Processo nº 5022453-61.2024.4.04.7000
ID: 291837461
Tribunal: TRF4
Órgão: 11ª Vara Federal de Curitiba
Classe: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CíVEL
Nº Processo: 5022453-61.2024.4.04.7000
Data de Disponibilização:
06/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ALEXSSANDRA SALDANHA CABRAL
OAB/PR XXXXXX
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PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL Nº 5022453-61.2024.4.04.7000/PR
AUTOR
: ELAINE NEMER
ADVOGADO(A)
: ALEXSSANDRA SALDANHA CABRAL (OAB PR073948)
DESPACHO/DECISÃO
I - RELATÓRIO
Converto o julgame…
PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL Nº 5022453-61.2024.4.04.7000/PR
AUTOR
: ELAINE NEMER
ADVOGADO(A)
: ALEXSSANDRA SALDANHA CABRAL (OAB PR073948)
DESPACHO/DECISÃO
I - RELATÓRIO
Converto o julgamento em diligência.
Em 09/04/2024, nos
autos n. 0014006-90.2024.8.16.0182
, perante a Justiça Estadual,
ELAINE NEMER
deflagrou demanda sob o rito dos Juizados Especiais, em face do CENTRO INTEGRADO DE ENSINO LTDA e do ESTADO DO PARANÁ, pretendendo a condenação dos demandados a emitirem a segunda via do
diploma de técnico
em enfermagem, sem a imposição de realização de exames complementares, e a condenação dos requeridos à reparação dos danos morais que ela alegou ter suportado.
A requerente sustentou, para tanto, que teria concluído o curso de técnico em enfermagem junto à instituição de ensino demandada, em 24/10/2012, e estar inscrita junto ao Conselho Regional de Enfermagem - COREN-PR e exercendo a profissão junto à Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Curitiba. Ao tentar renovar seu registro junto ao conselho profissional, por força do seu vencimento previsto para 09/05/2024, teria sido exigida a apresentação do diploma ou certificado registrado junto à Secretaria Estadual de Educação do Paraná, sob pena e suspensão da inscrição e eventual apuração do exercício irregular da profissão.
O COREN-PR teria comunicado à autora que tal exigência seria decorrente da aparente ausência de registro do diploma e certificado de conclusão do curso técnico junto ao MEC. Por sua vez, ela estaria tendo dificuldades de obter informações, na medida em que a instituição de ensino demandada não estaria mais em atividade e o Estado do Paraná teria se limitado a informar que o Centro de Educação Profissional Integrado estaria irregular junto à Secretaria Estadual de Educação.
Ela discorreu sobre a competência do Juízo Estadual para a causa, por se tratar de expedição de diploma de curso técnico, cuja autorização e fiscalização competiria ao Estado do Paraná. Postulou a concessão de tutela de urgência, requereu a concessão da justiça gratuita, detalhou seus pedidos e atribuiu à causa o valor de R$ 30.000,00, anexando documentos.
O processo foi distribuído ao 15º Juizado Especial da Fazenda Pública de Curitiba, autos 0014006-90.2024.8.16.0182, que determinou à autora que emendasse a peça inicial, a fim de endereçar a pretensão ao COREN-PR (eventom1, INIC1, p. 50/51). A autora emendou a inicial, (ev. 1, INIC1, p. 58), sendo o COREN e o Estado do Paraná intimados para, querendo, manifestarem-se a respeito do pedido de provimento de urgência.
O COREN invocou sua ilegitimidade passiva e pediu a remessa dos autos à Justiça Federal (mov. 1, INIC1, p. 76/77). O Estado do Paraná sustentou a incompetência da Justiça Estadual para o processamento da demanda, dada a inclusão do COREN no polo passivo, e disse que estariam ausentes os requisitos para a concessão da antecipação de tutela (evento 1, INIC1, p. 80-84). A autora postulou que a causa fosse mantida sob a alçada da Justiça Estadual e reiterou o pedido de antecipação (ev. 1, INIC1, p. 92-99).
O Juízo Estadual declinou da competência a favor da Justiça Federal (ev.1, INIC1, p. 102/103). Os autos foram redistribuídos ao presente Juízo, por sorteio, em 28 de maio de 2024.
No movimento 5, promovi a prelibação da peça inicial e deferi a antecipação de tutela, determinando que o COREN mantivesse a inscrição provisória da autora nos quadros daquela entidade, a fim de que ela pudesse continuar a exercer a função de técnica em enfermagem. Ressalvei à aludida autarquia deixar de promover tal inscrição, caso haja algum outro motivo legalmente previsto para tanto, diverso da não apresentação do diploma registrado do curso de técnico em enfermagem. Em tal caso, porém, isso deverá ser informado ao presente Juízo com redobrada urgência.
No evento 13, certifiou-se a inviabilidade de citação do Centro Integrado de Ensino Ltda. Sustentou-se que a alegada responsável pela empresa, sra. Verginia Aparecida Mariani, teria falecido (evento 21). Por seu turno, o Estado do Paraná sustentou que, segundo
"despacho emanado da Diretoria de Planejamento e Gestão Escolar da Secretaria de Estado da Educação do Paraná- SEED, a autora desistiu do Curso de Técnico de Enfermagem em 2012. Sendo assim, o diploma de conclusão do curso foi emitido erroneamente, à época, pelo Centro Integrado de Ensino."
Acrescentou que
"o diploma apresentado pela autora possui dados que não condizem com a realidade. O carimbo no diploma trazido pela contraparte afirma ter sido publicado, no Diário Oficial, na Edição nº 8779 em 02/01/2013. Porém, a data da edição do Diário Oficial de nº 8779 é 17/08/2012. Não houve nenhuma publicação do Diário Oficial na data trazida pela autora."
Seguiu-se resposta do Estado do Paraná, alegando que a autora não teria interesse processual, pois teria desistido do curso de enfermagem ao longo de 2012. O diploma de conclusão do curso teria sido emitido de modo errôneo. Reportou-se à informação de evento 16, outros-2. Repisou que o diploma apresentado pela autora apresentaria dados falsos. Enfatizou que, diante da desistência do curso, pela requerente, ela não faria jus ao diploma e não haveria danos morais a serem reparados neste processo.
O COREN sustentou que a autora apenas lhe teria endereçado a pretensão de inscrição junto à autarquia, não possuindo portanto legitimidade para discussões a respeito da emissão, registro de diploma ou reparação de danos morais - evento 23. Ontem, dia 04 de junho de 2025, a autora sustentou que seu pedido de renovação da inscrição junto ao Conselho de classe teria sido indeferido:
"em contato com o COREN/PR – Conselho Regional de Enfermagem do Paraná, foi novamente negado a renovação da inscrição provisória da autora pelo conselho, desta vez sob a alegação que a liminar do r. Juízo está datada de 06/06/2024 e que seria válida apenas para manter válida a inscrição da autora naquele ano e não nos próximos."
Juntou arquivos de áudio e diálogos travados por meio de whats.
Os autos vieram conclusos.
II - FUNDAMENTAÇÃO
2.1.
Competência
da Justiça Federal - considerações gerais:
Como sabido, a Justiça Especial é caracterizada pela aplicação de leis processuais próprias, a exemplo do que ocorre com a Justiça Eleitoral, com a Justiça do Trabalho e com a Justiça Militar da União e Militar dos Estados. A Justiça Federal é considerada, por conta desse critério, uma espécie de Justiça Comum, tanto quanto se dá com a Justiça Estadual.
Com efeito, conquanto a Justiça Federal esteja destinada a apreciar demandas em que a União Federal, autarquias federais ou empresas públicas federais figurem como autoras, requeridas, assistentes ou oponentes - exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho (art. 109, I, CF) -, isso se dá com a aplicação das mesmas normas processuais incidentes no âmbito da Justiça Comum Estadual.
Em que pese a Justiça Federal seja justiça comum, a sua competência foi detalhada nos arts. 108 e 109 da Constituição Republicana. Importa dizer: as suas atribuições não podem ser ampliadas ou restringidas pela legislação infraconstitucional, exceção feita aos casos expressa ou implicitamente franqueados pela própria Lei Maior, a exemplo da cláusula do art. 109, VI, Constituição Republicana/88 e da súmula 122, STJ.
Convém mencionar novamente o art. 109, I, Constituição Federal/88:
"
Aos juízes federais compete processar e julgar (...) as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho
."
Percebe-se facilmente, em face disso, que a competência da Justiça Federal não é fixada simplesmente pelo fato de que a União, empresas públicas ou autarquias federais tenham interesses econômicos ou de outra ordem relacionados ao processo.
"
O interesse da União deve ser qualificado. Há de ser jurídico, não de mero fato ou adjuvandum tantum
."
(CARVALHO, Vladimir Souza.
Competência
da Justiça Federal.
4. ed. Curitiba: Juruá, 2001. p. 36)
Esse entendimento está na origem, por sinal, da conhecida súmula 251 do STF:
"Responde a Rede Ferroviária Federal S.A. perante o foro comum e não perante o Juízo Especial da Fazenda Nacional, a menos que a União intervenha na causa."
Menciono também a súmula 61 do extinto Tribunal Federal de Recursos - TFR, cujos fundamentos permanecem válidos:
"
Para configurar a
competência
da Justiça Federal, e necessário que a União, Entidade Autárquica ou Empresa Pública Federal, ao intervir como assistente, demonstre legítimo interesse jurídico no deslinde da demanda, não bastando a simples alegação de interesse na causa
."
Ora, dado que a lei não pode ser interpretada como se veiculasse palavras inúteis (
verba cum
effectu
sunt
accipienda
), a menção que a Constituição faz à condição de autor, requerido, oponente ou assistente (art. 109, I, CF) não pode ser abstraída pelo intérprete. Em princípio, a causa apenas poderá tramitar perante a Justiça Federal quando algum dos entes federais, assim conceituados no art. 109 da Constituição, ocupar, ou quando deva ocupar uma dessas posições processuais.
PROCESSUAL CIVIL.
COMPETÊNCIA.
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. 1.
A
competência
da Justiça Federal é definida, segundo disposto no inciso I do artigo 109 da Lei Fundamental, pela participação da União, autarquia ou empresa pública federal em uma das quatro posições processuais nele referidas
. 2. Não havendo, na ação civil pública onde proferido o ato jurisdicional impugnado, participação da União, autarquia ou empresa pública federal como autora, ré, assistente ou opoente, a competência
para seu
processo
e julgamento toca à Justiça Comum Estadual. 3. Agravo a que se nega provimento. (AG 200101000106519, JUIZ CARLOS MOREIRA ALVES,
TRF1
- SEGUNDA TURMA, DJ DATA:19/11/2001 PAGINA:163.)
Daí a necessidade de se aferir, não raro, se algum dos entes federais, relacionados no art. 109, I, CF/88, ocupa - ou se deve ocupar - a função de demandante, demandado, assistente ou oponente. Em muitos casos, isso se dá em situações de litisconsórcio passivo necessário, conforme arts. 114 e 115, CPC/15. Por outro lado, cuida-se de tema submetido ao exame da própria Justiça Federal ou do Superior Tribunal de Justiça - quando suscitado conflito de competência -, conforme conhecidas súmulas 150 e 224 e 254, STJ:
Súmula 150, STJ -
Compete à Justiça Federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que justifique a presença, no
processo
, da União, suas autarquias ou empresas públicas
.
Súmula 224, STJ - Excluído do feito o ente federal, cuja presença levara o Juiz Estadual a declinar da competência, deve o Juiz Federal restituir os autos e não suscitar conflito.
Súmula 254, STJ - A decisão do Juízo Federal que exclui da relação processual ente federal não pode ser reexaminada no Juízo Estadual.
Assim, exceção feita aos mandados de segurança - submetidos a regras próprias (art. 108, I, "c" e art. 109, VIII, Constituição/88) -, na temática cível a competência da Justiça Federal deverá ser reconhecida quando se tratar de pretensão deduzida por entes federais (União Federal, autarquias federais ou empresas públicas federais) ou quando se tratar de pretensão que lhes seja endereçada. Quanto ao tópico, no mais das vezes, não surgem grandes controvérsias, cuidando-se de simples aplicação da lógica do art. 17, CPC/15. Problemas podem surgir quanto se trata de litisconsórcio, oposição ou assistência, conforme disposto nos mencionados arts. 114, 115, 119, CPC/15.
2.2.
Litisconsórcio passivo necessário - considerações gerais:
O litisconsórcio previsto inicialmente no art. 47, CPC/1973 e atualmente no art. 114, CPC/2015, decorre da lógica do
inauditus damnare potest,
imposto pelo art. 5º, LIV e LV, CF. A sentença apenas faz coisa julgada entre as partes, conforme art. 506, CPC/15, exceção feita à regra do art. 109. CPC/15.
Ora, justamente por força da necessidade de que as decisões judiciais sejam consistentes, é que o Código de Processo civil obriga o demandante, em determinados casos, a orientar a sua pretensão contra todas as pessoas intimamente vinculadas a determinado evento (causa de pedir). Busca-se, com isso, inibir soluções judiciais contraditórias, ao mesmo tempo em que também se otimiza a prestação jurisdicional e se assegura o postulado
nemo inauditus damnare potest.
Reporto-me à lição de Luís Marinoni e Sérgio Arenhart:
"Em princípio, a determinação da formação do litisconsórcio necessário vem estipulada no caput do art. 47, CPC, que afirma que há litisconsórcio necessário quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes. Portanto, da leitura desse artigo tem-se que duas causas podem gerar o litisconsórcio necessário; a lei ou a natureza da relação jurídica.
E, somando-se a isso, para a caracterização da necessidade da formação do litisconsórcio, será necessário que essas causas exijam que o juiz julgue o litígio de maneira uniforme para todas as partes (rectius, litisconsortes). Note-se, porém, que a redação do dispositivo é bastante defeituosa, podendo levar à conclusão de que as figuras do litisconsórcio necessário e unitário identificam-se, ou melhor, que o litisconsórcio unitário deve ser necessário e que o litisconsórcio necessário deve ser unitário
.
Nem sempre, porém, assim será. Imagine-se a hipótese em que a lei obriga, por qualquer causa, a formação de determinado litisconsórcio, ainda que a questão não precise, necessariamente, ser resolvida de maneira idêntica para todos os litisconsortes. Pense-se na hipótese da ação popular, em que a lei determina que devam ser citados para a ação todos aqueles que direta ou indiretamente tenham contribuído, por ação ou omissão, para a edição do ato inquinado como ilegal (art. 6º da lei 4.717/1965 - lei de ação popular), bem como seus beneficiários diretos. Ninguém duvida que esse é um litisconsórcio simples, não exigindo solução idêntica perante todos os litisconsortes. Não obstante isso, a lei impõe a formação de litisconsórcio. Seria, por acaso, indevida essa exigência do litisconsórcio? Poderia alguém questionar a exigibilidade desse litisconsórcio? Não parece que a resposta possa ser positiva. Em verdade, a exigência da formação do litisconsórcio, no caso, em que a lei o exija, independe do caráter unitário ou não da figura. Impõe simplesmente porque a lei o quer.
Somente na outra hipótese, em que a formação do litisconsórcio decorre da natureza da relação jurídica, é que efetivamente tem algum interesse a questão da unitariedade ou não da figura
. Aqui, sim, é possível que, diante da necessidade de que a solução da causa seja idêntica para várias pessoas, imponha-se o litisconsórcio ainda que a lei não o determine. E, como já visto, a unitariedade do litisconsórcio decorre não apenas do fato de que a sentença deve decidir a questão de forma uniforme para todos os litisconsortes, mas, sobretudo, da ideia de que essa imposição decorra da unitariedade da relação jurídica material deduzida em juízo. Vale dizer: no litisconsórcio unitário, exige uma relação jurídica material (cuja afirmação é o objeto da demanda) que possui vários sujeitos em um dos pólos. Pense-se no caso de um imóvel que possua vários coproprietários. Ou no negócio jurídico celebrado por marido e mulher com terceiro. Ou ainda em um ato administrativo (por exemplo, uma portaria) complexo, que é emitido por mais de uma entidade. Nesses casos, a relação jurídica material realizada possui, em pelo menos um dos seus pólos, mais de um sujeito. E é precisamente essa pluralidade subjetiva em um dos pólos da relação jurídica material deduzida em juízo que determina, na forma do que prevê o art. 47, CPC (natureza da relação jurídica), o litisconsórcio necessário." (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz.
Processo
de conhecimento.
7. ed. São Paulo: RT, 2008, p. 173-174)
Atente-se também para a análise de Marcelo Abelha Rodrigues:
"A necessidade deste tipo de litisconsórcio, prevista no art. 47, CPC, decorre ou por força de lei, ou por natureza da relação jurídica. Será por força de lei no caso, por exemplo, do art. 6º da LAP, ou ainda no caso do art. 942, II, CPC.
Estaremos diante da segunda hipótese quando se cuidar de ação anulatória proposta contra todos os contratantes. Não se pode ser contra apenas um deles, pois a natureza da relação jurídica requer que possuam a mesma decisão. Outro exemplo, por força da lei, é o previsto no art. 10, §2º, CPC
."
(RODRIGUES, Marcelo Abelha.
Elementos de direito processual civil.
vol. 1. 2. ed. São Paulo: RT, 2000, p. 296)
O litisconsórcio pode ser necessário ou facultativo, no que toca à obrigatoriedade da sua formação. Também pode ser unitário ou simples, quanto à solução a ser dispensada às partes.
Como cediço, o litisconsórcio é facultativo quando determinadas pessoas aquiescem em litigar juntas contra um mesmo demandado; ou quando o autor endereça, a um só tempo, pretensões contra várias pessoas, desde sejam todas legítimas a figurar na causa (art. 17, CPC). A respeito do litisconsórcio necessário, convém atentar para a lição de Nelson Nery Júnior:
"
A obrigatoriedade da formação do litisconsórcio pode ser dada pela lei ou pela relação jurídica. São exemplos de litisconsórcio necessário por disposição de lei: a) CPC 246 §3º, que manda citar os confinantes nas ações de usucapião de imóvel; b) LAP 6º, que manda citar o funcionário que autorizou a prática do ato impugnado, bem como a pessoa jurídica de direito público ou privado a que ele pertence
; c) CPC, art. 76 §1º II, que manda citar ambos os cônjuges em ação na qual se discutam fatos que digam respeito a ambos os cônjuges ou atos praticados por eles (v.g., fiança - CC 1647 III) São exemplos de litisconsórcio necessário por força da relação jurídica: a) todos os partícipes de um contrato, para a ação anulatória do mesmo contrato, porque a sentença que decidir a lide não poderá anular o contrato para um dos contratantes e declará-lo válido para os demais que eventualmente não estivessem no
processo
como partes. Não sendo obrigatória a formação do litisconsórcio, este se caracteriza como facultativo, cujos casos mais comuns estão enumerados no CPC 113." (NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade.
Comentários ao código de
processo
civil.
1ª. ed. São Paulo: RT, 2015)
Cabe aferir se a União seria litisconsorte necessária, tendo em vista a pretensão deduzida, ou ainda, se atuaria como interessada.
2.3. Eventual assistência - considerações gerais:
Para delimitação do art. 109, I, Constituição, assinalo que a assistência vem prevista no art. 119, CPC/15, com paralelo no art. 50, CPC/1973:
Art. 119 - CPC/15.
Pendendo causa entre 2 (duas) ou mais pessoas, o terceiro juridicamente interessado em que a sentença seja favorável a uma delas poderá intervir no processo para assisti-la
.
Parágrafo único. A assistência será admitida em qualquer procedimento e em todos os graus de jurisdição, recebendo o assistente o processo no estado em que se encontre.
O importante é ter em conta que apenas o interesse jurídico vaticina o ingresso de alguém no processo na condição de assistente:
"Interesse jurídico:
Somente pode intervir como assistente o terceiro que tiver interesse jurídico em que uma das partes vença a ação. Há interesse jurídico do terceiro quando a relação jurídica da qual seja titular possa ser reflexamente atingida pela sentença que vier a ser proferida entre assistido e parte contrária. Não há necessidade de que o terceiro tenha, efetivamente, relação jurídica com o assistido, ainda que isso ocorra na maioria dos casos
. Por exemplo, há interesse jurídico do sublocatário em ação de despejo movida contrato o locatário. O interesse meramente econômico ou moral não enseja a assistência, se não vier qualificado como interesse também jurídico."
(NERY JR., Nelson; NERY, Rosa M. de A.
Código de
processo
civil e legislação extravagante.
9. ed. SP: RT, 2006, p. 232.)
Não se pode confundir assistência com o litisconsórcio necessário. Ou seja, a assistência deve ser reconhecida, mesmo que a sentença não tenha o condão de atingir imediatamente o interesse jurídico do terceiro (mero efeito reflexo sobre tal interesse).
"
Na assistência simples (adesiva), embora exista uma relação jurídica entre o assistente simples e uma das partes, no processo, esta relação não é objeto do processo
. A solução do processo, contudo, pode repercutir na esfera jurídica do terceiro, razão pela qual se permite a este intervir no processo - mantendo-se, no entanto, como terceiro - com o intuito de obter decisão favorável ao assistido."
(WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia.
Processo
civil moderno
- I. Parte geral e
processo
de conhecimento. 3. ed. SP: RT, 2013. p. 99)
Também é relevante atentar para o fato de que, enquanto exercício da autonomia - direito formativo gerador -, a assistência não pode ser imposta. Ninguém pode ser obrigado a atuar como assistente de outrem:
"
A assistência se caracteriza pela voluntariedade, ninguém sendo obrigado a assumir essa posição processual
. Mas se a intervenção da União no processo fixou a competência da Justiça Federal para o julgamento da causa, onde ela está tramitando há dez anos, já não é possível que o superveniente desinteresse da União, aferido segundo critérios subjetivos do seu procurador, tenha o efeito de deslocar a demanda para a Justiça Estadual. Se a União já não tem interesse no processo, basta que nele não atue, faltando-lhe legitimidade para interferir no seu andamento."
(EDcl REsp 1998.0013149-3, STJ, 2ª Turma, Rel. Min. Ari Pargendler, DJ 21.09.1998).
No que toca à União Federal, o
art. 5º da lei 9.469/1997
autoriza a sua intervenção como assistente nas causas em que figurarem como autoras ou requeridas as autarquias, fundações públicas, sociedades de economia mista e empresas públicas federais. Também lhe é dado, ademais, atuar como assistente de qualquer das partes, quando se cuide de uma ação civil pública, na forma do art. 5, §2º, da lei nº 7.247/1985, aplicável analogicamente à ação popular.
2.4.
Eventual oposição:
Por outro lado,
"Mantém-se, em linhas gerais, o mesmo procedimento da oposição previsto no CPC revogado. Contudo, no atual CPC o instituto não é listado dentre as espécies de intervenção de terceiros, mas como procedimento especial, ao lado da ação de consignação em pagamento, ação de exigir contas, das ações possessórias, da ação de divisão e da demarcação de terras particulares, da ação de dissolução parcial de sociedade, do inventário e da partilha, dos embargos de terceiro, da habilitação, das ações de família, da ação monitória, da homologação do penhor legal, da regulação de avaria grossa, da restauração de autos e dos procedimentos de jurisdição voluntária."
(AMARAL, Guilherme.
Alterações no novo CPC:
o que Mudou?. São Paulo: RT. 2018).
Acrescento que
"Oposição.
A oposição é procedimento especial pelo qual alguém deduz pretensão contra ambas as partes de outro processo pendente. Também conhecida no passado como intervenção principal (interventio ad infringendum iura utriusque competitoris), o seu exercício é facultativo. Compete ao terceiro que pretende, no todo ou em parte, a coisa ou o direito sobre o qual controverte demandante e demandado
. A oposição pode ser total ou parcial, consoante apanhe todo o objeto da lide ou não. A ação de oposição tem dois pedidos: um contra o demandante e outro contra o demandado. São duas ações. Há pluralidade de partes no polo passivo da demanda de oposição, não havendo, contudo, litisconsórcio, porque falta aos opostos o interesse comum que qualifica a cumulação subjetiva como litisconsórcio. A demanda de oposição, todavia, tem de ser proposta necessariamente contra demandante e demandado. Ambos devem figurar como réus na oposição. Não se confunde com os embargos de terceiro, em que há apenas um pedido para livrar-se o bem de terceiro de eventual constrição injusta. O pressuposto para oposição é que exista controvérsia sobre a titularidade da coisa ou do direito deduzido em juízo. Consequentemente, não cabe oposição na fase de cumprimento da sentença por execução forçada, no processo de execução e no processo de desapropriação. Havendo penhora, arresto ou sequestro de bem de terceiro cabem embargos de terceiro, e não oposição. Constatando-se eventual ilegitimidade para causa passiva no processo de desapropriação, tem o terceiro de postular, por requerimento nos autos, a sucessão processual. Pendendo dúvida fundada sobre o domínio, o órgão jurisdicional remeterá as partes para o procedimento comum ordinário (art. 34, parágrafo único, Decreto-lei 3.365, de 1941). Não cabe oposição no processo de mandado de segurança (STJ, 5.ª Turma, AgRg na Pet 4.337/RJ, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 18.05.2006, DJ 12.06.2006, p. 496). Não cabe oposição no processo de usucapião. Não cabe oposição no processo do Juizado Especial (art. 10, Lei 9.099, de 1995)."
(MARINONI, Luiz; ARENHART, Sérgio; MITIDIERO, Daniel.
Código de Processo Civil Comentado - Ed. 2023
. São Paulo: RT. 2023. Comentários aos arts. 682 e ss. do CPC/15).
Note-se ainda que a oposição só pode ser proposta até a prolação da sentença de primeiro grau no processo original
. Afinal de contas, e o que a justifica é a existência de conexão entre a demanda do terceiro e a demanda originária (conexão qualificada por prejudicialidade), estando à sua base, dessarte, o desiderato de economia processual e prevenção de decisões eventualmente colidentes, não há razão mesmo para admiti-la depois de julgada a ação inicial, porque aí nem um nem outro objetivo se pode alcançar. Promovo aludido exame para delimitar o alcance do art. 109, Constituição/88.
2.5.
Competência
da JF e casos de mandado de segurança:
Acrescento que os Tribunais têm reconhecido a competência da Justiça Federal para apreciar mandados de segurança impetrados em face de Reitores de Universidades, públicas ou privadas, como ilustra o seguinte julgado:
"tratando-se de mandado de segurança impetrado contra ato de Diretor de faculdade particular de ensino, que atua por delegação do Poder Público Federal, a competência para o julgamento do writ é da Justiça Federal, nos termos do art. 109, inciso VIII, da Constituição Federal"
(STJ, CC 167628).
MANDADO DE SEGURANÇA - IMPETRAÇÃO CONTRA ATO DE REITOR DE UNIVERSIDADE PARTICULAR - COMPETÊNCIA DEFINIDA PELA NATUREZA DA AUTORIDADE COATORA - ARTIGO 109, INCISO VIII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL - PRECEDENTES DO STJ - COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL - CONFLITO NÃO CONHECIDO. No âmbito do mandado de segurança, a competência é definida pela natureza da autoridade coatora, conforme disposto no artigo 109, inciso VIII, da Constituição Federal. Compete à Justiça Federal o processamento e julgamento de mandado de segurança impetrado contra ato de dirigente de instituição particular de ensino superior no exercício de suas funções, uma vez que se trata de ato de autoridade federal delegada. (STJ, REsp nº 661404 DF).
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. ENSINO SUPERIOR. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. SENTENÇA ANULADA. 1. "
Nos processos em que envolvem o ensino superior, são possíveis as seguintes conclusões: a) mandado de segurança - a competência será federal quando a impetração voltar-se contra ato de dirigente de universidade pública federal ou de universidade particular; ao revés, a competência será estadual quando o mandamus for impetrado contra dirigentes de universidades públicas estaduais e municipais, componentes do sistema estadual de ensino
(...)" (CC n. 108.466/RS, Relator Ministro Castro Meira, Primeira Seção, julgado em 10/02/2010, DJe 01/03/2010) (negritei) 2. Precedentes desta Corte Regional: AMS n. 0001892-55.2009.4.01.3300/BA, Relator Desembargador Federal Souza Prudente, Quinta Turma, e-DFJ1 de 21/10/2015, p. 435; AMS n. 0005499-08.2011.4.01.3300/BA, Relator Desembargador Federal Néviton Guedes, Quinta Turma, e-DJF1 de 20/01/2015, p. 367. 3. Competência da Justiça Federal reconhecida, de ofício, anular a r. sentença e determinar a remessa dos autos à Justiça Federal de Mato Grosso. Remessa oficial prejudicada. (TRF-1 - REOMS: 00224092820154019199, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL KASSIO NUNES MARQUES, Data de Julgamento: 04/07/2016, SEXTA TURMA, Data de Publicação: 18/07/2016)
No que toca aos mandados de segurança, há regra específica da Constituição, quanto à competência da Justiça Federal, conforme de se infere do seu art. 109, VIII, CF, no que toca à impugnação de atos de autoridades federais, assim definidas em lei. E é por força do aludido dispositivo da Lei Fundamental que os Tribunais reconhecem as atribuições da JF quando em causa a impetração de mandado de segurança em face de diretores de universidades privadas.
No caso em exame, contudo, cuida-se de demanda submetida ao rito dos Juizados Especiais, em cujo âmbito não pode ser processado eventual mandado de segurança, conforme art. 3º, §1º, I, lei n. 10.259/2001. Logo, a lógica de tais julgados não se aplica à presente demanda.
2.6. T
eoria
da substanciação:
Como sabido, em regra o Poder Judiciário apenas pode apreciar aquilo que tenha sido efetivamente pedido pelas partes. É o que se infere dos artigos 141, 322 e 492, Código de Processo Civil/2015.
Por outro lado, o Direito brasileiro esposou a teoria da substanciação, conforme bem explicita Cândido Rangel Dinamarco:
"Vige no sistema processual brasileiro o sistema da substanciação, pelo qual os fatos narrados influem na delimitação objetiva da demanda e consequentemente da sentença (art. 128) mas os fundamentos jurídicos não. Tratando-se de elemento puramente jurídico e nada tendo de concreto relativamente ao conflito e à demanda, a invocação dos fundamentos jurídicos na petição inicial não passa de mera proposta ou sugestão endereçada ao Juiz, ao qual compete fazer depois os enquadramentos adequados para o que levará em conta a narrativa de fatos contida na petição inicial, a prova realizada e sua própria cultura jurídica, podendo inclusive dar aos fatos narrados e provados uma qualificação jurídica diferente daquela que o demandante sustentara (narra mihi factum dabo tibi jus)."
(DINAMARCO.
Instituições de Direito Processual Civil.
6. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 132).
Tanto por isso, a parte demandante é obrigada a indicar o pedido e a causa de pedir correspondente (art. 319, III e IV, CPC). Por sinal, deve haver conexão lógica entre ambos, conforme se infere do art. 330, § 1º, I e II, CPC.
Reporto-me à lição de Celso Agrícola Barbi:
"A lide, mesmo no sentido sociológico com que a configura Carnelutti, apresenta-se, no processo em limites fixados pela parte. Isto é, mesmo que a lide como entidade sociológica, fora do processo, tenha determinada extensão, ela pode ser apresentar apenas parcialmente no processo.
E é nesses limites em que ala foi trazida ao juiz que este deve exercer a sua atividade. Em outras palavras, o conflito de interesses que surgir entre duas pessoas será decidido pelo juiz não totalmente, mas penas nos limites em que elas o levarem ao processo
. Usando a formula antiga, significa que o juiz não deve julgar além do pedido das partes: ne eat judex ultra petita partium. Nesses casos, a convicção do juiz é necessária, para evitar que sua atividade se transmude em de criador de direitos subjetivos, deixando a de atuar a lei. A vedação ao juiz, no que se refere ao autor, não se restringe, porem, ao pedido, mas também à causa de pedir. O julgador deve decidir a pretensão do autor com base nos fatos jurídicos por ele alegados, não podendo admitir outros como fundamento da procedência da ação."
(BARBI.
Código de Processo Civil.
13. ed., 2008,p. 403).
Menciono também o seguinte julgado, emanado do STJ:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. CLÍNICA MÉDICA. SÓCIOS. JULGAMENTO EXTRA PETITA. CAUSA DE PEDIR. ALTERAÇÃO. PRINCÍPIO DA ADSTRIÇÃO OU DA CONGRUÊNCIA. NEXO DE CAUSALIDADE. EXCLUSÃO. RECURSOS ESPECIAIS PROVIDOS. 1. Segundo o princípio da adstrição ou da congruência, deve haver necessária correlação entre o pedido/causa de pedir e o provimento judicial (artigos 128 e 460 do Código de Processo Civil), sob pena de nulidade por julgamento citra, extra ou ultra petita. 2.
O provimento judicial está adstrito, não somente ao pedido formulado pela parte na inicial, mas também à causa de pedir, que, segundo a teoria da substanciação, adotada pela nossa legislação processual, é delimitada pelos fatos narrados na petição inicial
. 3. Incide em vício de nulidade por julgamento extra petita a decisão que julga procedente o pedido com base em fato diverso daquele narrado pelo autor na inicial como fundamento do seu pedido. 4. Se a causa de pedir veio fundada no sofrimento dos autores em função da morte do paciente, imputada aos maus tratos sofridos durante a internação, era defeso ao Tribunal de origem condenar os réus com base nas más condições de atendimento da clínica, não relacionadas com o óbito. 5. Excluído pelo acórdão recorrido, com base na prova dos autos, o nexo causal entre o resultado morte e o tratamento recebido pelo paciente, ao consignar que se tratava de paciente em estado terminal, a improcedência da ação é solução que se impõe. 6. Recursos especiais providos. ..EMEN: (RESP 200902391200, VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), STJ - TERCEIRA TURMA, DJE DATA:26/05/2010 ..DTPB:.)
A indicação do pedido e da causa de pedir correspondentes é um requisito próprio à cláusula do devido processo (art. 5º, LIV e LV, CF). Afinal de contas, somente assim o requerido pode saber sobre o que se defender; cuida-se também de requisito para a garantia do postulado dispositivo, eis que o pedido/causa de pedir delimitam a causa.
Como igualmente sabido, a parte pode renovar o mesmo pedido, indicando causa de pedir diversa (art. 337, §2º, CPC). Tanto por isso é que o Código de Processo veda a formulação de pedidos indeterminados, conforme se infere do art. 324, CPC. De modo semelhante, o sistema também proíbe o juízo de prolatar sentenças indeterminadas (art. 492, parágrafo único, CPC).
2.7. Eventual litisconsórcio facultativo:
Note que, em caso de litisconsórcio facultativo, a eventual reunião de pretensões em face de distintas entidades - das quais apenas uma ou algumas sejam entes federais, para os fins do art. 109, I, Constituição - implica a necessidade de desmembramento do processo, com a sua redistribuição, na forma do art. 64, CPC.
Atente-se para os seguintes julgados:
ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. TRÂNSITO. DETRAN/PR. MUNICÍPIO DE CURITIBA. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. DNIT. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. DESPROVIMENTO. 1.
Não há falar em litisconsórcio passivo necessário, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica controvertida, caso em que a presença de todos os litisconsortes é indispensável para o desenvolvimento válido do processo, ou, conforme definição legal, "a eficácia da sentença depende da citação de todos os litisconsortes" (artigo 114 do Código de Processo Civil), pois, na presente demanda, cada réu responde individualmente pelos fatos narrados.
2. Ainda que se vislumbre a incidência de alguma das hipóteses legais previstas, os pedidos não podem ser julgados pelo mesmo juízo, ante a incompetência absoluta, em razão da pessoa, da Justiça Estadual para processar e julgar ação contra o DNIT e a mesma incompetência absoluta ratione personae da Justiça Federal para julgar demanda em face do DETRAN, tudo nos termos do artigo 109, inciso I, da Constituição Federal, c/c o artigo
327
, § 1º, do Código de Processo Civil, o que afasta a incidência da regra disposta no artigo 113, inciso II, do mesmo diploma legal. 3. Agravo de instrumento desprovido. (TRF-4 - AG: 50286655420214040000 5028665-54.2021.4.04.0000, Relator: VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS, Data de Julgamento: 24/11/2021, QUARTA TURMA)
ADMINISTRATIVO. AUTO DE INFRAÇÃO DE TRÂNSITO. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO DETRAN. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. 1. A legitimidade passiva em demandas anulatórias de auto de infração de trânsito é do órgão autuador, sendo ilegítimo o DETRAN unicamente por ser o responsável por excluir as multas e eventuais pontos anotados no prontuário da CNH da parte autora, isso porque, caso acolhido o pedido principal da parte, a nulidade de tais efeitos será consequência lógica a ser aplicada. 2. A documentação juntada aos autos demonstra que a Polícia Rodoviária Federal respeitou o procedimento previsto na legislação de trânsito, relativamente à notificação de autuação e à notificação de penalidade, nos termos da Súmula 312 do STJ. 3. Tem-se, portanto, que a autuação foi legal, na medida em que as notificações foram devidamente efetivadas, razão pela qual descabe falar em cerceamento de defesa na esfera administrativa. (TRF4 5008539-62.2017.4.04.7100 , TERCEIRA TURMA, Relator ROGERIO FAVRETO, juntado aos autos em 23/08/2019)
ADMINISTRATIVO. TRÂNSITO. DNIT. SUSPENSÃO DO DIREITO DE DIRIGIR. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. COMPETÊNCIA DO DETRAN. REGULARIDADE AUTO DE INFRAÇÃO. 1.
Não há litisconsórcio passivo necessário entre a União e o DETRAN/RS quando cumulados pedidos de anulação de Auto de Infração de Trânsito lavrado pelo DNIT e anulação de Processo de Suspensão do Direito de Dirigir instaurado por aquela autarquia. Assim, não compete à Justiça Federal a apreciação de pedido formulado pelo particular em face do órgão estadual. 2. Foi instaurado processo administrativo de suspensão do direito de dirigir nº 2016/0271732-0 em 29/02/16
. A notificação ocorreu em 04/03/16. A defesa administrativa foi indeferida em 28/06/16, quando se deu a suspensão do direito de dirigir. A respectiva intimação da penalidade foi em 30/06/16. O prazo para entregar o documento de habilitação a fim de dar início ao cumprimento da penalidade imposta, ou apresentar recurso à JARI é 24/08/16. Porém, o recurso à JARI foi intempestivo porque protocolado em 29/08/2018, acarretando a anotação na carteira do autor em 31/08/16. Então, em 28/11/16 quando o autor foi abordado pela Polícia Rodoviária Federal, a habilitação estava suspensa. Objetivamente, a data do AIT, 28/11/2016, está entre a data inicial da pena de suspensão - 31/08/2016 e a data final - 22/08/2018. (TRF4, AC 5006177-41.2018.4.04.7104 , Terceira Turma, Relator Sérgio Renato Tejada Garcia, juntado aos autos em 29-01-2020)
ADMINISTRATIVO. MULTA DE TRÂNSITO. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO DETRAN/RS. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. PRF. IRREGULARIDADE EM PROCESSO DE SUSPENSÃO. ANÁLISE. INCABÍVEL.
Não há litisconsórcio passivo necessário entre a União e o DETRAN/RS quando cumulados pedidos de anulação de Auto de Infração de Trânsito lavrado pela Polícia Rodoviária Federal e anulação de Processo de Suspensão do Direito de Dirigir instaurado por aquela autarquia. Assim, não compete à Justiça Federal a apreciação de pedido formulado pelo particular em face do órgão estadual. Considerando que o único argumento utilizado para sustentar a nulidade do AIT baseia-se na irregularidade do processo de suspensão promovido pelo DETRAN/RS, que a Justiça Federal não possui competência para apreciar atos administrativos estaduais e que o presente caso não enseja formação de litisconsórcio necessário, o feito deve ser julgado improcedente
. (TRF4, AC 5001194-05.2018.4.04.7102 , Quarta Turma, Relatora Vivian Josete Pantaleão Caminha, juntado aos autos em 15-12-2020)
ADMINISTRATIVO. TRÂNSITO. AUTO DE INFRAÇÃO. PROCESSO DE SUSPENSÃO DO DIREITO DE DIRIGIR. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. AUTO DE INFRAÇÃO. DNIT. TRANSFERÊNCIA DE PROPRIEDADE. VIABILIDADE. RESPONSABILIDADE PELA INFRAÇÃO. I.
A Justiça Federal não tem competência para apreciar a lide que envolve a regularidade de autuação e processo administrativo, instaurado e conduzido por órgãos estaduais ou municipais, inexistindo litisconsórcio passivo necessário, a justificar a participação do Departamento Estadual de Trânsito (DETRAN/RS), do Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (DAER/RS), do Município de Porto Alegre e do Município de Sapiranga na ação originária.
II. Encontrando-se o direito de dirigir da agravante suspenso, e sendo plausível a tese de que a infração que deu origem à instauração do processo de suspensão do direito de dirigir foi cometida após a transferência da propriedade do veículo a terceiro, é de ser conferida à agravante antecipação de tutela, em parte, para suspender o processo em trâmite no DNIT. (TRF4, AG 5007178-28.2021.4.04.0000 , Quarta Turma, Relator Sérgio Renato Tejada Garcia, juntado aos autos em 14-7-2021)
2.8. Cumulação de pretensões:
Ademais,
convém ter em conta o art. 327, CPC/15
, quando dispõe ser cabível a cumulação de pretensões contra o mesmo requerido, contanto que sejam respeitados os seguintes requisitos:
Art. 327.
É lícita a cumulação, em um único processo, contra o mesmo réu, de vários pedidos, ainda que entre eles não haja conexão
. § 1º São requisitos de admissibilidade da cumulação que: I - os pedidos sejam compatíveis entre si; II -
seja competente para conhecer deles o mesmo juíz
o; III - seja adequado para todos os pedidos o tipo de procedimento. § 2º Quando, para cada pedido, corresponder tipo diverso de procedimento, será admitida a cumulação se o autor empregar o procedimento comum, sem prejuízo do emprego das técnicas processuais diferenciadas previstas nos procedimentos especiais a que se sujeitam um ou mais pedidos cumulados, que não forem incompatíveis com as disposições sobre o procedimento comum. § 3º O inciso I do § 1º não se aplica às cumulações de pedidos de que trata o art. 326 .
Logo, a justaposição de pretensões contra o mesmo ou contra diversos requeridos depende da condição de que o Juízo seja competente para conhecer de todos os pedidos, o que é projeção da garantia do juízo natural - art. 5, LIII, CF. Atente-se para o acórdão abaixo transcrito:
ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO CÍVEL. ATO ADMINISTRATIVO. IMPERATIVIDADE E LEGITIMIDADE. PRESUNÇÃO RELATIVA. AUTO DE INFRAÇÃO. DETRAN. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. SENTENÇA MANTIDA. 1. Não obstante seja o auto de infração ato administrativo dotado de imperatividade e presunção de legitimidade, essa presunção é relativa, ou seja, pode ser elidida por prova em contrário, produzida pela parte interessada. Em outras palavras, havendo prova inequívoca de inexistência dos fatos descritos no auto de infração, atipicidade da conduta ou vício em um de seus elementos componentes (sujeito, objeto, forma, motivo e finalidade), poderá ser desconstituída a autuação imposta. 2.
Não há litisconsórcio passivo necessário entre a União e o DETRAN quando cumulados pedidos de anulação de Auto de Infração de Trânsito lavrado pela Polícia Rodoviária Federal e anulação de Processo de Suspensão do Direito de Dirigir instaurado por aquela autarquia. Assim, não compete à Justiça Federal a apreciação de pedido formulado pelo particular em face da autarquia estadual
. 3. O autor não logrou desconstituir a presunção de legalidade e legitimidade do auto de infração. As declarações de horário de trabalho do autor e sua genitora não têm o condão de álibi no contexto em que a multa ocorreu nas proximidades da faculdade do autor como bem observado na sentença. 4. Apelação desprovida. (TRF-4 - AC: 50012754520184047104, Relator: VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS, Data de Julgamento: 30/03/2022, QUARTA TURMA)
Quando se cuide efetivamente de litisconsórcio necessário, as pretensões podem ser reunidas perante o Juízo Federal, mesmo que - em termos isolados - talvez fossem da alçada de outra unidade jurisdicional.
2.9. Competência da Justiça Federal - caso em exame:
Na espécie, equacionados esses vetores, a rigor, a Justiça Federal apenas seria competente para processar a pretensão em face do COREN, entidade criada na forma da lei 5.905, de 12 de julho de 1973, com a compleição de autarquia federal, como reconhecido pelo STF na ADI 1717-DF.
Em princípio, portanto, a pretensão deduzida em face do Estado do Paraná e da instituição de ensino deveriam ser processadas perante a Justiça Estadual. Registro, contudo, que o STF tem adotado solução distinta (tema 1154), conferindo um exame ampliativo ao art. 109, Constituição.
2.10. Considerações sobre o
tema
1154
- STF:
Convém ter em conta, ademais, que, ao apreciar o RE 1304964, a Suprema Corte deliberou:
"Recurso extraordinário em que se discute, à luz do artigo 109, I, da Constituição Federal, a competência da Justiça Federal ou Estadual
para julgar causas em que se requer o restabelecimento de diploma cancelado e indenização por danos morais
, em face de instituição privada de ensino superior, integrante do Sistema Federal de Ensino, considerando eventual interesse da União pela edição e fiscalização das diretrizes e bases da educação."
Por época do julgamento do aludido recurso, o Supremo enfatizou:
"No mérito, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que compete à Justiça Federal processar e julgar causas, ainda que de natureza indenizatória, em que se discuta a expedição de diplomas pelas instituições privadas de ensino superior, por se sujeitarem ao Sistema Federal de Ensino e serem reguladas pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9.394/1996), considerado o interesse da União. Por oportuno, confira-se a ementa da ADI 2.501 /MG, de relatoria do Ministro Joaquim Barbosa."
Destacou cuidar-se, porém, de
"
ação originária que requer seja restabelecida a validade do registro de diploma de ensino superior
(Doc. 1, p. 14), é possível afirmar que o julgamento do mérito necessariamente envolverá o exame dos atos praticados ou omitidos no âmbito do Sistema Federal de Ensino,
caracterizando, portanto, o interesse da União para a causa
."
O STF reportou-se aos seguintes julgados:
"especificamente quanto à controvérsia sub judice, e em processos nos quais figuram instituições de ensino superior, tais como a Associação de Ensino Superior de Nova Iguaçu, colaciono as seguintes decisões monocráticas: ARE 1.317.342 , Rel. Min. Rosa Weber, DJe de 13/4/2021; RE 1.302.954 , Rel. Min. Marco Aurélio, DJe de 15/1/2021; ARE 1.313.887 , Rel. Min. Alexandre de Moraes, DJe de 13/4/2021; ARE 1.269.286 , Rel. Min. Celso de Mello, DJe de 29/9/2020; RE 1.282.247 , Rel. Min. Edson Fachin, DJe de 18/2/2021; RE 1.315.662 , Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 30/4/2021."
A rigor, no aludido voto, a Suprema Corte parece ter deliberado muito mais sobre a legitimidade da União Federal - ou mesmo sobre eventual litisconsórcio passivo necessário -, do que sobre o alcance da competência da Justiça Federal, fixada de forma detalhada pela Constituição. Reconhecendo-se que a União seria parte necessária em tais demandas, por lhe competir o registro dos diplomas de ensino superior, a competência da Justiça Federal seria uma consequência necessária.
Não parece adequado supor, porém -
venia concessa -
que todo e qualquer processo deflagrado em face de universidades/faculdades particulares devam ser processadas perante a Justiça Federal, por conta de um cogitado litisconsórcio passivo necessário da União Federal. Quando um estudante processa a instituição de ensino superior, alegando haver erro na cobrança, isso não teria porque ser distribuído perante a Justiça Federal. Repiso, porém, o alcance do mencionado tema 1154: "
para julgar causas em que se requer o restabelecimento de diploma cancelado e indenização por danos morais
,
"
PROCESSO CIVIL. AGRAVO INTERNO NO CONFLITO DE COMPETÊNCIA. DIPLOMA UNIVERSITÁRIO. UNIVERSIDADE PRIVADA. TEMA 1.154/STF. REPERCUSSÃO GERAL. JUÍZO DE RETRATAÇÃO. ART. 1.040, II, DO CPC. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. RECURSO PROVIDO. 1. O Supremo Tribunal Federal, ao examinar o RE n. 1.304.964/SP, julgou o mérito do Tema 1.154, sob o regime da repercussão geral, firmando a seguinte tese vinculante: "Compete à Justiça Federal processar e julgar feitos em que se discuta controvérsia relativa à expedição de diploma de conclusão de curso superior realizado em instituição privada de ensino que integre o Sistema Federal de Ensino, mesmo que a pretensão se limite ao pagamento de indenização.". 2.
Considerando-se que o acórdão anteriormente exarado pela Primeira Seção destoa do entendimento de caráter obrigatório proferido pela Corte Suprema, impõe-se a realização do juízo positivo de retratação, adequando-se o julgado à tese contida no aresto paradigma. Desse modo, o conflito deve ser conhecido a fim de que seja declarada a competência da Justiça Federal para dirimir a controvérsia. 3. Agravo interno a que se dá provimento
. (STJ - AgInt no CC: 167946 SP 2019/0256726-4, Relator: Ministro OG FERNANDES, Data de Julgamento: 09/02/2022, S1 - PRIMEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 16/02/2022)
Cumpre ter em conta, de todo modo, que esse foi o conteúdo do tema 1154, da jurisprudência do STF:
"
Compete à Justiça Federal processar e julgar feitos em que se discuta controvérsia relativa à expedição de diploma de conclusão de curso superior realizado em instituição privada de ensino que integre o Sistema Federal de Ensino, mesmo que a pretensão se limite ao pagamento de indenização
."
Em princípio, a União realmente é litisconsorte necessário quando se cuida de faculdades
descredenciadas pelo MEC
e que deixam, tanto por isso, de expedir diplomas e promover o pertinente registro, na forma do art. 48, §1º, da lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Nesses casos, registro, com cognição não exaustiva, que, não raro, a União deve indicar uma universidade congênere, a fim de que tais documentos sejam expedidos/registrados.
Situação distinta ocorre aparentemente quando uma instituição de ensino superior causa prejuízos aos seus estudantes, restando demandada em prol da sua responsabilização civil. Nesse caso, em princípio, apenas pode ser demandado quem tenha causado o dano, porquanto não se pode socializar o prejuízo, sob pena de se transferir ao Estado despesas causadas por entidades privadas. Ademais, mesmo quando há vários causadores do ilícito, disso não decorre litisconsórcio necessário.
Nos termos do art. 942, parágrafo único, Código Civil/2002, a responsabilização decorrente de atos ilícitos é solidária. E, sendo solidária, é dado ao demandante escolher a quem processar, conforme arts. 275 e ss., CC/2002, não se cuidando de hipótese de litisconsórcio passivo necessário. Logo, em princípio, se a União não chegou a causar o dano, ela não poderia ser invocada como litisconsorte necessário na causa, sobremodo quando não se discuta emissão ou registro de diploma e quando as instituições de ensino encontram-se cadastradas junto ao MEC, com plena aptidão para cumprirem o disposto no art. 48, §1º, da LDB - lei de diretrizes e base da educação.
Atente-se para a Súmula 570 do Superior Tribunal de Justiça -
"
Compete à Justiça Federal o processo e julgamento de demanda em que se discute a ausência de ou o obstáculo ao credenciamento de instituição particular de ensino superior no Ministério da Educação como condição de expedição de diploma de ensino a distância aos estudantes
."
Tal como redigido, esse tema 1154 parece implicar que, se o particular processar uma instituição privada pretendendo a sua condenação à reparação de danos morais, a demanda deverá tramitar perante a Justiça Federal, a despeito de a União, autarquias federais ou empresas públicas federais não figurarem no polo passivo, implicando uma ressignificação do art. 109, I, CF
. Repiso que, quando se trata de mandado de segurança esse problema não se coloca, na medida em que o reitor de uma universidade privada é considerado autoridade federal para fins de impetração.
Pode-se também supor que aludida ementa implique que a União Federal estaria legitimada para todas as demandas em que se discutam pedidos de indenização endereçados à uma instituição de ensino superior.
Seja como for, em quaisquer desses casos, a solução parece ampliar o alcance da alçada da Justiça Federal, tendo-se em conta a forma como tem sido tradicionalmente entendida. Faço o registro a fim de que, sendo o caso, o tema seja debatido no curso dessa demanda, para fins de oportuno saneamento - art. 357, CPC.
Quando a instituição de ensino encontre-se descredenciada pelo Ministério da Educação e Cultura. Em tais casos, os Tribunais têm reputado que a União Federal estaria legitimada a responder à pretensão de expedição e registro de diplomas.
AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO. JULGAMENTO CITRA PETITA - NULIDADE. FEITO PRONTO PARA JULGAMENTO - ART . 1.013, § 3º, III, CPC 2015 ENSINO SUPERIOR. EXPEDIÇÃO DE DIPLOMA. LEGITIMIDADE DA UNIÃO PARA FIGURAR NO POLO PASSIVO . INSTITUIÇÃO DE ENSINO DESCREDENCIADA DO MEC. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DA UNIÃO. DANOS MORAIS E MATERIAIS. 1 . Considerando que não foram abordados todos os tópicos declinados, mostra-se citra petita a sentença recorrida. Contudo, encontrando-se o feito em condições de imediato julgamento, e em homenagem aos princípios da economia e da celeridade processuais, aplicável o disposto no art. 1.013, § 3º, inciso II, do CPC . 2.
As demandas objetivando expedição de diploma de conclusão de curso superior envolvem o exame de atos no âmbito do Sistema Federal de Ensino, sendo a União, portanto, parte legitima para figurar no polo passivo da ação. Tema nº 1.145 do STF
. 3.
Em caso de instituição de ensino descredenciada e inadimplemento das obrigações pela mantenedora, é de responsabilidade da União (MEC) resolver a situação, transferindo o encargo a outra instituição de ensino no que tange à expedição do histórico escolar, na forma dos §§º 2º e 4º do art. 58 do Decreto 9.235/2017
. 4. Levando em conta as prerrogativas de que goza o MEC para exercer a fiscalização da instituição de ensino, bem como sua condição de ente concedente da autorização, tenho que resta caracterizado o nexo de casualidade entre o dano e a omissão da União. Sendo evidente o abalo psicológico, cabível a condenação ao pagamento de danos morais. 5 . A existência dos danos materiais alegados não prescinde de comprovação, não se podendo presumi-los sem base em prejuízo concretamente demonstrado. E, não tendo a autora se desincumbido de seu ônus probatório, resta desprovido o apelo quanto a este ponto. 6. Julgados parcialmente procedentes os pedidos formulados na inicial . (TRF-4 - AC - Apelação Cível: 50003626820214047133 RS, Relator.: GERSON GODINHO DA COSTA, Data de Julgamento: 27/02/2024, 3ª Turma, Data de Publicação: 27/02/2024)
Seja como for, como as ressalvas acima, o fato é que a Suprema Corte tem entendido que situações como a presente devem ser deliberadas pela Justiça Federal, consoante tema 1154, STF:
"
Compete à Justiça Federal processar e julgar feitos em que se discuta controvérsia relativa à expedição de diploma de conclusão de curso superior realizado em instituição privada de ensino que integre o Sistema Federal de Ensino, mesmo que a pretensão se limite ao pagamento de indenização
."
Logo, declaro a alçada da Justiça Federal para o presente caso
exclusivamente por força do tema 1154
, ressalvando entendimento em sentido distinto, por conta do alcance do art. 109, I, CF e dado que o diploma haveria de ser expedido e registrado pela própria instituição de ensino, quando credenciais.
2.11. Submissão do caso à alçada e rito dos Juizados:
A competência dos Juizados Especiais Federais é absoluta, diante do previsto no art. 98, I, Constituição e art. 3 da lei n. 10.259, de 2001. Logo, em princípio, não pode ser ampliada ou reduzida, impondo sua apreciação de ofício pelo Poder Judiciário, conforme art. 64, CPC.
Não se submetem à "
competência do Juizado Especial Cível as causas: (...) para a anulação ou cancelamento de ato administrativo federal, salvo o de natureza previdenciária e o de lançamento fiscal."
Convém ter em conta, todavia, que o processo é individualizado pela conjugação do trinômio partes, pedido e causa de pedir (art. 337, §2 CPC). Em decorrência do princípio da substanciação, a parte autora é obrigada a detalhar, na peça inicial, a sua pretensão, indicando o pedido e também a motivação do pedido. Note-se ainda que, como notório, apenas o dispositivo transita em julgado, conforme se infere do rt. 504, I, CPC:
"Não fazem coisa julgada: I - os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença."
Logo, como têm entendido os tribunais, os Juizados Especiais são compententes para apreciação de pretensões, nas quais a alegada nulidade do ato adminitrativo é invocada apenas como causa de pedir, e não como pedido:
"(....) Por outro lado, não é o caso de aplicação da exceção prevista no art. 3º , § 1º , III , da Lei 10.259 , uma vez que a autora invocou a alegada nulidade da revisão administrativa apenas como causa de pedir, dado que a sua pretensão é efetivamente condenatória. Desse modo, firma-se a competência absoluta dos Juizados Especiais Federais para o julgamento do feito, nos termos do artigo 98, I, da Constituição Federal."
(TRF-4 - RECURSO CÍVEL: 50446614920184047000 PR 5044661-49.2018.4.04.7000, Relator: GERSON LUIZ ROCHA, Data de Julgamento: 02/04/2020).
Ainda segundo a Turma Recursal,
"O valor da causa atribuído pela parte autora é inferior a 60 salários, o qual não foi impugnado, logo, não há o que discutir quanto a esse aspecto. Por outro lado, não é o caso de aplicação da exceção prevista no art. 3º, § 1º, III, da Lei 10.259, uma vez que "a autora invocou a alegada nulidade da revisão administrativa apenas como causa de pedir, dado que a sua pretensão é efetivamente condenatória". Desse modo, firma-se a competência absoluta dos Juizados Especiais Federais para o julgamento do feito, nos termos do artigo 98, I, da Constituição Federal. "
(TRF-4 - RECURSO CÍVEL: 50029127820204047001 PR 5002912-78.2020.4.04.7001, Relator: GERSON LUIZ ROCHA, 22/10/2020, PRIMEIRA TURMA RECURSAL DO PR)
Atente-se para os julgados que transcrevo abaixo:
PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA INSTAURADO ENTRE JUÍZO FEDERAL E JUIZADO ESPECIAL FEDERAL CÍVEL. COMPETÊNCIA DESTA E. CORTE. SÚMULA 428 DO STJ. AÇÃO INDIVIDUAL DE DISPENSA DE PAGAMENTO DE PEDÁGIO. INEXISTÊNCIA DE PEDIDO DE ANULAÇÃO DE ATO ADMINISTRATIVO. VALOR DA CAUSA INFERIOR A SESSENTA SALÁRIOS MÍNIMOS. COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL FEDERAL CÍVEL. PRECEDENTES DESTA 2ª SEÇÃO. CONFLITO PROCEDENTE. 1 - Nos termos da Súmula 428 do Superior Tribunal de Justiça, compete a esta E. Corte dirimir o presente conflito negativo de competência entre Juízo Federal e Juizado Especial Federal Cível. 2 - Busca a autora tão somente o reconhecimento de seu direito individual à dispensa do pagamento de pedágio na praça de arrecadação instalada no entroncamento das rodovias BR 153 e BR 369, localizada no município de Jacarezinho/PR, com fundamento na Portaria do Ministério dos Transportes nº 155/2004 bem como na sentença proferida nos autos da Ação Civil Pública nº 2006.70.13.002434-3. 3 -
A questão relativa à desconstituição de ato administrativo não faz parte do pedido do autor, que dela tratou apenas de forma incidental, como causa de pedir, de modo que, no caso dos autos, resta afastada a aplicação do art. 3º, § 1º, III, da Lei 10.259/01. Precedentes desta Segunda Seçã
o. 4 - Aplicável à hipótese em tela a regra geral prevista no caput do artigo 3º da Lei 10.259/2001, que estabelece a competência dos Juizados Especiais Federais em se tratando de causas com valor inferior a sessenta salários mínimos. 5 - Conflito procedente, para declarar a competência do Juizado Especial Federal Cível de Ourinhos/SP.Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Segunda Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, julgar procedente o conflito, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
(CC - CONFLITO DE COMPETÊNCIA - 21150 0000310-88.2017.4.03.0000, DESEMBARGADORA FEDERAL MÔNICA NOBRE, TRF3 - SEGUNDA SEÇÃO, e-DJF3 Judicial 1 DATA:14/07/2017).
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUÍZO FEDERAL DE JUIZADO ESPECIAL E JUÍZO FEDERAL DE JUIZADO COMUM. AÇÃO ORDINÁRIA QUE VISA O RECONHECIMENTO DE DIREITO. MERA REVISÃO DO ATO ADMINISTRATIVO. INAPLICABILIDADE DO INCISO III DO §1º DO ARTIGO 3º DA LEI Nº 10.250/01. A
parte autora pleiteia a declaração de direito à percepção de determinada vantagem pecuniária, não havendo pedido imediato de anulação de qualquer ato administrativo, o qual só seria atingido via reflexa, razão pela qual não se aplica, na espécie, a regra que excepciona da competência dos Juizados Especiais Federais para causas valoradas até sessenta salários mínimos. Inaplicável ao caso a exceção prevista no inc. III do §1º do art. 3º da Lei nº 10.259/01
. (TRF4 5018358-17.2016.4.04.0000, SEGUNDA SEÇÃO, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 22/12/2016).
CONFLITO DE COMPETÊNCIA. JUÍZO FEDERAL DE JUIZADO ESPECIAL E JUÍZO FEDERAL DE JUIZADO COMUM. COMPETÊNCIA DO STJ PARA APRECIAR O CONFLITO. JUIZADO ESPECIAL FEDERAL. COMPETÊNCIA. CRITÉRIOS. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL EM FACE DO VALOR DA CAUSA. 1. A jurisprudência do STJ é no sentido de que juízo de juizado especial não está vinculado jurisdicionalmente ao tribunal com quem tem vínculo administrativo, razão pela qual o conflito entre ele e juízo comum caracteriza-se como conflito entre juízos não vinculados ao mesmo tribunal, o que determina a competência do STJ para dirimi-lo, nos termos do art. 105, I, d, da Constituição. Precedentes. 2. A Lei 10.259/01, que instituiu os Juizados Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal, estabeleceu que a competência desses Juizados têm natureza absoluta e que, em matéria cível, obedece como regra geral a do valor da causa: são da sua competência as causas com valor de até sessenta salários mínimos (art. 3º). 3. A essa regra foram estabelecidas exceções ditadas (a) pela natureza da demanda ou do pedido (critério material), (b) pelo tipo de procedimento (critério processual) e (c) pelos figurantes da relação processual (critério subjetivo). Entre as exceções fundadas no critério material está a das causas que dizem respeito a "anulação ou cancelamento de ato administrativo federal, salvo o de natureza previdenciária e o de lançamento fiscal". 4. No caso, a demanda tem valor da causa inferior a sessenta salários mínimos e visa a obter indenização por danos morais. A ilegitimidade dos atos administrativos constitui apenas fundamento do pedido, não seu objeto. 5. Conflito conhecido, declarando-se a competência do Juízo Federal da 7ª Vara do Juizado Especial Cível da Subseção Judiciária de São Luís -MA, o suscitante. (STJ, CC 75314/MA, 1ª Seção, Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJ 27/08/2007).
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. EXCEÇÃO DO ART. 3º, § 1º, INC. III, DA LEI Nº 10.259/01 AFASTADA. JUIZADO ESPECIAL CÍVEL.
A pretensão formulada nesta ação não se enquadra em nenhuma das hipóteses arroladas no § 1º do art. 3º da Lei nº 10.259, visto não tratar a ação de anulação ou cancelamento de ato administrativo típico. O pedido envolve, apenas, reconhecimento de direito. Sendo o valor da causa inferior a 60 (sessenta) salários mínimos, cabe ao Juizado Especial Federal a competência para processar, conciliar e julgar as causas de competência da Justiça Federal
. (TRF4, conflito de competência (Seção) Nº 5008065-61.2011.404.0000, 2ª Seção, Des. Federal VILSON DARÓS, POR UNANIMIDADE, em 08/09/11). Assim, e atribuído à causa o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), tem-se que competente para o processamento e julgamento da lide o Juizado Especial Federal. Diante do exposto, nos termos do disposto no art. 120, § único, do CPC, conheço do presente conflito e declaro competente para o processamento e julgamento da lide o juízo suscitado (Juízo Substituto da 1ª Vara de Florianópolis). Publique-se. Comuniquem-se os juízos conflitantes e, com as formalidades de estilo, dê-se baixa na distribuição e arquivem-se os autos.
(TRF4 5013834-11.2015.404.0000, Segunda Seção, Relator Candido Alfredo Silva Leal Junior, 11/07/2015)
Eventual complexidade
da demanda não afasta a sua submissão à alçada dos Juizados Especiais Federais, diante do disposto no art. 98, I, Constituição/88 e art. 3 da lei n. 10.259/2001:
"
Não há óbice na Lei nº 10.259/01 a produção de prova pericial nos processos de competência do Juizado Especial Federal. Ao contrário, há previsão expressa no seu Art. 12 relativa a realização de prova técnica. 2. É entendimento assente na jurisprudência que a complexidade da prova necessária ao julgamento da controvérsia não é incompatível com o rito do JEF, sendo certo que o legislador elegeu como único critério de delimitação de sua competência o valor da causa 3. Agravo de instrumento desprovido
."
(TRF-3 - AI: 50174760920214030000 SP, Relator: Desembargador Federal PAULO OCTAVIO BAPTISTA PEREIRA, Data de Julgamento: 07/12/2021, 10ª Turma, 10/12/2021)
Assim, a presente causa submete-se ao rito e à alçada dos juizados especiais federais, dado que o conteúdo econômico da pretensão da autora é inferior a
60 salários mínimos
, definidos no decreto nº 11.864, de 27 de dezembro de 2023, atendendo ao art. 3,
caput,
da lei n. 10.259, de 2001. A aventada nulidade da atividade da União Federal foi invocada como causa de pedir e não como pedido, dado que a pretensão do(a) autor(a) é de natureza condenatória.
2.12.
Competência
desta Subseção Judiciária:
A presente Subseção de Curitiba é competente para a causa, conforme art. 53, III, "d" e IV, "a", CPC/15. Ademais, aplica-se ao caso o art. 109, §2º, CF, que prevalece sobre o
art. 3º, §3º, da lei n. 10.259, de 2001
.
Por outro lado, anoto que o STF tem aplicado o art. 109, §2º, CF, também quando em causa pretensões endereçadas às autarquias e empresas públicas federais.
CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA. CAUSAS AJUIZADAS CONTRA A UNIÃO. ART. 109, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CRITÉRIO DE FIXAÇÃO DO FORO COMPETENTE. APLICABILIDADE ÀS AUTARQUIAS FEDERAIS, INCLUSIVE AO CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA - CADE. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. I - A faculdade atribuída ao autor quanto à escolha do foro competente entre os indicados no art. 109, § 2º, da Constituição Federal para julgar as ações propostas contra a União tem por escopo facilitar o acesso ao Poder Judiciário àqueles que se encontram afastados das sedes das autarquias. II –
Em situação semelhante à da União, as autarquias federais possuem representação em todo o território nacional. III - As autarquias federais gozam, de maneira geral, dos mesmos privilégios e vantagens processuais concedidos ao ente político a que pertencem. IV - A pretendida fixação do foro competente com base no art. 100, IV, a, do CPC nas ações propostas contra as autarquias federais resultaria na concessão de vantagem processual não estabelecida para a União, ente maior, que possui foro privilegiado limitado pelo referido dispositivo constitucional. V - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem decidido pela incidência do disposto no art. 109, § 2º, da Constituição Federal às autarquias federais. Precedentes. VI - Recurso extraordinário conhecido e improvido
. (STF - RE: 627709 DF, Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 20/08/2014, Tribunal Pleno, Data de Publicação: REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO)
Nesse mesmo sentido, convergem os julgados: RE 499.093-AgR-segundo/PR e AI 793.409/RS, rel. Min. Ricardo Lewandowski; RE 234.059/AL, Rel. Min. Menezes Direito; RE 484.235-AgR/MG, Rel. Min. Ellen Gracie; RE 488.704/RJ, RE 527.498/SC e RE 603.311/RS, Rel. Min. Marco Aurélio; RE 590.649/RJ, RE 474.691/SC e RE 491.331/SC, Rel. Min. Cármen Lúcia; RE 474.825/PR, Rel. Min. Dias Toffoli.
Com efeito,
"A competência absoluta dos Juizados Especiais, referida no art. 3º , § 3º , da Lei n. 10.259 /01 não constitui obstáculo à redistribuição para fins de equalização de acervo, desde que o encaminhamento ocorra para outra Vara com competência também vinculada ao sistema dos Juizados Especiais Federais. 5. A norma que afirma que "no foro onde estiver instalada Vara do Juizado Especial, a sua competência é absoluta" tem ligação histórica com a interpretação dada pela doutrina e pela jurisprudência à Lei nº 9.099 /95, no sentido de que "o ajuizamento da ação perante o juizado especial é uma opção do autor (art. 3 ., par.3., da Lei 9.099 /95)" ( REsp 151.703/RJ , Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 24/03/1998, DJ 08/06/1998, p. 124). 6.
O ajuizamento obrigatório de causas de até 60 salários mínimos nos Juizados Especiais Federais empresta a essas ações uma competência absoluta para o próprio sistema dos Juizados Especiais, mas não torna essas ações infensas às medidas de equalização. Nada impede, portanto, a incidência do art. 109 , § 2º , da Constituição Federal , no sentido de que as causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou, ainda, no Distrito Federal
."
(TRF-4 - CC: 50799694420214047000 PR 5079969-44.2021.4.04.7000, Relator: NICOLAU KONKEL JÚNIOR, Data de Julgamento: 24/02/2022, PRIMEIRA TURMA RECURSAL DO PR)
Por conseguinte,
considerando o alcance do art. 109, §2, CF, a tramitação desta causa perante esta Subseção Judiciária está em conformidade com a legislação
. Ademais, as partes não suscitaram exceção de incompetência, na forma do art. 65, CPC/15, e súmula 33, Superior Tribunal de Justiça.
2.13.
Competência
deste Juízo:
A distribuição da demandante perante o presente Juízo Substituto desta 11.VF se deu mediante sorteio, abrangendo as unidades com atribuições cíveis, nesta Subseção, com atenção à garantia do Juízo Natural - art. 5, LIII, Constituição Federal.
2.14. Eventual conexão processual:
Nâo há sinais de que esta demanda mantenha conexão com alguma outra, porventura ainda em curso, para fins de reunião e solução conjunta, na forma do art. 55, §1, CPC/15 e leitura
a contrario sensu
da súmula 235, do Superior Tribunal de Justiça, questão de resto não suscitada pelas partes.
2.15.
Singularidade
da demanda:
Não há indicativos de que esta demanda seja reiteração de alguma outra, porventura já julgada, com sentença transitada em julgado. Como sabido, a coisa julgada é assegurada constitucionalmente, na forma do art. 5, XXXVI, Lei Maior, enquanto projeção da garantia da segurança jurídica. Eventual sentença transitada em julgada em regra não pode ser alterada pelo Juízo e tampouco pela parte atingida, salvo eventual celebração de acordo com a parte reconhecida como credora na decisão, quando em causa interesses disponíveis (lógica, por exemplo, do art. 190, CPC).
Desse modo, a sentença transitada em julgado não pode ser alterada ou desconsiderada pelo Juízo, conforme lógica do art. 508, CPC/15. Tal alteração apenas seria admissível em casos de negócio processual, avençado entre as partes, versando sobre pretensões disponíveis, conforme art. 190, CPC/15. Também seria cabível em hipótese de ação rescisória, interposta perante o Tribunal competente e com atenção ao prazo do art. 975, CPC/15; em caso de
querela nullitatis insanabilis
ou de declaração, pela Suprema Corte, da inconstitucionalidade de norma tomada como fundamento para prolação da sentença (art. 535, §4º, CPC). No caso, de todo modo, não há indicativos de desconsideração à coisa julgada, por conta do processo em exame.
Ademais, tampouco há litispendência, o que pressupõe - conforme art. 337, §2, CPC/15 - identidade de partes, pedido, causa de pedir. No momento, atentando-se para a presente causa, não vilumbrei sinais de violação ao
ne bis in idem.
2.16. Eventual suspensão da demanda:
Não estão atendidos os requisitos para a suspensão da demanda, a exemplo do que se encontra previsto no art. 313 ou art. 982, CPC/15. Não há questões prejudiciais a ensejarem a estagnação desta demanda no aguardo de solução.
2.17. Julgamento imediato da demanda:
Em regra, o Poder Judiciário deve facultar a ambas as partes, observados os prazos de lei, a realização da mais ampla dilação probatória, desde que seja conexa ao pedido e à causa de pedir deduzidos nos autos.
Isso não significa, porém, que todo e qualquer pedido, lançado pelos contendores, deva ser automaticamente deferido. Ao contrário, as diligências destinadas a esclarecer fatos totalmente impertinentes com o
thema decidendum
não hão de ser realizadas, sob pena de converter o processo em um verdadeiro trabalho de Sísifo. Como sabido,
frusta probatur quod probantum non relevat.
Importa dizer: não se defere a realização de diligências destinadas a demonstrar fatos insuscetíveis de influenciar o resultado da demanda.
Esse é, por exemplo, o conteúdo do art. 464, §1º, do CPC. Reporto-me também ao art. 38, §2º, da Lei nº 9.784/99, que regula o processo administrativo:
"Somente poderão ser recusadas, mediante decisão fundamentada, as provas propostas pelos interessados quando sejam ilícitas, impertinentes, desnecessárias ou protelatórias."
Outro não é o conteúdo do art. 370, parágrafo único, CPC/15.
NA ESPÉCIE,
não foram requeridas dilações probatórias
pelas partes, para além da juntada de documentos, não havendo lastro jurídico para determinar de ofício a produção de novas provas, dado o postulado dispositivo (art. 141, CPC);
"
Ademais, não houve cerceamento de defesa em razão da não produção de prova pericial requerida, vez que os embargos à monitória têm como mote a revisão de cláusulas contratuais tidas por abusivas e sua interpretação, repousando a discussão em matéria eminentemente de direito, de modo que não há óbice ao julgamento antecipado da lide
." (AC 200651010029916, Desembargador Federal ALUISIO GONÇALVES DE CASTRO MENDES, TRF2 - QUINTA TURMA ESPECIALIZADA, E-DJF2R - Data::12/02/2014.)
"2. Quando só há pontos controvertidos de direito a serem solucionados no processo, deve o juiz proceder ao julgamento antecipado da lide, nos termos do art. 330, inciso I, do CPC, não constituindo tal procedimento cerceamento de defesa. Ademais, o Magistrado tem o poder-dever de julgar antecipadamente a lide, desprezando a realização de audiência para a produção de prova testemunhal, acaso verifique que a prova documental carreada para os autos é suficiente para orientar o seu entendimento." (AC 00148643120114058100, Desembargador Federal Élio Wanderley de Siqueira Filho, TRF5 - Terceira Turma, DJE - Data::27/09/2013 - Página::288, omiti parte do julgado)
Na forma do art. 5 da lei n. 11.419/2006, as partes devem promover acessos periódicos ao eproc, sob pena de se presumir a sua intimação dos atos processuais pertinentes
. Na espécie, portanto, reputo que as partes não manifestaram interesse em diligência demonstrativas.
2.18. Legitimidade da autora para a causa:
O(a) autor(a) deduziu pretensão própria, em nome próprio, não esbarrando na vedação do art. 18, CPC. Ele(a) sustentou ter frequentado curso superior, não obtendo, porém, o pertinente diploma registrado, em que pese houvesse atendido os requisitos para esse fim.
2.19. Legitimidade do Conselho Regional para o caso:
O Conselho está legitimado para esta demanda, no que toca à pretensão à inscrição junto à aquela autarquia federal. Com efeito, cabe ao Coselho apreciar pedidos de inscrição provisória e definitiva para exercício da atividade de enfermeiro(a).
2.20. Legitimidade do Estado do Paraná:
A autora sustentou que o Estado do Paraná estaria legitimado para a demanda, eis que se cuidaria da expedição de diploma de curso TÉCNICO, cuja entrega não teria sido promovida pela instituição de ensino requerida.
APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO OBRIGACIONAL C/C INDENIZATÓRIA. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. DEMORA PARA EMISSÃO DE DIPLOMA DE CURSO TÉCNICO DE ENFERMAGEM . SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. RECURSO DA DEMANDANTE E DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. 1.
O Magistrado sentenciante salientou que a 1ª ré não possuía autorização para o funcionamento do curso de Técnico em Enfermagem, concluindo pela impossibilidade de acolhimento do pedido de entrega do diploma de conclusão . Entendeu pela existência de dano extrapatrimonial e fixou a indenização em R$ 20.000,00. 2. Preliminar de ilegitimidade passiva suscitada pelo Estado do Rio de Janeiro . Rejeição. 3. Restou comprovado nos autos que a autora se matriculou no Curso de Educação Profissional na Área de Saúde com Habilitação em Técnico em Enfermagem em 16/06/2012, havendo uma declaração, datada de 29/08/2014, informando que a demandante concluiu o referido curso com aproveitamento e estava incluída na lista dos alunos que seriam publicados, aguardando a Coordenadoria e a Inspeção Escolar para o processo de registro de diploma
. 4 . Desta feita, observa-se que a autora concluiu o curso enquanto ainda estava vigente a autorização estatal conferida à instituição para o regular funcionamento do Curso de Educação Profissional na Área de Saúde com Habilitação em Técnico em Enfermagem. Cabe salientar, neste ponto, que a emissão do Parecer nº 66/2017 - que encerrou "de jure" as atividades da JOMASA - se deu apenas em 2017. 5. Portanto, no cenário dos autos, não há óbice para a expedição do diploma pretendido . 6. Danos morais caracterizados. 7. Autora que concluiu o curso técnico de enfermagem em 2014 e até a sentença, proferida em junho de 2023, ainda não havia recebido o respectivo diploma, impossibilitando-a de exercer sua profissão . 8. Em relação ao quantum entendo que o valor arbitrado em R$ 20.000,00 foi aplicado em patamar elevado, merecendo redução para R$ 8.000,00 . 9. Possibilidade de condenação do Estado ao pagamento dos honorários advocatícios em favor da Defensoria Pública. 10. A Autonomia orçamentária pôs fim à confusão com a Administração Pública Direta, de acordo com o entendimento do Supremo Tribunal Federal . 11. Estado do Rio de Janeiro que é isento do pagamento de custas e da taxa judiciária. 12. Provimento do recurso interposto pela parte autora para julgar procedente o pedido de expedição do diploma . 13. Parcial provimento do recurso interposto pelo Estado do Rio de Janeiro para reduzir os danos morais para R$ 8.000,00, bem como para excluir a sua condenação ao pagamento das custas e da taxa judiciária. (TJ-RJ - APELAÇÃO: 0020127-53 .2016.8.19.0014 202300184886, Relator.: Des(a) . JDS ISABELA PESSANHA CHAGAS, Data de Julgamento: 01/02/2024, QUINTA CAMARA DE DIREITO PUBLICO (ANTIGA 16ª CÂMAR, Data de Publicação: 08/02/2024)
A oferta de ensino médio é fiscalizada pelos Estados-membros, conforme art. 10 da lei de diretrizes e bases da educação - lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Por conta disso, reconheço legitimidade do Estado do Paraná para o debate travado neste processo.
2.21. Legitimidade da instituição de ensino:
A instituição de ensino requerida guarda pertinência subjetiva para esta demanda, na medida em que teria sido a encarregada, segundo a inicial, de ofertar o curso frequentado pela autora, tendo celebrado contrato de prestação de serviços educacionais com ela. Assim, na forma do art. 17, CPC, ela está legitimada para esta demanda.
2.22. Cogitada legitimidade da União:
Os tribunais têm reconhecido legitimidade à União Federal para figurar como requerida em demandas versando sobre a expedição de diplomas de curso superior. Com efeito, ao interpretarem o art. 48 da lei de diretrizes e bases da educação (lei n. 9394/1996), os Colegiados Recursais têm enfatizado o que segue:
ADMINISTRATIVO. CURSO SUPERIOR SEMIPRESENCIAL. FACULDADE VIZIVALI. PROGRAMA ESPECIAL DE CAPACITAÇÃO PARA A DOCÊNCIA DOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL E DA EDUCAÇÃO INFANTIL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. LEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO FEDERAL. JUÍZO DE RETRATAÇÃO. 1.
O Superior Tribunal de Justiça no julgamento do REsp 1.344.771, firmou tese nos seguintes termos: Em se tratando de demanda em que se discute a ausência/obstáculo de credenciamento da instituição de ensino superior pelo Ministério da Educação como condição de expedição de diploma aos estudantes, é inegável a presença de interesse jurídico da União, razão pela qual deve a competência ser atribuída à Justiça Federal, nos termos do art. 109, I, da Constituição Federal de 1988 (Tema 584)
2. Havendo interesse da União na lide, uma vez que os danos decorreram da não-expedição do diploma, a competência para o julgamento da ação é da Justiça Federal. Em consequência, deve ser anulada a sentença proferida, em razão da incompetência absoluta da Justiça Estadual do Paraná, remetendo os autos à justiça competente para julgamento da lide, com a integração da União no polo passivo da ação. 3. A anulação da sentença de juízo não vinculado a esta Corte decorre da observância dos princípios da celeridade e da economia processual. (TRF4, AC 5033664-31.2018.4.04.9999, Terceira Turma, Relatora Carla Evelise Justino Hendges, Data da Decisão: 18/06/2019)
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. LEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO. EXPEDIÇÃO DE DIPLOMA DE CONCLUSÃO DECURSO SUPERIOR. AUSÊNCIA DE CREDENCIAMENTO DA INSTITUIÇÃO DE ENSINO PELO MEC. AGRAVO INTERNO DA UNIÃO DESPROVIDO. 1. Ao contrário do que afirma a agravante, as razões recursais estão bem expressas e delineadas permitindo a exata compreensão da controvérsia, além do que a matéria foi devidamente prequestionada. 2.
A UNIÃO tem interesse jurídico para compor o polo passivo da demanda, nas causas em que se busca o diploma de conclusão de curso de ensino superior, em razão da ausência de credenciamento da instituição de ensino pelo MEC (Ministério da Educação)
. 3. Agravo Interno da UNIÃO desprovido. (STJ, AgInt no AREsp 396028/PR, Primeira Turma, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 02/08/2017)
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. INSTITUIÇÃO DE ENSINO SUPERIOR. AUSÊNCIA DE CREDENCIAMENTO PELO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. INTERESSE DA UNIÃO. INTELIGÊNCIA DA LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO. DANOS MATERIAIS. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. 1. Trata-se de conflito negativo por iniciativa do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná contra o Juízo Federal da 11ª Vara da Seção Judiciária daquela unidade federada, relativamente à Ação de Reparação de Danos Materiais e Morais proposta em desfavor de IESDE Brasil S.A., Vizivali e Estado do Paraná. 2. Na inicial, o autor alega que os réus autorizaram, ofereceram e ministraram o Programa de Capacitação para Docência dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental e da Educação Infantil - CNS (Capacitação e Formação de Professores em Nível Superior, com licenciatura plena), que equivaleria à graduação, mas que após o término descobriu tratar-se de curso irregular, que não permite a emissão do diploma, deficiência que seria causa de danos morais e materiais, de que busca se ressarcir por meio da devolução das mensalidades pagas. 3.
Em se tratando de demanda em que se discute a ausência/obstáculo de credenciamento da instituição de ensino superior pelo Ministério da Educação como condição de expedição de diploma aos estudantes, é inegável a presença de interesse jurídico da União, razão pela qual deve a competência ser atribuída à Justica Federal, nos termos do art. 109, I, da Constituição Federal de 1988 (REsp 1.344.771/PR
. Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, DJe 2/8/2013). 4. Conflito de Competência conhecido para declarar competente o Juízo Federal, suscitado. ..EMEN: (CC - CONFLITO DE COMPETENCIA - 156186 2018.00.00068-4, HERMAN BENJAMIN, STJ - PRIMEIRA SEÇÃO, DJE DATA:20/11/2018 )
GRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO. JULGAMENTO CITRA PETITA - NULIDADE. FEITO PRONTO PARA JULGAMENTO - ART . 1.013, § 3º, III, CPC 2015 ENSINO SUPERIOR. EXPEDIÇÃO DE DIPLOMA. LEGITIMIDADE DA UNIÃO PARA FIGURAR NO POLO PASSIVO . INSTITUIÇÃO DE ENSINO DESCREDENCIADA DO MEC. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DA UNIÃO. DANOS MORAIS E MATERIAIS. 1 . Considerando que não foram abordados todos os tópicos declinados, mostra-se citra petita a sentença recorrida. Contudo, encontrando-se o feito em condições de imediato julgamento, e em homenagem aos princípios da economia e da celeridade processuais, aplicável o disposto no art. 1.013, § 3º, inciso II, do CPC . 2.
As demandas objetivando expedição de diploma de conclusão de curso superior envolvem o exame de atos no âmbito do Sistema Federal de Ensino, sendo a União, portanto, parte legitima para figurar no polo passivo da ação. Tema nº 1.145 do STF . 3. Em caso de instituição de ensino descredenciada e inadimplemento das obrigações pela mantenedora, é de responsabilidade da União (MEC) resolver a situação, transferindo o encargo a outra instituição de ensino no que tange à expedição
do histórico escolar, na forma dos §§º 2º e 4º do art. 58 do Decreto 9.235/2017 . 4. Levando em conta as prerrogativas de que goza o MEC para exercer a fiscalização da instituição de ensino, bem como sua condição de ente concedente da autorização, tenho que resta caracterizado o nexo de casualidade entre o dano e a omissão da União. Sendo evidente o abalo psicológico, cabível a condenação ao pagamento de danos morais. 5 . A existência dos danos materiais alegados não prescinde de comprovação, não se podendo presumi-los sem base em prejuízo concretamente demonstrado. E, não tendo a autora se desincumbido de seu ônus probatório, resta desprovido o apelo quanto a este ponto. 6. Julgados parcialmente procedentes os pedidos formulados na inicial . (TRF-4 - AC - Apelação Cível: 50003626820214047133 RS, Relator.: GERSON GODINHO DA COSTA, Data de Julgamento: 27/02/2024, 3ª Turma, Data de Publicação: 27/02/2024)
No caso em análise, porém, discute-se a expedição e o registro de diploma de ensino médio.
2.23.
Cogitado litisconsórcio - caso em exame:
Não diviso um contexto processual que dê ensejo à caracterização de litisconsórcio necessário, de modo a exigir o endereçamento da pretensão do autor em face de terceiros, conforme arts. 114, 115, 506, CPC/15.
Note-se que, por força do art. 942, parágrafo único, Código Civil/02, sendo dado ao demandante processar apenas alguns ou todos os alegados causadores do prejuízo, conforme regime da solidariedade passiva (arts. 275 e ss., Código de Processo Civil). Não vigora, na seara cível, algo semelhante ao postulado da indivisibilidade da ação penal, previsto no art. 48, CPP/41, medida incompatível com o regime de solidariedade passiva.
Conjecture-se que um determinado motorista tenha sido vítima de um acidente de trânsito causado por vários outros condutores, todos abalroando seu veículo. Ele não está obrigado a endereçar sua pretensão em face de todos os cogitados causadores, na medida em que, por força da conjugação do art. 942, parágrafo único e arts. 275 e ss., Código Civil, pode escolher um ou alguns, para fins de responsabilização, sem prejuízo de que os demandados possam endereçar pretensões regressivas contra os demais causadores, a fim de exigir a diferença que tenham pago a maior do que a cota que lhes cabia (art. 283, CC/2002).
Revela-se adequada, portanto, o endereçamento da pretensão em face da União e das instituições de ensino, não se exigindo que outras entidades ou sujeitos sejam convocados para a demanda.
2.24.
Interesse
processual - caso em exame:
O(a) autor(a) possui interesse no processo e julgamento desta demanda, na medida em que a sua pretensão dificilmente seria acolhida no âmbito extrajudicial, conforme se infere da contestação do requerido. Repiso que o ingresso em Juízo é direito fundamental, consagrado pelo art. 5, XXXV, Constituição/88.
Registro não ser necessário o exaurimento do debate no âmbito extrajudicial para, só então, se deflagrar uma demanda como a presente, dado que a legislação não impõe aludido requisito. Por outro lado, caso sua pretensão venha a ser acolhida, em sentença transitada em julgado, a medida lhe será útil, incrementando/restaurando o seu patrimônio. Por outro lado, o meio processual empregado para aludido debate revela-se adequado, como registrei acima. Destarte, o art. 17, CPC/15, restou atendido, conforme trinômio necessidade, utilidade e adequação.
2.25. Devido processo judicial:
Por outro lado, não se pode perder de vista que
"A teoria do devido processo legal, construída na jurisprudência da Suprema Corte dos Estados Unidos, compreende duas perspectivas: substantive due process e procedural due process. A primeira é projeção do princípio no campo do direito material, enquanto a segunda funciona como garantia na esfera processual. O espectro da proteção é o trinômio vida-liberdade-propriedade."
(BACELLAR FILHO, Romeu F.
Processo administrativo disciplinar.
SP: Max Limonad, p. 223).
Desse modo,
"Quanto ao procedural du process, os dois interesses centrais podem ser identificados no caso Marschall versus Jerrico, inc. 446 US 238 (1980): o governo não deve privar uma pessoa de um interesse importante a menos que a correta compreensão dos fatos e a lei permita; mesmo se o governo puder legalmente privar alguém de um interesse importante, o indivíduo tem o direito de ser ouvido perante uma Corte neutra antes da privação. Enquanto a primeira regra prende-se à realidade da Justiça
('actuality of justice'),
a segunda envolve a aparência de justiça
('appearance of justice')" (BACELLAR FILHO. Romeu.
Obra citada.
p. 224).
Reporto-me também à lição de Canotilho:
"Processo devido em direito significa a obrigatoriedade da observância de um tipo de processo legalmente previsto antes de alguém ser privado da vida, da liberdade e da propriedade. Nestes termos, o processo devido é o processo previsto na lei para a aplicação de penas privativas da vida, da liberdade e da propriedade. Dito por outras palavras: due process equivalente ao processo justo definido por lei para se dizer o direito no momento jurisdicional de aplicação de sanções criminais particularmente graves (...) o due process of law pressupõe que o processo legalmente previsto para a aplicação de penas seja ele próprio um processo devido, obedecendo aos trâmites procedimentais formalmente estabelecidos na Constituição ou plasmados em regras regimentais das assembléias legislativas."
(CANOTILHO, José Joaquim Gomes.
Direito constitucional e teoria da Constituição.
7. ed. Almedina, p. 493)
Importa dizer: o Estado deve assegurar, aos sujeitos, o exercício efetivo da ampla defesa e contraditório. Deve comunicar-lhe, ademais, as decisões judiciais, de modo a documentar a sua efetiva ciência. É o que se infere, por sinal, do Decreto 70.235 (art. 10, V c/ art. 23), e também lei 9784/1999 (arts. 26-28).
2.26. Citação
e teoria da aparência:
A legislação recepcionou a chamada "teoria da aparência", de modo que a citação é considerada válida quando realizada pelos Correios, no endereço correto do destinatário, mesmo que recebida por terceiro, não havendo a necessidade de assinatura do próprio citado no aviso de recebimento.
Isso é bem ilustrado pelo art. 248, §4º, CPC/15:
"
Nos condomínios edilícios ou nos loteamentos com controle de acesso, será válida a entrega do mandado a funcionário da portaria responsável pelo recebimento de correspondência, que, entretanto, poderá recusar o recebimento, se declarar, por escrito, sob as penas da lei, que o destinatário da correspondência está ausente.
"
Atente-se também para os seguintes julgados:
"Trata-se de agravo de instrumento interposto contra decisão que, em execução de título extrajudicial, considerou válidas as citações e intimações postais realizadas no endereço da parte executada, ainda que recebidas por terceiro, bem como indeferiu o pedido de liberação dos valores bloqueados superiores a 40 salários mínimos. (...) É o relatório. Decido. Nulidade da citação. A teor do disposto no art. 247 do Código de Processo Civil "a citação será feita pelo correio para qualquer comarca do país", com exceção dos casos previstos nos incisos I a V do referido dispositivo legal, sendo considerada válida a entrega de mandato a funcionário da portaria responsável pelo recebimento de correspondência, nos casos de condomínios editalícios ou nos loteamentos com controle de acesso. Transcrevo os referidos dispositivos: Art. 247. A citação será feita por meio eletrônico ou pelo correio para qualquer comarca do País, exceto: (Redação dada pela Lei nº 14.195, de 2021) I - nas ações de estado, observado o disposto no art. 695, § 3º ; II - quando o citando for incapaz; III - quando o citando for pessoa de direito público; IV - quando o citando residir em local não atendido pela entrega domiciliar de correspondência; V - quando o autor, justificadamente, a requerer de outra forma. Art. 248. Deferida a citação pelo correio, o escrivão ou o chefe de secretaria remeterá ao citando cópias da petição inicial e do despacho do juiz e comunicará o prazo para resposta, o endereço do juízo e o respectivo cartório. § 1º A carta será registrada para entrega ao citando, exigindo-lhe o carteiro, ao fazer a entrega, que assine o recibo. § 2º Sendo o citando pessoa jurídica, será válida a entrega do mandado a pessoa com poderes de gerência geral ou de administração ou, ainda, a funcionário responsável pelo recebimento de correspondências. § 3º Da carta de citação no processo de conhecimento constarão os requisitos do art. 250 . § 4º
Nos condomínios edilícios ou nos loteamentos com controle de acesso, será válida a entrega do mandado a funcionário da portaria responsável pelo recebimento de correspondência, que, entretanto, poderá recusar o recebimento, se declarar, por escrito, sob as penas da lei, que o destinatário da correspondência está ausente. Como se vê, a Lei processual prevê expressamente que a citação é considerada válida quando realizada por correio no endereço correto do destinatário, mesmo que recebida por terceiro, não havendo a necessidade de assinatura do próprio citado no aviso de recebimento
." (TRF4, AG 5016285-62.2022.4.04.0000, TERCEIRA TURMA, Relatora MARGA INGE BARTH TESSLER, juntado aos autos em 27/04/2022)
ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE COBRANÇA. CONTRATOS BANCÁRIOS. CARTÃO DE CRÉDITO. BENEFÍCIO DA GRATUIDADE DA JUSTIÇA. DEFERIMENTO EM GRAU DE APELO. PESSOA FÍSICA. VALIDADE DA CITAÇÃO. APLICABILIDADE DO CDC. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. COMPROVAÇÃO DA DÍVIDA. SUFICIÊNCIA DA DOCUMENTAÇÃO PARA PROSSEGUIMENTO DA COBRANÇA. 1. Para o deferimento do benefício da justiça gratuita à pessoa física, basta a declaração da parte requerente no sentido de que não possui condições de arcar com os ônus processuais, descabendo outros critérios para infirmar a presunção legal de pobreza. 2. A gratuidade da justiça pode ser requerida a qualquer tempo, mas, uma vez concedida, não tem efeito retroativo, de modo que só se aplica aos atos posteriores ao pedido de AJG deferido. 3.
É válida a citação via postal, com aviso de recebimento, entregue no endereço correto da parte ré, ainda que recebido por terceiro
. (...) (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 5013555-89.2020.4.04.7100, 3ª Turma, Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 15/12/2021)
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. CONTRATOS BANCÁRIOS. CITAÇÃO NO PROCESSO DE EXECUÇÃO. CORREIO. CARTA. AR. POSSIBILIDADE. MÁ-FÉ DO CITADO. HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS. - Cabe a realização da citação, em sede de execução de título extrajudicial, mediante carta AR, a teor do artigo 247 do CPC, inclusive sendo dispensável que o próprio executado aponha sua assinatura no aviso de recebimento. -
É válida a citação efetuada em endereço comercial de empresa da qual o citado é sócio-administrador. - Configura litigância de má-fé a alegação de desconhecimento de endereço no qual funciona empresa da qual o embargante é sócio-administrador
. - Com a apresentação de contrarrazões pela apelada que não havia sido citada anteriormente, há angularização da relação processual, o que torna necessária a fixação de honorários sucumbenciais. (TRF4, AC 5033454-82.2020.4.04.7000, QUARTA TURMA, Relator RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, juntado aos autos em 28/04/2021)
ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE COBRANÇA. APELAÇÃO. CARTA DE CITAÇÃO POSTAL RECEBIDA POR TERCEIRO. VALIDADE.
É válida a citação pela via postal, com aviso de recebimento entregue no endereço correto do executado, mesmo que recebida por terceiro
(TRF4, AC 5037001-67.2019.4.04.7000, QUARTA TURMA, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 25/02/2021)
2.27. Citação - caso em exame:
No caso, na peça inicial, a autora sustentou Centro de Educação Profissional Integrado estaria situada na Avenida Duque de Caxias, n.º 1.290, bairro: Igapó, Londrina, Paraná.
Tentou-se a citação da requerida, sem se lograr êxisto nisso, conforme evento 13. No movimento 21, atestou-seque a representante legal da referida instituição de ensino teria falecido.
Ao que sinalizam os autos, é o caso de promover a citação por edital da requerida. Contudo, tal medida é incompatível com o rito dos Juizados Especiais, conforme art. 18 da lei n. 9.099/1995, §2, CPC. Logo, quanto à mencionada demandada impõe-se o desmembramento da causa, a fim de que tramite sob o rito comum
.
2.28. Valor da demanda:
No caso em apreço, a atribuição de valor à demanda não foi impugnada pelos requeridos - R$ 30.000,00. Reputo que referida valoração está em conformidade com o conteúdo econômico da pretensão da requerente.
2.29. Antecipação de tutela - considerações gerais:
Como sabido, a cláusula do devido processo envolve alguma aporia. Por um lado, o processo há de ser adequado: deve assegurar defesa, contraditório, ampla produção probatória. E isso consome tempo. Todavia, o processo também deve ser eficiente, ele deve assegurar ao titular de um direito uma situação jurídica idêntica àquela que ele teria caso o devedor houvesse satisfeito sua obrigação na época e forma devidas.
A demora pode contribuir para um debate mais qualificado entre as partes; todavia, também leva ao grande risco de ineficácia da prestação jurisdicional, caso o demandante tenha realmente razão em seus argumentos.
Daí a relevância do prudente emprego da tutela de urgência, prevista no art. 300 e ss. do CPC/15. Desde que a narrativa do demandante seja verossímil, seus argumentos sejam fundados e a intervenção imediata do Poder Judiciário seja necessária - i.e., desde que haja
fumus boni iuris
e
periculum in mora -
a antecipação da tutela deverá ser deferida.
Sem dúvida, porém, que o tema exige cautela, eis que tampouco soa compatível com o devido processo a conversão da antecipação em um expediente rotineiro, o que violentaria a cláusula do art. 5º, LIV e LV, CF. Ademais, o provimento de urgência não pode ser deferido quando ensejar prejuízos irreversíveis ao demandado (art. 300, §3º, CPC).
Daí o relevo da lição de Araken de Assis, como segue:
"A tutela de urgência e a tutela de evidência gravitam em torno de dois princípios fundamentais: (a) o princípio da necessidade; e (b) o princípio da menor ingerência.
Princípio da necessidade - Segundo o art. 301, in fine, a par do arresto, sequestro, arrolamento de bens, e protesto contra a alienação de bens, o órgão judiciário poderá determinar qualquer outra medida idônea para asseguração do direito. Essa abertura aplica-se às medidas de urgência satisfativas
(art. 303, caput): a composição do conflito entre os direitos fundamentais somente se mostrará legítima quando houver conflito real, hipótese em quase patenteia a necessidade de o juiz alterar o esquema ordinário de equilíbrio das partes perante o fator temporal do processo. A necessidade de o juiz conceder medida de urgência apura-se através da comparação dos interesses contrastantes dos litigantes. Dessa necessidade resulta a medida adequada à asseguração ou à satisfação antecipada em benefício do interesse mais provável de acolhimento em detrimento do interesse menos provável.
Princípio do menor gravame - O princípio do menor gravame ou da adequação é intrínseco à necessidade. É preciso que a medida de urgência seja congruente e proporcional aos seus fins, respectivamente a asseguração ou a realização antecipada do suposto direito do autor. Por esse motivo, a medida de urgência cautelar prefere à medida de urgência satisfativa, sempre que adequada para evitar o perigo de dano iminente e irreparável, e, na órbita das medidas de urgência satisfativas, o órgão judiciário se cingirá ao estritamente necessário para a mesma finalidade." (ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
volume II. Tomo II. Parge Geral: institutos fundamentais. São Paulo: RT, 2015, p. 370-371).
Cuidando-se, ademais, de pedido em desfavor da Fazenda Pública, a
lei 8.437/1992
veda a antecipação de tutela que implique compensação de créditos tributários ou previdenciários (art. 1º, §5º). A lei do mandado de segurança veda a concessão de liminares com o fim de se promover a entrega de mercadorias, a reclassificação de servidores públicos e o aumento ou extensão de vantagens de qualquer natureza (art. 7º, §2º, lei 12.016).
Registre-se que o STF já se manifestou sobre a constitucionalidade de algumas dessas limitações (lei 9.494), conforme se infere da conhecida
ADC 04-6/DF, rel. Min. Sydnei Sanches
(DJU de 21.05.1999), com os temperamentos reconhecidos no informativo 248, STF. No âmbito do Direito Administrativo militar, há restrições ao emprego do
writ
, por exemplo, diante do que preconiza o art. 51, §3º, lei n. 6.880/1980, ao exigir o exaurimento da via administrativa.
O juízo não pode antecipar a eficácia meramente declaratória de uma cogitada sentença de procedência. Afinal de contas, a contingência é inerente aos provimentos liminares; de modo que a certeza apenas advém do trânsito em julgado (aliás, em muitos casos, sequer depois disso, dadas as recentes discussões sobre a relativização da
res iudicata
): "
É impossível a antecipação da eficácia meramente declaratória, ou mesmo conferir antecipadamente ao autor o bem certeza jurídica, o qual somente é capaz de lhe ser atribuído pela sentença declaratória. A cognição inerente ao juízo antecipatório é por sua natureza complemente inidônea para atribuir ao autor a declaração - ou a certeza jurídica por ele objetivada
."
(MARINONI, Luiz Guilherme.
A antecipação da tutela.
7. ed. SP: Malheiros. p. 55).
Em determinados casos, a antecipação de tutela pode restar condicionada à apresentação de contracautelas pela parte postulante, de modo a garantir que, em caso de reversão da medida, a parte demandada seja indenizada de eventuais prejuízos, conforme lógica do art. 302 e art. 300, §1º, CPC/15.
2.30. Hipóteses de contraditório postergado:
Em regra, a antecipação de tutela apenas pode ser promovida quando assegurado prévio contraditório ao demandado, conforme art. 5, LIV e LV, CF e art. 7, parte final, CPC.
Isso não impede, todavia, que, em situações excepcionais, o contraditório seja postergado, em face da urgência documentada nos autos
.
PROCESSUAL CIVIL. MEDIDA CAUTELAR PARA DETERMINAR O PROCESSAMENTO DE RECURSO ESPECIAL. POSSIBILIDADE. EXISTÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS DO FUMUS BONI JURIS E DO PERICULUM IN MORA. 1. O Superior Tribunal de Justiça tem entendido que a regra de obstar o recurso especial retido deve ser obtemperada para que não esvazie a utilidade daquele apelo extremo. 2.
O poder geral de cautela há que ser entendido com uma amplitude compatível com a sua finalidade primeira, que é a de assegurar a perfeita eficácia da função jurisdicional. Insere-se aí a garantia da efetividade da decisão a ser proferida. A adoção de medidas cautelares (inclusive as liminares inaudita altera parte) é fundamental para o próprio exercício da função jurisdicional, que não deve encontrar obstáculos, salvo no ordenamento jurídico
. 3. O provimento cautelar tem pressupostos específicos para sua concessão. São eles: o risco de ineficácia do provimento principal e a plausibilidade do direito alegado (periculum in mora e fumus boni iuris), que, presentes, determinam a necessidade da tutela cautelar e a inexorabilidade de sua concessão, para que se protejam aqueles bens ou direitos de modo a se garantir a produção de efeitos concretos do provimento jurisdicional principal. 4. Em tais casos, pode ocorrer dano grave à parte, no período de tempo que mediar o julgamento no tribunal a quo e a decisão do recurso especial, dano de tal ordem que o eventual resultado favorável, ao final do processo, quando da decisão do recurso especial, tenha pouca ou nenhuma relevância. 5. Existência, em favor da requerente, da fumaça do bom direito e do perito da demora, em face da patente contrariedade ao art. 2º, da Lei nº 8.437/92, visto que, na hipótese dos autos, não há necessidade da prévia audiência do representante judicial da pessoa jurídica de direito público, vez que o ente Municipal sequer figura na relação processual. 6. Medida Cautelar procedente, para determinar o processamento do recurso especial. ..EMEN: (MC 200100113001, JOSÉ DELGADO, STJ - PRIMEIRA TURMA, DJ DATA:13/05/2002 PG:00150 ..DTPB:.)
Com efeito, citando novamente Araken de Assis, quando enfatiza o que transcrevo abaixo:
"
O processo constitucionalmente justo e equilibrado (faires Verfahren) exige a oportunidade de as partes influírem na atividade do órgão judiciário. O princípio do contraditório, na sua dimensão horizontal, assegura à parte a possibilidade de manifestação acerca das (a) razões de fato, (b) os meios de prova tendentes a demonstrar-lhes a veracidade, e (c) as razões de direito da contraparte
.
O processo criará inexoravelmente uma comunidade de trabalho, sem prejuízo da parcialidade das partes, e o contraditório assume dimensão vertical. Limitará a atuação do órgão judiciário no que concerne à matéria de direito, domínio que lhe toca na qualidade maître du droit -,79 impondo a manifestação prévia das partes sobre (a) a qualificação jurídica dos fatos afirmados, ou dos fatos não alegados, mas constantes dos autos, que o juiz possa considerar relevantes; (b) as normas legais que o juiz entenda aplicáveis à resolução da causa; e (c) as questões que se mostra lícito ao juiz conhecer sem alegação das partes (v.g., as “condições” da ação – legitimidade e interesse processual –, a teor do art. 485, § 3.º). O art. 357, IV, exige a delimitação das questões de direito na decisão de saneamento e de organização do processo para essas finalidades.
A urgência autoriza, entretanto, a postergação do contraditório em certas condições. É o que se infere do art. 300, § 2.º, segundo o qual “a tutela de urgência pode ser concedida liminarmente”. O art. 12, caput, da Lei 7.347/1985 determina o seguinte na ação civil pública: “Poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo”. E o art. 7.º, III, da Lei 12.016/2009 estipula que o juiz, no mandado de segurança, ordenará a suspensão incontinenti do ato de autoridade “quando houver fundamento relevante e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida
." (ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
volume II. Tomo II. Parge Geral: institutos fundamentais. São Paulo: RT, 2015, tópico 1.425).
Outrossim,
"Duas situações autorizam o juiz à concessão de liminar sem a audiência do réu (inaudita altera parte): (a) sempre que o réu, tomando prévio conhecimento da medida, encontre-se em posição que lhe permita frustrar a medida de urgência; (b) sempre que a urgência em impedir a lesão revele-se incompatível com o tempo necessário à integração do réu à relação processual. Essa última hipótese é objeto do seguinte precedente do STJ: “Justifica-se a concessão de liminar inaudita altera parte, ainda que ausente a possibilidade de o promovido frustrar a sua eficácia, desde que a demora de sua concessão possa importar em prejuízo, mesmo que parcial, para o promovente."
(ASSIS, Araken.
Obra citada.
tópico 1.426).
Com efeito,
"
É constitucional a decisão antecipatória de tutela que, liminarmente e adiando a observância do contraditório para momento posterior, concede a antecipação dos efeitos da tutela para homenagear outro direito em voga, cuja preterição se revelar mais danosa
. 2. O perigo de irreversibilidade da medida, não obstante existente no presente caso, não subsiste quando encarado frente ao perigo da demora, o qual milita em favor da parte agravada."
(TJ-PE - AI: 2784312 PE, Relator: Roberto da Silva Maia, Data de Julgamento: 21/05/2013, 1ª Câmara Cível, Data de Publicação: 29/05/2013).
Note-se, por exemplo, que a compreensão e aplicação do art. 2, da lei n. 8.437, de 1992, não podem implicar inexorável vedação à antecipação de tutela
inaudita altera parte
, sobremodo quando em causa perigo de danos ambientais, dado o alcance do art. 225, da Constituição e legislação correlata. Assim, "
O Superior Tribunal de Justiça tem flexibilizado o disposto no art. 2º da Lei n.º 8.437/92 a fim de impedir que a aparente rigidez de seu enunciado normativo obste a eficiência do poder geral de cautela do Judiciário
."
(REsp 1130031/RS, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, 2.T. julgado em 22/06/2010, DJe 03/08/2010)
Por sinal, "
Excepcionalmente, é possível conceder liminar sem prévia oitiva da pessoa jurídica de direito público, desde que não ocorra prejuízo a seus bens e interesses ou quando presentes os requisitos legais para a concessão de medida liminar em ação civil pública. Hipótese que não configura ofensa ao art. 2º da Lei n. 8.437/1992
."
(AgRg no REsp 1.372.950/PB, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 11/6/2013, DJe 19/6/2013.)
Sabe-se, pois, que
"
a jurisprudência do STJ tem mitigado, em hipóteses excepcionais, a regra que exige a oitiva prévia da pessoa jurídica de direito público nos casos em que presentes os requisitos legais para a concessão de medida liminar em ação civil pública
(art. 2º da Lei 8.437/92). Precedentes do STJ."
(REsp 1.018.614/PR, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/6/2008, DJe 6/8/2008).
2.31. Quanto à prescrição - considerações gerais:
Convém atentar, inicialmente, para a lição de Nelson Nery Júnior:
"O prazo previsto expressamente em lei para o exercício das pretensões que se ajuízam mediante ação constitutiva, positiva ou negativa, é de decadência, pois a pretensão constitutiva se caracteriza como direito potestativo. As pretensões que se exercem mediante ação declaratória são perpétuas (imprescritíveis). Isto significa que podem ser ajuizadas mesmo se já estiver prescrita a pretensão condenatória do direito cuja existência ou inexistência se quer ver declarada."
(NERY JR.
Novo Código Civil anotado.
São Paulo: RT, 2002).
Anoto, de outro tanto, que o art. 189, Código Civil, preconiza que
"Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206."
Isso significa que o cômputo da prescrição deve ser promovido com atenção à teoria da actio nata. Ou seja,
"
o início do prazo prescricional se verifica com o nascimento da pretensão
, que decorre da exigibilidade do direito subjetivo, momento a partir do qual a ação poderia ter sido proposta - enquanto não nascer a ação conferida para a tutela de um direito, não é dado falar em prescrição: actioni nondum natae non prescritibur."
(CAHALI, Yussef Said.
Prescrição e decadência.
São Paulo: RT, 2008, p. 35).
Cahali menciona, ademais, a lição de Câmara Leal, para quem
"A ação nasce, portanto, no momento em que se torna necessária para a defesa do direito violado - é desse desse momento, em que o titular pode se utilizar da ação, que começa a correr o prazo de prescrição. Portanto, o prazo é contado da data em que a ação poderia ser proposta. O dies a quo da prescrição surge em simultaneidade com o direito de ação."
(CAHALI, Yussef Said.
Prescrição e decadência.
São Paulo: RT, 2008, p. 36).
Vê-se, portanto, que a prescrição deve ser computada a partir do momento em que o cogitado titular de uma situação jurídica tem conhecimento da agressão ao seu interesse.
"(...) O cômputo do prazo prescricional quinquenal, objetivando o ingresso de ação de indenização contra conduta do Estado, previsto no artigo 1.º do Decreto 20.910/32,
começa quando o titular do direito lesionado conhece o dano e suas sequelas, segundo reza o princípio actio nata
. Precedentes: AgRg no REsp: 1369886/PE Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJ de 20.05.2013; AC 0013010-49.2005.4.01.3500/GO, Rel. Desembargador Federal Jirair Aram Meguerian, Sexta Turma, DJ de 16.05.2013." (AC 0011884-90.2007.4.01.3500 / GO, Rel. Desembargador Federal Kassio Nunes Marques, Sexta Turma, e-DJF1 p.137 de 15/10/2014).
"(...) Ademais, mesmo que se considerasse o prazo de 3 anos, como quer a requerida, não haveria prescrição. Pelo princípio da actio nata, que é adotado pelo ordenamento jurídico pátrio, a pretensão somente nasce com a violação do direito (art. 189 do Código Civil). E a pretensão da autora somente surgiu no momento em que tomou conhecimento da irregularidade cuja prática atribui à ré e que teria causado o dano cujo ressarcimento é postulado. Antes disso, não há como se exigir do lesado o exercício da sua pretensão, até porque a existência de dano é requisito da responsabilidade e, portanto, pressuposto da ação que visa à sua reparação." (AC 00053846420074047108, CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ, TRF4 - TERCEIRA TURMA, D.E. 26/05/2010.)
Dado que o instituto tem por fundamento que o Direito não tutela quem permanece inerente na defesa dos seus interesses (
Dormientibus non sucurrit jus
), a prescrição apenas pode ser oposta a quem podia efetivamente agir. E isso pressupõe, por certo, que o atingido tenha conhecimento da agressão às suas pretensões, na forma do art. 189, Código Civil.
Essa é a lógica subjacente, p.ex., à súmula 229, STJ:
"O pedido de pagamento de indenização à seguradora suspende o prazo de prescrição até que o segurado tenha
ciência da decisão
."
Delimitada a questão quanto ao termo inicial do cômputo da prescrição, outro tema diz respeito ao seu
prazo
. Ora, como sabido, no âmbito das obrigações pessoais, as pretensões condenatórias formuladas em face da Fazenda Pública prescrevem no prazo de 05 anos, contados da data em que o interessado toma conhecimento da agressão ao seu interesse. "
O início da eficácia dos atos administrativos se assinala pela publicação, ou pelo termo que indicarem; mas os atos administrativos que afetem pessoa certa e determinada assumem eficácia ao serem por ela conhecidos por via de regular comunicação
."
(NASSAR, Elody.
Prescrição na Administração Pública.
2. ed. SP: Saraiva, 2009, p. 148-149)
O prazo foi estipulado no art. 1º do Decreto 20.910/1932, complementado pelo Decreto-lei 4.597/1942. Convém atentar, de toda sorte, para a lição de Pontes de Miranda: "
A prescrição quinquenal somente concerne às ações condenatórias pessoais; não às ações declarativas, constitutivas negativas (e.g., declaração de inconstitucionalidade ou nulidade de lei, ou do ato do Poder Público), mandamentais e executivas que não sejam de dívidas pessoais, ou a de execução de julgado. As ações pessoais (...) são as oriundas de dívidas de direito das obrigações, em que a Fazenda Pública teria de pagar."
(MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de apud NASSAR, Elody.
Obra citada.
p. 271).
Como sabido, o cômputo da prescrição contra a Fazenda Pública é interrompido, na forma do art. 202, Código Civil. Depois disso, deve ser contada pela metade, mas respeitando-se o conteúdo da súmula 383, STF. Vale a pena atentar, uma vez mais, para a lição de Elody Nassar, quanto trata da prescrição do fundo de direito:
"Para efeito da compreensão da expressão
'fundo
de
direito'
deve ser observado o marco inicial, ou seja, o momento a partir do qual inicia-se o prazo prescricional.
Esse marco inicial é contado a partir da consolidação de uma situação jurídica fundamental que estabelece um ponto certo e delimitado para eventual impugnação de um ato lesivo de direito
.
Essa situação jurídica fundamental, no dizer da mais renomada doutrina, importa em ato único do qual derivam os subsequentes, e que, portanto, se torna definitivo se não impugnado em tempo hábil, juntamente com todos os seus efeitos." (NASSAR, Elody.
Prescrição na Administração Pública.
2. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 273)
De outro tanto, quando em causa relações de trato sucessivo, aplica-se a súmula 85, do Superior Tribunal de Justiça:
"Nas relações jurídicas de trato sucessivo em que a Fazenda Pública figure como devedora, quando não tiver sido negado o próprio direito reclamado, a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do qüinqüênio anterior à propositura da ação."
2.32. Prescrição - entidades de direito público:
Destaco que, quando em causa pretensão endereçada às entidades públicas, porventura demandadas, deve-se aplicar o prazo de 05 anos, previsto no
decreto 20.910/1932
, conforme entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça, ao versar sobre a responsabilidade civil estatal:
"(...)
No que tange à prescrição, este Sodalício firmou entendimento no sentido de que é quinquenal o prazo de prescrição relativo à demandas em que se discute a responsabilidade civil do Estado. Neste sentido
: (REsp 1251993/PR, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 12/12/2012, DJe 19/12/2012)." (AGRESP 201101844675, MAURO CAMPBELL MARQUES, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:17/06/2013 ..DTPB:.)
ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PRESCRIÇÃO. EXISTÊNCIA DE PROCESSO PENAL. 1. "
O prazo prescricional da ação de indenização proposta contra pessoa jurídica de direito público é de cinco anos (art. 1º do Decreto nº 20.910/32)
. O termo inicial do qüinqüênio, na hipótese de ajuizamento de ação penal, será o trânsito em julgado da sentença nesta ação, e não a data do evento danoso, já que seu resultado poderá interferir na reparação civil do dano, caso constatada a inexistência do fato ou a negativa de sua autoria" (REsp 442.285/RS, Rel. Min. Franciulli Netto). 2. Inexiste a vedação legal ao litisconsórcio entre o ente estatal e os agente públicos causadores do dano em ação de indenização por responsabilidade civil do Estado. Precedentes. 3. Recurso especial não provido. ..EMEN: (RESP 200702442957, CASTRO MEIRA, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:23/06/2008 RJP VOL.:00023 PG:00132 ..DTPB:.)
2.33. Prescrição da pretensão endereçada às universidades:
No que toca às entidades privadas, conquanto o prazo seja o mesmo, o fundamento legal é o art. 27 do Código de Defesa do Consumidor, norma de caráter especial, quando confrontada como art. 206, §3, V, Código Civil. Aludidos prazos são autônomos, dado que não se trata de obrigação indivisível, diante do regime de solidariedade próprio à responsabilização por aventado ato ilícito (art. 942, CC). A tanto igualmente convergem a lógica dos arts. 201 e 204, Código Civil.
Referidos lapsos temporais devem ser computados da data em que a(s) demandante(s) tomou(aram) conhecimento da negativa de expedição do diploma (lógica do art. 189 do Código Civil).
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. CONTRATO DE DEPÓSITO DE AÇÕES NA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. VENDA INDEVIDA. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL (ART. 27 DO CDC). IMPROVIMENTO. 1.-
A ação de indenização movida pelo consumidor contra o prestador de serviço, por falha relativa à prestação do serviço, prescreve em cinco anos, ao teor do art. 27 do CDC. Precedentes
. 2.- Agravo regimental improvido. ..EMEN: (AGRESP 201400179376, SIDNEI BENETI, STJ - TERCEIRA TURMA, DJE DATA:09/06/2014 ..DTPB:.)
2.34. Termo inicial do cômputo da prescrição:
Em regra, em casos semelhantes ao presente, não é possível constatar quando ocorreu a ciência inequívoca, por parte do(a) estudante, do ato lesivo ao seu interesse. O fato é que os diplomas não costumam ser entregues na data da colação de grau.
Assim, deve-se tomar como termo inicial do cômputo da prescrição a data em que o sujeito tomou conhecimento de que referido documento não lhe seria entre sem que ingressasse em Juízo
.
Nesse sentido, reporto-me ao seguinte julgado:
DIREITO ADMINISTRATIVO E CIVIL. ENSINO. CURSO DE CAPACITAÇÃO. FACULDADE VIZIVALI. PRESCRIÇÃO. AFASTADA. TERMO INICIAL. INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS. ESTAGIÁRIO. TEMA Nº 928. 1. Afastada a incidência da prescrição quanto à Faculdade Vizivali, porquanto também se aplica o prazo prescricional de cinco anos, ainda que por outro fundamento do utilizado para as pessoas jurídicas de direito público interno (União e Estado do Paraná). 2.
Com relação ao termo inicial para a prescrição, o entendimento do STJ é no sentido de que o prazo prescricional se dá a partir da data em que a recorrente teve ciência da impossibilidade de expedição do diploma. Precedente do STJ. 3. Analisando os autos, verifica-se que não há comprovação da data em que a autora pôde constatar a efetividade do ato lesivo. Não havendo prova inequívoca nos autos sobre a negativa de prestação, não se pode concluir que houve a ocorrência da prescrição.
4. Teses firmadas na Corte Superior (tema 928): (a) e (b) omissis. (c) Inexistindo ato regulamentar, seja do Conselho Nacional de Educação, seja do Conselho Estadual de Educação do Paraná, sobre a regularidade do Programa Especial de Capacitação de Docentes executado pela Fundação Faculdade Vizinhança Vale do Iguaçu relativamente a alunos estagiários, descabe falar em condenação dos aludidos entes, devendo a parte que entender prejudicada postular a indenização em face, tão somente, da instituição de ensino (Vizivali). 5. Provimento às apelações do Estado do Paraná e da União Federal, bem parcial provimento à apelação da parte autora. (TRF4, AC 5033931-23.2011.4.04.7000, TERCEIRA TURMA, Relatora MARGA INGE BARTH TESSLER, juntado aos autos em 23/02/2021)
2.35.
Diferença entre suspensão
e
interrupção da prescrição:
Quanto à distinção entre suspensão e interrupção da prescrição, reporto-me à lição de Elody Nassar:
"Chama-se suspensão a circunstância especial, em vista da qual a lei paralisa a fluência do prazo prescricional. As causas suspensivas da prescrição são as que, temporariamente, paralisam o seu curso;
superado o fato suspensivo, a prescrição continua a correr, computado o tempo decorrido antes dele
.
Denomina-se interrupção a ocorrência de um fato hábil a destruir o efeito do tempo já decorrido, com a anulação da prescrição já iniciada. As causas interruptivas da prescrição são as que inutilizam a prescrição iniciada, de modo que o seu prazo recomeça a correr da data do fato que a interrompeu ou do último ato do processo que a interromper (CC, art. 202, parágrafo único)." (NASSAR, Elody.
Obra citada.
p. 156-157)
Dado que o instituto tem por fundamento que o Direito não tutela quem permanece inerente na defesa dos seus interesses (
Dormientibus non sucurrit jus
), a prescrição apenas pode ser oposta a quem podia efetivamente agir. E isso pressupõe, por certo, que o atingido tenha conhecimento da agressão às suas pretensões, na forma do art. 189, Código Civil.
Em regra, no curso do processo administrativo o cômputo da prescrição resta suspenso, por força do art. 4º do decreto 20.910/32:
"Não corre a prescrição durante a demora que, no estudo, ao reconhecimento ou no pagamento da dívida, considerada líquida, tiverem as repartições ou funcionários encarregados de estudar e apurá-la."
O cômputo da prescrição também resta suspenso nas hipóteses do art. 200, Código Civil/2002:
"Quando a ação se originar de fato que deva ser apurado no juízo criminal, não correrá a prescrição antes da respectiva sentença definitiva."
2.36. Prescrição - caso em exame:
Aludidos prazos não se esgotaram. Até porque não podem ser computados da data da colação de grau, já que os diplomas não costumam ser entregues registrados em tal cerimônia. Assim, em regra, o termo inicial da prescrição deve recair na data em que o(a) estudante tenha tomado consciência de que o documento não lhe seria entregue sem deflagração de demanda judicial. No caso em exame, por conta disso, não se operou a prescrição.
Ademais, em casos como a presente, os Tribunais têm enfatizado que o pedido de expedição do diploma assemelha-se a uma pretensão declaratória, imprescritível. Menciono o seguinte julgado do TRF4
:
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. VIZIVALI. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. OCORRÊNCIA. TERMO INICIAL DA PRESCRIÇÃO. DATA DA CIÊNCIA INEQUÍVOCA DA LESÃO DO DIREITO. INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO. CITAÇÃO VÁLIDA. EXIGÊNCIA. EXPEDIÇÃO DO DIPLOMA. IMPRESCRITIBILIDADE. ATUAÇÃO COMO DOCENTE NÃO-COMPROVADA. 1. Fundado o pleito indenizatório em ato supostamente ilegal praticado pela Administração Pública, o marco inicial da prescrição equivale à data da ciência inequívoca da lesão ao direito. Entendimento do STJ. 2. A interrupção da prescrição apenas ocorre com a citação válida. 3.
No que tange à expedição e registro de diploma - quando cabível -, não há se falar em prescrição de tal pretensão, uma vez que tais atos consubstanciam mera certificação de um direito já incorporado ao patrimônio jurídico do estudante, não se confundindo com o dever de indenizar em si.
4. O (a) autor (a) não faz jus à expedição/registro de diploma, porquanto não detinha a condição de docente quando de sua matrícula no curso de capacitação, ofertado pela Faculdade VIZIVALI. (TRF4, AC 5002346-19.2017.4.04.7007 , QUARTA TURMA, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 19/06/2020 )
AGRAVO INTERNO. ADMINISTRATIVO. ENSINO. VIZIVALI. INDENIZAÇÃO. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL CONFIGURADA. EXPEDIÇÃO DE CERTIFICADO DE CONCLUSÃO/DIPLOMA DE CURSO SUPERIOR. IMPRESCRITIBILIDADE. CONDIÇÃO DE DOCENTE À ÉPOCA DA MATRÍCULA. HABILITAÇÃO EM MAGISTÉRIO. NÃO-CONFIGURAÇÃO. 1. O e. Superior Tribunal de Justiça assentou o entendimento de que o marco inicial do lustro prescricional ocorre a partir da ciência inequívoca do (a) autor (a) da lesão ao seu direito subjetivo. 2.
No que tange à expedição e registro de diploma - quando cabível -, não há se falar em prescrição de tal pretensão, uma vez que tais atos consubstanciam mera certificação de um direito já incorporado ao patrimônio jurídico do estudante, não se confundindo com o dever de indenizar em si
. 3. Não havendo provas de atuação como docente à época da matrícula no curso, tampouco comprovação de habilitação como docente - conclusão de ensino médio profissionalizante na área do magistério ou equivalente -, o requerente não faz jus à expedição do diploma. (TRF4, AC 5001468-38.2019.4.04.7003 , QUARTA TURMA, Relator SÉRGIO RENATO TEJADA GARCIA, juntado aos autos em 09/10/2020)
Nesse mesmo sentido, atente-se para decisão da 1ª Turma Recursal no julgamento do RC nº 5004689-95.2020.4.04.7002 (Rel. Juíza Federal Márcia Vogel Vidal de Oliveira, julgado em 22/10/2020) - voto vencido; e RC nº 5007259-82.2019.4.04.7004 (Rel. Juiz Federal Antonio César Bochenek, julgado em 07/10/2021 - decisão unânime). Ainda nesse sentido, TRF-4 - RECURSO CÍVEL: 50552599120204047000 PR 5055259-91.2020.4.04.7000, Relator: MÁRCIA VOGEL VIDAL DE OLIVEIRA, Data de Julgamento: 18/11/2021, Primeira Turma Recursal do PR.
A demandante sustentou ter concluído o
curso superior no curso de 2012 e deflagrou a demanda em 28 de maio de 2024
. No que toca à expedição de diploma, a pretensão da demandante permanece hígida. Cogita-se de prescrição da pretensão à reparação de danos. No evento 5, destaquei que a autora estaria postulando apenas a SEGUNDA VIA do documento.
2.37. Eventual decadência do direito invocado na inicial:
Pode-se cogitar de decadência, por conta do eventual decurso do prazo previsto no art. 26,II, §1º, CDC/1990
Art. 26. O direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em: (...) II -
noventa dias
, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos duráveis. §1°
Inicia-se a contagem do prazo decadencial a partir da entrega efetiva do produto ou do término da execução dos serviços
.
A respeito do tema, os Tribunais têm decidido como segue:
"Para a solução da questão é necessário conceituar o defeito que macula os serviços ora discutidos. Se estivermos diante da hipótese de responsabilidade por fato do serviço (art. 14, do CDC), o prazo prescricional a ser aplicado é o do art. 27 dessa lei, de cinco anos. Se estivermos diante de responsabilidade por vício do produto (art. 18, do CDC) o prazo será decadencial, disciplinado no art. 26.
Esta Terceira Turma, em precedente de minha relatoria, já teve a oportunidade de se posicionar no sentido de que, nas hipóteses de inadimplemento absoluto, não se estaria no âmbito do art. 18 (e, conseqüentemente, do art. 26 do CDC), mas no âmbito do art. 14, que, quanto à prescrição, leva à aplicação do art. 27, com prazo de cinco anos para o exercício da pretensão do consumidor. Isso se deu por ocasião do julgamento do REsp nº 278.893/DF (DJ de 4/11/2002), assim ementado:
Recurso Especial. Civil. "Pacote turístico". Inexecução dos serviços contratados. Danos materiais e morais. Indenização. Art. 26, I, do CDC. Direto à reclamação. Decadência. -
O prazo estatuído no art. 26, I, do CDC, é inaplicável à espécie, porquanto a pretensão indenizatória não está fundada na responsabilidade por vícios de qualidade do serviço prestado, mas na responsabilidade contratual decorrente de inadimplemento absoluto, evidenciado pela não-prestação do serviço que fora avençado no "pacote turístico
". (STJ, Resp, rel. Min. Nancy Andrighi, julgamento unânime por não conhecer do Recurso Especial)
(...)
Além disso, o acórdão recorrido reconheceu a existência de dano moral causado pela conduta das requerentes. Na esteira do precedente formado a partir do julgamento do REsp nº 722.510/RS (de minha relatoria, DJ de 1/2/2006), nas hipóteses em que "
o vício não causa dano, correrá para o consumidor o prazo decadencial, para que proceda a reclamação, previsto neste artigo 26. No entanto, vindo a causar dano, ou seja, concretizando-se a hipótese do artigo 12, deste mesmo Código, deve-se ter em mente o prazo qüinqüenal, disposto no art. 27, sempre que se quiser pleitear indenização
" (Arruda Alvim, Código do Consumidor Comentado, 2ª ed., São Paulo: RT, 1995, pp. 172/173).
(STJ, REsp n.º 773.994/MG, Rel. Ministra Nancy Andrighi, em 22/05/2007)
Como têm deliberado o TRF4,
"O prazo de 90 dias estatuído no art. 26, II, § 1º, do CDC, não se subsume ao caso vertente, em que não se está a tratar de reclamação quanto a um vício aparente na prestação de serviços, mas do alegado direito da parte autora de obter o diploma pelo curso que prestou, assim como a reparação civil pela impossibilidade de obtê-lo."
(TRF-4 - AC: 50147831220144047003 PR, Relatora: VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, Data de Julgamento: 30/10/2019, QUARTA TU
2.38. Aplicação parcial do CDC:
Com a publicação do CDC, inaugurou-se uma conhecida polêmica sobre o alcance das suas disposições. Grosso modo, as opiniões distribuíram-se em duas grandes correntes: os finalistas e os maximalistas.
Os finalistas amparam-se sobremodo na regra do art. 2º da lei 8078/1990:
"
Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final
."
Logo, em princípio, o CDC apenas tutelaria aquelas relações em que o serviço fosse prestado ou o bem fosse fornecido ao destinatário último, sem subsequentes repasses.
Essa orientação foi compartilhada, ao que se sabe, pelos principais idealizadores do projeto que eclodiu no código consumerista brasileiro: Ada Pellegrini Grinover, Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin e outros.
Já a orientação maximalista promove uma leitura ampla do conceito de consumidor, destacando que a lei 8078 não tutelaria apenas o destinatário final de bens e serviços, sendo oponível também às relações entre empresas e até mesmo a órgãos públicos (amparando-se, nesse caso, na regra do art. 22, CDC). Essa orientação é compartilhada por Rizzato Nunes, por exemplo (conforme o seu
Curso de direito do consumidor.
SP: Saraiva, 2004).
Com esse pano de fundo, inúmeras discussões foram promovidas ao longo desses anos de vigência da lei 8078. Ao que releva, o CDC também se aplica a entidades da Administração Pública, quando em causa serviços remunerados mediante preços públicos, ou quando em causa atividades econômicas
stricto senso
(art. 22, CDC).
DANO MORAL. DANO MATERIAL. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. ERRONA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. PERDA DE PRAZO PROCESSUAL. APLICAÇÃO DO CDC. 1. Entrega de correspondência para o destinatário errado, causando demora na entrega ao endereço correto e conseqüente perda de prazo processual. 2. Cabível dano material e dano moral. 3.
Aplicação do Código de Defesa do Consumidor, pois demonstrado a relação de consumo entre a ECT e o apelado
. 4. Recurso a que se nega provimento.(AC 200071050018995, JOEL ILAN PACIORNIK, TRF4 - QUARTA TURMA, DJ 25/09/2002 PÁGINA: 704.)
CIVIL. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS - ECT. CONTRATO DETRANSPORTE DE ENCOMENDA SEM DECLARAÇÃO DE VALOR. EXTRAVIO DE MERCADORIA. VALORDA INDENIZAÇÃO.1.
Qualifica-se como de consumo a relação jurídica contratual de transportede encomendas. Precedente do STJ
. 2. É do fornecedor o ônus de provar claramente as condições contratuaisparticularmente em relação à opção de informar ou não o valor da mercadoriae o custo do serviço para o fim de indenização em caso de extravio segundoo valor exato da mercadoria transportada.3. Não é aceitável o fornecedor simplesmente alegar que o consumidor nãodeclarou o valor para indenizar o prejuízo de acordo com critério unilateral.4. Apelação provida. (AC 00626681319984010000, JUIZ FEDERAL WILSON ALVES DE SOUZA (CONV.), TRF1 - TERCEIRA TURMA SUPLEMENTAR (INATIVA), DJ DATA:23/06/2005 PAGINA:81.)
D'outro tanto, em princípio, pessoas jurídicas também podem ser qualificadas como consumidoras, para fins de aplicação da lei 8.078/1990, desde que não esteja em causa a aquisição de matéria prima para seus processos produtivos.
RECURSO ESPECIAL. FORNECIMENTO DE ÁGUA. CONSUMIDOR. DESTINATÁRIOFINAL. RELAÇÃO DE CONSUMO. DEVOLUÇÃO EM DOBRO DOS VALORES PAGOSINDEVIDAMENTE. APLICAÇÃO DOS ARTIGOS 2º E 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DALEI Nº 8.078/90.I - "
O conceito de "destinatário final", do Código de Defesa doConsumidor, alcança a empresa ou o profissional que adquire bens ouserviços e os utiliza em benefício próprio
" (AgRg no Ag nº807159/SP, Rel. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, DJ de 25/10/2008).II - No caso em exame, a recorrente enquadra-se em tal conceituação,visto ser empresa prestadora de serviços médico-hospitalares, queutiliza a água para a manutenção predial e o desenvolvimento de suasatividades, ou seja, seu consumo é em benefício próprio.III - A empresa por ser destinatária final do fornecimento de águae, portanto, por se enquadrar no conceito de consumidora, mantém coma recorrida relação de consumo, o que torna aplicável o disposto noartigo 42, parágrafo único, da Lei 8.078/90.IV - Recurso especial conhecido e provido...EMEN: (RESP 200800133166, FRANCISCO FALCÃO, STJ - PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:30/04/2008..DTPB:.)
Quanto à aplicação do CDC, quando se trate da prestação de serviços por empresas públicas, remunerados mediante preços públicos/tarifas, convém atentar para o art. 22, CDC:
"
Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos
. Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código."
Atente-se ainda para os seguintes julgados:
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. CORREIOS. CARTA REGISTRADA. EXTRAVIO. DANOS MORAIS. IN RE IPSA. 1. As empresas públicas prestadoras de serviços públicos submetem- se ao regime de responsabilidade civil objetiva, previsto no art. 37, § 6º, da Constituição Federal e nos arts. 14 e 22 do Código de Defesa do Consumidor. 2. No caso, a contratação de serviços postais oferecidos pelos Correios, por meio de tarifa especial, para envio de carta registrada, que permite o posterior rastreamento pelo próprio órgão de postagem revela a existência de contrato de consumo, devendo a fornecedora responder objetivamente ao cliente por danos morais advindos da falha do serviço quando não comprovada a efetiva entrega. 3. É incontroverso que o embargado sofreu danos morais decorrentes do extravio de sua correspondência, motivo pelo qual o montante indenizatório fixado em R$ 1.000,00 (mil reais) pelas instâncias ordinárias foi mantido pelo acórdão proferido pela Quarta Turma, porquanto razoável, sob pena de enriquecimento sem causa. 4. Embargos de divergência não providos. ..EMEN:
(ERESP 201303279910, RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, STJ - SEGUNDA SEÇÃO, DJE DATA:24/02/2015 ..DTPB:.)
DANO MORAL. DANO MATERIAL. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. ERRO NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. PERDA DE PRAZO PROCESSUAL. APLICAÇÃO DO CDC. 1. Entrega de correspondência para o destinatário errado, causando demora na entrega ao endereço correto e conseqüente perda de prazo processual. 2. Cabível dano material e dano moral. 3. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor, pois demonstrado a relação de consumo entre a ECT e o apelado. 4. Recurso a que se nega provimento.
(AC 200071050018995, JOEL ILAN PACIORNIK, TRF4 - QUARTA TURMA, DJ 25/09/2002 PÁGINA: 704.)
De sua parte, Justen Filho enfatiza a dificuldade, não raro, de se conjugar o regime jurídico público - próprio das concessões - com a aplicação da lógica do Código de Defesa do Consumidor:
"Ocorre que nem sempre é possível conciliar o regime de direito público com aquele do direito do consumidor. A cumulação dos mecanismos de serviço público e de direito do consumidor provoca um conflito de competências e de regime jurídico, cuja solução deve ser realizada com cautela.
Um exemplo permite compreender de imediato o problema. Segundo o direito do consumidor, é obrigatório o empresário manter a oferta realizada nas condições originais. Já no âmbito do serviço público, a mutabilidade é da sua inerência. Suponha-se, portanto, o caso da telefonia fixa. Imagine-se que o concessionário estabeleça relação jurídica com o usuário, orientando-se por determinada regulação do poder concedente. Se houver necessidade e conveniência, o poder concedente alterará as regras pertinentes, com reflexos na situação jurídica do usuário. Em face do regime de Direito Administrativo, o usuário não poderia invocar direito adquirido à manutenção de regime jurídico. Mas sua pretensões poderia encontrar respaldo no regime característico do direito do consumidor.
Não seria excessivo afirmar que a concepção do serviço público defere ao poder concedente a função de tutelar e defender o interesse coletivo (aí abrangido também o interesse do usuário). Já o direito do consumidor assegura ao próprio consumidor e às entidades da sociedade a função de sua defesa (sem que isso exclua a intervenção de órgãos estatais)
.
É fundamental tomar em vista, então, que a aplicação das normas do direito do consumidor não pode fazer-se em face do serviço público com idêntica extensão aplicável no caso de relações puramente privadas, relacionadas com a exploração de atividade econômica em sentido restrito." (JUSTEN FILHO, Marçal.
Teoria geral das
concessões
de serviço público.
São Paulo: Dialética, 2003, p. 557-558)
De outro norte, consolidou-se a orientação jurisprudencial que reconhece a sua plena aplicação no âmbito dos contratos bancários, desde que pactuados depois de 1990.
Ora, essa solução é alvo de duas conhecidas súmulas do STJ:
Súmula 297 - O Código de Defesa do consumidor é aplicável às instituições financeiras.
Súmula 285 - Nos contratos bancários posteriores ao Código de Defesa do consumidor incide a multa moratória nele prevista.
A Suprema Corte reconheceu, ademais, a plena aplicação do CDC às relações estabelecidas entre os bancos e seus clientes, nessa condição, conforme se infere da ADIn 2591/DF, relatada pelo Min. Carlos Velloso.
Tudo conjugado, o CDC não se aplica à relação mantida pelo(a) autor(a) e a União Federal, dado cuidar-se de vínculo de direito administrativo em sentido estrito
.
Por outro lado, o CDC aplica-se ao caso vertente, no que diz respeito à relação entre a demandante e a instituição de ensino. Quanto à União, não está em causa a prestação de serviços remunerados mediante preços públicos - a exemplo de pedágios e tarifas de fornecimento de energia elétrica. No presente caso, exceção feita à relação com a universidade, cuida-se de prestação de serviços sob regime jurídico de direito público.
2.39. Consequências da aplicação parcial do CDC:
Dada a aplicação parcial do CDC, isso implica o reconhecimento de um conjunto de garantias asseguradas ao consumidor do crédito bancário, conforme se infere dos arts. 4º, 39 e 51 da lei 8078/1990.
Destaco, nesse âmbito, o dever de atuar com boa-fé (e o correspondente respeito à boa-fé objetiva), preconizado no art. 4º, III, CDC. Como diz Rizzatto Nunes
, "a boa-fé objetiva, que é a que está presente no Código de Defesa do Consumidor, pode ser definida, grosso modo, como sendo uma regra de conduta, isto é, o dever das partes de agir conforme certos parâmetros de honestidade e lealdade, a fim de se estabelecer o equilíbrio nas relações de consumo (...) Assim, quando se fala em boa-fé objetiva, pensa-se em comportamento fiel, leal, na atuação de cada uma das partes contratantes a fim de garantir respeito à outra."
(RIZZATTO NUNES
apud
EFING, Antônio Carlos.
Contratos e procedimentos bancários à luz do Código de Defesa do Consumidor.
2. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: RT, 2012, p. 87).
Esse dever de respeito à boa-fé também foi preconizado pelo art. 422, CC:
"Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé."
Vale a pena atentar para a lição de Antônio Carlos Efing:
"A boa-fé, assim, possui no macrossistema de direito civil, e, consequentemente no microssistema do direito do consumidor, uma séria de efeitos, seja como um princípio de função interpretativa, seja como cláusula geral geradora de deveres anexos e critério de constatação de exercício abusivo de um direito ou de uma cláusula abusiva. Como bem sintetiza Cláudia Lima Marques, 'o princípio da boa-fé objetiva na formação e na execução das obrigações possui muitas funções na nova teoria contratual: (a) como fonte de novos deveres especiais de conduta na nova teoria contratual; (b) como causa limitadora do exercício, antes lícito, hoje abusivo, dos direitos subjetivos, e (c) na concreção e interpretação dos contratos."
(EFING, Antônio Carlos.
Contratos e procedimentos bancários à luz do Código de Defesa do Consumidor.
2. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: RT, 2012, p. 90)
De outro tanto, a incidência do CDC implica o dever, por parte do fornecedor, de disponibilizar ao consumidor informação adequada e clara sobre os diferentes serviços e produtos, com especificação correta da quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço (art. 6º, III, CDC c/ redação veiculada pela lei 12.741/2012).
Ao mesmo tempo, é vedada a venda casada (art. 39, I, CDC) e a onerosidade contratual excessiva (art. 39, V e art. 51, IV, CDC). Convém atentar ainda para o art. 51, §1º, CDC:
"
Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que: I - ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence; II - restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual
; III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso."
Esses são alguns dos efeitos decorrentes da aplicação do CDC.
2.40. Direito fundamental à educação:
Sabe-se, ademais, que a educação é direito fundamental, conforme se infere do art. 6º da Constituição Federal. Encontra-se garantida, pois, contra o retrocesso social, na forma do art. 26 do Pacto de San Jose de Costa Rica. O tema foi versado pelos arts. 206 e ss., da Constituição e pelo art. 47 da lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que versa sobre as diretrizes e bases da educação nacional:
A lei 9.394/1996 versa sobre a emissão de diplomas de curso superior no seu art. 48:
Art. 48.
Os diplomas de cursos superiores reconhecidos, quando registrados, terão validade nacional como prova da formação recebida por seu titular
.
§ 1º
Os diplomas expedidos pelas universidades serão por elas próprias registrados, e aqueles conferidos por instituições não-universitárias serão registrados em universidades indicadas pelo Conselho Nacional de Educação
.
§ 2º Os diplomas de graduação expedidos por universidades estrangeiras serão revalidados por universidades públicas que tenham curso do mesmo nível e área ou equivalente, respeitando-se os acordos internacionais de reciprocidade ou equiparação.
§ 3º Os diplomas de Mestrado e de Doutorado expedidos por universidades estrangeiras só poderão ser reconhecidos por universidades que possuam cursos de pós-graduação reconhecidos e avaliados, na mesma área de conhecimento e em nível equivalente ou superior.
Já o art. 53, VI, da mesma lei 9394 preconiza que
"
No exercício de sua autonomia, são asseguradas às universidades, sem prejuízo de outras, as seguintes atribuições: (...) VI - conferir graus, diplomas e outros títulos
."
O tema também é versado pela Resolução CNE/CES n. 12, de 13 de dezembro de 2007, sustentando que o registro de diplomas de curso de graduação e sequenciais de formação específica, expedidos por instituições não-universitárias, serão registrados por universidades credenciadas, independentemente de prévia autorização do Conselho Nacional de Educação. Por seu turno, o Decreto 5.786/2006 reconheceu aos centros universitários a competência para registrar diplomas dos cursos por eles ofertados.
Anote-se, de outro tanto, que o registro de diploma depende, em princípio, do fato de o aluno ter cursado, com proveito, um curso regular, que atenda aos requisitos mínimos indispensáveis para o exercício da profissão almejada, observados os requisitos legais pertinentes (art. 5º, XIII, CF).
2.41. Direito à obtenção do diploma:
Desde que sejam preenchidos os requisitos acadêmicos - ou seja, frequência letiva, entrega de trabalhos/monografias, obtenção de notas superiores à média estipulada -, a instituição de ensino deve expedir e registrar aludidos documentos, conforme art. 48 da lei de diretrizes e bases da educação, lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996.
Art. 48.
Os diplomas de cursos superiores reconhecidos, quando registrados, terão validade nacional como prova da formação recebida por seu titular.
§ 1º
Os diplomas expedidos pelas universidades serão por elas próprias registrados, e aqueles conferidos por instituições não-universitárias serão registrados em universidades indicadas pelo Conselho Nacional de Educação
. § 2º Os diplomas de graduação expedidos por universidades estrangeiras serão revalidados por universidades públicas que tenham curso do mesmo nível e área ou equivalente, respeitando-se os acordos internacionais de reciprocidade ou equiparação. § 3º Os diplomas de Mestrado e de Doutorado expedidos por universidades estrangeiras só poderão ser reconhecidos por universidades que possuam cursos de pós-graduação reconhecidos e avaliados, na mesma área de conhecimento e em nível equivalente ou superior.
Acrescento que o art. 6 da
lei n
o
9.870, de 23 de novembro de 1999
, veda que a instituição de ensino retenha diploma em casos de inadimplência, utilizando aludida expediente com o fim de viabilizar o pagamento de verbas em atraso.
Art. 6o
São proibidas a suspensão de provas escolares, a retenção de documentos escolares ou a aplicação de quaisquer outras penalidades pedagógicas por motivo de inadimplemento, sujeitando-se o contratante, no que couber, às sanções legais e administrativas, compatíveis com o Código de Defesa do Consumidor, e com os arts. 177 e 1.092 do Código Civil Brasileiro, caso a inadimplência perdure por mais de noventa dias
. § 1o O desligamento do aluno por inadimplência somente poderá ocorrer ao final do ano letivo ou, no ensino superior, ao final do semestre letivo quando a instituição adotar o regime didático semestral. (Vide Medida Provisória nº 1.930, de 1999) (Incluído pela Medida Provisória nº 2.173-24, de 2001) § 2o Os estabelecimentos de ensino fundamental, médio e superior deverão expedir, a qualquer tempo, os documentos de transferência de seus alunos, independentemente de sua adimplência ou da adoção de procedimentos legais de cobranças judiciais. (Renumerado pela Medida Provisória nº 2.173-24, de 2001) § 3o São asseguradas em estabelecimentos públicos de ensino fundamental e médio as matrículas dos alunos, cujos contratos, celebrados por seus pais ou responsáveis para a prestação de serviços educacionais, tenham sido suspensos em virtude de inadimplemento, nos termos do caput deste artigo. (Renumerado pela Medida Provisória nº 2.173-24, de 2001) § 4o Na hipótese de os alunos a que se refere o § 2o, ou seus pais ou responsáveis, não terem providenciado a sua imediata matrícula em outro estabelecimento de sua livre escolha, as Secretarias de Educação estaduais e municipais deverão providenciá-la em estabelecimento de ensino da rede pública, em curso e série correspondentes aos cursados na escola de origem, de forma a garantir a continuidade de seus estudos no mesmo período letivo e a respeitar o disposto no inciso V do art. 53 do Estatuto da Criança e do Adolescente. (Renumerado pela Medida Provisória nº 2.173-24, de 2001)
Menciono o entendimento do STJ a respeito do tema:
ADMINISTRATIVO. AÇÃO ORDINÁRIA. ENSINO SUPERIOR. INSTITUIÇÃO PARTICULAR. INADIMPLÊNCIA DE ALUNA. PROIBIÇÃO DE RENOVAÇÃO DE MATRÍCULA. POSSIBILIDADE. 1. "O aluno, ao matricular-se em instituição de ensino privado, firma contrato oneroso, pelo qual se obriga ao pagamento das mensalidades como contraprestação ao serviço recebido.
O atraso no pagamento não autoriza aplicar-se ao aluno sanções que se consubstanciem em descumprimento do contrato por parte da entidade de ensino (art. 5º da Lei 9.870/99), mas está a entidade autorizada a não renovar a matrícula, se o atraso é superior a noventa dias, mesmo que seja de uma mensalidade apenas
." ( REsp 660.439/RS, Relatora Ministra Eliana Calmon, DJ de 27/6/2005). 2. "A negativa da instituição de ensino superior em renovar a matrícula de aluno inadimplente, ao final do período letivo, é expressamente autorizada pelos arts. 5º e 6º, § 1º, da Lei 9.870/99.") REsp 553.216/RN, Relator Ministro Teori Albino Zavascki, DJ de 24/5/2004). 3. Hipótese em que se conclui pela subsistência das alegações da instituição recorrente. 4. Recurso Especial conhecido em parte e, nessa parte, provido. (STJ - REsp: 712313 DF 2004/0181007-3, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 12/12/2006, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJ 13/02/2008 p. 149)
2.42. Retenção do diploma:
Nem mesmo em caso de inadimplemento do(a) aluno(a), é dado à instituição de ensino reter o diploma pertinente, conforme art. 6º da lei n. 9.870, de 23 de novembro de 1999:
"
São proibidas a suspensão de provas escolares, a retenção de documentos escolares ou a aplicação de quaisquer outras penalidades pedagógicas por motivo de inadimplemento
, sujeitando-se o contratante, no que couber, às sanções legais e administrativas, compatíveis com o Código de Defesa do Consumidor, e com os arts. 177 e 1.092 do Código Civil Brasileiro, caso a inadimplência perdure por mais de noventa dias."
Na base disso encontra-se a premissa de que as universidades não podem utilizar os mecanismos de certificação acadêmica como instrumentos de cobrança, cabendo-lhe demandar a efetivação dos seus direitos com o emprego dos meios legalmente previstos para tanto, no que não se incluem a retenção de documentos, recusa de aplicação de provas etc.
A retenção de documentos aproximar-se-ia de uma forma de exercício arbitrário das próprias razões, vedado pelo art. 345, Código Penal/40 e também à lógica da vedação do emprego de pacto comissório - art. 765 do CC/1916 e art. 1.428 do CC/2002
.
Atente-se para os seguintes julgados:
PJe- ADMINISTRATIVO. ENSINO SUPERIOR. INADIMPLÊNCIA. COLAÇÃO DE GRAU E DIPLOMA. POSSIBILIDADE. ART. 6º DA LEI Nº 9.870/99. I
Nos termos do disposto no caput do art. 6º da Lei nº 9.870/99, são proibidas a suspensão de provas escolares, a retenção de documentos escolares ou a aplicação de quaisquer outras penalidades pedagógicas por motivo de inadimplemento, sujeitando-se o contratante, no que couber, às sanções legais e administrativas, compatíveis com o Código de Defesa do Consumidor, e com os arts. 177 e 1.092 do Código Civil Brasileiro, caso a inadimplência perdure por mais de noventa dias
. II A conduta da instituição de ensino superior em obstar a expedição do respectivo diploma do aluno em razão de inadimplência viola a regra prevista no art. 6º da Lei nº 9.870/99, de modo que devida a manutenção da sentença proferida em primeiro grau de jurisdição. III Remessa oficial a que se nega provimento. (TRF-1 - REO: 10001136720174013300, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL JIRAIR ARAM MEGUERIAN, Data de Julgamento: 17/02/2020, SEXTA TURMA, Data de Publicação: 20/02/2020)
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. ENSINO SUPERIOR. ALUNO INADIMPLENTE. SANÇÃO PEDAGÓGICA. DESCABIMENTO. ART. 6º DA LEI Nº. 9.870/99. PARTICIPAÇÃO NA CERIMÔNIA DE COLAÇÃO DE GRAU E EXPEDIÇÃO DO DIPLOMA DE BACHAREL EM DIREITO. SITUAÇÃO FÁTICA CONSOLIDADA. I -
O art. 6º da Lei nº. 9.870/99 proíbe "a suspensão de provas escolares, a retenção de documentos escolares ou a aplicação de quaisquer outras penalidades pedagógicas por motivo de inadimplemento, sujeitando-se o contratante, no que couber, às sanções legais e administrativas, compatíveis com o Código de Defesa do Consumidor, e com os arts. 177 e 1.092 do Código Civil Brasileiro, caso a inadimplência perdure por mais de noventa dias"
. II - Ademais, na espécie dos autos, deve ser preservada a situação de fato consolidada com o deferimento da liminar, postulada nos autos, assegurando a participação dos impetrantes na solenidade de colação de grau, no curso de direito, que, pelo decurso do prazo, há muito já ocorreu. III - Remessa oficial desprovida. Sentença confirmada. (REO 0011387-67.2007.4.01.3600 / MT, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE, SEXTA TURMA, e-DJF1 p.192 de 25/02/2009)
ADMINISTRATIVO. ENSINO SUPERIOR. DÉBITO DE MENSALIDADES. RETENÇÃO DE DIPLOMA. -
O art. 6º, da Lei 9.870/99, proíbe a retenção de documentos escolares ou a aplicação de quaisquer outras penalidades pedagógicas por motivo de inadimplemento, enquadrando-se nesse tipo de sanção a retenção de diploma
. (TRF-4 - REO: 22579 PR 2005.70.00.022579-4, Relator: VALDEMAR CAPELETTI, Data de Julgamento: 19/04/2006, QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJ 10/05/2006 PÁGINA: 831)
2.43. Prazo para expedição do diploma:
Segundo a
Portaria MEC n. 1.095/2018
, as instituições de ensino superior dispõem do prazo máximo de
60 dias corridos,
contados da data de colação de grau, para a expedição dos diplomas pertinentes. Os documentos deverão ser registrados, na sequência, no prazo máximo de
60 dias
ou encaminhados para as instituições registradoras, no prazo de 15 dias corridos, para que então seja promovido o registro, com prazo máximo de 60 dias. Por sua vez, há possibilidade de que esses prazos venham a ser prorrogados uma única vez, por igual período, mediante justificativa.
Portaria nº 1.095, de 25 de outubro de 2018
Dos prazos para expedição e registro
Art. 18. As IES devidamente credenciadas pelos respectivos sistemas de ensino deverão expedir os seus diplomas no prazo máximo de sessenta dias, contados da data de colação de grau de cada um dos seus egressos.
Art. 19. O diploma expedido deverá ser registrado no prazo máximo de sessenta dias, contados da data de sua expedição.
§ 1º As IES que não possuem prerrogativa de autonomia para o registro de diploma por elas expedido deverão encaminhar o diploma para as IES registradoras no prazo máximo de quinze dias, contados da data de sua expedição.
§ 2º No caso do § 1º, a IES registradora deverá registrar o diploma no prazo máximo de sessenta dias, contados do recebimento do diploma procedente de IES expedidora.
Art. 20. Os prazos constantes dos arts. 18 e 19 poderão ser prorrogados pela IES uma única vez, por igual período, desde que devidamente justificado pela instituição de educação superior.
Art. 21. As IES públicas e privadas que possuem prerrogativa para o registro dos diplomas por elas expedidos deverão publicar extrato das informações sobre o registro no DOU, no prazo máximo de trinta dias, contados da data do registro.
(...)
§ 2º As IES não universitárias, sem prerrogativa para o registro dos diplomas por elas expedidos, terão os seus diplomas registrados por universidades, por Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia ou por Centros Federais de Educação Tecnológica, na forma da legislação vigente, e deverão publicar o extrato de informações de que trata o § 1º no DOU, no prazo de trinta dias, contados da data de recebimento pela instituição de educação superior expedidora do diploma devidamente registrado.
§ 3º A responsabilidade pela publicação das informações sobre o registro do diploma no DOU recairá sobre a instituição de educação superior expedidora.
Art. 22. O descumprimento dos prazos previstos no art. 21 será considerado irregularidade administrativa, a ser imputada à instituição de educação superior que lhe der causa, seja expedidora ou registradora, e poderá ser apurada por meio de processo administrativo de supervisão
2.44. Contratos bilaterais:
Em regra, quando se trate de contrato sinalagmático,
"nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro.
" (art. 476, Código Civil/2002). Cuida-se de simples projeção do postulado
non venire contra factum proprium,
dado que ninguém pode exigir aquilo que não está disposto a cumprir. Quem inadimpliu o contrato tampouco pode exigir que o outro contratante cumpra suas obrigações, como cediço.
Explicita Maria Helena Diniz que
"A exceptio non adimpleti contractus é a cláusula resolutiva tácita que se prende ao contrato bilateral.
Isto é assim porque o contrato bilateral requer que as duas prestações sejam cumpridas simultaneamente, de forma que nenhum dos contratantes poderá, antes de cumprir suas obrigações, exigir o implemento das do outro
. (...) Pelo enunciado n. 24, aprovado na 1. Jornada de direito comercial, os contratos empresariais coligados, concretamente formados por unidade de interesses econômicos, permitem a arguição da exceção de contrato não cumprido, salvo quando a obrigação inadimplida for de escassa importância."
(DINIZ, Maria Helena.
Código civil anotado.
17. ed. São Paulo: Saraiva. 2014. p. 450).
Logo, como regra, a entrega do diploma ao estudante pressupõe que ele tenha obtido notas suficientes, apresentado frequência exigida, apresentado os documentos necessários para a certificação. Quando a demora na expedição do diploma decorre de atrasos imputáveis ao universitário/à universitária, não se cuidará de
mora solvendi,
mas de
mora accipiendi
(mora do credor da prestação).
2.45. Apresentação de diplomas em concurso público:
Por outro lado, convém atentar para o disposto na súmula 266, Superior Tribunal de Justiça:
"
O diploma ou habilitação legal para o exercício do cargo deve ser exigido na posse e não na inscrição para o concurso público
."
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. ART. 535 DO CPC. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INOCORRÊNCIA. CONCURSO PÚBLICO. COMPROVAÇÃO DE ESCOLARIDADE. POSSE. SÚMULA 266/STJ. 1. O acórdão recorrido analisou devidamente a questão posta em juízo, fundamentando satisfatoriamente seu entendimento. 2.
A teor da Súmula n. 266/STJ, o diploma ou habilitação legal para o exercício do cargo deve ser exigido na posse, e não na inscrição para o concurso público. Precedentes
. 3. Agravo regimental improvido. (STJ - AgRg no REsp: 1109078 AM 2008/0278735-4, Relator: Ministro JORGE MUSSI, Data de Julgamento: 14/05/2009, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: --> DJe 29/06/2009)
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. EXIGÊNCIA DE APRESENTAÇÃO DO DIPLOMA ANTES DA POSSE. INVIABILIDADE. MATÉRIA SUMULADA NO STJ. ENUNCIADO DE N. 266/STJ. 1.
A jurisprudência do STJ entende que o princípio constitucional que assegura a livre acessibilidade aos cargos públicos pela via legítima do concurso, desde que observados os requisitos previsto em lei, deve ser concebido sem restrições de caráter formal, dando-se prevalência aos seus fins teleológicos. Assim, se para a investidura no cargo há exigência do candidato possuir curso superior, a obrigatoriedade de apresentação do respectivo diploma deve ocorrer no momento da posse. Precedentes
. 2. O tema já se encontra Sumulado pelo STJ, pelo enunciado de n. 266, in verbis: "O diploma ou habilitação legal para o exercício do cargo deve ser exigido na posse e não na inscrição para o concurso público". 3. Recurso especial não provido. (STJ - REsp: 1211993 RJ 2010/0167991-3, Relator: Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Data de Julgamento: 18/11/2010, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 29/11/2010)
Note-se que
"O art. 5º da Lei 8.112/1990 prevê requisitos básicos para a investidura em cargo público: nacionalidade brasileira; gozo dos direitos políticos; quitação com as obrigações militares e eleitorais; nível de escolaridade exigido para o exercício do cargo; idade mínima de 18 anos; e aptidão física e mental. Nada impede, no entanto, considerando as especificidades do cargo e as atribuições funcionais que lhe são inerentes, que sejam estabelecidos requisitos específicos para um determinado cargo público, a exemplo da formação específica em determinada área do conhecimento, como ocorre, por exemplo, com o cargo de Analista Judiciário da Área Jurídica de um Tribunal (bacharelado em Direito). Embora a Súmula restrinja-se a um requisito especial para a ocupação do cargo público, qual seja “diploma ou habilitação legal para o exercício do cargo”, tal entendimento também deve ser adotado para a comprovação dos demais requisitos, sejam eles gerais ou especiais. É o que ocorre em relação ao requisito etário mínimo que o candidato que se submete ao concurso público precisa atender. Isso porque, como acima exposto, o cargo público somente será ocupado no momento da posse, de modo que as suas atribuições funcionais, que possuam correspondência lógica com as qualificações do futuro servidor, somente serão exercidas em momento posterior ao da investidura."
(BOCKIE, Tiago. 15. Tese o diploma ou habilitação legal para o exercício do cargo deve ser exigido na posse, e não na inscrição para o concurso público.
in
NOHARA, Irene; PIETRO, Maria.
Teses Jurídicas dos Tribunais Superiores:
direito administrativo. São Paulo: RT. 2017).
Alguns precedentes vaticinando aludida tese: AgRg no AREsp 414.912/DF , Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, 2ª Turma, julgado em 10/12/2013, DJe 16/12/2013; AgRg no RMS 41.515/BA , Rel. Ministro Herman Benjamin, 2ª Turma, julgado em 02/05/2013, DJe 10/05/2013; AgRg no RMS 25.708/PR , Rel. Ministro Og Fernandes, 6ª Turma, julgado em 23/04/2013, DJe 02/05/2013; AgRg no AREsp 211.985/RJ , Rel. Ministro Sérgio Kukina, 1ª Turma, julgado em 05/03/2013, DJe 11/03/2013; MC 19.398/MG , Rel. Ministro Humberto Martins, 2ª Turma, julgado em 02/10/2012, DJe 10/10/2012; AgRg no RMS 33.166/MS , Rel. Ministro Benedito Gonçalves, 1ª Turma, julgado em 11/09/2012, DJe 17/09/2012; AgRg no AREsp 32.788/RJ , Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, 1ª Turma, julgado em 05/06/2012, DJe 18/06/2012; RMS 23.604/MT, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, 5. Turma, julgado em 27/03/2008, DJe 02/06/2008.
2.46.
Boa-fé
objetiva:
Deve-se ter em conta, ademais, o postulado da boa-fé objetiva, enquanto preceito que deve regular a relação entre os sujeitos, entre estes e o Poder Público, mesmo entre distintas unidades da Administração Pública.
Com efeito, "
ao impor sobre todos um dever de não se comportar de forma lesiva aos interesses e expectativas legítimas despertadas no outro, a tutela da confiança revela-se, em um plano axiológico-normativo, não apenas como principal integrante do conteúdo da boa-fé objetiva,
mas também como forte expressão da solidariedade social, e importante instrumento de reação ao voluntarismo e ao liberalismo ainda amalgamados no direito privado como um todo
."
(SCHREIBER, Anderson.
A proibição de comportamento contraditório:
tutela da confiança e
venire contra factum proprium.
Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 91).
Ademais,
"
Os princípios da segurança jurídica e da boa-fé objetiva, bem como a vedação ao comportamento contraditório (venire contra factum proprium), impedem que a parte, após praticar ato em determinado sentido, venha a adotar comportamento posterior e contraditório
."
(AGRESP 200802418505, ARNALDO ESTEVES LIMA, STJ - QUINTA TURMA, DJE DATA:29/03/2010).
Acrescento que
"O Poder Público não é um poder irresponsável e arbitrário, ele se vincula e se limita pelos seus próprios atos. Não se pode reservar o privilégio, que se resume na mais cínica das prerrogativas que se arrogava o poder absoluto, de surpreender a boa-fé dos que confiam na sua palavra ou nas suas promessas, violando aquela ou anulando essas, depois de haver conseguido, por causa de uma ou de outras, as prestações cuja execução havia sido feita na boa-fé, fundamental não só ao seu comércio jurídico, como à convivência moral, de que a ninguém é dado retirar a palavra empenhada ou desfazer a promessa mediante a qual obteve vantagem de outrem ou lhe causou ou infligiu sacrifício."
(CAMPOS, Francisco.
Direito administrativo.
vol. I. Livraria Freitas Bastos, 1958, p. 70-71)
O respeito à boa-fé objetiva corresponde a "
uma norma de conduta que impõe aos participantes de uma relação obrigacional um agir pautado pela lealdade, pela consideração dos interesses da contraparte. Indica, outrossim, um critério de interpretação dos negócios jurídicos e uma norma balizamento ao exercício de direitos subjetivos e poderes formativos."
(MARTINS-COSTA, Judith.
Comentários ao novo Código Civil.
RJ: Forense, 2005, p. 42).
Com as devidas adequações, essas regras também são oponíveis ao Estado. Nâo se pode reconhecer à Administração Pública a prerrogativa de surpreender os sujeitos, cobrando valores sem que lhes tenha comunicado anteriormente a causa dessa obrigaçã, ou modificando de inopino cláusulas contratuais.
"
Este Tribunal já decidiu que a frustração de expectativas legítimas criadas pelo poder público configura verdadeira afronta ao princípio da boa-fé objetiva, em seu postulado da proibição ao `venire contra factum proprium, que também deve ser respeitada pela Administração Pública
. Através da referida cláusula, vedam-se os comportamentos contraditórios que aviltam direitos e deveres previamente fixados entre as partes e quebram a relação de confiança que deveria prevalecer"
(TRF-1 - REOMS: 10056493420184013200, Relator: Desembargador Federal João Batista Moreira, Data de Julgamento: 06/07/2020, Sexta Turma, Data de Publicação: 07/07/2020).
2.47. Livre exercício de ofício/profissão:
Como notório, a Constituição da República assegura a todos os brasileiros e aos estrangeiros que se encontrem em solo brasileiro o livre exercício da atividade profissional, observados os requisitos legais pertinentes: art. 5º. XIII - "
É livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer
."
Conquanto aludido preceito tenha aludido às qualificações profissionais a serem estabelecidas em lei, isso não pode se traduzir em delegação absoluta para o Congresso. Melhor dizendo, apenas requisitos realmente pertinentes, adequados, proporcionais podem ser exigidos. Cuida-se de uma restrição à liberdade de atuação, de modo que os requisitos cobram justificação substancial.
É razoável, e penso que poucos discordariam disso, que a medicina seja exercida apenas por quem efetivamente cursou e foi aprovado em uma faculdade, quem tenha destreza e efetivo conhecimento técnico. Daí que a lei 3.268/1957 condicione a atuação como médico à prévia admissão no CRM. O Código Penal tipifica como crime a conduta de quem exerce, ainda que a título gratuito, a profissão de médico (art. 282, Código Penal).
Referidas normas são válidas, eis que é indiscutível o elevado risco social presente na atividade de quem se dispõe a intervir no corpo alheio, criando expectativas de cura. Apenas profissionais efetivamente capazes, habilitados, podem atuar nesse âmbito. Semelhante raciocínio se impõe quanto à uma vasta gama de profissões, cujo desempenho demanda prova de alguma acurácia e expertise. Esse é o caso, por exemplo, da advocacia (arts. 3º e 8º da lei 8906/1994), da engenharia civil (art. 6º da lei 5.194/1966), da atividade farmacêutica (art. 57, lei 5991/1973), contabilidade (art. 26 da lei 9.295/1946).
O mesmo não ocorre, todavia, quanto a outras profissões que, conquanto extremamente relevantes para a comunidade política, demandam requisitos menores. Esse é o caso dos pedreiros,
office-boys,
carpinteiros, cantores, vendedores, atores etc. Repiso que, conquanto a Constituição tenha condicionado a liberdade de exercício profissional à edição de leis infraconstitucionais, isso não se traduz no reconhecimento automático da validade das normas assim produzidas. A legislação não pode simplesmente esvaziar referida garantia.
Reporto-me à lição de Ingo Wolfgang Sarlet:
"Considerando a finalidade da autorização constitucional para a restrição da liberdade de profissão,
a fixação de exigências e qualificações profissionais evidentemente deverá guardar relação com a peculiaridade das funções a serem desempenhadas, não se tolerando, de resto, restrições de caráter discriminatório
."
(SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel.
Curso de direito constitucional.
3. ed. rev. ampl. São Paulo: RT, p. 512).
Tampouco é o caso de se reviver, nos tempos modernos, as antigas corporações de ofício - Guildas, concebidas como mecanismos de reserva de mercado. Importa dizer: conquanto os Conselhos profissionais cumpram uma função de extremo relevo para a sociedade, não podem se converter em uma espécie de vaticínio ou
conditio sine qua non
para o exercício de toda e qualquer atividade.
Reporto-me à lição dispensada pelo STF, ao tratar do tema:
"Nem todos os ofícios ou profissões podem ser condicionadas ao cumprimento de condições legais para o seu exercício. A regra é a liberdade.
Apenas quando houver potencial lesivo na atividade é que pode ser exigida inscrição em conselho de fiscalização profissional
. A atividade de músico prescinde de controle. Constitui, ademais, manifestação artística protegida pela garantia da liberdade de expressão."
(RE 414.426, Rel. Min. Ellen Gracie, julg. em 1º-8-2011, Plenário, DJE de 10-10-2011.)
No mesmo sentido, destaco os seguintes julgados: RE 635.023-ED, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 13-12-2011, Segunda Turma, DJE de 13-2-2012; RE 509.409, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 31-8-2011, DJE de 8-9-2011. A Suprema Corte brasileira julgou dispensável, por sinal, para o exercício da atividade de jornalista, a apresentação de diploma de curso superior. Por sinal, semelhante foi a opinião consultiva n. 05/1985, da Corte Interamericana dos Direitos Humanos.
"O jornalismo é uma profissão diferenciada por sua estreita vinculação ao pleno exercício das liberdades de expressão e de informação. O jornalismo é a própria manifestação e difusão do pensamento e da informação de forma contínua, profissional e remunerada. Os jornalistas são aquelas pessoas que se dedicam profissionalmente ao exercício pleno da liberdade de expressão. O jornalismo e a liberdade de expressão, portanto, são atividades que estão imbricadas por sua própria natureza e não podem ser pensadas e tratadas de forma separada. Isso implica, logicamente, que a interpretação do art. 5º, XIII, da Constituição, na hipótese da profissão de jornalista, se faça, impreterivelmente, em conjunto com os preceitos do art. 5º, IV, IX, XIV, e do art. 220, da Constituição, que asseguram as liberdades de expressão, de informação e de comunicação em geral. (...)
No campo da profissão de jornalista, não há espaço para a regulação estatal quanto às qualificações profissionais
. O art. 5º, IV, IX, XIV, e o art. 220 não autorizam o controle, por parte do Estado, quanto ao acesso e exercício da profissão de jornalista.
Qualquer tipo de controle desse tipo, que interfira na liberdade profissional no momento do próprio acesso à atividade jornalística, configura, ao fim e ao cabo, controle prévio que, em verdade, caracteriza censura prévia das liberdades de expressão e de informação, expressamente vedada pelo art. 5º, IX, da Constituição
. A impossibilidade do estabelecimento de controles estatais sobre a profissão jornalística leva à conclusão de que não pode o Estado criar uma ordem ou um conselho profissional (autarquia) para a fiscalização desse tipo de profissão. O exercício do poder de polícia do Estado é vedado nesse campo em que imperam as liberdades de expressão e de informação. Jurisprudência do STF: Representação 930, Rel. p/ o ac. Min. Rodrigues Alckmin, DJ de 2-9-1977." (RE 511.961, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 17-6-2009, Plenário, DJE de 13-11-2009)
2.48. Liberdade de
associação
e desvinculação:
Outro tema diz respeito à garantia do art. 5º, XX, CF:
"
Ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado
."
No dizer de Ingo W. Sarlet,
"A liberdade de associação abarca toda e qualquer forma associativa, incluindo, além das cooperativas (expressamente contempladas pelo texto constitucional), as associações comerciais, de natureza cultural, esportiva etc., não importando a nomenclatura, de modo a assegurar uma proteção mais ampla possível da liberdade."
(SARLET, Ingo Wolfgang e outros.
Curso de direito constitucional.
3. ed. São Paulo: RT, p. 520).
Ainda segundo Sarlet,
"Outro problema constantemente debatido diz respeito à dimensão negativa da liberdade de associação, mais precisamente, da possibilidade de a lei exigir que os integrantes de algumas categorias se vinculem a determinadas entidades setoriais (p.ex., Conselhos de Medicina, Odontologia, Engenharia, Advogados etc.), mas o pressuposto para a legitimidade constitucional de tal exigência é a de que a associação exerça uma função pública, para cujo funcionamento a filiação constitui exigência."
(SARLET, Ingo Wolfgang
et al
.
Obra citada.
p. 526).
Anote-se, portanto, que há entendimento enfatizando que
"Os Conselhos Profissionais (tais como o embargado) não são associações no sentido do preceito constitucional em exame, mas autarquias especiais que recebem, por força de lei, a atribuição de regular e fiscalizar o exercício de determinada atividade profissional ou econômica. Constituem, portanto, limitações válidas tanto à liberdade de profissão (art. 5º, XIII) como à liberdade de iniciativa econômica (art. 1º, IV e 170, "caput" e parágrafo único, todos da Constituição), de tal forma que a compulsoriedade de inscrição e/ou registro, bem como o pagamento das anuidades respectivas não representam qualquer descumprimento do Texto Constitucional."
(AC 00081556520084039999, DESEMBARGADORA FEDERAL CECILIA MARCONDES, TRF3 - e-DJF3 Judicial 1 DATA:27/04/2012).
Também destaco, todavia, que
"Os conselhos não podem tornar obrigatório o exercício das profissões, tampouco criar obstáculos para que seus associados permaneçam a eles vinculados contra sua vontade,
exceto
nas hipóteses em que prossigam no exercício da profissão, sob pena de violarem a liberdade de associação profissional."
(AC 00365520320094039999, DESEMBARGADOR FEDERAL NERY JUNIOR, TRF3 - TERCEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:09/03/2010 PÁGINA: 273). Nesse mesmo sentido, registro que
"Os conselhos não podem tornar obrigatório o exercício das profissões ou criar obstáculos para que seus associados permaneçam vinculados a eles. II.Apelo e remessa oficial improvidos."
(AC 9601387382, JUIZA VERA CARLA CRUZ (CONV.), TRF1 - QUARTA TURMA, DJ DATA:08/10/1999 PAGINA:58
2.49. Inscrição junto ao COREN:
O registro junto ao Conselho Regional de Enfermagem está detalhado na lei 5.905, de 12 de julho de 1973. Cabe ao aludido conselho:
Art 15. Compete aos Conselhos Regionais: I - deliberar sobre inscrição no Conselho e seu cancelamento; Il - disciplinar e fiscalizar o exercício profissional, observadas as diretrizes gerais do Conselho Federal; III - fazer executar as instruções e provimentos do Conselho Federal; IV - manter o registro dos profissionais com exercício na respectiva jurisdição; V - conhecer e decidir os assuntos atinentes à ética profissional impondo as penalidades cabíveis; VI - elaborar a sua proposta orçamentária anual e o projeto de seu regimento interno e submetê-los à aprovação do Conselho Federal; VII - expedir a carteira profissional indispensável ao exercício da profissão, a qual terá fé pública em todo o território nacional e servira de documento de identidade; VIII - zelar pelo bom conceito da profissão e dos que a exerçam; lX - publicar relatórios anuais de seus trabalhos e a relação dos profissionais registrados; X - propor ao Conselho Federal medidas visando à melhoria do exercício profissional; XI - fixar o valor da anuidade; XII - apresentar sua prestação de contas ao Conselho Federal, até o dia 28 de fevereiro de cada ano; XIII - eleger sua diretoria e seus delegados eleitores ao Conselho Federal; XIV - exercer as demais atribuições que lhes forem conferidas por esta Lei ou pelo Conselho Federal.
Os Tribunais têm entendido que a demora injustificada na expedição de diplomas ensejaria a inscrição provisória junto ao Conselho de fiscalização profissional.
"Orientação jurisprudencial assente nesta Corte a de que a demora na expedição de diploma, em face da própria burocracia do procedimento necessário para sua emissão, não pode servir de obstáculo à inscrição ou eventual prorrogação de inscrição provisória junto aos conselhos de fiscalização profissional. 2 . Sentença que se encontra em plena sintonia com tal entendimento. 3. Remessa oficial não provida."
(TRF-1 - REO: 00166341220154014000, Relator.: DESEMBARGADOR FEDERAL DANIEL PAES RIBEIRO, Data de Julgamento: 26/07/2021, OITAVA TURMA, Data de Publicação: PJe 04/08/2021 PAG PJe 04/08/2021 PAG)
Ademais,
"não pode servir de óbice à concessão de inscrição junto ao conselho profissional a demora na entrega do diploma do curso, que está em trâmite de registro junto ao órgão competente, tendo em vista que a parte impetrante cumpriu os requisitos formais necessários e não pode ser prejudicada em decorrência de problemas de ordem burocrática alheios a sua vontade."
(TRF-4 - RemNec: 50000459120204047105 RS, Relator.: VÂNIA HACK DE ALMEIDA, Data de Julgamento: 25/08/2020, 3ª Turma)
2.50. Responsabilização civil - considerações gerais:
Por outro lado, como sabido, o tema da responsabilidade civil pode ser distribuído em dois grandes blocos: (a) a responsabilidade por condutas ilícitas (
lato sensu
);(b) responsabilidade por comportamentos lícitos. No primeiro caso - i.e., a responsabilização por condutas ilícitas - tem-se o que se costuma impropriamente chamar de responsabilidade subjetiva ou de responsabilidade fundada na culpa (responsabilidade civil aquiliana e a responsabilidade civil por violação do contrato). Todo aquele que cause dano a terceiros, mediante violação de cláusula contratual ou violação da lei, tem o dever de indenizar.
Esse é o conteúdo dos arts. 186-187, Código Civil:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
Nesse âmbito, a responsabilização demanda os seguintes requisitos:
"A caracterização genérica do ato ilícito absoluto (ato ilícito stricto sensu), segundo a definição legal do art. 186, exige a conjugação de elementos objetivos e subjetivos: I - os requisitos objetivos são - a) a conduta humana antijurídica; b) o dano; c) o nexo de causalidade entre a conduta humana e o dano. II - os requisitos subjetivos são - a) a imputabilidade e b) a culpa em sentido estrito (dolo ou culpa em sentido estrito)."
(THEODORO JÚNIOR, Humberto.
Comentários ao código civil.
Vol. III. Arts. 185 a 232. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 31)
Já o art. 187, CC, trata da figura do abuso de direito. Ainda segundo a lição de Humberto Teodoro Jr., "
O titular de qualquer direito para conservar-se no campo da normalidade não basta legitimar sua conduta dentro das faculdades reconhecidas pelas normas legais em face de sua individual situação jurídica. Haverá de cuidar para que o uso das prerrogativas legais não se desvie para objetivos ilícitos e indesejáveis, dentro do contexto social. O abuso de direito acontecerá justamente por infringência desse dever e se dará sempre que o agente invocar uma faculdade prevista em lei, aparentemente de forma adequada, mas para alcançar objetivo ilegítimo ou não tolerado pelo consenso social
." (THEODORO JÚNIOR, Humberto.
Obra citada.
p. 113).
Por conseguinte, o art. 187, CC, impõe certos temperamentos à ideia de 'direito subjetivo', compreendido formalmente (i.e., como uma absoluta faculdade de agir, franqueada pela lei). Não basta apenas a adequação à norma legal, exigindo-se também certa proporcionalidade, um uso comedido e adequado das prerrogativas asseguradas pelo ordenamento jurídico.
O STJ já reconheceu como abuso de direito, por exemplo, a conduta do agente bancário que, invocando cláusula contratual, satisfaz seu crédito utilizando recursos mantidos pelo correntista e destinados ao pagamento dos seus empregados (STJ, REsp. 250.523, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar p. DJ 18/12/2000). Ou seja, a despeito de haver cláusula contratual prevendo-a, a conduta seria viciada por destoar de um uso comedido, razoável, do direito.
Os requisitos para o reconhecimento do abuso de direito são os seguintes:
"Partindo da definição legal do exercício abusivo de um direito como ato ilícito (art. 187), teremos os seguintes requisitos como necessários à sua configuração: a) conduta humana, b) exercício de um direito subjetivo, c) exercício desse direito de forma emulativa (ou, pelo menos, culposa), d) dano para outrem, e) ofensa aos bons costumes e à boa fé; ou f) prática em desacordo com o fim social ou econômico do direito subjetivo
." (TEODORO JR., Humberto.
Obra citada.
p. 120-121). Esses são os contornos, grosso modo, da responsabilização por comportamentos inválidos (ilícitos ou que violem regras contratuais).
Por outro lado, a responsabilidade por condutas lícitas corresponde, em síntese, à responsabilidade fundada no incremento do risco (p.ex., art. 14 da lei 6938 e também à responsabilidade objetiva estatal). Ora, a responsabilidade pelo incremento do risco diz respeito àquelas atividades que - conquanto lícitas - ensejam um grau maior de contingência para a vida em comum. Nesse âmbito, portanto, busca-se simplesmente uma internalização das externalidades provocadas pela atividade econômica, a fim de que o poluidor, por exemplo, arque com os resultados do seu extrativismo ou industrialização. Essa responsabilização pelo risco está prevista, por exemplo, no art. 14, §1º, lei 6.938/1981; no art. 927, parágrafo único, Código Civil e - destaque-se - também art. 225, §§2º e 3º, Constituição/1988.
Já a responsabilização objetiva do Estado, prevista no art. 36, §7º, CF, verdadeira projeção do postulado da isonomia (igual distribuição do custeio público):
"A atividade administrativa exerce-se no interesse de todos; se os danos que daí resultam para alguns não fossem reparados, eles seriam sacrificados à coletividade, sem que nada pudesse justificar semelhante discriminação. A
indenização
restabelece o equilíbrio afetado em seu detrimento."
(RIVERO, Jean.
Direito administrativo.
Almedina, 1981. p. 305).
Semelhante é a análise promovida por Celso Antônio Bandeira de Mello:
"No caso de comportamentos lícitos, assim como na hipótese de danos ligados a situação criada pelo Poder Público - mesmo que não seja o Estado o próprio autor do ato danoso -, entendemos que o fundamento da responsabilidade estatal é garantir uma equânime repartição dos ônus provenientes de atos ou efeitos lesivos, evitando que alguns suportem prejuízos ocorridos por ocasião ou por causa de atividades desempenhadas no interesse de todos. De conseguinte, seu fundamento é o princípio da igualdade, noção básica do Estado de Direito."
(MELLO, Celso Antônio Bandeira de.
Curso de direito administrativo.
17. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 890)
2.51. Responsabilização estatal por condutas omissivas:
Note-se, todavia, que o Estado não pode ser imaginado como uma espécie de resseguro universal. Ainda que, na atualidade, a noção de Estado de Bem Estar Social deva ser privilegiada e haja quem imagine que a Administração Pública deva garantir até mesmo a felicidade individual (p.ex., projeto de emenda à Constituição n. 10, proposto pelo Senador Cristóvam Buarque), não há como obrigá-la a reparar toda sorte de infortúnios a que todos estamos sujeitos.
Daí que é salutar atentar, em um primeiro exame, para a diferença de tratamento a ser dispensada entre condutas omissas e comissivas da Administração Pública. Cuidando-se de atuação ativa que cause prejuízos aos administrados, aplica-se, em regra, o art. 37, §6º, CF (responsabilidade objetiva), o que comporta pontuais exceções, mesmo nesse âmbito, a exemplo da conduta ativa da Administração que, no afã de salvar alguém que se encontra em um veículo trancado, se vê obrigada a destruir a porta do automóvel, caso em que, por óbvio, a reparação dos danos será incabível. Tratando-se de conduta omissiva, por parte da Administração, a responsabilidade apenas será cabível se provado, pelo interessado, que a omissão teria se dado de modo ilícito.
Do contrário, todos quanto tenham algum bem subtraído, mediante furto ou roubo, nas rodovias e logradouros públicos, poderiam processar o Estado, dado que lhe cabe garantir a segurança. Todos quanto sejam lesados, de algum modo, seriam então declarados credores de quantias junto aos cofres públicos. No afã de impedir tais lesões, o Estado teria que se converter em um mecanismo absolutamente autoritário, com controles totais sobre a vida dos indivíduos. A ocorrência de danos infelizmente é uma inexorável consequência do convívio de pessoas com certo grau de liberdade. Com isso não se faz pouco caso dos prejuízos suportados pelo demandante. Não! Mas, ao mesmo tempo, enfatiza-se que os responsáveis pelo furto é que hão de reparar os danos, tão logo sejam identificados.
O prof. Celso Bandeira de Mello, já aludido acima, argumenta que
"Deveras, caso o Poder Público não estivesse obrigado a impedir o acontecimento danoso, faltaria razão para impor-lhe o encargo de suportar patrimonialmente as conseqüências da lesão. Logo, a responsabilidade estatal por ato omissivo é sempre responsabilidade por comportamento ilícito. E, sendo responsabilidade por ilícito, é necessariamente responsabilidade subjetiva, pois não há conduta ilícita do Estado (embora do particular possa haver) que não seja proveniente de negligência, imprudência ou imperícia (culpa) ou, então, deliberando propósito de violar a norma que o constituía em dada obrigação (dolo). Culpa e dolo são justamente as modalidades de responsabilidade subjetiva."
(MELLO, Celso Antônio Bandeira de.
Obra citada.
p. 981).
Não se pode perder de vista, porém, o confronto entre a omissão genérica e a omissão específica do Estado; tratando-se em omissão específica quando
“o Estado, por omissão sua, cria a situação propícia para a ocorrência do evento em situação em que tinha o dever de agir para impedi-lo.”
(CAVALIERI FILHO, Sérgio.
Programa de responsabilidade civil.
7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 231). Desse modo,
"Se o motorista embriagado atropela e mata pedestre que está na beira da estrada, a Administração (entidade de trânsito) não poderá ser responsabilizada pelo fato de estar esse motorista ao volante sem condições. Isso seria responsabilizar a Administração por omissão genérica. Mas se esse motorista, momentos antes, passou por uma patrulha rodoviária, teve o veículo parado, mas os policiais, por alguma razão, deixaram-no prosseguir viagem, aí já haverá omissão específica que se erige em causa adequada do não-impedimento do resultado. Nesse segundo caso haverá responsabilidade objetiva do Estado."
(CAVALIERI FILHO, Sérgio.
Obra citada.
p. 231).
Em caso de eventual omissão estatal, impõe-se ao interessado o ônus de comprovar uma atuação dolosa ou negligente da Administração Pública, conforme art. 373, I, CPC, exceção feita aos casos de omissão específica, em que a responsabilidade objetiva soa cabível. Com efeito,
"A jurisprudência do STJ firmou-se no sentido de que "a responsabilidade civil do estado por condutas omissivas é subjetiva, sendo necessário, dessa forma, comprovar a negligência na atuação estatal, o dano e o nexo causal entre ambos"
(STJ, AgRg no AREsp 501.507/RJ, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, DJe de 02/06/2014). Em igual sentido: STJ, REsp 1.230.155/PR, Rel. Ministra ELIANA CALMON, DJe de 17/09/2013 e AGRESP 201202023900, ASSUSETE MAGALHÃES, DJE 02/12/2015.
Atente-se também para os julgados abaixo transcritos:
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. ALEGAÇÃO GENÉRICA. SÚMULA 284/STF. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. OMISSÃO. NEXO DE CAUSALIDADE. DANOS MORAIS E MATERIAIS. REEXAME DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. 1. A alegação genérica de violação do artigo 535 do Código de Processo Civil, sem explicitar os pontos em que teria sido omisso o acórdão recorrido, atrai a aplicação do disposto na Súmula 284/STF. 2.
Nos termos da jurisprudência do STJ, a responsabilidade civil do estado por condutas omissivas é subjetiva, sendo necessário, dessa forma, comprovar a negligência na atuação estatal, o dano e o nexo causal entre ambos
. 3. O Tribunal de origem, com base no conjunto fático probatório dos autos, expressamente consignou que "restou evidente o nexo de causalidade entre a omissão do ente municipal e o evento danoso". 4. Dessa forma, não há como modificar a premissa fática, pois para tal é indispensável o reexame do contexto fático-probatório dos autos, o que é vedado por esta Corte, pelo óbice da Súmula 7/STJ. Agravo regimental improvido. ..EMEN: (AGARESP 201400845416, HUMBERTO MARTINS, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:02/06/2014 ..DTPB:.)
"(...) 7. É fato que a doutrina atual orienta-se no sentido de que a responsabilidade civil do Estado somente é objetiva quanto a atos comissivos praticados por seus agentes ou prepostos.
Quando, todavia, se trata de conduta omissiva, para que se caracterize a responsabilidade estatal, é mister que se demonstre, além do dano causado à vítima e o respectivo nexo causal, o dolo ou culpa do representante do Estado que tinha o dever de agir de modo a impedir a ocorrência do evento danoso (falta do serviço). Precedentes jurisprudenciais. 8. A responsabilidade civil por omissão de atos da Administração Pública é subjetiva, hipótese em que a culpa passa a se constituir em pressuposto da responsabilidade, não se aplicando, assim, a regra do art. 37, § 6º, da CF. 9. Ou seja, admitindo-se a responsabilidade objetiva em hipóteses que tais, o Estado seria um segurador universal, o que não se entremostra razoável
. 10. A doutrina e a jurisprudência mais recente, todavia, vem gradativamente adotando, quando se trata de danos da Administração Pública por omissão, o entendimento de que existe uma clara distinção entre omissão específica e omissão genérica. 11.
A omissão é específica quando o Estado tem a obrigação de evitar o dano. Um exemplo desse tipo de omissão são os bueiros destampados, que ocasionam a queda de uma pessoa, provocando-lhe danos físicos. Quando há responsabilidade civil por omissão específica, o Estado responde objetivamente, conforme o art. 37, § 6º, da CF
. 12.
Há situações outras, todavia, que é impossível ao Estado impedir, através de seus agentes, eventuais danos aos seus administrados. Por exemplo, o de lesões sofridas por atos de vandalismo de terceiros, em estádios de futebol. Nesses casos, se diz que a omissão é genérica e a responsabilidade do Poder Público é subjetiva, havendo a necessidade de se aferir a culpa
. 13. Além disso, quando não for possível identificar o agente que causou o dano, caberá à vítima comprovar que não houve serviço, que o serviço funcionou mal ou que foi ineficiente. É o que se denomina responsabilidade civil por culpa anônima do serviço, outra modalidade de responsabilidade subjetiva da Administração Pública. 14. Destarte, em se tratando de omissão genérica do serviço ou quando não for possível identificar um agente público responsável, a responsabilidade civil do Estado será sempre subjetiva, não se aplicando a essas hipóteses a teoria objetiva do risco administrativo. Precedentes desta Corte. 15. O caso dos autos é a típica responsabilidade do Estado por omissão. (...)" (APELREEX 00174935819874036100, JUIZ CONVOCADO ALEXANDRE SORMANI, TRF3 - SEGUNDA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:08/10/2009 PÁGINA: 200 ..FONTE_REPUBLICACAO:., omiti parte da ementa)
RESPONSABILIDADE CIVIL - ACIDENTE DE TRÂNSITO - ANIMAIS NA PISTA - RESPONSABILIDADE SUBJETIVA - CULPA - RODOVIA COMUM. Nas rodovias comuns - ao contrário do que se dá nas auto-estradas, destinadas ao trânsito de alta velocidade, onde as exigências de segurança são naturalmente mais acentuadas e, por isso, a vigilância deve ser mais rigorosa - é virtualmente impossível impedir o ingresso de animais na pista, durante as vinte e quatro horas de dia.
A responsabilidade do Estado quando o dano resulta de suposta omissão - falta de serviço - obedece a teoria subjetiva e só se concretiza mediante prova da culpa, isto é, do descumprimento do dever legal de impedir o evento lesivo. O Estado não é segurador universal: sem a prova da conduta omissiva censurável, tendo em conta o tipo de atuação que seria razoável exigir, não há como responsabilizar o poder público
.
(AC 9704012225, AMIR JOSÉ FINOCCHIARO SARTI, TRF4 - TERCEIRA TURMA, DJ 17/09/1997 PÁGINA: 75102.)
2.52. Caracterização de danos
materiais:
O prejuízo material compreende o desfalque do patrimônio do ofendido, a ser traduzido em pecúnia. Ele pode ser reconduzido ao dano emergente (montante que a vítima efetivamente perdeu) e o lucro cessante (aquilo que ela deixou de lucrar).
Colho a lição de Humberto Theodoro Júnior:
"O
dano emergente é mais facilmente quantificável
. Resume-se a uma avaliação do patrimônio lesado, antes e depois do ato ilícito. Já no caso de lucros cessantes, a situação é mais delicada, pois é preciso determinar que vantagens esperadas efetivamente o ilícito impediu a vítima de perceber. Não se pode levar o ressarcimento a cobrir expectativas remotas de lucros e vantagens que poderiam ou não acontecer, no futuro.
O lucro cessante tem de ser visto como lucro certo, em função do quadro afetado pelo ato ilícito. Deve corresponder a consequência imediata da paralisação de um negócio lucrativo que a vítima explorava, ou a frustração do rendimento que era razoavelmente esperado do bem lesado.
Para evitar pretensões quiméricas, o art. 403 do novo Código, na tradição do art. 1059 do Código anterior, determina que a reparação dos lucros cessantes só compreenda o que a vítima razoavelmente deixou de lucrar. Com isso se impede a vítima do ato ilícito de afastar-se dos critérios objetivos e navegar nas águas do meramente hipotético ou imaginário.
A indenização terá de ser fixada à luz do bom senso e do razoável, sempre a partir de dados concretos e não de simples suposições. É por isso que o art. 403 completa o enunciado do art. 402, que fala em reparação para o que a vítima razoavelmente deixou de lucrar, acrescentando que os lucros indenizáveis são apenas os que cessaram por efeito direto e imediato da inexecução da obrigação (i.e., do ato ilícito).
Em suma, nem o dano material, nem os lucros cessantes, podem ser deferidos sob condição de apuração futura em liquidação. A parte que pleiteia reparação tem de prová-los adequadamente, antes da condenação, mesmo que essa seja genérica." (THEODORO JÚNIOR, Humberto.
Comentários ao código civil.
Vol. III. Arts. 185 a 232. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 36-37)
Por sinal, a lei processual civil veda a prolação de sentenças condicionadas (art. 460, parágrafo único, CPC); ao mesmo tempo em que também veda ao demandante a formulação de pedidos genéricos, com as exceções verbalizadas no art. 286, CPC.
Convém apenas destacar que a lei não vaticina a pretensão à percepção de lucros cessantes de caráter hipotético:
RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO - ACIDENTE SOFRIDO NO INTERIOR DE HOSPITAL PÚBLICO - DANOS MATERIAIS E MORAIS - AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO NEXO DE CAUSALIDADE - INDENIZAÇÃO INDEVIDA. 1- A responsabilidade objetiva independe da comprovação de culpa ou dolo, ou seja, basta estar configurada a existência do dano, da ação ou omissão e do nexo de causalidade entre ambos (art. 37, §6º, da CF/88). 2 - Ante o conjunto probatório trazido aos autos, ausente, na hipótese, nexo de causalidade entre o acidente que provocou o ferimento na Autora e qualquer ato omissivo ou comissivo por parte da Administração. 3 -
Não restando nos autos qualquer despesa ou ônus de origem material, deve ser afastada a indenização por dano material, pois, para ser indenizável, o dano deve ser certo, não sendo passíveis de indenização os danos hipotéticos
. 4 - Ante a ausência do nexo de causalidade, incabível também a indenização por danos morais. 5 - Apelação improvida. Sentença confirmada. (AC 200751010001080, Juiz Federal WILSON JOSE WITZEL, TRF2 - SEXTA TURMA ESPECIALIZADA, E-DJF2R - Data::24/03/2010 - Página::307/308.)
D'outro tanto, a teoria da perda de uma chance tem origem na França (
perte d’une chance),
nos idos de 1950, conquanto já houvesse sido reconhecida no caso inglês Chaplin
versus
Hicks, de 1911.
Segundo Sérgio Cavalieri,
"
caracteriza-se essa perda de uma chance quando, em virtude da conduta de outrem, desaparece a probabilidade de um evento que possibilitaria um benefício futura para a vítima, como progredir na carreira artística ou militar, arrumar um melhor emprego, deixar de recorrer de uma sentença desfavorável pela falha do advogado, e assim por diante
. Deve-se, pois, entender por chance a probabilidade de se obter um lucro ou de se evitar uma perda" (
CAVALIERI FILHO, Sérgio.
Programa de Responsabilidade Civil.
8. ed. SP: Atlas, 2008, p. 71).
Trata-se, pois, de um exame estocástico, estatístico.
Em princípio, não há como se obrigar alguém a responder poder eventos futuros e incertos. Exagerando, para melhor compreender: alguém subtrai, da vítima, o valor de R$ 2,00. Ele ingressa em Juízo, dizendo que iria utilizar aquele recurso para jogar na mega-sena, com a chance de se tornar milionário, exigindo a reparação do dano na sua totalidade.
Por óbvio que não se pode imputar ao causador do dano o dever de responder por consequências incertas e improváveis. Situação obviamente diversa ocorre quando o único candidato de um concurso público, selecionado para a última etapa, já tendo demonstrado expertise nas fases anteriores, é impedido de realizar a última prova por conta de um acidente de trânsito.
O Superior Tribunal de Justiça tem enfatizado o seguinte:
RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. PERDA DE UMA CHANCE. DESCUMPRIMENTO DE CONTRATO DE COLETA DE CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS DO CORDÃO UMBILICAL DO RECÉM NASCIDO. NÃO COMPARECIMENTO AO HOSPITAL. LEGITIMIDADE DA CRIANÇA PREJUDICADA. DANO EXTRAPATRIMONIAL CARACTERIZADO. 1. Demanda indenizatória movida contra empresa especializada em coleta e armazenagem de células tronco embrionárias, em face da falha na prestação de serviço caracterizada pela ausência de prepostos no momento do parto. 2. Legitimidade do recém nascido, pois "as crianças, mesmo da mais tenra idade, fazem jus à proteção irrestrita dos direitos da personalidade, entre os quais se inclui o direito à integralidade mental, assegurada a indenização pelo dano moral decorrente de sua violação" (REsp. 1.037.759/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/02/2010, DJe 05/03/2010). 3.
A teoria da perda de uma chance aplica-se quando o evento danoso acarreta para alguém a frustração da chance de obter um proveito determinado ou de evitar uma perda. 4. Não se exige a comprovação da existência do dano final, bastando prova da certeza da chance perdida, pois esta é o objeto de reparação
. 5. Caracterização de dano extrapatrimonial para criança que tem frustrada a chance de ter suas células embrionárias colhidas e armazenadas para, se for preciso, no futuro, fazer uso em tratamento de saúde. 6. Arbitramento de indenização pelo dano extrapatrimonial sofrido pela criança prejudicda. 7. Doutrina e jurisprudência acerca do tema. 8. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. ..EMEN: (RESP 201102672798, PAULO DE TARSO SANSEVERINO, STJ - TERCEIRA TURMA, DJE DATA:01/10/2014 ..DTPB:.)
(...) PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. PREJUÍZOS DECORRENTES DE DESAPROPRIAÇÃO. TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. REVISÃO DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. 1.
A jurisprudência desta Corte admite a responsabilidade civil e o consequente dever de reparação de possíveis prejuízos com fundamento na denominada teoria da perda de uma chance, "desde que séria e real a possibilidade de êxito, o que afasta qualquer reparação no caso de uma simples esperança subjetiva ou mera expectativa aleatória
" (REsp 614.266/MG, DJe de 2/8/2013). 2. Impossível rever a premissa fática fixada pelas instâncias ordinárias por demandar o reexame do acervo fático-probatório dos autos, a atrair o óbice da Súmula 7/STJ. 3. Agravo em recurso especial não provido. ..EMEN: (RESP 201202432776, ELIANA CALMON, STJ - SEGUNDA TURMA, REPDJE DATA:06/03/2014 DJE DATA:24/10/2013)
2.53.
Danos
morais
- delimitação do instituto:
O art. 5º, V, CF/1988, preconiza que
"é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem."
Por seu turno, o art. 5º, X, dispõe que
"são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação."
Segundo Ramon Pizarro, "
dano moral é uma modificação desvaliosa do espírito, no desenvolvimento da sua capacidade de entender, querer ou sentir, conseqüência de uma lesão a um interesse não patrimonial, que haverá de traduzir-se em um modo de estar diferente daquele ao que se encontrava antes do fato, como conseqüência deste e animicamente prejudicial
." (PIZARRO citado por SANTOS, Antonio Jeová
.
Dano
moral
indenizável
. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 97).
Como explica o juiz Jeová Santos: "
Dano é prejuízo. É diminuição de patrimônio ou detrimento a afeições legítimas. Todo ato que diminua ou cause menoscabo aos bens materiais ou imateriais, pode ser considerado dano. O dano é um mal, um desvalor ou contravalor, algo que se padece com dor, posto que nos diminui e reduz; tira de nós algo que era nosso, do qual gozávamos ou nos aproveitávamos, que era nossa integridade psíquica ou física, as possibilidades de acréscimo ou novas incorporações, como diz Jorge Mosse Iturraspe."
(SANTOS, Antônio Jeová.
Obra citada.
p. 74).
Anote-se, pois, que nem todo dissabor é suscetível de indenização. O convívio humano é marcado por maiores ou menores conflitos; há situações que, conquanto desconfortáveis, não ensejam, só por isso, reparação (p.ex., a permanência por vários minutos em uma fila de banco, o tom ríspido com que perguntas são respondidas, sarcasmos ou irritações variadas etc.).
Melhor dizendo, "
o dano moral não deve ser confundido com os acontecimentos indesejáveis próprios da existência em sociedade, ou seja, não são quaisquer sensações desagradáveis do cotidiano, como também não são os simples aborrecimentos do dia-a-dia, que ensejam a indenização
" (ARAÚJO, Mariana de Cássia. A reparabilidade do dano moral transindividual in
Revista Jurídica
nº 378. abril/2009, p. 85).
Desse modo, "
conquanto existam pessoas cuja suscetibilidade aflore na epiderme, não se pode considerar que qualquer mal-estar seja apto para afetar o âmago, causando dor espiritual. Quando alguém diz ter sofrido prejuízo espiritual, mas este é conseqüência de uma sensibilidade exagerada ou de uma suscetibilidade extrema, não existe reparação. Para que exista dano moral é necessário que a ofensa tenha alguma grandeza e esteja revestida de certa importância e gravidade
." (SANTOS, Antônio Jeová.
Obra citada.
p. 111).
Destaco, ademais, o seguinte excerto da obra de Jeová Santos:
"Simples desconforto não justifica a indenização (....) asseveram GABRIEL STIGLITZ e CARLOS ECHEVESTI (responsabilidad civil, p. 24 3), diferente do que ocorre com o dano material, a alteração desvaliosa o bem-estar psicofísico do indivíduo deve apresentar certa magnitude para ser reconhecida como prejuízo moral. Um mal-estar trivial, de escassa importância, próprio do risco cotidiano da convivência ou da atividade que o indivíduo desenvolva, nunca o configurarão (....) O mero incômodo, o desconforto, o enfado decorrentes de alguma circunstância, como exemplificados aqui, e que o homem médio tem de suportar em razão mesmo do viver em sociedade, não servem para que sejam concedidas indenizações.
O dano moral somente ingressará no mundo jurídico, com a subseqüente obrigação de indenizar, em havendo alguma grandeza no ato considerado ofensivo a direito personalíssimo. Se o ato tido como gerador do dano extrapatrimonial não possui virtualidade para lesionar sentimentos ou causar dor e padecimento íntimo, não existiu dano moral passível de ressarcimento
.
Para evitar a abundância de ações que tratam de
danos
morais presentes no foro, havendo uma autêntica confusão do que seja lesão que atinge a pessoa e do que é mero desconforto, convém repetir que não é qualquer sensação de desagrado, de molestamento ou de contrariedade que merecerá a indenização. O reconhecimento do dano moral exige certa envergadura." (SANTOS, Antônio Jeová.
Obra citada.
p. 112 e 113)
Semelhante é a análise de Humberto Theodoro Júnior, quando afirma que
"Se o incômodo é pequeno (irrelevância) e se, mesmo sendo grave, não corresponde a um comportamento indevido (licitude), obviamente não se manifestará o dever de indenizar (ausência da responsabilidade civil cogitada no art. 186 do CC)."
(THEODORO JÚNIOR, Humberto.
Obra citada.
p. 44)
Com efeito, não se pode prodigalizar a condenação para pagamento de alegados danos morais. Solução diversa teria o condão apenas de diminuir a própria importância do instituto, banalizando a sua invocação.
Em casos verdadeiramente graves fixam-se valores módicos de indenização, insuscetíveis,
concessa venia
, de realmente ressarcir o dano extrapatrimonial (p.ex., o sofrimento da mãe que perdeu um filho em acidente). Justamente por isto, deve-se empregar grande prudência do Judiciário na fixação do dever de indenizar, de modo que não se transforme em uma verdadeira responsabilização objetiva, sem previsão legal.
Reporto-me aos seguintes julgados:
"....
I - Como anotado em precedente (REsp 202.504-SP, DJ 1.10.2001), o inadimplemento do contrato, por si só, pode acarretar danos materiais e indenização por perdas e danos, mas, em regra, não dá margem ao dano moral, que pressupõe ofensa anormal à personalidade. Embora a inobservância das cláusulas contratuais por uma das partes possa trazer desconforto ao outro contratante - e normalmente o traz - trata-se, em princípio, do desconforto a que todos podem estar sujeitos, pela própria vida em sociedade." (STJ, REsp 338162, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJU 18/02/2002, p. 459)
"
Para viabilizar a procedência da ação de ressarcimento de prejuízos, a prova da existência do dano efetivamente configurado e pressuposto essencial e indispensável. ainda mesmo que se comprove a violação de um dever jurídico, e que tenha existido culpa ou dolo por parte do infrator, nenhuma indenização será devida, desde que, dela, não tenha decorrido prejuízo
." (STJ, REsp 20.386, rel. Min. Demócrito Reinaldo, DJU de 27/06/94, p. 16.894.)
De outro tanto, sempre que preenchidos os requisitos para a reparação de danos morais, a indenização deve ser arbitrada com lastro nos seguintes critérios: a) as circunstâncias e peculiaridades do caso; b) a repercussão do ato ilícito; c) a eventual participação do ofendido para configuração do evento danoso; d) o caráter pedagógico da indenização, a ponto de desestimular a prática de novas condutas ilícitas; e, por fim, e) a moderação/proporcionalidade, de modo a se evitar enriquecimento sem causa.
2.54. Quanto à distribuição do ônus da prova:
No que toca à demonstração dos fatos, registro que, na espécie, não há lastro para a inversão do ônus da prova, prevista no art. 6º, VIII, CDC. Aludida inversão não se dá de modo automático, como explicita Rizzatto Nunes: "
Por isso, o reconhecimento da hipossuficiência do consumidor para fins de inversão do ônus da prova não pode ser visto como forma de proteção ao mais pobre. Ou, em outras palavras, não é por ser pobre que deve ser beneficiado com a inversão do ônus da prova, até porque a questão da produção da prova é processual, e a condição econômica do consumidor diz respeito ao direito material. Na realidade, para beneficiar o carente econômico no processo não seria necessária a inversão. Bastaria determinação judicial de que o fornecedor arcasse com eventuais custas processuais para a produção de provas, tais como as periciais. Determinar-se-ia a inversão do pagamento, e aí sim estar-se-ia protegendo, de forma justa, o economicamente fraco."
(NUNES, Rizzatto.
Curso de direito do consumidor.
São Paulo: Saraiva, 2004, p. 731-733).
Atente-se para os seguintes julgados:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ART. 273 DO CPC. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULAS 282 E 356/STF. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. MATÉRIA DE PROVA. REEXAME. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. 1. Inviável o recurso especial quando ausente o prequestionamento das questões de que tratam os dispositivos da legislação federal apontados como violados. 2. A inversão do ônus da prova, prevista no art. 6º, VIII, do Código de Defesa do consumidor, fica a critério do juiz, conforme apreciação dos aspectos de verossimilhança das alegações do consumidor ou de sua hipossuficiência. 3. Na hipótese em exame, a eg. Corte de origem manteve a aplicação ao caso do Código de Defesa do consumidor, e após sopesar o acervo fático-probatório reunido nos autos, concluiu pela configuração da verossimilhança das alegações da parte agravada, bem como de sua hipossuficiência. Desse modo, o reexame de tais elementos, formadores da convicção do d. Juízo da causa, não é possível na via estreita do recurso especial, por exigir a análise do conjunto fático-probatório dos autos. Incidência da Súmula 7/STJ. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. ..EMEN: (AGARESP 201300457409, RAUL ARAÚJO, STJ - QUARTA TURMA, DJE DATA:24/06/2013 ..DTPB:.)
AÇÃO CAUTELAR DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. CADERNETA DE POUPANÇA. EXTRATOS. REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. NEGATIVA. ÔNUS DA PROVA. INTERESSE DE AGIR. INEXISTÊNCIA. 1.
A aplicação das regras do Código de Defesa do consumidor aos contratos como o presente não resulta na automática inversão do ônus da prova, sendo para isso necessária a com provação da hipossuficiência ou da plausibilidade do direito sustentado pelo autor, o que não se deu no caso em exame
. 2. No caso concreto, não há entre os documentos que instruem a ação cautelar, qualquer prova da negativa do agente financeiro em fornecer os respectivos documentos. Aliás, não há sequer a comprovação de que houve requerimento administrativo para tal fim, restando caracterizada a falta de interesse de agir. (AC 00015741320094047011, MARGA INGE BARTH TESSLER, TRF4 - QUARTA TURMA, D.E. 26/04/2010.)
Ademais, a inversão prevista no art. 373, CPC também deve ser empregada com comedimentos, conforme análise crítica de Araken de Assis:
"Essa teoria tem cunho autoritário, porque concentra poderes no órgão judiciário, e, desse modo, traz consigo alto risco de subjetivismo. Duas objeções principais, relevando o risco de prevaricação e o dever de fidelidade do juiz ao direito, opõem-se à doutrina: (a) o já mencionado risco de subjetividade e, ademais, de relatividade: o que é fácil para certo juiz pode não o ser para outro; e (b) a violação positiva ao direito fundamental processual do contraditório. Contra o risco de subjetividade, inexiste remédio; para a violação do contraditório, a medida cabível é a exigência de que haja motivo concreto, prévio e delimitado para a distribuição ope judicis. A distribuição do ônus da prova na decisão de saneamento e de organização do processo (art. 357, III) contrabalança os riscos, norteando a atividade das partes na instrução das causas. Seja como for, as objeções evidenciam que, entre nós, inexiste ainda densidade do direito fundamental à prova. O contraditório argumentantivo (dizer e contradizer) não mais satisfaz. "
(ASSIS, Araken.
Processo civil brasileiro.
Volume II - Tomo II. SP: RT. 2015. p. 203-209).
No caso em exame, aludida inversão não se justifica, eis que a demandante teve ampla oportunidade para a demonstração das alegações lançadas na peça inicial, de modo que aplico ao caso o art. 373, I e II, CPC. Por sinal, caso fosse cabível a aludida inversão, isso implicaria então conversão do julgamento em diligência, na forma da parte final do art. 373, §1º, CPC.
2.55. Elementos de convicção:
Com a peça inicial, a autora apresentou comprovante de trabalhar como técnica em enfermagem na Irmandade Santa Casa de Misericórdia, em Curitiba, auferindo o valor líquido de R$ 2.250,98 por mês. Ela registrou ocorrência em 04 de abril de 2022.
Segundo aludida
notitia criminis, "descrição sumária: relata a noticiante que fez um curso de técnico em enfermagem e que concluiu o curso na ano de 2012, fez a formatura e que algum tempo depois quando foi buscar a validação do seu curso descobriu que o seu diploma não esta válido e que a escola onde fez o curso técnico fechou e não está mais no local onde se formou e que o pessoal da secretaria de educação não sabe informar o seu novo endereço. pede providencias."
Anexou uma relação esmaecida e praticamente ilegívil quanto às disciplinas cursadas. Anexou a minuta de diploma de conclusão do curso de técnico em enfermagem, datado de 7 de janeiro de 2013, sem assinatura do Secretário Estadual de Educação. Anexou certificado de conclusão do curso:
Anexou ainda o seguinte:
Sustentou-se que ela teria concluído aludido curso em 24 de outubro de 2012. Anexou cópia de documento assinado e registrado - petição inicial, p. 42. Em sua resposta, o Estado do Paraná sustentou que a autora não teria postulado a 2. via do documento no âmbito extrajudicial.
A Diretoria de Planejamento e Gestão Escolar da Secretaria de Estado da Educação do Paraná- SEED teria informado que a autora teria desistido do curso, de modo que as informações lançadas na inicial destoariam da realidade dos fatos (argumento de evento 16).
"Em atendimento ao Ofício no 129/2024, expedido pela Procuradoria Administrativa - PRA, às fls. 2/3, mov.2, referente aos Autos no 0014006- 90.2024.8.16.0182 e à parte autora,
Elaine Nemer
da Cruz, informamos:
1- Em decorrência da sanção de cessação compulsória das atividades escolares do Centro de Educação Profissional Integrado e sua extinção, por meio da Resolução n° 2480/20, DOE 07/07/2020, foi credenciado o Colégio Estadual São Pedro Apóstolo - EFMP, como responsável pela guarda e expedição da documentação escolar dos estudantes do Curso Técnico em Enfermagem; 2- Para validação do Diploma de Técnico em Enfermagem dessa estudante, expedido em 24/10/2012, pelo Centro de Educação Profissional Integrado e apresentado pela autora ao Colégio Estadual São Pedro Apóstolo - EFMP, solicitando o registro no SISTEC, é necessária a confirmação dos registros nos Relatórios Finais arquivados em papel ou nos Sistemas SERE e Marfin. Foi verificado no Sistema Marfin que no Relatório Final do Módulo VII (época: 01/07/2012 a 12/11/2012), a estudante está registrada como desistente e, portanto, sem conclusão do Curso, não tendo direito ao diploma."
Aduziu ainda que
"Ainda, o diploma apresentado pela autora possui dados que não condizem com a realidade. O carimbo no diploma trazido pela contraparte afirma ter sido publicado, no Diário Oficial, na Edição nº 8779 em 02/01/2013. Porém, a data da edição do Diário Oficial de nº 8779 é 17/08/2012. Não houve nenhuma publicação do Diário Oficial na data trazida pela autora."
Informou-se o registro da autora junto ao COREN:
Ontem, a autora sustentou que a antecipação de tutela teria sido descumprida, como relatei acima.
2.56. Apreciação do pedido de antecipação de tutela:
Reitero que a expedição e registro do diploma são requisitos para sua validade no âmbito nacional (art. 45 do Decreto 9.235, de 2017). Anote-se ainda que os arts. 57 e 58 do referido decreto versam sobre o descredencimento de instituições de ensino, quando sua atuação se revele insuficiente/inadequada.
No caso, a demandante juntou cópia de diploma registrado de técnico em enfermagem, curso alegadamente concluído no final de 2012. Apresentou histórico de disciplinas cursadas, documento ilegível. Postulou a segunda via do diploma. Já o Estado do Paraná alegou que a autora teria desistido do curso, segundo informações registradas junto à Secretaria de Educação. O diploma apresentado por ela apresentaria inconsistências.
Remanesce a questão alusiva à prorrogação do registro da autora junto ao COREN - de caráter provisório, até que a questão seja decidida em sentença que transitada em juízo. Nâo há como apreciar, porém, aludido pleito sem que as questões suscitadas pelo Estado do Paraná sejam esclarecidas. Os autos não permitem, nesse momento, um exame mais profundo sobre o tema.
III - DISPOSITIVO
3.1. DECLARO a competência desta unidade jurisdicional para a causa e sua submissão ao rito dos Juizados Especiais, no que toca à pretensão endereçada ao Estado do Paraná e ao COREN.
3.2. SUBLINHO que não diviso sinais de conexão desta demanda com alguma outra causa, para os fins do art. 55, §1, CPC.
3.3. DESTACO não haver litisconsórcio entre este processo e alguma outra causa em curso; tampouco há violação à coisa julgada, de modo que esta demanda é singular.
3.4. REGISTRO a legitimidade das partes para a presente causa e que o(a) autor(a) possui interesse processual no julgamento desta causa. Nâo é caso de litisconsórcio necessário.
3.5. REGISTRO que a causa há de ser desmembrada no que toca à instituição de ensino demandada, eis que o rito dos Juizados é incompatível com a citação por edital - art. 18, §2, da lei n. 9.099/1995.
3.6. INTIME-SE a parte autora para que, querendo, se manifeste a respeito da mencionada necessidade de desmembramento ou eventual submissão da integralidade desta demanda ao rito comum.
3.7. REITERO que, que a pretensão do autor não foi atingida pela prescrição, conforme art. 1 do decreto 20.910/32, no que toca à União, e art. 27 da lei 8.078/1990, quanto à instituição de ensino demandada. Ressalvo nova análise do tema, em sentença. Por ora, pesa a constatação de que a autora pretensa a segunda via do diploma.
3.8. EQUACIONEI alguns vetores acima, relevantes para a avaliação do pedido de antecipação de tutela.
3.9. DETALHEI os elementos de convicção veiculados nos autos.
3.10. REGISTRO que não há como apreciar, nesse momento, o pedido de que seja determinado ao COREN a prorrogação da inscrição provisória da autora.
3.11. INTIME-SE a autora para que, querendo, se manifeste a respeito da alegação de que ela teria desistido do curso em questão - o que estaria registrado junto à Secretaria de Estado da Educação - e quanto à alegação de que haveria inconsistências no diploma por ela apresentado. Deverá anexar,a ademais, cópia legível do histórico de disciplinas cursadas. Prazo de 15 dias úteis, contados da intimação.
3.12. VOLTEM-ME conclusos, de forma destacada dos demais, tão logo a autora se manifeste ou se esgote o prazo para tanto fixado.
3.13. ANOTO que, tão logo as questões acima detalhadas sejam solucionadas, as partes hão de ser instadas a, querendo, complementarem diligências probatórias, para oportuna solução do processo.
3.14. INTIMEM-SE as partes a respeito desta decisão.
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