegação de que houve expressa ciência e concordância da autora quando da assinatura do instrumento contratual. Aduz que a autora recebeu o cartão e respectiva fatura, realizando saque e anuindo com o débito mensal consignado em folha. Aponta a autora realizou saques com o cartão de crédito e diz que a liberação dos valores foi comprovada nos autos. Defende a não violação do dever de informação. Argumenta que é inviável a conversão do cartão de crédito consignado em empréstimo consignado, pois se trata de modalidades distintas de crédito. Ressalta que o empréstimo consignado estabelece parcelas fixas e taxas de juros pré-definidas, enquanto no cartão de crédito consignado há taxa de juros rotativos e as parcelas variam conforme o saldo devedor. Afirma que “em verdade, não se vislumbra no caso em apreço nenhuma ilegalidade no contrato celebrado entre as partes, de forma que deve ser mantida integralmente a r. sentença” (id 276662874 – pág. 16). Pondera que deve ser mantida a taxa de juros inicialmente pactuada entre as partes. Bem como, que deve ser reformada a r. sentença a quo quanto à condenação à restituir a quantia, ainda que de forma simples. Questiona a taxa de juros arbitrada na sentença. Em contrarrazões (id 277320893), a parte apelada ratificou as razões da inicial, rebateu as prejudiciais de mérito suscitadas e sustentou a regularidade da sentença proferida, pugnando pelo desprovimento do apelo. É o relatório. V O T O (Prejudiciais de mérito: Prescrição e Decadência) EXMA. SRA. DESA. SERLY MARCONDES ALVES (RELATORA): Eminentes pares: Em suas contrarrazões, alega o banco apelado a decadência do direito de ação, em razão da incidência do prazo decadencial de 04 (quatro) anos, do art. 178, II, do CC. No entanto, no caso, a autora/recorrida pretende o reconhecimento da nulidade do contrato celebrado entre as partes, em decorrência de violação de normas do Código de Defesa do Consumidor, em especial a falha no dever de informação. A tutela jurisdicional vindicada não ostenta, portanto, natureza desconstitutiva e condenatória, possuindo cunho declaratório. Não há no Código de Defesa do Consumidor ou no Código Civil, previsão de prazo decadencial específico para fins de reconhecimento de nulidade de negócio jurídico. Desta forma, não é suscetível de decadência o direito de postular o reconhecimento judicial da nulidade de negócio jurídico, dada a natureza declaratória da pretensão. Motivo pelo qual, afasto a prejudicial de decadência. Bem ainda, argui a prescrição parcial da pretensão formulada, considerando o transcurso do prazo prescricional de 05 (cinco) anos, previsto no art. 206 § 5º inciso V do CC. Pois bem. Acerca da matéria, no julgamento da Apelação n. 1047022-33.2020.8.11.0041, esta Câmara pacificou o entendimento de que em casos como este incide a prescrição decenal (art. 205 do Código Civil), contado o prazo a partir de cada pagamento. Nesse sentido, sabe-se que o colendo Superior Tribunal de Justiça, a quem incumbe interpretar, em última análise, a legislação infraconstitucional, firmou entendimento no sentido de que, em demandas envolvendo a responsabilidade contratual, deve ser aplicada a regra geral prevista no artigo 205 do Código Civil, que prevê o prazo prescricional decenal. Trago à colação julgado do colendo Superior Tribunal de Justiça: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE DECLARAÇÃO DE NULIDADE DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO. CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. RESTITUIÇÃO DE VALORES. PRESCRIÇÃO DECENAL. PRECEDENTE DA CORTE ESPECIAL. DISSONÂNCIA DO ACÓRDÃO RECORRIDO COM O ENTENDIMENTO DA CORTE ESPECIAL. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento dos EREsp 1.523.744/RS, sob a relatoria do Ministro OG FERNANDES, entendeu que "a discussão acerca da cobrança indevida de valores constantes de relação contratual e eventual repetição de indébito não se enquadra na hipótese do art. 206, § 3º, IV, do Código Civil/2002, seja porque a causa jurídica, em princípio, existe (relação contratual prévia em que se debate a legitimidade da cobrança), seja porque a ação de repetição de indébito é ação específica" (EREsp 1.523.744/RS, Relator Ministro OG FERNANDES, CORTE ESPECIAL, julgado em 20/2/2019, DJe de 13/3/2019). 2. A Corte Especial pacificou a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de ser decenal o prazo prescricional incidente sobre a pretensão reparatória fundada em responsabilidade civil contratual (EREsp 1.281.594/SP, Relator para acórdão Ministro FELIX FISCHER, CORTE ESPECIAL, julgado em 15/5/2019, DJe de 23/5/2019). 3. (...). 4. Agravo interno desprovido. (AgInt no AREsp n. 2.303.670/RJ, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 16/10/2023, DJe de 20/10/2023). Assim, o prazo prescricional é de 10 anos, contados a partir do efetivo pagamento. No caso, os descontos na folha de pagamento do autor foram realizados a partir de março/2020, portanto existem parcelas descontadas mais de 10 anos antes do ajuizamento da presente ação, em 17/04/2023. Posto isso, afasto as prejudiciais de mérito arguidas. É como voto. V O T O (MÉRITO) EXMA. SRA. DESA. SERLY MARCONDES ALVES (RELATORA): Eminentes pares: Trata-se de recurso de apelação, previsto no art. 1.009 do Código de Processo Civil, interposto pela autora, contra a sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos. Na petição inicial, a autora/apelada narra ser beneficiária de aposentadoria por idade e ter percebido a existência de desconto denominado RMC, no importe de R$ 52,25, desde 03/2020. Afirma nunca ter contratado empréstimo na modalidade de cartão de crédito consignado e que jamais fez o uso do referido cartão. Por tais motivos, requer a declaração de inexistência da contratação de empréstimo de cartão de crédito, a restituição em dobro no montante de R$ 3.553,00, além da condenação da requerida ao pagamento de R$ 10.000,00 por danos morais. O Banco apresentou contestação (id 276662399). A autora deixou de apresentar réplica. Em decisão saneadora, o magistrado de origem admitiu como controvertidos os seguintes pontos: (i) a existência de vício na contratação do cartão de crédito consignado; (ii) a possibilidade de conversão em contrato de empréstimo consignado; (iii) a ocorrência de danos morais indenizáveis. Indeferido o pedido de produção de prova oral, os autos foram remetidos à conclusão para sentença. Na r. sentença objurgada (id 276662869), o d. magistrado a quo julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na exordial. Pois bem. De início vê-se que o apelante se confundiu nos argumentos do apelo, tendo pugnado pela manutenção da sentença. Afirma que “em verdade, não se vislumbra no caso em apreço nenhuma ilegalidade no contrato celebrado entre as partes, de forma que deve ser mantida integralmente a r. sentença” (id 276662874 – pág. 16). No entanto, em síntese pretende com o apelo a reforma da sentença. O cerne da controvérsia reside apurar se merece reforma a sentença, a fim de reconhecer a improcedência da ação e manter o contrato nos moldes contratados. De início, há de se consignar que a apelada é destinatária final dos serviços da apelante e que a relação das partes se amolda aos artigos 2º e 3º da Lei 8.078/90, razão pela qual o julgamento da demanda deve observar as regras especiais do Código de Defesa do Consumidor. A corroborar, a Súmula 297 do eg. STJ dispõe que “o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”. Tem-se que nos contratos de consumo é dever das partes prestar prévia e adequadamente todas as informações sobre os termos pactuados, conforme o disposto nos artigos 6º e 46 do CDC, o que, nos contratos que envolvem a concessão de crédito no mercado de consumo assume ainda maior relevância, mercê do artigo 52 subsequente. Bem ainda, nos moldes do que disciplina o art. 51 do CDC, é nula de pleno direito eventual cláusula que estabeleça uma obrigação abusiva ou que coloque o consumidor em desvantagem exagerada. No contexto, destaca-se, ainda, o princípio da boa-fé objetiva, previsto no art. 4º inciso III do CDC, que impõe aos contratantes a observância dos deveres de veracidade, lealdade, transparência, informação e cooperação, cuja violação resulta na nulidade ou a revisão das cláusulas contratuais, de acordo com o art. 51, § 2º do CDC. Considerando os dispositivos citados acima e após análise minuciosa dos autos, observa-se, na espécie, a violação do dever informacional por parte do banco apelante em relação à apelada. Percebe-se que a apelada-consumidora manifestou interesse em celebrar contrato de empréstimo consignado, de maneira que não lhe foram prestadas as informações claras e essenciais à celebração do negócio jurídico. Conforme se depreende do conjunto-probatório dos autos, a operação que inaugurou a “utilização” do cartão de crédito foi exatamente o “saque”, tendo sido disponibilizados valores, por meio de transferência bancária, na conta da apelada, evidenciando o desvirtuamento da natureza das operações de cartão de crédito, com o manifesto intuito de imputar ao consumidor operação mais onerosa e, por conseguinte, mais vantajosa para o banco. Demonstrado o descumprimento do dever de informação, a falta de informações quanto à natureza do contrato e as condições abusivas de pagamento, resta configurada também a violação do princípio da boa-fé objetiva. Nesse sentido, observa-se que o contrato, nos moldes em que foi celebrado (disponibilização de montante na conta e descontos na folha de pagamento), possui características de empréstimo consignado, modalidade que o apelado pretendia contratar, contudo, com juros menos vantajosos, próprios de cartão de crédito. Em vista disso, deve ser convertido o ajuste para a modalidade de empréstimo consignado aposentado/pensionista, conforme autoriza o princípio da conservação dos negócios jurídicos, na forma positivada no art. 170 do CC (“Art. 170. Se, porém, o negócio jurídico nulo contiver os requisitos de outro, subsistirá este quando o fim a que visavam as partes permitir supor que o teriam querido, se houvessem previsto a nulidade”). Analisando casos semelhantes, esta Câmara assim teve a oportunidade de decidir: “EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - APELAÇÃO - AÇÃO DECLARATÓRIA C/C RESTITUIÇÃO DE INDÉBITO E DANOS MORAIS - UTILIZAÇÃO DE SALDO DO CARTÃO DE CRÉDITO (RMC) - VÍCIO DE CONSENTIMENTO - CONVERSÃO DA MODALIDADE CONTRATUAL PARA EMPRÉSTIMO CONSIGNADO - LIMITAÇÃO DA TAXA DE JUROS - RESTITUIÇÃO NA FORMA SIMPLES DOS VALORES DESCONTADOS EM EXCESSO, CASO HAJA COMPROVAÇÃO - DANOS MORAIS NÃO CONFIGURADOS - SENTENÇA REFORMADA - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO - - CONTRADIÇÃO/OMISSÃO/OBSCURIDADE – NÃO VERIFICADAS - REANÁLISE DE MATÉRIA – IMPOSSIBILIDADE PELA VIA ELEITA – RECURSO DESPROVIDO. Configura falha na prestação do serviço a conduta da instituição financeira que induz o cliente a erro ao celebrar contrato de cartão de crédito consignado, quando o consumidor acredita tratar-se de empréstimo pessoal. É caso de conversão da contratação para empréstimo consignado, observada a taxa média de mercado dos juros remuneratórios para operações da mesma natureza, condição que enseja a restituição, na forma simples, de valores descontados em excesso, caso haja comprovação. Se não demonstrados os requisitos da reparação civil, não é cabível a indenização a título de dano moral.Os declaratórios não constituem meio adequado para sanar “error in judicando”. Não se pode atribuir efeitos infringentes a essa modalidade recursal, cuja vocação se limita a corrigir eventuais defeitos no Acórdão, se no decisum não há omissão, obscuridade ou contradição”.(N.U 1025321-96.2021.8.11.0003, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, GUIOMAR TEODORO BORGES, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 26/07/2023, Publicado no DJE 31/07/2023). A propósito: (N.U 1002596-66.2021.8.11.0051, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 23/08/2023, Publicado no DJE 24/08/2023). Convertida a modalidade contratual, os juros remuneratórios aplicados sobre as operações de saque devem ser recalculados de acordo com a taxa média de mercado, divulgada pelo Banco Central, para a operação (crédito pessoal consignado na aposentadoria), devendo ser considerada a data da realização do saque, a ser consultada no site oficial da autarquia. (https://www3.bcb.gov.br/sgspub/consultarvalores/consultarValoresSeries.do?method=consultarValores). Desta forma, não se verifica irregularidade nos juros remuneratórios estipulados na sentença, uma vez que é a média praticada, na data da contratação, devendo assim ser mantido. Após a conversão, apurando-se valores pagos além do que era efetivamente devido, deve ser garantida a compensação determinada na sentença. Apura-se que a restituição restou inadmita, conforme sentença. Considerando que foram esses os pontos questionados no recurso de apelação, não merece reparos a sentença. Pelo exposto, nego provimento ao recurso. Por conseguinte, em razão da sucumbência recursal, majoro os honorários advocatícios fixados em favor do patrono da apelada, para 15% sobre o valor da condenação, observado o disposto no art. 85 §11 do CPC. É como voto. V O T O EXMA. SRA. DESA. ANGLIZEY SOLIVAN DE OLIVEIRA (1ª VOGAL): Eminentes pares, peço vista dos autos para melhor análise da matéria. V O T O EXMO. SR. DES. RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO (2º VOGAL): Eminentes pares, aguardo o pedido de vista. em 16 DE abril DE 2025 (PLENÁRIO VIRTUAL): ADIADO PARA A SESSÃO DE 30/04/2025, EM FACE AO PEDIDO DE VISTA DA 1ª VOGAL (EXMA. SRA. DESA. ANGLIZEY SOLIVAN DE OLIVEIRA). A RELATORA NEGOU PROVIMENTO AO RECURSO E O 2º VOGAL (EXMO. SR. DES. RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO) AGUARDA. SESSÃO DE 30 DE ABRIL DE 2025 (CONTINUAÇÃO DE JULGAMENTO) V O T O (VISTA) EXMA. SRA. DESA. ANGLIZEY SOLIVAN DE OLIVEIRA (1ª VOGAL): Egrégia Câmara, O apelante afirma que o contrato foi regularmente firmado, com cláusulas claras e expressas, afastando qualquer abusividade ou irregularidade. Todavia, este E.Tribunal de Justiça de Mato Grossotem reconhecido a abusividade da prática de instituições financeiras que não esclarecemdevidamente aos consumidores que estão aderindo a um cartão de crédito consignado e não a um empréstimo consignado, sobretudo em casos envolvendo aposentados e pensionistas. Nesse sentido, destaca-se o entendimento firmado na Apelação Cível nº 1030361-71.2023.8.11.0041, que assim consignou: "A instituição financeira tem o dever de prestar informações claras e precisas sobre os produtos e serviços oferecidos, especialmente quando se trata de contratos de crédito consignado, em que o consumidor muitas vezes se encontra em situação de vulnerabilidade.”(TJMT, Apelação Cível nº 1030361-71.2023.8.11.0041, Rel. Des. Guiomar Teodoro Borges, 4ª Câmara de Direito Privado, julgado em 29/01/2025, DJE 31/01/2025). No caso, analisando os documentos anexados aos autos, verifica-se que não há comprovação suficiente de que o apelado tenha sido devidamente esclarecido sobre as características do contrato firmado, o que reforça a tese de que ele não possuía plena ciência de que aderiu a um cartão de crédito consignado e não a um empréstimo consignado tradicional. Apesar de ter juntado aos autos cópia do contrato de adesão referente à contratação de Cartão de Crédito Consignado, o apelante não comprovou qualquer autorização para saque no referido cartão de crédito, nem mesmo a primeira contratação. Além disso, as faturas acostadas ao ID 276662852 demonstram que a autora nunca utilizou o cartão de crédito para compras, sendo cobrados, em todas as faturas, apenas os encargos relativos ao financiamento do saldo devedor após pagamento mínimo da fatura e outras taxas administrativas. Dessa forma, impõe-se a conversão do contrato para a modalidade de empréstimo consignado, com a aplicação da taxa média de juros do mercado à época da contratação. Assim, acompanho a Relatora para negar provimento ao recurso de apelação. É como voto. V O T O (VENCEDOR) EXMO. SR. DES. RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO (2º VOGAL): Eminentes pares, Apelação em Ação Declaratória de Nulidade de Ato Jurídico, Devolução de Valores Cobrados Indevidamente em Dobro e Danos Morais cuja sentença foi proferida nestes termos: “Diante do exposto e de tudo mais que dos autos consta, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a pretensão deduzida na petição inicial, resolvendo o mérito da demanda, nos termos do art.487, I, CPC e consequentemente: a) DECLARO a nulidade do contrato de cartão de crédito n. 60647223, vinculado ao cartão n. 5259.1265.9156.3702, convertendo-o em empréstimo consignado para aposentados e pensionistas do INSS, tendo em vista a existência de margem de consignação disponível ao tempo da contratação, que era de 35% daremuneração líquida para consignações facultativas, conforme Lei n.10.820/2003, devendo incidir sobre o valor do crédito a taxa média de mercado existente à época da contratação: 1,72%a.m. e 22,69%a.a. b) Após, tendo em vista a definição da modalidade contratual de conversão e os juros remuneratórios aplicáveis à espécie, DEVERÁ ser feita a compensação dos valores do crédito bancário edas prestações adimplidas da seguinte forma: (i) o crédito bancário de R$900,00, deverá ser acrescido dos juros remuneratórios referente à modalidade de conversão contratual (1,72%a.m. e 22,69%a.a.), conforme explicado anteriormente, e de correção monetária desde a sua concessão (março de 2020); (ii) as prestações adimplidas pela parte autora por meio das consignações em folha de pagamento também deverão ser corrigidas com a incidência de juros de mora de 1% a.m. a contar da citação e correção monetária a partir da data de cada desembolso (art.405, do CC), pelo INPC. c) INDEFIRO o pedido de restituição de valores, pois as prestações descontadas em folha serão objeto de amortização do empréstimo por ocasião de liquidação de sentença, nos termos da fundamentação. d) DETERMINO seja oficiada o Instituto Nacional do Seguro Social, Fonte Pagadora da parte autora, para o cancelamento imediato e definitivo dos descontos consignados vinculados ao contrato n. 60647223, celebrado com o BANCO BMG. e) CONDENO a parte requerida no pagamento do valor de R$5.000,00 (cinco mil reais) a título de indenização pelos danos morais sofridos pela parte autora CLEUZA DE SOUZA BARBOSA, devendo incidir juros de mora de 1% a.m. a contar da citação e correção monetária a partir da publicação desta sentença, pelo INPC. 46.Em razão da sucumbência mínima da parte autora, CONDENO a parte requerida no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, os quais FIXO em 10% sobre o valor da condenação, com fundamento no art.85, §2º, CPC.” O apelante suscita prejudicial de mérito a decadência e prescrição. Alega que a apelada não nega a realização de negócio jurídico com o banco, questionando apenas a modalidade da contratação. Insurge-se quanto à declaração de nulidade do contrato e respectiva conversão em empréstimo consignado. Sustenta a validade da contratação, sob a alegação de que houve expressa ciência e concordância da autora quando da assinatura do instrumento contratual. Contrarrazões (Id. 277320893). V O T O (PREJUDICIAL DE MÉRITO - DECADÊNCIA) EXMO. SR. DES. RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO (2ª VOGAL): Eminentes pares, O réu suscita que ocorreu adecadência. Contudo, a discussão nos autos não se limita à nulidade do contrato. Há também pedido de revisão e de conversão da modalidade convencionada, o que, por conseguinte, afasta a incidência do art. 178 do Código Civil. Ademais, cuida-se de obrigação de trato sucessivo, de modo que a cada novo desconto ocorre a renovação do prazo decadencial. Para ilustrar: “APELAÇÃO – AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C NULIDADE CONTRATUAL E RESTITUIÇÃO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA –PREJUDICIAIS DE MÉRITO -DECADÊNCIA – OBRIGAÇÃO DE TRATO SUCESSIVO – REJEITADA -PRESCRIÇÃODECENAL – ART. 205 DO CC - ACOLHIDA EM PARTE -EMPRÉSTIMO PESSOAL OFERECIDO PELO BANCO – COBRANÇA COMO CARTÃO DE CRÉDITO – PRÁTICA ABUSIVA – ADEQUAÇÃO DOS JUROS DEVIDA –RESTITUIÇÃO DO INDÉBITO – FORMA SIMPLES –REVISÃO DE OFÍCIO DOS HONORÁRIOSADVOCATÍCIOS – MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA – SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA – DISTRIBUIÇÃO PROPORCIONAL DESSE ÔNUS – COMPENSAÇÃO VEDADA – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Na obrigação de trato sucessivo o termo inicial dadecadênciase renova a cada prestação. (...) (TJMT, Quarta Câmara de Direito Privado, AP 1046777-51.2022.8.11.0041, julgamento em: 23-05-2023, sem grifo no original) Portanto, não acolho a prejudicial de mérito. V O T O (PREJUDICIAL DE MÉRITO - PRESCRIÇÃO) EXMO. SR. DES. RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO (2ª VOGAL): Eminentes pares, Na Apelação n. 1047022-33.2020.8.11.0041, em que foi aplicada a técnica de julgamento prevista no art. 942 do CPC, firmou-se nesta Câmara o entendimento de que em casos como este incide a prescriçãodecenal (art. 205 do Código Civil), contado o prazo a partir de cada pagamento.Confira-se a ementa: “APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE CONTRATUAL C/C REPETIÇÃO DO INDÉBITO E DANOS MORAIS – CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO – OBRIGAÇÃO DE TRATO SUCESSIVO – PRAZO PRESCRICIONAL DECENAL, COMPUTADO DO PAGAMENTO – ART. 205 DO CC – CONSUMIDOR QUE, ACREDITANDO ESTAR CONTRATANDO EMPRÉSTIMO CONSIGNADO, ADERIU A NEGÓCIO JURÍDICO DIVERSO –VIOLAÇÃO DO DEVER DE INFORMAÇÃO – ILEGALIDADE CONSTATADA – ALTERAÇÃO DOS JUROS REMUNERATÓRIOS PARA OPERAÇÃO NA MODALIDADE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO – VIABILIDADE – REPETIÇÃO DO INDÉBITO DE FORMA SIMPLES – CABIMENTO – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1.Tratando-se de obrigação de trato sucessivo, a exemplo do cartão de crédito, em que a fatura é mensalmente emitida e o valor mínimo descontado mês a mês dos proventos da autora, a contagem do prazo prescricional tem início apenas após o pagamento. 2.Por sua vez, para as ações em que se pretende a revisão de cláusulas contratuais é de dez anos, nos termos do artigo 205 do Código Civil, porque fundada em direito pessoal. 3. Restando comprovado que a autora, mediante ardil e violação do dever de transparência por parte de determinada instituição financeira, acreditando ter contratado mútuo consignado, aderiu a cartão de crédito, impõe-se adequação dos juros remuneratórios à modalidade almejada pela consumidora. 4. Arepetição do indébito é decorrência lógica da ilegalidade dos valores descontados, eventualmente realizados a maior, não se afigurando possível o banimento dessa providência, sob pena de inarredável enriquecimento sem causa por parte da instituição financeira”. (AP 1047022-33.2020.8.11.0041, relatora Desa. Serly Marcondes Alves, julgamento em 5-5-2021). Neste caso, o primeiro desconto ocorreu em março/2020, como a Ação foi proposta abril/2023, não havia decorrido o prazo prescricional. Portanto, não acolho a prejudicial de mérito. V O T O (MÉRITO) EXMO. SR. DES. RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO (2ª VOGAL): Eminentes pares, Segundo o Banco Central do Brasil, empréstimo “é um contrato entre o cliente e uma instituição financeira (banco, cooperativa de crédito, caixa econômica) pelo qual o cliente recebe uma quantia em dinheiro que deverá ser devolvida em prazo determinado, acrescida dos juros acertados e, na modalidade consignado, o desconto da prestação é feito diretamente na folha de pagamento ou de benefício previdenciário do contratante”. (https://www.bcb.gov.br/pre/pef/port/folder_serie_I_emprestimos_e_financiamentos.pdf e https://www.bcb.gov.br/nor/relcidfin/docs/art7_emprestimo_consignado.pdf) – acesso em 14/06/2020. Já o cartão de crédito consiste em transação financeira que “permite o pagamento de compras ou serviços até o limite do crédito previamente definido no contrato e”, quando consignado, “o valor mínimo da fatura é descontado diretamente da sua folha de pagamento ou benefício do INSS” (https://www.bcb.gov.br/cidadaniafinanceira/direitosdeveres e https://www.serasa.com.br/ecred/cartao-de-credito-consignado/) - acesso em 14/06/2020. Contudo, há uma terceira modalidade de contrato em que a instituição financeira credita em conta-corrente quantia fixa, mediante TED, e o valor é cobrado na fatura do mês subsequente, em parcela única. A operação é claramente de empréstimo, porém denominada de cartão de crédito consignado. Trata-se de versão híbrida e sem paralelo na legislação brasileira. Por isso, cumpre ao Judiciário analisar minuciosamente se o contrato não fere direitos consumeristas. O Decreto Estadual n. 691/2016 estabelece que no âmbito da Administração Pública Direta, Autárquica e Fundacional do Poder Executivo do Estado de Mato Grosso, as consignações facultativas “realizadas pelas instituições financeiras, pelas cooperativas, pelas entidades de previdência privada, pelos serviços sociais autônomos, pelas compras por convênios firmados com sindicatos e associações, pelas seguradoras do ramo de vida, pelas clínicas odontológicas e pelo MT Saúde na coparticipação poderão atingir o limite de 35% (trinta e cinco por cento)” e “as realizadas pelas entidades administradoras de cartão de crédito poderão realizar consignações até o limite de 15% (quinze por cento), ficando restrita a contratação de no máximo 02 (dois) cartões de crédito por Consignado” (art. 24, I e II). Já a Lei n. 10.820/2003, alterada pela Lei n. 14.431/2022, limita o desconto concedido aos empregados regidos pela CLT em 35% para empréstimos, financiamentos e arrendamentos mercantis e 5% para as despesas contraídas por cartão de crédito; aos titulares de benefícios de aposentadoria e pensão do Regime Geral de Previdência Social e do benefício de prestação continuada admite, além dos percentuais anteriores, 5% para amortização de despesas com cartão consignado de benefício ou a utilização com a finalidade de saque por cartão consignado de benefício. O propósito do legislador ao criar o empréstimo consignado foi facilitar o acesso ao crédito bancário, com juros menores do que os praticados pelo mercado, uma vez que o pagamento automático é garantia de que o credor receberá a importância devida. Posto isso, a contratação “híbrida”, como nestes autos, em que é realizado um “saque” virtual e depois cobrada a quantia em parcela única na fatura de cartão de crédito, que tem juros astronômicos, desvirtua completamente o objetivo da Lei. Cabe ressaltar a decisão do Ministério da Justiça de investigar 23 bancos por possível fraude com a emissão não autorizada de cartão de crédito consignado e com a prática de desconto do pagamento mínimo em folha que amortizaria apenas os juros de financiamento do saldo devedor, impedindo a quitação da dívida principal (https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/noticias/bancos-serao-investigados-sobre-possivel-fraude-em-cartoes-de-credito-consignados). Se o autor ainda dispunha de margem consignável, o réu tinha de oferecer-lhe a modalidade de empréstimo mais benéfica e compatível com a sua expectativa. E se a situação fosse o inverso, ou seja, se a sua renda mensal não suportasse mais esse comprometimento, o requerido não podia “burlar” a legislação e disponibilizar cartão de crédito com a finalidade de “saque”. Além disso, como não há o pagamento de prestações fixas, mas apenas o refinanciamento automático da diferença entre o valor da fatura e aquele debitado no holerite, a quantia retirada do salário nunca é suficiente para quitar o “saque”, o que causa perpetuação da dívida e onerosidade excessiva ao consumidor. Essa atitude leva ao superendividamento da população, sobretudo da mais vulnerável. Portanto, é clara a violação aos princípios da transparência e informação, bem como ao art. 46 do CDC, já que se trata de conduta comercial abusiva, vedada pelos incisos III e V do art. 39 do CDC. A situação ora em análise é corriqueira e, após ser objeto de diversas Ações individuais, foram propostas algumas Ações Civis Públicas, entre elas a de n. 0010064-91.2015.8.10.0001 pela Defensoria Pública do Estado do Maranhão, recentemente julgada pelo STJ (REsp 1722322/MA), tendo o Min. Marco Aurélio Belizze consignado o seguinte: “Na hipótese em apreço, era ofertado pelas instituições financeiras aos servidores/aposentados/pensionistas cartão de crédito com reserva de margem consignável, em substituição ao usual empréstimo consignado, sem a devida informação aos clientes - sobre o efetivo valor da operação de mútuo, da quantidade de parcelas a pagar, da taxa de juros, da possibilidade de pagamento antecipado e do valor líquido para quitação -, infringindo, assim, o direito de informação dos consumidores, a boa-fé, a segurança jurídica e a transparência”. Importante destacar que a utilização do cartão para compras não descaracteriza essa situação, pois o debate é sobre o valor disponibilizado ao consumidor como empréstimo. Logo, é inviável a continuidade do Contrato na forma realizada (art. 170 do CC). Consequentemente, no que concerne aos juros, aplica-se a taxa média praticada no mercado à época para empréstimos consignados (AREsp 1099613/MG) (https://www.bcb.gov.br/estatisticas/txjuros). Quanto ao dano moral, para estar caracterizado é necessária a demonstração de intensa dor psicológica, aflição e desequilíbrio do bem-estar, e não de meros dissabores da vida cotidiana. Esse cenário não está evidenciado nos autos, já que a cobrança indevida não é suficiente para configurá-lo. Por consequência, inexiste o dever de indenizar. A propósito, julgado desta Câmara: “APELAÇÃO – AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO C/C DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO, DANOS MORAIS E PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA - DECADÊNCIA – OBRIGAÇÃO DE TRATO SUCESSIVO - PRESCRIÇÃO DECENAL – ART. 205 DO CC - PREJUDICIAIS DE MÉRITO NÃO ACOLHIDAS -EMPRÉSTIMO PESSOAL OFERECIDO PELO BANCO – DEPÓSITO NA CONTA-CORRENTE – COBRANÇA COMO CARTÃO DE CRÉDITO – PRÁTICA ABUSIVA – NECESSÁRIA ALTERAÇÃO DA MODALIDADE DA AVENÇA – ADEQUAÇÃO DOS JUROS DEVIDA – LESÃO EXTRAPATRIMONIAL NÃO CONFIGURADA – RESTITUIÇÃO DO INDÉBITO – FORMA SIMPLES - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Na obrigação de trato sucessivo o termo inicial da decadência se renova a cada prestação. “A jurisprudência do STJ entende que a pretensão de repetição de valores pagos indevidamente em função de contrato bancário está sujeita ao prazo prescricional vintenário na vigência do CC/1916 e ao decenal na vigência do CC/2002, contado da efetiva lesão, ou seja, do pagamento”(AgInt no AREsp 1234635/SP). Se o valor do empréstimo é disponibilizado ao consumidor via TED mas cobrado como cartão de crédito, fica caracterizada a prática comercial abusiva, sendo então devida a conversão da modalidade contratual e a adequação da taxa de juros. A cobrança injustificada não configura, por si só, o dano moral. As parcelas imotivadamente descontadas devem ser restituídas na forma simples quando não constatada a intenção dolosa”. (TJMT, Quarta Câmara de Direito Privado, AP 1048455-72.2020.8.11.0041, julgamento em: 30-08-2024) Pelo exposto, divirjo em parte da douta relatora para dar parcial provimento ao Recurso e, dessa forma, afastar a indenização por danos morais, porque é o entendimento desta Ê. Câmara. Em razão da sucumbência recíproca (art. 86 do CPC), cada parte deverá arcar com 50% do ônus. Fixo os honorários advocatícios em 10% sobre o valor atualizado da causa, suspensa a exigibilidade da obrigação em relação ao autor com amparo no art. 98, §3º, do CPC. EXMO. SR. DES. RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO (PRESIDENTE DA CÂMARA): Egrégia câmara, Ante a divergência e tratando-se de apelação, encaminhe-se para a técnica de julgamento nos termos do art. 942 do CPC. EM 30 DE ABRIL DE 2025: JULGAMENTO ADIADO PARA APLICAÇÃO DA TÉCNICA DE JULGAMENTO DO ART. 942 DO CPC, APÓS A RELATORA NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, NO QUE FOI ACOMPANHADA PELA 1ª VOGAL (EXMA. SRA. DESA. ANGLIZEY SOLIVAN DE OLIVEIRA). O 2º VOGAL (EXMO. SR. DES. RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO) DEU PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO. SESSÃO DE 07 DE MAIO DE 2025 (CONTINUAÇÃO DE JULGAMENTO) EXMO. SR. DES. RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO (PRESIDENTE DA CÂMARA): Eminentes Pares, Este processo teve seu julgamento adiado para a aplicação da técnica prevista no art. 942 do CPC. Isso ocorreu após a relatora, Des. Serly Marcondes Alves, negar provimento ao recurso, sendo acompanhada pelo voto da 1ª vogal, Desa. Anglizey Solivan de Oliveira. Como 2º vogal, dei parcial provimento ao recurso. V O T O (RETIFICADO) EXMA. SRA. DESA. SERLY MARCONDES ALVES (RELATORA): Senhor Presidente, Retifico meu voto e adiro integralmente ao voto de Vossa Excelência, para dar parcial provimento ao Recurso, afastando a condenação ao pagamento de indenização por danos morais, em consonância com o entendimento já pacificado por esta colenda Câmara. É como voto. V O T O (RETIFICADO) EXMA. SRA. DESA. ANGLIZEY SOLIVAN DE OLIVEIRA (1ª VOGAL): Eminentes Pares, retifico e acompanho do 2º Vogal – Des. Rubens de Oliveira Santos Filho, nesta oportunidade, aderido pela relatora. Data da sessão: Cuiabá-MT, 07/05/2025
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