Processo nº 5003462-29.2021.4.03.6108
ID: 255882474
Tribunal: TRF3
Órgão: Gab. 01 - DES. FED. DAVID DANTAS
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 5003462-29.2021.4.03.6108
Data de Disponibilização:
14/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
THIAGO HENRIQUE ROSSETTO VIDAL
OAB/SP XXXXXX
Desbloquear
PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 1ª Turma APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003462-29.2021.4.03.6108 RELATOR: Gab. 01 - DES. FED. DAVID DANTAS APELANTE: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL APELADO:…
PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 1ª Turma APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003462-29.2021.4.03.6108 RELATOR: Gab. 01 - DES. FED. DAVID DANTAS APELANTE: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL APELADO: MARIANA CORREIA EUSEBIO Advogado do(a) APELADO: THIAGO HENRIQUE ROSSETTO VIDAL - SP358571-A OUTROS PARTICIPANTES: D E C I S Ã O A parte autora ajuizou a presente ação em face da Caixa Econômica Federal - CEF, objetivando, em síntese, a reparação de danos materiais e morais em razão de saques fraudulentos em sua conta bancária. A sentença julgou procedentes os pedidos, para condenar a CEF a restituir à parte autora o valor de R$ 21.000,00, R$ 30.000,00, R$ 400,00 e R$ 10,45, referentes ao prejuízo experimentado por transações fraudulentas realizadas na conta bancária autoral, bem ao pagamento de danos morais no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais). A ré foi condenada, ainda, ao ressarcimento de honorários pericias e ao pagamento de honorários advocatícios arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação. A Caixa Econômica Federal apelou sustentando, em síntese, a inexistência de falha na prestação do serviço bancário e ausência de responsabilidade civil, uma vez que houve culpa exclusiva da parte autora. Sustenta, ainda, a inexistência de danos morais. Recurso adesivo da parte autora pugnando, em suma, a majoração dos danos morais. Com contrarrazões, subiram os autos a esta E. Corte Federal. É O RELATÓRIO. DECIDO. Por estarem presentes os requisitos estabelecidos na Súmula/STJ n.º 568 e nos limites defluentes da interpretação sistemática das normas fundamentais do processo civil (artigos 1º ao 12) e artigo 932, todos do Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015), passo a decidir monocraticamente, em sistemática similar do que ocorria no antigo CPC/73. O julgamento monocrático atende aos princípios da celeridade processual e da observância aos precedentes judiciais, ambos contemplados na novel legislação processual civil, e tal qual no modelo antigo, é passível de controle por meio de agravo interno (artigo 1.021 do CPC/2015), cumprindo o princípio da colegialidade. Realizadas tais considerações, consigno que objetiva a parte autora a reparação de danos materiais e morais em razão de saques fraudulentos em sua conta bancária. Narra a parte autora que, em 14/06/2021, recebeu um SMS informando que um Pix no valor de R$400,00 havia sido realizado em sua conta bancária, sem que a autora tivesse efetivado ou autorizado qualquer tipo de transação. Ato contínuo, ao abrir seu aplicativo do banco, constatou que teriam sido realizadas 3 (três) transações bancárias (2 Pix e 1 TED) de sua conta bancária, sem sua autorização, nos valores de R$21.000,00 (Pix) R$30.000,00 (TED) e R$400,00 (Pix). Sustenta que, desde logo, percebendo que foi vítima de fraude, imediatamente tomou as devidas providências junto à agência bancária, realizou boletim de ocorrência, protocolou reclamação junto ao Banco Central e abriu reclamação via PROCON, no entanto, as tentativas de solução para o caso restaram infrutíferas. Da responsabilidade civil Inicialmente, ressalta-se a aplicação do CDC ao caso em apreço, nos termos da Súmula 297/STJ (“O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”). De acordo com o art. 14, §3º, II, do CDC, há responsabilidade objetiva das instituições financeiras pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeito relativos à prestação dos serviços, exceto quando comprovado que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste ou demonstrado a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros. Ainda, nos termos da Súmula 479 do STJ: “As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativos a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito das operações bancárias”. Portanto, tratando-se de responsabilidade objetiva, desnecessária a verificação da existência de culpa na prestação do serviço, devendo ser comprovado apenas o nexo de causalidade entre a conduta e o dano sofrido. Nesse sentido, necessário verificar se, no caso em apreço, existiu falha na prestação do serviço em decorrência da fraude perpetrada, bem como se houve culpa exclusiva ou concorrente do consumidor a ensejar a causa de exclusão ou redução do dever de indenizar. Debruçando-se sobre os autos, não verifico razões para reforma da r. sentença, a qual muito bem analisou a matéria. Registra-se que a parte autora, por meio dos extratos bancários anexados ao feito, comprovou que foram realizadas movimentações financeiras atípicas em sua conta, na data de 14/06/2021, por meio do envio de um TED no valor de R$ 21.000,00; PIX no valor de R$ 30.000,00 e; um PIX no valor de R$ 400,00, no interregno de sessenta minutos, as quais não reconhece como suas. Com efeito, encontra-se demonstrada a verossimilhança de suas alegações, até porque tão logo soube das transferências adotou as medidas que lhe cabiam para evitar o mal maior, com a instauração de procedimento administrativo para a análise dos débitos e apuração de fraude, bem como também lavrou Boletim de Ocorrência. Outrossim, vale ressaltar que a parte autora teve sua conta esvaziada em um curto período de tempo, o que é indicativo de fraude, tendo em vista o comum modus operandi dos criminosos. Destaca-se, ainda, a conclusão do perito nomeado pelo juízo que corrobora assertivamente com os argumentos expostos pela demandante: “Desta forma, baseando-se nas provas palpáveis concedidas a este perito, conclui-se que não foi do aparelho Samsung, modelo Galaxy A20s, de sistema operacional Android, da requerente Mariana Eusébio Ferreira que foi realizada a movimentação financeira reclamada pela requente do dia 14/06/2021.” A par disso, interessante se faz acrescentar que é da essência da atividade bancária que ela seja segura (inteligência da Lei n° 7.102, de 20 de junho de 1983), inspirando confiança de quem dela depende. Desta feita, cabe à instituição financeira garantir a segurança e a confiabilidade das atividades realizadas inclusive pelos meios eletrônicos, impedindo que seus sistemas sejam indevidamente utilizados. Nesse sentido, o serviço bancário é contratado para ser prestado àquele que celebrou o negócio com a financeira. Qualquer outro indivíduo, ainda que portando cartão e senha do contratante, não está autorizado a movimentar numerário, pois não é o destinatário da atividade de fornecimento contratada e, logo, não pode dela se beneficiar. Assim, se um sujeito, manipulando os meios tecnológicos unilateralmente eleitos pela ré, desvia numerário pertencente ao consumidor, quem deve arcar com os ônus dessa indesejada situação é a financeira, conhecedora da atividade empresarial que exerce e que dela normalmente colhe frutos na forma de lucros. A propósito de prova em caso de alegada fraude bancária, já decidiu o E. Superior Tribunal de Justiça, reconhecendo a possibilidade de violação dos sistemas bancários, que a imputação de autoria de transações contestadas ao consumidor depende de demonstração técnica, a cargo do fornecedor, não havendo que se falar em decisão surpresa, seja porque o entendimento mencionado é conhecido pela CEF, seja porque o que se aplicou foi a letra da lei, que ela deve conhecer. In verbis: Consumidor. Saque indevido em conta corrente. Cartão bancário. Responsabilidade objetiva do fornecedor de serviços. Inversão do ônus da prova. - Debate referente ao ônus de provar a autoria de saque em conta corrente, efetuado mediante cartão bancário, quando o correntista, apesar de deter a guarda do cartão, nega a autoria dos saques. - Reconhecida a possibilidade de violação do sistema eletrônico e, tratando-se de sistema próprio das instituições financeiras, ocorrendo retirada de numerário da conta corrente do cliente, não reconhecida por este, impõe-se o reconhecimento da responsabilidade objetiva do fornecedor do serviço, somente passível de ser ilidida nas hipóteses do § 3º do art. 14 do CDC. - Inversão do ônus da prova igualmente facultada, tanto pela hipossuficiência do consumidor, quanto pela verossimilhança das alegações de suas alegações de que não efetuara o saque em sua conta corrente. Recurso não conhecido. (REsp nº 557.030/RJ, 3ª Turma, rel. Min. Nancy Andrighi, DJ 01/02/2005, p. 542). Compulsando os autos, verifica-se que as movimentações são claramente atípicas e com perfil fraudulento facilmente identificável, de modo que, nesse momento, a CEF já deveria ter bloqueado o dispositivo e impedido novas transferências, mas, ainda assim, foi permitida a realização de diversas operações. Consigno que o col. STJ já decidiu que “comprovado o vazamento de dados por culpa da instituição financeira, será dela, em regra a responsabilidade pela reparação integral de eventuais danos” (REsp n. 1.995.458/SP, Terceira Turma, julgado em 9/8/2022, DJe de 18/8/2022). Embora seja impossível comprovar que o vazamento decorreu diretamente da instituição financeira, até porque pode ser fruto do furto de dados, por meio de ataques cibernéticos, ou adquiridos por meios diversos, tenho que os elementos do caso concreto devem ser levados em conta a fim de valorar a sua responsabilização. Assim, pela forma como as operações foram realizadas, não deixa dúvida de que houve defeito na prestação do serviço, porquanto houve notório vazamento de informações pessoais do cliente, somado ao fato de que foi levantado uma significativa quantia em apenas um dia, sem as devidas cautelas de segurança prestadas pela instituição financeira. Frisa-se que é dever da instituição financeira verificar a regularidade e idoneidade das transações, desenvolvendo meios a fim de dificultar fraudes. Destaque-se que a ocorrência de fraudes ou delitos contra o sistema bancário, dos quais resultam danos a terceiros ou a correntistas, fazem parte do próprio risco do empreendimento, que se caracteriza como fortuito interno, devendo a instituição financeira zelar pela legitimidade e segurança dos serviços colocados à disposição ao consumidor. Anoto que deve ser afastada qualquer alegação de culpa concorrente da vítima. Alinho-me ao entendimento firmado no REsp 1.995.758/SP de que, para que seja possível a redução da indenização em face da culpa concorrente da vítima, deve o consumidor assumir e potencializar, conscientemente, o risco de vir a sofrer danos. Nesse sentido, tenho que o nexo de causalidade está evidenciado entre o dano sofrido pelo consumidor e a conduta do banco, levando-se em conta que a fraude poderia ter sido evitada se os criminosos não tivessem acesso às informações bancárias da parte autora, bem como a instituição financeira tivesse identificado as movimentações atípicas e adotado as medidas de segurança necessárias, uma vez que detém todo o perfil histórico-financeiro da parte autora, e estas fogem completamente do seu padrão de consumo. Dessa maneira, havendo comprovação do defeito na prestação dos serviços pela instituição financeira, é de rigor a sua responsabilização e ressarcimento dos prejuízos materiais suportados pela parte autora. No mesmo sentido, cito precedente do c. STJ: CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE REPARAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E DE COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. OCORRÊNCIA DE SAQUES INDEVIDOS DE NUMERÁRIO DEPOSITADO EM CONTA POUPANÇA. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. ART. 6º, VIII, DO CDC. POSSIBILIDADE. HIPOSSUFICIÊNCIA TÉCNICA RECONHECIDA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO FORNECEDOR DE SERVIÇOS. ART. 14 DO CDC. 1. Trata-se de debate referente ao ônus de provar a autoria de saque em conta bancária, efetuado mediante cartão magnético, quando o correntista, apesar de deter a guarda do cartão, nega a autoria dos saques. 2. O art. 6º, VIII, do CDC, com vistas a garantir o pleno exercício do direito de defesa do consumidor, estabelece que a inversão do ônus da prova será deferida quando a alegação por ele apresentada seja verossímil ou quando for constatada a sua hipossuficiência. 3. Reconhecida a hipossuficiência técnica do consumidor, em ação que versa sobre a realização de saques não autorizados em contas bancárias, mostra-se imperiosa a inversão do ônus probatório. 4. Considerando a possibilidade de violação do sistema eletrônico e tratando-se de sistema próprio das instituições financeiras, a retirada de numerário da conta bancária do cliente, não reconhecida por esse, acarreta o reconhecimento da responsabilidade objetiva do fornecedor do serviço, somente passível de ser ilidida nas hipóteses do § 3º do art. 14 do CDC. 5. Recurso especial não provido. (REsp n. 1.155.770/PB, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 15/12/2011, DJe de 9/3/2012.). Do dano moral Por sua vez, a propósito de dano moral, Wilson Mello da Silva (O Dano Moral e a sua Reparação, Rio, 1955) preleciona que "são lesões sofridas pelo sujeito físico ou pessoa natural de direito em seu patrimônio ideal, entendendo-se por patrimônio ideal, em contraposição a patrimônio material, o conjunto de tudo aquilo que não seja suscetível de valor econômico". E, complementa Clóvis Beviláqua (Código Civil dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, Editora Rio, edição histórica, 7ª tiragem), que o dano "é moral, quando se refere a bens de ordem puramente moral, como a honra, a liberdade, a profissão, o respeito aos mortos". A par disso, a Constituição Federal de 1988, no seu artigo 5º, inciso V, dispõe que é assegurada a indenização por dano material, moral ou à imagem; sendo certo que, no plano da legislação infraconstitucional, o Código Civil de 2002, dispõe, no seu artigo 186, que aquele, que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito; sendo, pois, francamente admitida a reparação do evento danoso de ordem moral. Aliás, na doutrina consolidou-se, desde há muito tempo, o entendimento da necessidade de indenização do dano moral, como se verifica, verbi gratia, em Sílvio Rodrigues (Direito Civil, Saraiva, São Paulo, 1985, 9ª ed., p. 206), Orlando Gomes (Introdução ao Direito Civil, Forense, Rio, 1983, p. 129) e em clássicos como Clóvis Beviláqua, Pontes de Miranda e Philadelpho Azevedo (apud, Sílvio Rodrigues opus cit). Também no âmbito da jurisprudência, o Colendo Supremo Tribunal Federal, passou a admitir a indenização por danos morais, sem qualquer ressalva, a partir do voto proferido pelo então Ministro Moacyr Amaral Santos, em 29.10.1970, cuja ementa deixou exarado que "inclui-se na condenação a indenização dos lucros cessantes e do dano moral, além das despesas de funeral, luto e sepultura" (RTJ, 56/733). A jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça consolidou-se no mesmo sentido, como atesta o seguinte julgado: "dano moral puro. Caracterização. Sobrevindo, em razão de ato ilícito, perturbação nas relações psíquicas, na tranqüilidade, nos sentimentos e nos afetos de uma pessoa, configura-se o dano moral, passível de indenização" (REsp nº. 8.768-0/SP, rel. Min. Barros Monteiro, Ementário do STJ nº. 5/122). No que toca ao pedido de indenização por dano moral, verifico que os elementos dos autos são evidentes no sentido de comprovar que os prejuízos sofridos pela parte autora ultrapassaram a esfera do mero dissabor. Anota-se que, a despeito do registro do boletim de ocorrência e abertura de contestações junto à requerida, a ré negou o ressarcimento dos danos sofridos pelo consumidor, afirmando que não houve indícios de fraude eletrônica. Conforme amplamente demonstrado, a parte autora foi vítima de fraude por meio do qual, por falha no dever de segurança da instituição financeira, foi permitido o levantamento de praticamente todos os seus recursos. Dessa forma, é de rigor seja a ré condenada ao pagamento de danos morais, porquanto a conduta evidenciada afetou amplamente a sua esfera extrapatrimonial, superando, e muito, o mero aborrecimento. Assim, entendo que a condenação ao pagamento de dano imaterial no valor de R$ 10.000,00 revela-se como quantia perfeitamente compatível com o caso e de acordo com os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, não ensejando o enriquecimento sem causa e visando a reparação justa do ilícito perpetuado. A corroborar a tese versada, cito os seguintes precedentes: APELAÇÃO. CÍVEL. CONSUMIDOR. CONTRATOS BANCÁRIOS. TRANSFERÊNCIAS INDEVIDAS. FRAUDE. ATIVIDADE BANCÁRIA. EXPECTATIVA DE SEGURANÇA E CONFIABILIDADE. DEVER DE VIGILÂNCIA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA MANTENEDORA DO SALDO. INOBSERVÂNCIA. DEVER DE REPARAR. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I - O artigo 6º, VIII, do CDC arrola, entre os direitos básicos do consumidor, a inversão do ônus da prova, a seu favor no processo civil. Trata o dispositivo em análise de direito processual assegurado aos consumidores que se fará possível quando presentes duas hipóteses, cumpre ressaltar, não cumulativas, a saber: verossimilhança da alegação ou hipossuficiência do consumidor. Hipossuficiente para os fins ora propostos é aquele que, ao menos na teoria, não reúne condições adequadas para litigar em igualdade dentro de uma relação jurídico-processual. II - O artigo 14 do CDC dispõe sobre a responsabilidade do fornecedor de serviços que responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. A vítima do evento equipara-se à condição de consumidora, a teor do art. 17 do CDC. III - Para que exista o dever de reparação, são imprescindíveis, mesmo quando independer da culpa, os demais elementos que compõem a responsabilidade civil e geram o dever de indenizar, a saber, a ação ou omissão do agente, o nexo de causalidade e o dano (material ou moral), nos termos dos artigos 186 e 927 do Código Civil. IV - É da essência da atividade bancária que ela seja segura (inteligência da Lei n° 7.102, de 20 de junho de 1983), inspirando confiança de quem dela depende. É o que entende o E. Superior Tribunal de Justiça: (REsp 605.088/MT, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 13/09/2005, DJ 03/10/2005, p. 243). V - Neste mesmo sentido, o enunciado da Súmula n. 479 do E. STJ assevera que "As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias.". Como precedentes que deram origem à referida súmula, colhem-se, dentre outros, os seguintes julgados, que exemplificam hipóteses do chamado "fortuito interno". VI - Cabe à instituição financeira garantir a segurança e a confiabilidade das atividades realizadas inclusive pelos meios eletrônicos, impedindo que seus sistemas sejam indevidamente burlados e/ou utilizados por terceiros fraudadores que tentem se passar por correntista. O serviço bancário é contratado para ser prestado àquele que celebrou o negócio com a financeira. Qualquer outro indivíduo, ainda que portando cartão e senha do contratante, não está autorizado a movimentar numerário, pois não é o destinatário da atividade de fornecimento contratada e, logo, não pode dela se beneficiar. VII - Como é notório, se um sujeito apresentar-se em balcão de atendimento em agência bancária com cartão magnético que não é seu, não lhe será permitida a movimentação da conta, ainda que ele saiba a senha (salvo se autorizado, por exemplo, por procuração ou decisão judicial). Isso ocorre pois ele não é o correntista. Mesmo se o próprio correntista apresentar-se em balcão de agência, o balconista provavelmente exigirá a apresentação de um documento pessoal com foto antes de liberar algum numerário. De igual modo, espera-se cuidado da instituição financeira quando tratar com o correntista através dos meios eletrônicos/telemáticos. VIII - A título de exemplo, como é cediço, a depender da modalidade de transação e do equipamento utilizado (se microcomputador, se smartphone, ou mesmo caixa eletrônico), as financeiras têm exigido informações complementares do usuário/correntista, como telefonemas, códigos (alfa)numéricos enviados por mensagem de texto (SMS), confirmação por aplicativo e até biometria, tudo com a finalidade de aumentar o grau de certeza de que se está tratando com pessoa autorizada a movimentar a conta bancária. Todavia, a mera existência desses aparatos tecnológicos não induz à automática conclusão de que os sistemas bancários são infalíveis ou impenetráveis, cabendo à instituição financeira, conhecedora dos meios produtivos que detém, a prova, no caso concreto, de que não houve falha de sua parte (inteligência do art. 14 do CDC). IX - Anoto que as tabelas e fotos de tela comumente juntadas pelas financeiras apenas registram datas e códigos, mas não esclarecem a metodologia científica empregada para concluir de modo irrefutável se foi o correntista que deu tais comandos ou se foi um terceiro, por falha de segurança imputável ao fornecedor, que poderia ter exigido confirmações adicionais de identidade para impedir o ingresso indevido em seu sistema eletrônico. X - Não tendo sido comprovado que foi a autora que movimentou a conta bancária, a única destinatária possível, a liberação de numerário a um terceiro, com ou sem cartão magnético e senha, corresponde a falha na prestação do serviço na modalidade segurança. XI - Quanto ao dano material, estando provada a relação causal entre o ilícito e o prejuízo experimentado pela parte autora, decorre daí o dever de restituir os valores indevidamente retirados da conta bancária, de maneira simples, e não em dobro. Isso porque, segundo jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça, a condenação da parte à repetição do indébito pressupõe a existência de má-fé. Ainda, a restituição deve ocorrer nos limites do que efetivamente comprovado nos autos a título de desembolso, vedada a fase de liquidação de sentença para a juntada de documentos que já deveriam ter acompanhado a petição inicial. A correção monetária e os juros de mora para o dano material devem ser calculados desde a data do evento danoso conforme o teor das Súmula 43 e 54 do STJ. XII - A propósito de dano moral, Wilson Mello da Silva (O Dano Moral e a sua Reparação, Rio, 1955) preleciona que "são lesões sofridas pelo sujeito físico ou pessoa natural de direito em seu patrimônio ideal, entendendo-se por patrimônio ideal, em contraposição a patrimônio material, o conjunto de tudo aquilo que não seja suscetível de valor econômico". E, complementa Clóvis Beviláqua (Código Civil dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, Editora Rio, edição histórica, 7ª tiragem), que o dano "é moral, quando se refere a bens de ordem puramente moral, como a honra, a liberdade, a profissão, o respeito aos mortos". XIII - Com efeito, tenho que os fatos estão suficientemente provados nos autos e apontam que a parte autora foi atingida em seus direitos da personalidade, tendo isso ocorrido em razão da conduta negligente da ré, que causou sentimentos como intranquilidade e angústia, privando a parte autora de acesso ao seu patrimônio, em virtude falha na prestação do serviço. XIV - Se, de um lado, o valor da indenização deve ser razoável, visando à reparação mais completa possível do dano moral, de outro, não deve dar ensejo a enriquecimento sem causa. Logo, o valor da indenização não pode ser exorbitante, nem valor irrisório, devendo-se aferir a extensão da lesividade do dano. Em face disso, e atento às circunstâncias do caso concreto, a indenização pelo dano moral deve ser fixada em quantum que traduza legítima reparação à vítima e justa punição à ofensora. Assim sendo, entendo que, no caso, a quantia de R$ 10.000,00 (dez mil reais) mostra-se suficiente o bastante para atingir às finalidades da reparação. XV - Apelação parcialmente provida. (TRF 3ª Região, 1ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5004804-93.2021.4.03.6102, Rel. Desembargador Federal VALDECI DOS SANTOS, julgado em 25/11/2022, DJEN DATA: 29/11/2022) “PROCESSUAL CIVIL, CIVIL E CONSUMIDOR. OMISSÃO DA PARTE DISPOSITIVA DA SENTENÇA SUPRIDA. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. SAQUE INDEVIDO. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. FRAUDE PERPETRADA POR TERCEIROS. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA CEF. FORTUITO INTERNO. SÚMULA 479 DO STJ. DANO MORAL CARACTERIZADO. VALOR DA INDENIZAÇÃO ARBITRADO DENTRO DOS PARÂMETROS LEGAIS E JURISPRUDENCIAIS. RECURSO DE APELAÇÃO DA CEF NÃO PROVIDO. RECURSOS DE APELAÇÃO DO INSS E DO AUTOR PROVIDOS. 1. Sentença foi omissa quanto à inclusão, na parte dispositiva do decisum, da improcedência dos pedidos em relação ao INSS, conforme a fundamentação esposada pelo Juízo. A oposição de embargos de declaração não surtiu efeito quanto à citada omissão. 2. Não se pode rever o mérito da r. sentença, no ponto, diante da não interposição de recurso do autor nesse sentido, bem como considerada a vedação da reformatio in pejus. Assim, o recurso de apelação deve ser provido para que se considere incluída, na parte dispositiva da r. sentença, o julgamento de improcedência dos pedidos formulados pelo autor contra o INSS, bem como para o arbitramento dos pertinentes honorários advocatícios. 3. Não merece provimento o apelo da CEF. A responsabilidade civil das instituições financeiras é objetiva, aplicando-se a elas as normas protetivas constantes do Código de Defesa do Consumidor. Súmula 297 do C. STJ. 4. A responsabilidade objetiva fundamenta-se na teoria do risco do empreendimento, pela qual o fornecedor tem o dever de responder por eventuais vícios ou defeitos dos bens ou serviços disponibilizados no mercado de consumo, independentemente de culpa (art. 14 do CDC). 5. Não obstante ser prescindível a comprovação do elemento subjetivo, impõe-se ao prejudicado demonstrar o preenchimento dos requisitos essenciais da responsabilidade civil, quais sejam: a deflagração de um dano, a conduta ilícita do prestador de serviço, bem como o nexo de causalidade entre o defeito e o agravo sofrido. 6. Pressupostos plenamente configurados no caso dos autos. A documentação acostada, especialmente o contrato de abertura de conta e o de crédito consignado, permite concluir pela falsificação dos documentos apresentados pelos fraudadores. De fato, as fotos e assinaturas constantes dos documentos exibidos à instituição financeira diferem das presentes nos documentos do autor. Saliento, ademais, a divergência entre o endereço declarado pelo terceiro fraudador e o endereço do autor. 7. A hipótese trata, portanto, daquilo que a doutrina e a jurisprudência denominam de fortuito interno, isto é, o acontecimento, ainda que provocado por terceiros, que diz respeito à atividade profissional desenvolvida pelo prestador de serviços e aos riscos a ela inerentes. 8. Em casos tais, e ao contrário do que acontece com o fortuito externo – entendido como o fato que não tem qualquer relação com a atividade desenvolvida pelo fornecedor/prestador de produtos/serviços – a responsabilidade objetiva preceituada pela legislação consumerista resta perfeitamente caracterizada, não havendo que se falar na excludente relativa à culpa exclusiva de terceiro (CDC, art. 14, § 3º, II). 9. Especificamente quanto às fraudes bancárias, o C. Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento sobre a matéria por meio do enunciado da Súmula 479. Não tendo a CEF apresentado, em suas razões recursais, quaisquer motivos aptos a infirmar as conclusões esposadas pela r. sentença, de rigor sua manutenção. 10. A apelação do autor merece ser provida. Anoto que o artigo 5º, inciso X da Constituição Federal garante, expressamente, a todos que sofram violação do direito à imagem, à intimidade, à vida privada e à honra, a indenização por danos morais, inclusive as pessoas jurídicas (Súmula 227 STJ). 11. De acordo com a melhor doutrina e com o entendimento sedimentado nas cortes superiores, dano moral é a lesão a direito da personalidade. Em outros termos: corresponde a toda violação ao patrimônio imaterial da pessoa no âmbito das suas relações de direito privado. 12. No presente caso, os elementos dos autos evidenciam que o saque do benefício previdenciário, bem como a realização de empréstimo consignado, de modo fraudulento, maculou a esfera extrapatrimonial do autor. É fato que se distancia, e muito, de um mero aborrecimento cotidiano, uma vez que houve saque indevido de quantia um pouco acima de trinta mil reais, de uma pessoa que, claramente, não goza de uma situação financeira privilegiada. Não se pode concluir, de modo algum, que o saque, mediante fraude, de valor significativo e proveniente de verba de caráter alimentar, constitua um simples dissabor. Precedentes deste E. Tribunal Regional Federal. 13. Analisando o interesse jurídico lesado e examinando as circunstâncias do caso concreto – especialmente a condição econômica do autor, bem como o fato de se tratar, aqui, de saque indevido de verba de caráter alimentar, arbitro o montante de R$ 10.000,00 (dez mil reais), valor que não implica em enriquecimento sem causa da parte lesada; serve ao propósito de evitar que a CEF incorra novamente na mesma conduta lesiva; e, por fim, respeita os critérios da proporcionalidade e razoabilidade. Os juros de mora incidem a partir do evento danoso, e a correção monetária será aplicada desde a data do arbitramento (Súmula 362 STJ), pelos índices previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal. 14. Apelações do autor e do INSS providas. Apelação da CEF não provida. (TRF 3ª Região, 1ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5021052-48.2018.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal HELIO EGYDIO DE MATOS NOGUEIRA, julgado em 16/07/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 21/07/2020)” Isso posto, nego provimento ao recurso de apelação da Caixa Econômica Federal e nego provimento ao recurso adesivo da parte autora. Mantida a condenação da CEF a pagar honorários de advogado, cujo percentual majoro em 2% (dois por cento), observada a base de cálculo estabelecida na sentença. Saliento, por fim, que eventuais recursos opostos com o intuito de rediscutir as questões de mérito já definidas no julgado serão considerados meramente protelatórios, cabendo a aplicação de multa conforme dispositivos do Código de Processo Civil. Decorrido o prazo recursal, tornem os autos ao Juízo de origem. Intimem-se. Publique-se. São Paulo, 9 de abril de 2025.
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear