Processo nº 5002313-80.2025.8.13.0470
ID: 329272611
Tribunal: TJMG
Órgão: Unidade Jurisdicional da Comarca de Paracatu
Classe: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CíVEL
Nº Processo: 5002313-80.2025.8.13.0470
Data de Disponibilização:
18/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
SERGIO CARNEIRO ROSI
OAB/MG XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE MINAS GERAIS Justiça de Primeira Instância Comarca de Paracatu / Unidade Jurisdicional da Comarca de Paracatu Avenida Olegário Maciel, 193, Fórum Martinho Campos Sobrinh…
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE MINAS GERAIS Justiça de Primeira Instância Comarca de Paracatu / Unidade Jurisdicional da Comarca de Paracatu Avenida Olegário Maciel, 193, Fórum Martinho Campos Sobrinho, Paracatu - MG - CEP: 38600-000 PROCESSO Nº: 5002313-80.2025.8.13.0470 CLASSE: [CÍVEL] PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL (436) ASSUNTO: [Indenização por Dano Moral, Indenização por Dano Material] AUTOR: ANDREA FARIA VILELA PEREIRA CPF: 549.054.356-68 RÉU: CEMIG DISTRIBUIÇÃO S.A. CPF: 06.981.180/0001-16 SENTENÇA 1. Relatório. Dispensado o relatório, na forma do art. 38 da Lei nº 9.099/95. Passo a descrever os principais pontos do processo. Trata-se de AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS proposta por ANDREA FARIA VILELA PEREIRA em face da COMPANHIA ENERGÉTICA DE MINAS GERAIS - CEMIG. Alega a parte autora, em síntese, que é titular de unidade consumidora da CEMIG. Ocorre que, no dia 15 de novembro de 2024, aproximadamente às 07h00, foi informada pelo vaqueiro de sua propriedade, a Fazenda Bom Sucesso, situada em Paracatu/MG, sobre um grave incidente. Segundo seu relato, um cabo da rede elétrica pertencente à CEMIG, que atravessava a área da fazenda, havia se partido e, em consequência, eletrocutou fatalmente uma vaca de sua propriedade, animal este que se encontrava prenhe e era avaliado em cerca de R$ 3.700,00 (três mil e setecentos reais). Imediatamente após tomar conhecimento do ocorrido, a autora diligenciou o acionamento da requerida, CEMIG, por meio do protocolo n° 1000132299, com o objetivo de que a concessionária comparecesse ao local e realizasse os procedimentos técnicos cabíveis. Além disso, afirmou ter providenciado e entregue todos os documentos exigidos à concessionária, cumprindo todas as formalidades solicitadas. Contudo, a despeito do cumprimento de sua parte, a CEMIG solicitou um prazo até março de 2025 para efetuar o ressarcimento, prazo este que, até a data de propositura da ação, não havia sido cumprido. A requerente destacou o severo prejuízo que a inação da CEMIG lhe causou, enfatizando que a vaca perdida não apenas representava um animal de seu rebanho produtivo, mas, por estar prenhe, a perda se estendeu ao filhote, impactando diretamente sua atividade como produtora rural. Mencionou que, habitualmente, os filhotes machos seriam vendidos e as fêmeas incorporadas ao rebanho para expansão, além da interrupção da produção de leite, que também contribuía para sua renda. Esses fatores, segundo a autora, resultaram em um considerável prejuízo financeiro, que não foram ressarcidos. Em razão do exposto, propôs a presente demanda intencionando a condenação da requerida ao pagamento de R$ 3.936,64 (três mil, novecentos e trinta e seis reais e sessenta e quatro centavos), a título de danos materiais pela vaca morta; a condenação da requerida ao pagamento de R$ 6.000,00 (seis mil reais), a título de danos materiais referentes ao filhote perdido e à produção de leite; ainda, a indenização por danos morais em valor a ser arbitrado pelo juízo, em razão dos transtornos, aborrecimentos e desgastes sofridos. A CEMIG DISTRIBUIÇÃO S.A., em sua contestação (ID 10439050956), apresentou as seguintes teses defensivas: Preliminarmente, a incompetência do Juizado Especial em Razão da Complexidade da Matéria, vez que o caso em análise exige a realização de perícias de engenharia elétrica e agronomia para apurar o nexo de causalidade e a extensão do dano; e a carência da ação por ilegitimidade ativa. No mérito, argumentou que, tratando-se de ato omissivo (falha na prestação do serviço), a responsabilidade civil da concessionária é subjetiva, exigindo a comprovação de dolo ou culpa (negligência, imperícia ou imprudência) por parte da CEMIG, conforme a Teoria da "Faute du Service". Afirmou que não contribuiu para o suposto evento danoso por ação ou omissão, negligência ou imprudência. Sustentou que a autora não logrou êxito em produzir prova cabal de que os danos teriam sido causados por má prestação dos serviços de fornecimento de energia elétrica. Impugnou os valores pleiteados a título de danos materiais (vaca morta) e lucros cessantes (filhote perdido e produção de leite), alegando que se baseiam em meras alegações e especulações, sem comprovação efetiva. Argumentou que o dano material não se presume e que a autora deveria ter apresentado documentos que demonstrassem a quantidade de leite produzida antes e após o evento para comprovar os lucros cessantes. Defendeu que o dano moral não pode ter caráter unicamente punitivo e que a autora não demonstrou abalo moral que extrapole meros dissabores da vida em sociedade. Alegou a presença de excludentes de responsabilidade, como caso fortuito e/ou força maior (circunstâncias da natureza imprevisíveis ou inevitáveis, como fortes chuvas e queda de árvores) ou fato de terceiro, que teriam provocado os danos e rompido o nexo causal. Mencionou que, se houve queda de fiação, a autora não deveria estar realizando atividades agrícolas na faixa de servidão da rede elétrica, o que configuraria culpa exclusiva do proprietário. Audiência de conciliação, instrução e julgamento infrutífera, conforme ata juntada ao ID9752220507. Na oportunidade, a parte requerida pugnou pelo julgamento antecipado da lide. Impugnação juntada ao ID10453557685. No mesmo ato, a requerente reiterou a juntada de documentos comprobatórios. 2. Preliminares. A parte requerida, em sua contestação (ID10439050956), arguiu preliminares de incompetência do Juizado Especial Cível em razão da complexidade da matéria e de carência da ação por ilegitimidade ativa. Contudo, tais preliminares não merecem acolhimento, conforme se demonstrará. 2.1. Da Incompetência do Juizado Especial em Razão da Complexidade da Matéria. A CEMIG alegou que a demanda exigiria a realização de perícias de engenharia elétrica e agronomia para apurar o nexo de causalidade e a extensão do dano, o que tornaria o Juizado Especial Cível incompetente para o julgamento da causa, em virtude da complexidade da matéria e da incompatibilidade com os princípios da simplicidade, economia processual e celeridade, previstos no Art. 3º da Lei nº 9.099/95 e no Enunciado nº 54 do FONAJE. Entretanto, a preliminar de incompetência não prospera. A Lei nº 9.099/95, que instituiu os Juizados Especiais Cíveis, visa a conciliação, processo e julgamento de causas de menor complexidade. A aferição da complexidade da causa, para fins de fixação da competência, não se dá em face do direito material em si, mas sim pelo objeto da prova, ou seja, pela necessidade ou não de produção de prova pericial complexa que inviabilize o rito sumaríssimo. No presente caso, a análise dos autos revela que o conjunto probatório já anexado é suficiente para formar o convencimento do juízo acerca dos fatos alegados e do nexo de causalidade, tornando desnecessária a produção de prova pericial formal. O Boletim de Ocorrência (ID 10420304629), as declarações dos médicos veterinários (ID 10420304629, páginas 3 e 4 do BO) e a declaração do Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA) (ID 10420304629, página 3 do BO), bem como a Ficha Sanitária Animal (ID 10453557685), fornecem elementos robustos e detalhados sobre o incidente, a causa da morte do animal e a sua condição. Tais documentos, produzidos por órgãos oficiais e profissionais habilitados, são aptos a elucidar os pontos controvertidos sem a necessidade de uma perícia técnica complexa, que, de fato, seria incompatível com o rito dos Juizados Especiais. O juiz, como destinatário da prova, pode formar sua convicção com base nos elementos já existentes nos autos, sem que isso configure cerceamento de defesa. Assim, a matéria não se reveste de complexidade que justifique o afastamento da competência do Juizado Especial Cível, devendo a preliminar ser rejeitada. 2.2. Da Carência da Ação por Ilegitimidade Ativa. A requerida arguiu a preliminar de carência da ação por ilegitimidade ativa, sob o argumento de que a parte autora não teria comprovado a propriedade dos animais supostamente mortos, nem seu registro junto ao órgão competente. Contudo, a alegação de ilegitimidade ativa não se sustenta diante das provas documentais apresentadas pela autora. A legitimidade ativa para a causa é demonstrada pela titularidade do direito material invocado, ou seja, pela comprovação de que a autora é a proprietária do animal que sofreu o dano. Nesse sentido, os documentos acostados à inicial são claros e suficientes para comprovar a propriedade do animal pela requerente, sobretudo as declarações dos médicos veterinários, a declaração do Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA) e a Ficha Sanitária Animal. A convergência dessas informações, provenientes de diferentes fontes oficiais e profissionais, demonstra de forma cabal a propriedade do animal pela autora. A alegação da requerida de ausência de comprovação da titularidade do bem é, portanto, desprovida de fundamento fático e probatório. Destarte, a preliminar de ilegitimidade ativa deve ser rejeitada. 3. Mérito. Sem outras preliminares a serem apreciadas, bem como estando presentes os pressupostos processuais e condições da ação, mormente pela desnecessidade de outras provas a serem produzidas em audiência de instrução e julgamento, haja vista se tratar de matéria exclusivamente de direito, passo a analisar o mérito. A controvérsia central do presente litígio reside na apuração da responsabilidade da COMPANHIA ENERGÉTICA DE MINAS GERAIS - CEMIG pelos danos alegadamente sofridos pela requerente em decorrência do rompimento de um cabo de energia em sua propriedade rural, que resultou na morte de um animal de seu rebanho e na perda de seu filhote e da produção de leite. A análise da questão demanda a compreensão dos regimes de responsabilidade civil aplicáveis às concessionárias de serviço público. É imperioso ressaltar, de início, que a relação jurídica estabelecida entre a requerente, na qualidade de consumidora dos serviços de energia elétrica, e a requerida, CEMIG, como fornecedora desse serviço essencial, enquadra-se inequivocamente no âmbito de proteção do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90). O art. 14 do referido diploma legal estabelece que “o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos”. Esta disposição consagra a teoria da responsabilidade objetiva no contexto das relações de consumo, desonerando o consumidor do encargo de provar a culpa do fornecedor pelo evento danoso, bastando-lhe demonstrar o dano e o nexo de causalidade entre a conduta do fornecedor e o prejuízo sofrido. Ademais, a responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito privado que atuam como prestadoras de serviços públicos, como é o caso da CEMIG, é igualmente delineada no art. 37, § 6º, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Este dispositivo fundamental preceitua que “as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”. A norma constitucional adota a teoria do risco administrativo, segundo a qual o Estado e seus delegatários devem arcar com os prejuízos causados a terceiros em decorrência da prestação de serviços públicos, independentemente da verificação de dolo ou culpa, exigindo-se apenas a comprovação do dano e do nexo de causalidade entre a conduta e o evento lesivo. A jurisprudência do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais corrobora de forma consistente este entendimento, afirmando a responsabilidade objetiva das concessionárias de energia elétrica, inclusive em casos de conduta omissiva. Nesse sentido, colhe-se o seguinte julgado: EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS - PRELIMINAR DE OFENSA AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE - REJEITADA - RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA - CONCESSIONÁRIA - SERVIÇO PÚBLICO - CEMIG - FORNECIMENTO -ENERGIA ELÉTRICA - REPARAÇÃO - REDE ELÉTRICA - OMISSÃO- FALHA - PRESTAÇÃO DO SERVIÇO - DANOS MATERIAIS - PREJUÍZO EFETIVO - INDENIZAÇÃO DEVIDA - SENTENÇA MANTIDA. Deve ser rejeitada a preliminar de violação ao princípio da dialeticidade, se as razões recursais rebatem a sentença recorrida, sendo suficientes para combater os fundamentos da sentença. Da leitura do art. 37, §6º, da Constituição da República, depreende-se que a responsabilidade do Estado é objetiva, respondendo pelos danos causados a terceiros, desde que comprovado o nexo causal entre o ato praticado e o dano sofrido, independentemente de dolo ou culpa. Restando comprovada que a morte do animal decorreu de descarga elétrica e do nexo de causalidade entre esta e os serviços prestados pela concessionária, e estando ausente prova apta a caracterizar alguma excludente da responsabilidade tem-se que é devida a indenização pelos danos materiais sofridos. O valor devido a título de indenização por danos materiais deve corresponder ao prejuízo material comprovadamente sofrido pela parte em razão do evento danoso. Arbitrada a indenização por danos materiais de acordo com o prejuízo comprovadamente sofrido pela parte em razão do falecimento dos seus animais bovinos, imperiosa a manutenção do quantum fixado na sentença. Preliminar rejeitada. Recurso conhecido e não provido (TJMG - Apelação Cível 1.0000.24.149963-1/001, Relator(a): Des.(a) Fábio Torres de Sousa , 5ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 18/04/2024, publicação da súmula em 18/04/2024) Diante disso, para que a CEMIG seja responsabilizada, faz-se necessário comprovar a ocorrência do dano e o nexo de causalidade entre a falha na prestação do serviço (seja por ação ou omissão) e o prejuízo experimentado pelo consumidor. Aplica-se ainda ao caso as disposições estabelecida pela Lei 8.987/95, que regulamenta o regime de concessão e permissão dos prestadores de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição Federal, impondo a prestação de serviço adequado e justo, compreendendo a modernidade de equipamento e instalações, e garantindo ao usuário direito de receber informações adequadas, veja-se: Art. 6º Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato. § 1o Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas. § 2o A atualidade compreende a modernidade das técnicas, do equipamento e das instalações e a sua conservação, bem como a melhoria e expansão do serviço. (...) Art. 7º. Sem prejuízo do disposto na Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990, são direitos e obrigações dos usuários: I - receber serviço adequado; II - receber do poder concedente e da concessionária informações para a defesa de interesses individuais ou coletivos; A análise dos documentos que instruem a inicial revela uma sólida base probatória para a configuração do dano material e do nexo de causalidade. O Boletim de Ocorrência (BO) registrado sob n. 2024-052243898-001 (ID10420304629), lavrado em 21/11/2024, descreve de forma clara e objetiva o incidente ocorrido em 15/11/2024, às 07:00, na Fazenda Bom Sucesso, município de Paracatu/MG, onde se constatou que um "FIO ENERGIZADO CAIU EM CIMA DE UM ANIMAL", resultando em sua morte. Este documento policial, embora de presunção relativa de veracidade, serve como importante indício inicial dos fatos. Complementando o B.O., foram anexadas declarações de dois médicos veterinários: NÉLIO PEREIRA (CRMV-MG 3337) atestou que “uma novilha de raça mestiça, padrão comercial, com idade entre 25 e 36 meses, gestante, morreu em decorrência de acidente com a rede elétrica da CEMIG na Fazenda Bom Sucesso em 15/11/2024”, avaliando o animal em R$ 4.250,00 (quatro mil duzentos e cinquenta reais); e, LISSETTE ASTRID HERNANDEZ DE PRIMO (CRMV-MG 16669) corroborou a causa da morte, declarando que a novilha “morreu em decorrência de acidente com a rede elétrica da CEMIG (queda de um cabo de energia de alta tensão)”, estimando o valor em R$ 4.300,00 (quatro mil e trezentos reais) (ID 10420304629, páginas 3 e 4 do BO). A comprovação da propriedade do animal e do impacto na atividade rural da autora é reforçada pela declaração do Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA) (ID 10420304629, página 3 do BO) e pela Ficha Sanitária Animal (ID10453557685). A declaração do IMA atesta que o instituto “está ciente que 01 bovino fêmea com a idade 24/36 meses, prenha, da raça Girolando, morreu devido a corrente elétrica provocada fio de rede alta tensão da Cemig”. A Ficha Sanitária Animal da requerente, produtora rural (código 3227768), referente ao período de 01/01/2025 a 16/05/2025, na Fazenda Bonsucesso, discrimina o rebanho existente e, em "Outros Lançamentos", registra expressamente em 16/05/2025 o "ANIMAIS MORTOS" de "De 25 até 36 meses" "Fêmea" na "Quantidade 1", confirmando a perda do animal e sua idade produtiva. A coincidência das informações de diferentes fontes (BO, declarações de veterinários e IMA) quanto à data, local e causa da morte, bem como à condição prenhe do animal, confere robustez às alegações da autora. O nexo de causalidade entre a falha na prestação do serviço da CEMIG e o dano sofrido é evidente. A responsabilidade da concessionária de energia elétrica inclui a manutenção e fiscalização da rede para garantir a segurança e a continuidade do serviço. A queda de um fio energizado, especialmente de alta tensão, é um evento que denota falha no dever de manutenção e segurança. Conforme o precedente da Apelação Cível Nº 1.0000.23.147533-6/001, da Comarca de Sete Lagoas, em caso semelhante ao presente, o Relator reconheceu a falha na prestação de serviços e o nexo de causalidade, pontuando que “Também ficou evidente o nexo de causalidade entre a conduta omissiva lesiva e o dano, ou seja, entre a ausência de manutenção/funcionamento devidos e os danos elétricos e morte dos animais pois, na hipótese de rompimento dos cabos, deve a rede se desligar de imediato com o desligamento da chave fusível de energia, o que claramente não aconteceu.” Mesmo que o rompimento do cabo tenha sido iniciado por um evento externo, como o defendido pela jurisprudência em outros casos (queda de árvore, fortes chuvas), a responsabilidade da concessionária não é afastada se não houve a devida diligência na manutenção preventiva ou na resposta rápida e eficaz para evitar o dano, conduzindo a corrente elétrica de forma perigosa. Neste ponto, ressalvo que não há cerceamento de defesa por ausência de prova técnica, pois além de não ter reiterado a necessidade de tal prova quando intimada, a parte requerida sequer se deu ao trabalho de apresentar nos autos o Relatório gerado pelo atendimento da ocorrência e do pedido administrativo de ressarcimento protocolado pela requerente. A ausência de tais documentos impede a análise de ocorrência de qualquer excludente de responsabilidade por parte da requerida, consolidando o dever de indenizar, até porque, consoante exposto alhures, diante da responsabilidade objetiva, o ônus de provar a existência de excludente de responsabilidade recai sobre o fornecedor. Em caso semelhante, decidiu o e. TJMG: EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS - PRELIMINAR DE OFENSA AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE - REJEITADA - RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA - CONCESSIONÁRIA - SERVIÇO PÚBLICO - CEMIG - FORNECIMENTO - ENERGIA ELÉTRICA - REPARAÇÃO - REDE ELÉTRICA – OMISSÃOFALHA - PRESTAÇÃO DO SERVIÇO - DANOS MATERIAIS – PREJUÍZO EFETIVO - INDENIZAÇÃO DEVIDA - SENTENÇA MANTIDA. Deve ser rejeitada a preliminar de violação ao princípio da dialeticidade, se as razões recursais rebatem a sentença recorrida, sendo suficientes para combater os fundamentos da sentença. Da leitura do art. 37, §6º, da Constituição da República, depreende-se que a responsabilidade do Estado é objetiva, respondendo pelos danos causados a terceiros, desde que comprovado o nexo causal entre o ato praticado e o dano sofrido, independentemente de dolo ou culpa. Restando comprovada que a morte do animal decorreu de descarga elétrica e do nexo de causalidade entre esta e os serviços prestados pela concessionária, e estando ausente prova apta a caracterizar alguma excludente da responsabilidade tem-se que é devida a indenização pelos danos materiais sofridos. O valor devido a título de indenização por danos materiais deve corresponder ao prejuízo material comprovadamente sofrido pela parte em razão do evento danoso. Arbitrada a indenização por anos materiais de acordo com o prejuízo comprovadamente sofrido pela parte em razão do falecimento dos seus animais bovinos, imperiosa a manutenção do quantum fixado na sentença. Preliminar rejeitada. Recurso conhecido e não provido. APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0000.24.149963-1/001 - COMARCA DE JANUÁRIA - APELANTE(S): CEMIG DISTRIBUICAO S.A - APELADO(A)(S): JOSE GOMES DE MATOS FILHO EM CAUSA PRÓPRIA . No que tange aos valores pleiteados a título de danos materiais, a autora requereu R$3.700,00 (três mil e setecentos reais) pela vaca morta e R$ 6.000,00 (seis mil reais) pelo filhote perdido e pela produção de leite que deixou de lucrar. O valor do animal estimado em R$ 3.700,00 na inicial, sem prejuízo das correções legais, é razoável e encontra suporte nas avaliações dos veterinários, que inclusive sugeriram valores ligeiramente superiores (R$ 4.250,00 e R$ 4.300,00), evidenciando que a quantia pleiteada pela autora é conservadora e condizente com a realidade de mercado para um bovino de suas características e condição. Quanto aos R$6.000,00 referentes ao filhote perdido e à produção de leite, observa-se que o animal era prenhe, conforme unânime atestado pelos veterinários e pelo IMA. A perda de um animal gestante em uma fazenda produtora de leite e de gado para cria representa não apenas a perda do valor intrínseco do animal, mas também dos lucros cessantes decorrentes da não-ocorrência do parto e da interrupção da produção láctea, caso o bezerro fosse fêmea. No caso, não é possível atestar se o filhote gestado era fêmeo ou macho, razão pela qual a mensuração dos lucros cessantes pela perda deste semovente no que se refere a produção de leite fica prejudicada. No entanto, é inequívoco o lucro cessante pela perda deste animal, pois inegavelmente representa a diminuição do gado, seja para a produção leiteira, seja para venda do animal. Desta forma, tenho que a melhor saída é a fixação dos lucros cessantes no mesmo valor da vaca que estava prenha, pois, conforme explicado anteriormente, a perda do filhote implica na não realização de futura venda ou na ausência de acréscimo ao rebanho. Mais a mais, diante da ausência de registros detalhados de produtividade relacionada a produção de leite, resta inviabilizada a análise do lucro cessante decorrente da perda da vaca que gestava. Como cediço, a indenização por lucros cessantes visa recompor o que a vítima razoavelmente deixou de lucrar em razão do ato ilícito, conforme preceitua o art. 402 do Código Civil. Ainda que a morte de um animal em idade reprodutiva e de produção de leite gere a expectativa de futuro na cadeia produtiva, a pretensão indenizatória deve estar respaldada em elementos hábeis a corroborar a reparação pretendida. Em suma, no que tange aos lucros cessantes, merece acolhimento parcial, pois somente é possível quantificar a perda do animal (bezerro) que era gestado, o qual corresponde ao valor proporcional de R$3.700,00 (três mil e setecentos reais) de um animal na vida adulta. No que concerne ao pedido de indenização por danos morais, a requerente alegou ter suportado transtornos, aborrecimentos e desgastes em razão do evento danoso e da subsequente inércia da concessionária. Todavia, nem todo dissabor, aborrecimento ou frustração inerente ao cotidiano da vida em sociedade é capaz de gerar o direito à reparação moral. Para que haja a configuração do dano moral indenizável, é imprescindível que a conduta ilícita cause à vítima um sofrimento que extrapole os meros percalços, aborrecimentos e frustrações do dia a dia, atingindo sua esfera psíquica de forma intensa e duradoura, perturbando seu equilíbrio emocional e sua paz de espírito. A jurisprudência pátria tem se mostrado cautelosa na concessão de indenizações por danos morais, a fim de evitar a banalização do instituto e o enriquecimento sem causa. No presente caso, embora a perda de um animal represente um prejuízo material significativo e, por vezes, possa gerar um abalo emocional em virtude de um vínculo afetivo, os fatos narrados na petição inicial pela autora, no tocante ao dano moral, descrevem "transtornos, aborrecimentos e desgastes sofridos". Não há, na exposição fática, elementos que demonstrem uma lesão anormal e profunda à personalidade da autora que extrapole a esfera do mero dissabor ou do incômodo resultante de um problema de cunho patrimonial. A frustração com a demora na resolução de um problema administrativo e a perda de um ativo produtivo, embora indesejáveis, não são, por si só, suficientes para configurar o dano moral em sua acepção jurídica mais estrita, a menos que se comprovem consequências graves e impactantes à dignidade, honra ou saúde psíquica do indivíduo, o que não foi pormenorizado nos autos. A ausência de elementos probatórios específicos que demonstrem o abalo emocional em grau suficiente para atingir os direitos da personalidade impede o acolhimento do pleito de indenização por dano moral nesta demanda. A finalidade do dano moral não é compensar qualquer inconveniente, mas sim a dor e o sofrimento que afetam a esfera mais íntima do ser humano. A simples alegação de aborrecimentos, sem a demonstração de lesão a direitos personalíssimos, não é suficiente para justificar a reparação. Dessa forma, embora reconheça o infortúnio e os prejuízos materiais sofridos pela autora, não vislumbro nos autos elementos que permitam inferir a ocorrência de um dano moral passível de compensação pecuniária, conforme os critérios de razoabilidade e proporcionalidade, adotados pela jurisprudência, sendo de rigor a improcedência do pedido de indenização a título dano moral. Por tudo que foi exposto, a reparação pelo prejuízo material é devida e suficiente para recompor a perda experimentada pela requerente no âmbito patrimonial. 4. Dispositivo. Ex positis, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados na petição inicial, resolvendo o mérito da lide, nos termos do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, para CONDENAR a COMPANHIA ENERGÉTICA DE MINAS GERAIS - CEMIG ao pagamento de indenização por danos materiais em favor da parte autora, correspondente ao valor total de R$7.400,00 (sete mil e quatrocentos reais), sendo: R$3.700,00 (três mil e setecentos reais) referente à vaca fatalmente atingida pela descarga elétrica, e R$3.700,00 (três mil e setecentos reais) a título de lucros cessantes, referente ao filhote perdido. Este valor deverá ser corrigido monetariamente pelos índices da Corregedoria-Geral de Justiça do Estado de Minas Gerais a partir do evento danoso (15/11/2024) e acrescido de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês a contar da data da citação da parte requerida. Sem custas e honorários sucumbenciais, nos termos do art. 55 da Lei 9.099/95. Sentença registrada e publicada eletronicamente. Intimem-se. Após o trânsito em julgado, arquivem-se os autos com as cautelas de praxe, ressalvado o desarquivamento caso proposto cumprimento de sentença. Cumpra-se. FS Paracatu, data da assinatura eletrônica. JOSE RUBENS BORGES MATOS Juiz(íza) de Direito Unidade Jurisdicional da Comarca de Paracatu
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