Benedito Jorge Cardoso x Banco Bmg S.A
ID: 330708628
Tribunal: TRF4
Órgão: 11ª Vara Federal de Curitiba
Classe: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CíVEL
Nº Processo: 5012185-42.2024.4.04.7001
Data de Disponibilização:
21/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
LUCIANA EMIKO KONO PELACHINI
OAB/PR XXXXXX
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DANIEL SANCHEZ PELACHINI
OAB/PR XXXXXX
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DAVID SANCHEZ PELACHINI
OAB/PR XXXXXX
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PAULO ANTONIO MULLER
OAB/PR XXXXXX
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PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL Nº 5012185-42.2024.4.04.7001/PR
AUTOR
: BENEDITO JORGE CARDOSO
ADVOGADO(A)
: DAVID SANCHEZ PELACHINI (OAB PR066033)
ADVOGADO(A)
: Daniel Sanchez Pelachini (OAB…
PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL Nº 5012185-42.2024.4.04.7001/PR
AUTOR
: BENEDITO JORGE CARDOSO
ADVOGADO(A)
: DAVID SANCHEZ PELACHINI (OAB PR066033)
ADVOGADO(A)
: Daniel Sanchez Pelachini (OAB PR060601)
ADVOGADO(A)
: LUCIANA EMIKO KONO PELACHINI (OAB PR070818)
RÉU
: BANCO BMG S.A
ADVOGADO(A)
: PAULO ANTONIO MULLER (OAB pr067090)
DESPACHO/DECISÃO
I - RELATÓRIO
Em 05 de julho 2024,
BENEDITO JORGE CARDOSO
deflagrou a presente demanda, sob o rito do Juizado Especial, em face do BANCO BMG S.A e INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, pretendendo a condenação dos requeridos a se absterem de promover descontos no seu benefício previdenciário e a lhe pagarem dobro os valores que teriam sido desbastados a tal título, bem como a repararem os danos morais que ele sustentou ter suportado.
Para tanto, o autor disse auferir aposentadoria por invalidez previdenciária junto ao INSS (NB 547.958.732-0) e teria sido surpreendido aoo constatar a implementação de uma reserva de margem para cartão de crédito consignado – contrato nº 12158010, no valor atual de R$ 75,63 (setenta e cinco reais e sessenta e três centavos). Disse não ter tomado conhecimento e tampouco ter manifestado vontade de celebrar tal contrato. Teria sido induzida ao erro pois
"o contrato não especifica sua principal finalidade: se é contrato de empréstimo amortizado em folha de pagamento ou cartão consignado, incorrendo em violação aos deveres de lealdade, transparência e informação na relação consumerista"
. Discorreu sobre a aplicação da legislação consumerista ao caso e a inversão do ônus da prova. Alegou que a conduta dos demandados teria lhe ocasionado danos morais, passíveis de indenização. Ele requereu a concessão de assistência judiciária gratuita, detalhou seus pedidos e atribuiu à causa o valor de R$ 10.739,04, anexando documentos.
O INSS apresentou contestação no movimento 10,, em que invocou a sua ilegitimidade para a demanda; alegou não poder ser responsabilizado pelos prejuízos alegados pela parte autora. Enfatizou ter atuado de modo escorreito, com atenção ao art. 121, lei n. 8.213/1990.
O BANCO BMG apresentou contestação no movimento-12, em que invocou a ilegitimidade do INSS para a causa, alegou inépcia da peça inicial, por ausência de delimitação da controvérsia e especificação do pedido, e por alegada ausência de interesse processual do autor e ausência de comprovante de residência válido. Defendeu a necessidade de atualização da procuração apresentada pela parte autora. Destacou que a pretensão autoral seria a revisão contratual
"já que a celebração não é por si negada, e busca, mediante a propositura da presente demanda, alterar cláusulas e condições do negócio jurídico por si avençado"
. Teriam se ultimado a prescrição e a decadência.
O banco alegou que o contrato teria sido avençado pelo requerente, não tendo havido falhas na celebração do pacto. Em caso de condenação, dever-se-á promover compensação de valores, dados os montantes repassados ao demandante.
O autor apresentou réplica no evento 26, repisando os argumentos esgrimidos na peça inicial. Instados a detalharem os meios pertinentes e necessários à solução da causa, o Banco postulou a tomada de depoimento pessoal do autor. Os demais contendores não postularam meios de prova.
Os autos vieram conclusos.
II - FUNDAMENTAÇÃO
2.1.
Competência
da
Justiça
Federal:
Declaro a competência da Justiça Federal para o caso, dado que a autora endereçou sua pretensão ao INSS, autarquia federal criada com força na lei n. 8.029/1990, art. 17. Logo, aplicam-se ao caso o art. 109, I, CF/1988 e o art. 10 da lei n. 5.010/66.
2.2. Submissão do caso à alçada e rito dos Juizados:
Por outro lado, a competência dos Juizados Especiais Federais é absoluta, diante do previsto no art. 98, I, Constituição e art. 3 da lei n. 10.259, de 2001. Logo, em princípio, não pode ser ampliada ou reduzida, impondo sua apreciação de ofício pelo Poder Judiciário, conforme art. 64, CPC.
Não se submetem à "
competência do Juizado Especial Cível as causas: (...) para a anulação ou cancelamento de ato administrativo federal, salvo o de natureza previdenciária e o de lançamento fiscal
."
Convém ter em conta, todavia, que o processo é individualizado pela conjugação do trinômio partes, pedido e causa de pedir (art. 337, §2 CPC). Em decorrência do princípio da substanciação, a parte autora é obrigada a detalhar, na peça inicial, a sua pretensão, indicando o pedido e também a motivação do pedido. Note-se ainda que, como notório, apenas o dispositivo transita em julgado, conforme se infere do rt. 504, I, CPC:
"
Não fazem coisa julgada: I - os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença
."
Logo, como têm entendido os tribunais, os Juizados Especiais são competentes para apreciação de pretensões nas quais a alegada nulidade do ato administrativo é invocada apenas como causa de pedir, e não como pedido:
"(....) Por outro lado, não é o caso de aplicação da exceção prevista no art. 3º , § 1º , III , da Lei 10.259 ,
uma vez que a autora invocou a alegada nulidade da revisão administrativa apenas como causa de pedir, dado que a sua pretensão é efetivamente condenatória
. Desse modo, firma-se a competência absoluta dos Juizados Especiais Federais para o julgamento do feito, nos termos do artigo 98, I, da Constituição Federal."
(TRF-4 - RECURSO CÍVEL: 50446614920184047000 PR 5044661-49.2018.4.04.7000, Relator: GERSON LUIZ ROCHA, Data de Julgamento: 02/04/2020).
Ainda segundo a Turma Recursal,
"O valor da causa atribuído pela parte autora é inferior a 60 salários, o qual não foi impugnado, logo, não há o que discutir quanto a esse aspecto.
Por outro lado, não é o caso de aplicação da exceção prevista no art. 3º, § 1º, III, da Lei 10.259, uma vez que "a autora invocou a alegada nulidade da revisão administrativa apenas como causa de pedir, dado que a sua pretensão é efetivamente condenatória
". Desse modo, firma-se a competência absoluta dos Juizados Especiais Federais para o julgamento do feito, nos termos do artigo 98, I, da Constituição Federal. "
(TRF-4 - RECURSO CÍVEL: 50029127820204047001 PR 5002912-78.2020.4.04.7001, Relator: GERSON LUIZ ROCHA, 22/10/2020, PRIMEIRA TURMA RECURSAL DO PR)
Atente-se para os julgados que transcrevo abaixo:
PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA INSTAURADO ENTRE JUÍZO FEDERAL E JUIZADO ESPECIAL FEDERAL CÍVEL. COMPETÊNCIA DESTA E. CORTE. SÚMULA 428 DO STJ. AÇÃO INDIVIDUAL DE DISPENSA DE PAGAMENTO DE PEDÁGIO. INEXISTÊNCIA DE PEDIDO DE ANULAÇÃO DE ATO ADMINISTRATIVO. VALOR DA CAUSA INFERIOR A SESSENTA SALÁRIOS MÍNIMOS. COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL FEDERAL CÍVEL. PRECEDENTES DESTA 2ª SEÇÃO. CONFLITO PROCEDENTE. 1 - Nos termos da Súmula 428 do Superior Tribunal de Justiça, compete a esta E. Corte dirimir o presente conflito negativo de competência entre Juízo Federal e Juizado Especial Federal Cível. 2 - Busca a autora tão somente o reconhecimento de seu direito individual à dispensa do pagamento de pedágio na praça de arrecadação instalada no entroncamento das rodovias BR 153 e BR 369, localizada no município de Jacarezinho/PR, com fundamento na Portaria do Ministério dos Transportes nº 155/2004 bem como na sentença proferida nos autos da Ação Civil Pública nº 2006.70.13.002434-3. 3 -
A questão relativa à desconstituição de ato administrativo não faz parte do pedido do autor, que dela tratou apenas de forma incidental, como causa de pedir, de modo que, no caso dos autos, resta afastada a aplicação do art. 3º, § 1º, III, da Lei 10.259/01. Precedentes desta Segunda Seçã
o. 4 - Aplicável à hipótese em tela a regra geral prevista no caput do artigo 3º da Lei 10.259/2001, que estabelece a competência dos Juizados Especiais Federais em se tratando de causas com valor inferior a sessenta salários mínimos. 5 - Conflito procedente, para declarar a competência do Juizado Especial Federal Cível de Ourinhos/SP.Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Segunda Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, julgar procedente o conflito, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
(CC - CONFLITO DE COMPETÊNCIA - 21150 0000310-88.2017.4.03.0000, DESEMBARGADORA FEDERAL MÔNICA NOBRE, TRF3 - SEGUNDA SEÇÃO, e-DJF3 Judicial 1 DATA:14/07/2017).
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUÍZO FEDERAL DE JUIZADO ESPECIAL E JUÍZO FEDERAL DE JUIZADO COMUM. AÇÃO ORDINÁRIA QUE VISA O RECONHECIMENTO DE DIREITO. MERA REVISÃO DO ATO ADMINISTRATIVO. INAPLICABILIDADE DO INCISO III DO §1º DO ARTIGO 3º DA LEI Nº 10.250/01. A
parte autora pleiteia a declaração de direito à percepção de determinada vantagem pecuniária, não havendo pedido imediato de anulação de qualquer ato administrativo, o qual só seria atingido via reflexa, razão pela qual não se aplica, na espécie, a regra que excepciona da competência dos Juizados Especiais Federais para causas valoradas até sessenta salários mínimos. Inaplicável ao caso a exceção prevista no inc. III do §1º do art. 3º da Lei nº 10.259/01
. (TRF4 5018358-17.2016.4.04.0000, SEGUNDA SEÇÃO, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 22/12/2016).
CONFLITO DE COMPETÊNCIA. JUÍZO FEDERAL DE JUIZADO ESPECIAL E JUÍZO FEDERAL DE JUIZADO COMUM. COMPETÊNCIA DO STJ PARA APRECIAR O CONFLITO. JUIZADO ESPECIAL FEDERAL. COMPETÊNCIA. CRITÉRIOS. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL EM FACE DO VALOR DA CAUSA. 1. A jurisprudência do STJ é no sentido de que juízo de juizado especial não está vinculado jurisdicionalmente ao tribunal com quem tem vínculo administrativo, razão pela qual o conflito entre ele e juízo comum caracteriza-se como conflito entre juízos não vinculados ao mesmo tribunal, o que determina a competência do STJ para dirimi-lo, nos termos do art. 105, I, d, da Constituição. Precedentes. 2. A Lei 10.259/01, que instituiu os Juizados Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal, estabeleceu que a competência desses Juizados têm natureza absoluta e que, em matéria cível, obedece como regra geral a do valor da causa: são da sua competência as causas com valor de até sessenta salários mínimos (art. 3º). 3. A essa regra foram estabelecidas exceções ditadas (a) pela natureza da demanda ou do pedido (critério material), (b) pelo tipo de procedimento (critério processual) e (c) pelos figurantes da relação processual (critério subjetivo).
Entre as exceções fundadas no critério material está a das causas que dizem respeito a "anulação ou cancelamento de ato administrativo federal, salvo o de natureza previdenciária e o de lançamento fiscal". 4. No caso, a demanda tem valor da causa inferior a sessenta salários mínimos e visa a obter indenização por danos morais. A ilegitimidade dos atos administrativos constitui apenas fundamento do pedido, não seu objeto
. 5. Conflito conhecido, declarando-se a competência do Juízo Federal da 7ª Vara do Juizado Especial Cível da Subseção Judiciária de São Luís -MA, o suscitante. (STJ, CC 75314/MA, 1ª Seção, Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJ 27/08/2007).
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. EXCEÇÃO DO ART. 3º, § 1º, INC. III, DA LEI Nº 10.259/01 AFASTADA. JUIZADO ESPECIAL CÍVEL.
A pretensão formulada nesta ação não se enquadra em nenhuma das hipóteses arroladas no § 1º do art. 3º da Lei nº 10.259, visto não tratar a ação de anulação ou cancelamento de ato administrativo típico.
O pedido envolve, apenas, reconhecimento de direito. Sendo o valor da causa inferior a 60 (sessenta) salários mínimos, cabe ao Juizado Especial Federal a competência para processar, conciliar e julgar as causas de competência da Justiça Federal
. (TRF4, conflito de competência (Seção) Nº 5008065-61.2011.404.0000, 2ª Seção, Des. Federal VILSON DARÓS, POR UNANIMIDADE, em 08/09/11).
Assim, e atribuído à causa o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), tem-se que competente para o processamento e julgamento da lide o Juizado Especial Federal
. Diante do exposto, nos termos do disposto no art. 120, § único, do CPC, conheço do presente conflito e declaro competente para o processamento e julgamento da lide o juízo suscitado (Juízo Substituto da 1ª Vara de Florianópolis). Publique-se. Comuniquem-se os juízos conflitantes e, com as formalidades de estilo, dê-se baixa na distribuição e arquivem-se os autos.
(TRF4 5013834-11.2015.404.0000, Segunda Seção, Relator Candido Alfredo Silva Leal Junior, 11/07/2015)
Assim, em princípio, a presente causa submete-se ao rito e à alçada dos Juizados Especiais Federais, dado que o conteúdo econômico da pretensão da autora é inferior a 60 salários mínimos, definidos no decreto nº 11.864, de 27 de dezembro de 2023. A aventada nulidade do ato administrativo de averbação dos descontos mensais, no benefício previdenciário do autor, foi invocada apenas como causa de pedir, e não como pedido.
Eventual complexidade da demanda não implica incompetência dos Juizados:
"A Lei 10.259/2001 estabelece a competência absoluta dos Juizados Especiais Federais para causas de valor até 60 salários mínimos,
independentemente da complexidade
. 5. O critério de competência dos Juizados Especiais Federais é quantitativo, e o argumento da agravante quanto ao número de testemunhas não é capaz de afastar tal competência. 6. Agravo Interno não provido."
(STJ - AgInt no REsp: 2059305 AL 2023/0090671-3, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 16/10/2023, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 18/12/2023)
A pretensão da autora é de natureza condenatória, não esbarrando nas exceções do art. 3º, §1º, lei n. 10.259, de 2001. Ressalvo novo exame caso, diante da emenda determinada adiante, o valor da causa ultrapasse referido limitador de 60 salários mínimos
.
2.3.
Competência
da presente Subseção Judiciária:
A pretensão deduzida na peça inicial submete-se à alçada desta Subseção Judiciaria de Curitiba, por força do
art. 53, III, "d", CPC/15
, dado constituir-se no local de cogitado adimplemento da obrigação aludida na peça inicial, caso a pretensão da autora venha a ser julgada procedente, em sentença transitada em julgado. Ademais, ainda que assim não fosse, é fato que o STF tem aplicado o art. 109,§2º, Constituição, também quando em causa pretensões endereçadas às autarquias federais e empresas públicas federais.
CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA. CAUSAS AJUIZADAS CONTRA A UNIÃO. ART. 109, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CRITÉRIO DE FIXAÇÃO DO FORO COMPETENTE. APLICABILIDADE ÀS AUTARQUIAS FEDERAIS, INCLUSIVE AO CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA - CADE. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. I - A faculdade atribuída ao autor quanto à escolha do foro competente entre os indicados no art. 109, § 2º, da Constituição Federal para julgar as ações propostas contra a União tem por escopo facilitar o acesso ao Poder Judiciário àqueles que se encontram afastados das sedes das autarquias. II –
Em situação semelhante à da União, as autarquias federais possuem representação em todo o território nacional. III - As autarquias federais gozam, de maneira geral, dos mesmos privilégios e vantagens processuais concedidos ao ente político a que pertencem. IV - A pretendida fixação do foro competente com base no art. 100, IV, a, do CPC nas ações propostas contra as autarquias federais resultaria na concessão de vantagem processual não estabelecida para a União, ente maior, que possui foro privilegiado limitado pelo referido dispositivo constitucional. V - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem decidido pela incidência do disposto no art. 109, § 2º, da Constituição Federal às autarquias federais. Precedentes. VI - Recurso extraordinário conhecido e improvido
. (STF - RE: 627709 DF, Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 20/08/2014, Tribunal Pleno, Data de Publicação: REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO)
Nesse mesmo sentido, convergem os julgados: RE 499.093-AgR-segundo/PR e AI 793.409/RS, rel. Min. Ricardo Lewandowski; RE 234.059/AL, Rel. Min. Menezes Direito; RE 484.235-AgR/MG, Rel. Min. Ellen Gracie; RE 488.704/RJ, RE 527.498/SC e RE 603.311/RS, Rel. Min. Marco Aurélio; RE 590.649/RJ, RE 474.691/SC e RE 491.331/SC, Rel. Min. Cármen Lúcia; RE 474.825/PR, Rel. Min. Dias Toffoli.
O art. 109, §2º, CF, prevalece sobre o art. 3º, §3º, da lei n. 10.259, de 2001. Com efeito,
"A competência absoluta dos Juizados Especiais, referida no art. 3º , § 3º , da Lei n. 10.259 /01 não constitui obstáculo à redistribuição para fins de equalização de acervo, desde que o encaminhamento ocorra para outra Vara com competência também vinculada ao sistema dos Juizados Especiais Federais. 5. A norma que afirma que "no foro onde estiver instalada Vara do Juizado Especial, a sua competência é absoluta" tem ligação histórica com a interpretação dada pela doutrina e pela jurisprudência à Lei nº 9.099 /95, no sentido de que "o ajuizamento da ação perante o juizado especial é uma opção do autor (art. 3 ., par.3., da Lei 9.099 /95)" ( REsp 151.703/RJ , Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 24/03/1998, DJ 08/06/1998, p. 124). 6.
O ajuizamento obrigatório de causas de até 60 salários mínimos nos Juizados Especiais Federais empresta a essas ações uma competência absoluta para o próprio sistema dos Juizados Especiais, mas não torna essas ações infensas às medidas de equalização. Nada impede, portanto, a incidência do art. 109 , § 2º , da Constituição Federal , no sentido de que as causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou, ainda, no Distrito Federal
."
(TRF-4 - CC: 50799694420214047000 PR 5079969-44.2021.4.04.7000, Relator: NICOLAU KONKEL JÚNIOR, Data de Julgamento: 24/02/2022, PRIMEIRA TURMA RECURSAL DO PR)
Por conseguinte,
considerando o alcance do art. 109, §2, CF, a tramitação desta causa perante esta Subseção Judiciária está em conformidade com a legislação
. Ademais, a declinação de competência territorial depende de prévia exceção de incompetência, na forma do art. 65, CPC/15, e súmula 33, Superior Tribunal de Justiça.
2.4. Submissão da causa ao presente Juízo:
A demanda em causa foi distribuída ao presente Juízo Substituto da 11.VF, mediante sorteio abrangendo os Juízos desta Subseção de Curitiba, o que atendeu à garantia do Juízo Natural.
2.5. Conexão processual - considerações gerais:
O processualista Bruno S. Dantas enfatiza que
"
com o início de vigência do CPC/2015, será considerado prevento o juízo perante o qual houver ocorrido o registro ou a distribuição (conforme o caso) da primeira de uma série de demandas conexas, ainda que tal registro ou distribuição tenha ocorrido durante a vigência do CPC/1973
. Desde que a prevenção, ela própria, não se tenha consumado sob a égide do CPC/1973 (por um dos alternativos critérios previstos nos seus arts. 106 e 2019), incidirá de plano o disposto no art. 59 da codificação de 2015 definindo-se o juízo prevento para um conjunto de demandas conexas pela anterioridade dos registros ou das distribuições (conforme o caso) das mesmas. Os arts. 60 e 61 do CPC/2015, por sua vez, praticamente repetem os arts. 107 e 108 do CPC/1973, dispensando, por tal razão, maiores comentários a respeito nesta oportunidade."
(DANTAS, B. S.
in
WAMBIER, Teresa A. Alvim et al.
Breves comentários ao novo código de processo civil.
SP: RT, 2015, p. 229).
Convém ter em conta a lição de Araken de Assis, sobre o tema:
"(...)
O art. 55, caput, definiu a conexão como a identidade de pedido ou de causa inspirado no propósito de erradicar as tergiversações constatadas na vigência do CPC de 1939. A proposição legislativa, excepcional no direito estrangeiro, porque prepondera a tendência de encarregar o órgão judicial de indicar os casos do fenômeno, consonante controvérsia haurida do direito comum, e feita em sentido oposto à do CPC de 1939, em todo caso revela-se incompleta e insuficiente. Não abrange a totalidade das hipóteses de conexão
. O art. 55, § 3.º (“… mesmo sem conexão entre eles”) alude à conexão em sentido estrito do art. 55, caput. Ao nosso ver, os vínculos que geram o risco da prolação de “decisões conflitantes ou contraditórias”, a teor do art. 55, § 3.º, inserem-se na rubrica da conexão em sentido amplo. Não há outro sítio adequado para situar o liame entre os objetos litigiosos
O art. 113 do NCPC, arrolando os casos em que se admite a demanda conjunta, ou litisconsórcio, demonstra que existem outros laços, mais tênues e distantes, que autorizam o processo cumulativo. E a outro juízo não se chega ao avaliar o nexo exigido pelo art. 343 na reconvenção, como ocorria no direito anterior. Retira-se, daí, segura conclusão
. As duas hipóteses descritas no art. 55, caput – identidade de causa ou identidade de pedido – constituem “uma, entre as várias em que ocorre a conexão”. Por isso, antes do CPC de 1939, descreveu-se a conexão como “laço envolvente, que se insinua por entre as relações jurídicas, ora prendendo-as de um modo indissolúvel, por forma a exigir uma única decisão; ora criando entre elas pontos de contato mais ou menos íntimo, que aconselham a reunião em um só processo, ainda quando possam ser decididas separadamente, sem maior dano, a não ser a lentidão e o gravame de maiores despesas”.
Exemplos de causas conexas, segundo a literalidade do art. 55, caput: (a) A reivindica o imóvel x perante B, e, paralelamente, C também reivindica o imóvel x, do mesmo réu, hipótese em que a identidade recai sobre o pedido (objeto) mediato; (b) o locatário A propõe consignatória dos aluguéis perante o locador B, o qual, de seu turno, propõe ação de despejo, fundada no inadimplemento dos aluguéis, perante o inquilino.
Para os efeitos da modificação da competência, as hipóteses contempladas no art. 55, caput – identidade de causa de pedir ou identidade de pedido –, então, ainda consideram-se exemplificativas. Um laço menos intenso já serve para reunir os processos. O objetivo da regra reside em evitar decisões conflitantes, “por isso a indagação sobre o objeto ou a causa de pedir, que o artigo por primeiro quer que seja comum, deve ser entendida em termos, não se exigindo a perfeita identidade, senão que haja um liame que os faça passíveis de decisão unificada”. Em outra oportunidade, reiterou-se que “não é necessário que se cuide de causas idênticas (quanto aos fundamentos e ao objeto {rectius: pedido})”, bastando “que as ações sejam análogas, semelhantes”, insistiu no “escopo da junção das demandas para um único julgamento é a mera possibilidade da superveniência de julgamentos discrepantes
”.
Por conseguinte, a jurisprudência, atendendo às finalidades da modificação da competência, em que a derrogação das regras gerais se justifica pela economia de atividade e pela erradicação do risco de julgamentos conflitantes, rejeita a exigência de identidade absoluta de causa ou de pedido, aceitando simples analogia entre as ações
. Porém, preocupa-se com o risco de julgamentos contraditórios, evento apurado caso a caso, mas verificado em todas as hipóteses do art. 113, inclusive na afinidade de ponto comum de direito ou de fato (inc. III). Ora, parece difícil visualizar semelhante risco no cúmulo simples de pedidos, em que há total autonomia das pretensões deduzidas, no mesmo processo, contra o réu. Por isso, o intuito de erradicar pronunciamentos conflitantes não oferece a única e constante justificativa para o processo cumulativo e, muito menos, a prorrogação da competência. Ao menos na conexão subjetiva, no caso da cumulação simples de pedidos, impera o princípio da economia processual. E, de toda sorte, as finalidades visadas no processo cumulativo, e na reunião de causas inicialmente autônomas, mostram-se estranhas à verdadeira causa desses fenômenos, que residiria no vínculo entre partes, causa e pedido." (ASSIS, Araken.
Processo civil brasileiro.
Volume I. São Paulo: RT, 2015, tópico 302)
Deve-se aferir, ademais, a eventual aplicação do art. 55, §1º, parte final, CPC/15:
"Os processos de ações conexas serão reunidos para decisão conjunta,
salvo se um deles já houver sido sentenciado
."
Semelhante é o conteúdo da mencionada súmula 235, STJ:
"
A conexão não determina a reunião dos processos, se um deles já foi julgado
."
2.6. Eventual conexão - caso em exame:
Há, no caso, não diviso conexão desta demanda com algum outro processo, para fins de reunião e solução conjunta, na forma do art. 55, §1, CPC e súmula 235, STJ.
2.7. Respeito à coisa julgada - considerações gerais:
Como sabido, a coisa julgada é assegurada constitucionalmente, na forma do art. 5, XXXVI, Lei Maior/88, enquanto projeção da garantia da segurança jurídica. Eventual sentença transitada em julgada em regra não pode ser alterada pelo Juízo e tampouco pela parte atingida, salvo eventual celebração de acordo com a parte reconhecida como credora na decisão (lógica, por exemplo, do art. 190, CPC).
"A sentença de mérito transitada em julgado só pode ser desconstituída mediante ajuizamento de específica ação autônoma de impugnação (ação rescisória) que
haja sido proposta na fluência do prazo decadencial previsto em lei
, pois, com o exaurimento de referido lapso temporal,
estar-se-á diante da coisa soberanamente julgada, insuscetível de ulterior modificação, ainda que o ato sentencial encontre fundamento em legislação que, em momento posterior, tenha sido declarada inconstitucional pelo STF, quer em sede de controle abstrato, quer no âmbito de fiscalização incidental de constitucionalidade
. A superveniência de decisão do STF, declaratória de inconstitucionalidade de diploma normativo utilizado como fundamento do título judicial questionado, ainda que impregnada de eficácia ex tunc - como sucede, ordinariamente, com os julgamentos proferidos em sede de fiscalização concentrada (RTJ 87/758 - RTJ 164/506-509 - RTJ 201/765) -, não se revela apta, só por si, a desconstituir a autoridade da coisa julgada, que traduz, em nosso sistema jurídico, limite insuperável à força retroativa resultante dos pronunciamentos que emanam, in abstracto, da Suprema Corte." (RE 592.912-AgR, rel. min. Celso de Mello, julgamento em 3-4-2012, Segunda Turma, DJE de 22-11-2012.)
Atente-se também para a lição de Humberto Theodoro Jr.:
"A coisa julgada é fenômeno próprio do processo de conhecimento, cuja sentença tende a fazer extinguir a incerteza provocada pela lide instalada entre as partes. Mas fazer cessar a incerteza jurídica não significa apenas fazer conhecer a solução cabível, mas impô-la, tornando-a obrigatória para todos os sujeitos do processo, inclusive o próprio juiz. Às vezes, o comando sentencial tem de ser executado por meio de realização coativa da prestação devida pelo vencido. Outras vezes, a declaração apenas é suficiente para eliminar o foco da desavença. Nem sempre, portanto, o processo civil está predisposto a providências executivas. Há acertamentos condenatórios, mas há também os não condenatórios, que se desenvolvem em torno de pretensões constitutivas ou apenas declaratórias.
Uma vez, porém, concluído o acertamento da controvérsia, seja por sentença de imposição de sanção, seja por sentença puramente declaratória, a coisa julgada se estabelece com a mesma função, ou seja, a certeza jurídica em torno da relação controvertida se implanta com plenitude, vinculando as partes e o juiz.
Essa situação jurídica cristalizada pela coisa julgada caracteriza-se por dois aspectos fundamentais: de um lado, vincula definitivamente as partes; de outro, impede, partes e juiz, de restabelecer a mesma controvérsia não só no processo encerrado, como em qualquer outro.
Admite-se, dessa maneira, uma
função negativa
e uma
função positiva
para a coisa julgada. Pela função negativa exaure ela a
ação exercida
, excluindo a possibilidade de sua
reproposição
. Pela função positiva, “impõe às partes obediência ao julgado como norma
indiscutível
de disciplina das relações extrajudiciais entre elas e obriga a autoridade judiciária a ajustar-se a ela, nos pronunciamento que a pressuponham e que a ela se devem coordenar
” (
apud
NEVES, Celso.
Coisa Julgada Civil.
São Paulo: RT, 1971, p. 383-383).
A coisa julgada, por sua força vinculativa e impeditiva, não permite que partes e juiz escapem da definitiva sujeição aos efeitos do acertamento consumado no processo de conhecimento. O resultado prático é caber a qualquer dos litigantes “a
exceptio rei iudicatae,
para excluir novo debate sobre a relação jurídica decidida” (
apud
NEVES, Celso. Op. Cit, p. 489), e ao juiz o poder de, até mesmo de ofício, extinguir o processo sem julgamento do mérito, sempre que encontrar configurada a ofensa à coisa julgada (ar. 267, V e § 3º).
Portanto, quando o art. 467 fala em
indiscutibilidade
e
imutabilidade
da sentença transitada em julgado refere-se a duas coisas distintas: a) pela
imutabilidade
, as partes estão proibidas de propor ação idêntica àquela em que se estabeleceu a coisa julgada; b) pela
indiscutibilidade
, o juiz é que em novo processo, no qual se tenha de tomar a situação jurídica definida anteriormente pela coisa julgada como razão de decidir, não poderá reexaminá-la ou rejulgá-la; terá de tomá-la simplesmente como
premissa
indiscutível. No primeiro caso atua a força
proibitiva
(ou negativa) da coisa julgada, e, no segundo, sua força
normativa
(ou positiva)
." (THEODORO JÚNIOR, Humberto.
Curso de Direito Processual Civil:
Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. Vol. I. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 587-588).
Nesse mesmo sentido, leiam-se também os seguintes julgados: RE 444.816, rel. min. Marco Aurélio, julgamento em 29-5-2012, Primeira Turma, DJE de 27-8-2012; RE 594.350, rel. min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 25-5-2010, DJE de 11-6-2010.
Segundo o conhecido art. 502, CPC/15,
"
Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso
.
" O art. 503, do mesmo código, preconiza que
"A decisão que julgar total ou parcialmente o mérito tem força de lei nos limites da questão principal expressamente decidida."
Merece ênfase, ademais, o art. 508, CPC:
"Transitada em julgado a decisão de mérito, considerar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e as defesas que a parte poderia opor tanto ao acolhimento quanto à rejeição do pedido."
Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero são precisos quando enfatizam que
"
A coisa julgada pressuposto do discurso jurídico - constitui uma regra sobre o discurso. Não admite, nesse sentido, ponderação. Representa evidente agressão ao Estado Constitucional e ao próprio discurso jurídico a tentativa de relativizar a coisa julgada
."
(MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel.
Código de processo cvil.
6. ed. rev. atual. São Paulo: RT, 2014, p. 449).
Desse modo, a sentença transitada em julgado não pode ser alterada ou desconsiderada pelo Juízo, conforme lógica do art. 508, CPC/15. Tal alteração apenas seria admissível em casos de negócio processual, avençado entre as partes, versando sobre pretensões disponíveis, conforme art. 190, CPC/15. Também seria cabível em hipótese de ação rescisória, interposta perante o Tribunal competente e com atenção ao prazo do art. 975, CPC/15; em caso de
querela nullitatis insanabilis
ou de declaração, pela Suprema Corte, da inconstitucionalidade de norma tomada como fundamento para prolação da sentença (art. 535, §4º, CPC).
2.8. Respeito à coisa julgada - caso em exame:
No caso em análise, não diviso sinais de violação à garantia coisa julgada. Ao que consta, o tema aludido na inicial não chegou a ser apreciado em alguma outra sentença, de modo que não há afronto à garantia em causa.
2.9. Litispendência - considerações gerais:
De alguma forma, o tema do
ne bis in idem
tem origem no âmbito do direito sancionador, dado que ninguém pode ser sancionado duplamente por uma mesma infração administrativa ou penal
. Essa vedação decorre da própria cláusula do devido processo, tanto na vertente substantiva quanto procedimental. Daí que ninguém pode responder a simultâneos processos administrativos versando sobre a mesma suspeita/imputação, tampouco podendo responder a distintos processo penais com lastro na mesma arguição.
Esse é o conteúdo da cláusula do
double jeopardy,
assegurada pela 5ª e pela 14ª Emendas da Constituição dos EUA (aplicadas aos Estados-membros a partir do caso
Benton v. Maryland - 1969,
Suprema Corte). No âmbito da
Civil Law
isso se traduz na cláusula do
ne bis in idem,
assegurado expressamente pelo art. 8º do Pacto de San José da Costa Rica e em inúmeros outros tratados internacionais. No caso alemão, essa vedação está expressa no art. 103 da Lei Fundamental (
Doppelverwertungsverbot -
proibição de dupla valoração do mesmo fato:
"
Ninguém pode ser punido mais de uma vez pelo mesmo fato, com base no direito penal comum
",
em tradução livre).
Apesar de se tratar de garantia antiga - há quem alegue que o
ne bis in idem
teria origem sob o governo de Henrique II, na Inglaterra (por volta de 1100 D.C, conforme RUDSTEIN, David S.
Double
jeopardy:
a reference guide to the United States Constitution. Westport: Praeger, 2004, p. 4-8), há várias discussões a respeito do seu alcance. Anote-se, por exemplo, que García de Enterría sustentava que o
ne bis in idem
impediria a cumulação de sanções penais e administrativas diante de uma mesma imputação, por força da redação do art. 25 da Constituição da Espanha (veja-se AISA, Estrella Escuchuri.
Teoría del concurso de leyes y de delitos:
bases para una revisión crítica. Granada: Comares, 2004, p. 123). Mas, essa opinião não ganhou maiores adeptos.
O fato é que o
bis in idem
ocorre quando alguém é sancionado mais de uma vez pela mesma imputação. Daí que deve se tratar da mesma conduta e também da punição ao mesmo título, dado que é cabível - no território nacional - que alguém responda a uma sanção pela infração tributária e também responda por eventual crime previsto na lei 8.137/1990. Em outras palavras, um determinado comportamento pode configurar, a um só tempo, infração a cláusulas contratuais - dando ensejo à aplicação de cláusulas penais -; ilícito administrativo; ilícito tributário e ilícito penal, contanto que haja efetiva diferença entre os escopos sancionatórios de cada uma dessas imputações.
No caso, nesse primeiro e precário exame, não diviso sinais de litispendência, o que pressupõe - conforme
art. 337, §2, CPC/15
- identidade de partes, de pedido e de causa de pedir. No presente processo, a aludida exceção não foi suscitada pelas partes e não constato o cogitado
bis in idem
, no que tange ao exame de ofício.
Aludido requisito de identidade de partes nas demandas é esmaecido, e fato, quando em causa processos coletivos, na medida em que o(a) autor(a) pode então deduzir pretensão em nome de coletividades.
Quando em causa ações coletivas
, o que não é a hipótese em exame, é salutar ter em conta
"que a aferição da litispendência na tutela coletiva deve ser regida não pela análise de quem formalmente se apresenta como autor das diversas demandas, mas, sim, pela qualificação jurídica de tal legitimação. Vale dizer, indagando-se a que título estão as diferentes entidades autoras em juízo, deduzindo idênticas pretensões de tutela de direitos meta-individuais (mesmos pedidos e causas de pedir), quando, então, será possível afirmar serem idênticas as demandas coletivas.
Deste modo, em virtude da especialidade do modelo processual coletivo, e, notadamete da qualificação da legitimação ativa empregaada, revela-se equivocada a afirmação de inexistência de litispendência entre ações coletivas através das quais sejam deduzidas idênticas pretensões, pelo tão-só fato de terem sido propostas por entidades diferentes
."
(VENTURI, Elton.
Processo civil coletivo:
a tutela jurisdicional dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos no Brasil. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 331).
De toda sorte, não há preclusão
pro iudicato
para exame do tema adiante, notadamente em fase de saneamento, caso acorram aos autos elementos que demandem a revisão deste despacho.
"
Sob outra perspectiva, dentre as espécies de preclusão, em relação aos protagonistas do processo, há ainda a denominada preclusão pro iudicato, pela qual é vedado ao juiz decidir questão já julgada. Assim, a preclusão, normalmente, atinge a atividade das partes, mas, igualmente, pode também ocorrer em relação ao órgão jurisdicional, impondo-lhe o obstáculo de não mais poder decidir matéria de direito disponível, a qual, nos termos do caput do art. 505, foi objeto de precedente julgamento
.
Cumpre deixar claro que a vedação no sentido de desautorizar o juiz a rever anterior ato decisório concerne apenas questões de direito disponível, uma vez que, consoante o disposto no art. 485, § 3.º, do CPC, não alcança a matéria de ordem pública, que pode ser reexaminada, pelo próprio juiz da causa, até o momento de proferir sentença.
Fredie Didier Júnior, enfrentando está questão já sob as novas regras processuais, sustenta diferente opinião, trazendo inúmeros argumentos que convidam à reflexão. Embora entendendo que o art. 485, § 3.º, do CPC, autoriza a cognição em qualquer grau e tempo de jurisdição da matéria ali especificada, isso somente ocorrerá se não tiver sido precedentemente examinada: “convém precisar a correta interpretação que se deve dar ao enunciado do § 3.º do art. 485 do CPC. O que ali se permite é o conhecimento, a qualquer tempo, das questões relacionadas à admissibilidade do processo – não há preclusão para a verificação de tais questões, que podem ser conhecidas ex officio, até o trânsito em julgado da decisão final, mesmo pelos tribunais. Mas não há qualquer referência no texto legal à inexistência de preclusão em torno das questões já decididas.
Se fosse consistente esta linha de raciocínio, quando já decidida, por exemplo, em primeiro grau uma preliminar de natureza processual, não impugnada a decisão por meio do recurso cabível, o tribunal estaria impedido de reexaminá-la de ofício, porque coberta pela preclusão. Na verdade, o tribunal não só pode como deve enfrentar as questões de ordem pública, visto que não há se falar em preclusão pro iudicato sobre esta matéri
a.
Atualmente, vinga esse posicionamento em nossos tribunais, como, v.g., colhe-se em acórdão da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no Agravo Regimental no Recurso Especial 1.377.422-PR, relatado pelo Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva: “Nos termos da jurisprudência desta Corte as matérias de ordem pública decididas por ocasião do despacho saneador não precluem, podendo ser suscitadas na apelação, ainda que a parte não tenha interposto o recurso de agravo”. Em senso análogo, a 2.ª Turma, a seu turno, por ocasião do julgamento do Recurso Especial 1.483.180-PE, com voto condutor do Ministro Herman Benjamin, assentou, à unanimidade de votos, que: “Esta Corte Superior possui entendimento consolidado de que as matérias de ordem pública decididas por ocasião do despacho saneador não precluem, podendo ser suscitadas na apelação, ainda que a parte não tenha interposto o recurso de agravo.
Tive oportunidade de examinar esta problemática sob a égide do CPC re- vogado, valendo-me da lição de Galeno Lacerda. [4]Na verdade, há ensinamentos que se perpetuam. Como a redação do atual caput do art. 505 é praticamente a mesma da anterior (art. 471), invoco mais uma vez a dou- trina do insigne processualista gaúcho, ainda atual, ao refutar a posição de Liebman, no sentido da impossibilidade de ser reavivado, no curso do pro- cesso, o exame acerca de questões cujo deslinde já havia sido coberto pela preclusão.
Com efeito, após sistematizar as nulidades processuais e tentar solucionar os problemas que defluíam da atividade saneadora do juiz, Galeno Lacerda afirmava que: “a violação de normas imperativas, ao contrário do que ocorre com a anulabilidade, deve ser declarada de ofício pelo magistrado. Enquanto, porém, a ofensa à lei reclamada pelo interesse público provoca nulidade insanável, a infração de preceito imperativo ditado em consideração a interesse da parte impede o juiz a tentar o suprimento, antes de declarar a nulidade. Ora, o problema da preclusão de decisões no curso do processo é substancialmente diverso do problema da preclusão das decisões terminativas. Enquanto nestas o magistrado esgota a jurisdição, extinguindo a relação processual, naquelas ele conserva a função jurisdicional, continua preso à relação do processo. Em face desta premissa, a pergunta se impõe:
Pode o magistrado, que conserva a jurisdição, fugir ao mandamento de norma imperativa, que o obriga a agir de ofício, sob pre- texto de que a decisão interlocutória precluiu? Reconhecido o próprio erro, poderá a falta de impugnação da parte impedi-lo de retratar-se? Terá esta com sua anuência, tal poder de disposição sobre a atividade ulterior do juiz? A resposta, evidentemente, no caso, deve ser negativa
. Se o juiz conserva a jurisdição, para ele não preclui a faculdade de reexaminar a questão julgada, desde que ela escape à disposição da parte, por emanar de norma processual imperativa. Daí se conclui que a preclusão no curso do processo depende, em última análise da disponibilidade da parte em relação à matéria decidida. Se indisponível a questão, a ausência de recurso não impede o reexame pelo juiz. Se disponível, a falta de impugnação im- porta concordância tácita à decisão. Firma-se o efeito preclusivo não só para as partes, mas também para o juiz, no sentido de vedada se torna a retratação".
Desse modo, também sob a vigência do novo CPC, se no curso do processo, enquanto não esgotada a jurisdição, entender o juiz que se equivocara em decisão sobre as matérias arroladas nos incs. IV, V, VI e XI do art. 485, im- põem-lhe a função de dirigente do processo e o dever de velar pela duração razoável do processo (art. 139), reexaminá-la e resolvê-la novamente. É o que determina o art. 485, § 3.o, no sentido de autorizar ao juiz conhecer de ofício das supra aludidas matérias, até que, à evidência, não tenha exaurido a sua própria jurisdição
." (TUCCI, José.
Comentários ao Código de Processo Civil:
artigos 485 ao 538. São Paulo: RT. 2016, comentário ao art. 485).
Convém destacar esse último excerto:
"Desse modo, também sob a vigência do novo CPC, se no curso do processo, enquanto não esgotada a jurisdição, entender o juiz que se equivocara em decisão sobre as matérias arroladas nos incs. IV, V, VI e XI do art. 485, im- põem-lhe a função de dirigente do processo e o dever de velar pela duração razoável do processo (art. 139), reexaminá-la e resolvê-la novamente. É o que determina o art. 485, § 3.o, no sentido de autorizar ao juiz conhecer de ofício das supra aludidas matérias, até que, à evidência, não tenha exaurido a sua própria jurisdição."
2.10. Cogitada litispendência - caso em exame:
No caso em apreço, não vislumbro indicativos de que esta causa seja reiteração de alguma outra em curso, na forma do art. 337, §2, CPC, de modo que entendo não ahver sinais de
bis in idem.
2.11. Suspensão da demanda - considerações gerais:
Não diviso a presença dos requisitos que ensejariam eventual suspensão do processo, nesta etapa da causa, por conta de alguma questão prejudicial - art. 313, Código de Processo Civil/15: "
Suspende-se o processo: (...) V -
quando a sentença de mérito: a) depender do julgamento de outra causa ou da declaração de existência ou de inexistência de relação jurídica que constitua o objeto principal de outro processo pendente
; b) tiver de ser proferida somente após a verificação de determinado fato ou a produção de certa prova, requisitada a outro juízo. (...) § 4 O prazo de suspensão do processo nunca poderá exceder 1 (um) ano nas hipóteses do inciso V e 6 (seis) meses naquela prevista no inciso II. §5 O juiz determinará o prosseguimento do processo assim que esgotados os prazos previstos no §4."
A respeito dos aludidos preceitos, convém registrar aqui a análise detida promovida por Araken de Assis:
"Prejudicial externa civil – A hipótese mais frisante de suspensão do processo em razão de prejudicialidade externa homogênea é a prevista no art. 313, V, a, do NCPC.
Toda vez que o julgamento do mérito “depender do julgamento de outra causa ou da declaração de existência ou de inexistência de relação jurídica que constitua o objeto principal de outro processo pendente”, o juiz suspenderá o processo
. Derivações dessa regra avultam na possibilidade de o relator suspender os processos que dependam do julgamento da ação declaratória de constitucionalidade (art. 21 da Lei 9.868/1999) e da arguição de descumprimento de preceito fundamental (art. 5.º, § 3.º, da Lei 9.882/1999) – não, porém, a suspensão em decorrência do incidente de resolução das demandas repetitivas ou do julgamento do recurso extraordinário e do recurso especial repetitivos: a questão aí julgada é principal. O art. 313, V, a, trata da suspensão por causa prejudicial, que é a aptidão da prejudicial em tornar-se objeto litigioso em outro processo.
Fica evidente da redação da norma que a prejudicial é externa, porque há de consistir em “objeto principal de outro processo”. Não importa a circunstância de a questão prejudicial consistir no objeto originário do outro processo (v.g., A postula a invalidade do contrato firmado com B, mas B pleiteia o cumprimento da prestação devida por A) ou decorrer do alargamento desse objeto, por força de declaração incidente (v.g. B pleiteou de A, no primeiro processo, o principal da dívida, mas A reagiu pleiteando a declaração incidente da validade do contrato; no segundo processo, B pleiteia de A os juros da dívida). Importa a resolução da questão comum no outro processo, com autoridade de coisa julgada. E, nesse caso, o vínculo produzido na causa subordinante estender-se-á à causa subordinada ou, vencido o prazo máximo de suspensão – hipótese mais do que provável, vez que o interregno de um ano (art. 313, § 4.º) é muito curto, pressupondo-se elastério mais dilatado para o julgamento, por forçada ordem cronológica do art. 12, e o trânsito em julgado –, sobre a deliberação incidental na causa subordinada não recairá a coisa julgada (art. 503, § 1.º, III, in fine). Realmente, a questão comum não constitui o objeto principal da causa condicionada. Do contrário, configurar-se-ia um dos efeitos da litispendência, a proibição de renovação de causa idêntica. Cumprirá ao juiz julgá-la vencido o prazo hábil de espera, incidentalmente, apesar dos esforços de concatenação empreendidos pelo expediente da suspensão.
O exemplo ministrado, em que uma das partes pleiteia a decretação da invalidade do contrato e a outra reclama a prestação, releva que tampouco importa a diversidade da força da ação (declarativa, constitutiva, condenatória, executiva e mandamental) e a espécie de procedimento. A pretensão de A contra B para decretar a invalidade do contrato tem força constitutiva negativa, a de B contra A para realizar a prestação tem força condenatória. Nada obstante, o primeiro processo funciona como causa prejudicial relativamente à pretensão deduzida no segundo: decretada a invalidade do contrato naquele, fica predeterminado o desfecho deste (improcedência). Evidentemente, havendo a possibilidade de reunir os processos no mesmo juízo (retro, 305), para julgamento simultâneo, por força da conexão (retro, 303), inexiste a necessidade de suspender a causa condicionada, porque os processos conexos serão julgados simultaneamente (art. 55, § 1.º).
O objetivo da suspensão prevista no art. 313, V, a, consiste em evitar a emissão de provimentos conflitantes, logicamente incompatíveis, a respeito da questão prejudicial. Por esse motivo, causa prejudicial envolvendo partes distintas raramente constitui razão bastante para suspender outro processo, por mais relevante que seja a questão comum controvertida em ambos, ressalva feita às hipóteses de o julgamento da causa subordinante produzir efeitos erga omnes, como acontece na ação declaratória de constitucionalidade (art. 102, § 2.º, da CF/1988). Aliás, essa é uma característica – a falta de identidade de partes – da prejudicial de constitucionalidade, objeto do controle concentrado, todavia alheio à incidência do art. 313, V, a. Em outras palavras, o juiz da causa condicionada não suspenderá o processo em que se controverta norma objeto de controle concentrado de constitucionalidade
. Em tal hipótese, ou o STF concedeu liminar, suspendendo a vigência da norma, e o juiz não poderá aplicá-la; ou não concedeu, e o juiz haverá de aplicá-la no julgamento do mérito, ou não, exercendo o controle difuso. A superveniência do julgamento do STF, pronunciando a inconstitucionalidade, será recepcionado no julgamento do mérito ou, havendo ocorrido o trânsito em julgado, a sentença se tornará inexequível, nas condições do art. 525, § 1.º, III, c/c § 12.
No tocante ao estágio do processo subordinado, a suspensão poderá ocorrer no primeiro e no segundo graus; em particular, “o fato de já ter sido proferida sentença no processo prejudicado não afasta, portanto, a possibilidade de sua suspensão”. Conforme deflui da cláusula final do art. 313, V, a, que alude a “outro processo pendente”, tampouco o estágio do processo subordinante se mostra relevante à suspensão, bastando que subsistam os efeitos da litispendência. Encontrando-se a causa prejudicial no tribunal, por força de apelação, admite-se a suspensão, hipótese em que, presumivelmente, o desfecho ocorrerá dentro do prazo de suspensão
.
Era particularmente difícil a interpretação da regra particular do direito anterior, declarando haver suspensão do processo que “tiver por pressuposto o julgamento de questão de estado, requerido como declaração incidente” (art. 265, IV, c, do CPC de 1973). A esse propósito, havia dois termos de alternativa: ou se cuidava de prejudicial externa, caracterizada pelo fato se tratar de questão de estado (v.g., na ação de divórcio, a validade do casamento), hipótese em que incorreria a lei em indesejável redundância; ou se tratava de prejudicial interna, caso em que ocorreria colisão com o sistema da declaração incidente, e, pior, nenhuma justificativa plausível para suspender o processo, pois o juiz da causa resolverá conjuntamente a questão prejudicial, e, conforme o teor da resolução, passando ou não à análise da questão prejudicada. Essa situação constitui simples subespécie da regra geral do art. 313, V, a, do NCPC. É digno de nota a possibilidade de o juízo não exibir competência em razão da matéria para julgar questões de estado em caráter principalmente, hipótese em que a resolução incidental porventura tomada não se revestirá de auctoritas rei iudicate, nos termos do art. 503, § 1.º, III." (ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro:
volume II. Tomo II. Parte geral. São Paulo: RT. 2015. p. 809 e ss.)
2.12. Eventual suspensão da demanda - caso em apreço:
No caso em apreço, não há sinais de alguma questão prejudicial a ensejar a suspensão desta demanda no aguardo da sua solução. Por conta do exposto, a causa deve evoluir até a prolação da sentença.
2.13. Pertinência subjetiva das partes - considerações gerais:
É sabido que, em alguma medida, as questões alusivas à pertinência subjetiva tangenciam o próprio mérito da causa. Nosso sistema ainda se vincula à concepção eclética de Túlio Liebmann - quem distinguia entre pressupostos processuais, condições para o válido exercício do direito de ação e, por fim, as questões de mérito.
O problema é que, no mais das vezes, os temas próprios ao mérito (procedência/improcedência da pretensão) e os temas próprios às condições da ação (legitimidade/ilegitimidade, possibilidade do pedido) não podem ser distinguidos de uma forma absolutamente clara. Como se infere do seu 'Tratado das ações', Pontes de Miranda promovia uma distinção entre (a) ação em sentido material - como uma espécie de projeção do direito subjetivo - ainda vinculada à concepção imanentista do direito civil antigo e (b) ação em sentido processual.
Com base nessa diferenciação pontiana, é que o desembargador gaúcho Adroaldo Furtado Fabrício tem criticado a teoria eclética, ao enfatizar que as 'condições da ação' também tratam, no geral, do mérito da causa (saber se a parte é legítima é, de certa forma, um exame conexo ao mérito: saber se ela poderia ser demandada, se teria a obrigação de indenizar etc). Confira-se com Adroaldo Furtado Fabrício. Extinção do Processo e Mérito da Causa, in OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro de (org).
Saneamento do processo:
Estudos em homenagem ao Prof. Galeno Lacerda. PA: Sérgio Fabris, 1990, p. 33.
De todo modo, em sentido pontualmente distinto, e por conta dos dispositivos do Código de Processo Civil em vigor, atente-se para a lição de Araken de Assis:
"A legitimidade não condiciona a ação, como quer a opinião há pouco exposta, haja vista um motivo trivial: a sua falta jamais impedirá a formação do processo. A pessoa que toma a iniciativa de provocar o órgão judiciário, seja quem for, cria a relação processual, embora fadada a perecer através de juízo de admissibilidade negativo – item que constitui pressuposto lógico e cronológico do exame do mérito.
Legitimidade é, descansando no direito material, problema distinto do juízo acerca do caráter fundado ou infundado da pretensão deduzida contra o réu. A demanda movida por alguém sem legitimidade é inadmissível, e, não, infundada. Sentença terminativa desse teor limita-se a repelir, a partir dos dados ministrados pelo direito material, sempre in status assertionis, a habilitação da parte para conduzir o processo, relativamente ao objeto litigioso alegado
. Aos esquemas abstratos, traçados na lei, gerando tal capacidade, chamam-se de situações legitimadoras. Portanto, a dissociação entre o sujeito da lide e o do processo evidencia a verdadeira natureza da legitimidade e a situa no lugar próprio no conjunto das questões submetidas à apreciação do órgão judicial. É um pressuposto processual preenchido mediante a simples enunciação do autor. Ninguém se atreverá a reputar respeitante ao mérito eventual juízo quanto à inexistência, em determinado caso concreto, do título legal para alguém pleitear em juízo direito alheio. Descontada a errônea concepção que ilegitimidade do autor obsta à formação do processo, o art. 485, VI, houve-se com acerto ao situar o problema fora do mérito."
(ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
Volume II. Tomo I. Parte geral: institutos fundamentais. SP: RT. 2015. p. 178).
Em outras palavras, deve-se aferir a pertinência subjetiva dos contendores, tendo-se em conta a causa de pedir detalhada na peça inicial.
2.14. Pertinência subjetiva do autor:
Atentando para o art. 17, CPC, anoto que a parte autora está legitimada para a causa, dado que, segundo narrou na peça inicial, o seu benefício previdenciário estaria sendo alvo de descontos indevidos. Ela deduziu pretensão em nome próprio, na defesa de interesse próprio, não esbarrando na vedação do art. 18, CPC/15
.
2.15. Legitimidade do INSS para a causa:
Por seu turno,
o INSS possui legitimidade para responder à pretensão indenizatória, fundada em alegados vícios na transferência da conta de depósito de prestações previdenciárias
.
DIREITO ADMIN. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. DESCONTOS INDEVIDOS EM PROVENTOS DE APOSENTADORIA. LEGITIMIDADE PASSIVA DO INSS. INTERESSE DE AGIR. DANO MORAL. CONFIGURAÇÃO.
O INSS é parte legítima para figurar no polo passivo de demanda em que os segurados buscam desconstituir contrato de compra e venda de produto que deu origem a descontos nos benefícios previdenciários por meio de consignação em folha de pagamento. Precedentes
. O esgotamento da via administrativa não constitui requisito essencial ao ajuizamento de ação judicial, cujo acesso se dá ao jurisdicionado, nos termos do art. 5º, XXXV, da Carta Magna. Comprovado o evento danoso e o nexo causal, o INSS responde, juntamente com a instituição financeira, pelos descontos indevidos em benefício previdenciário causados por empréstimos consignados fraudulentos. Cabível indenização por danos morais à autora que teve seu benefício previdenciário reduzido em decorrência de fraude praticada por terceiro no âmbito de operações bancárias. (TRF4, AC 5014498-92.2014.4.04.7108, QUARTA TURMA, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 26/07/2019).
O autor sustentou ter havido equívocos na atuação do INSS, por época da efetivação da consignação em pagamento. Não procede, portanto, a objeção suscitada pelos requeridos.
2.16. Litisconsórcio passivo
necessário
- considerações gerais:
Por outro lado, reitero que o litisconsórcio previsto inicialmente no art. 47, CPC/1973 e atualmente no art. 114, CPC/2015, decorre da lógica do
inauditus damnare potest,
imposto pelo art. 5º, LIV e LV, CF. A sentença apenas faz coisa julgada entre as partes, conforme art. 506, CPC/15, exceção feita à regra do art. 109. CPC/15.
Ora, justamente por força da necessidade de que as decisões judiciais sejam consistentes, é que o Código de Processo civil obriga o demandante, em determinados casos, a orientar a sua pretensão contra todas as pessoas intimamente vinculadas a determinado evento (causa de pedir). Busca-se, com isso, inibir soluções judiciais contraditórias, ao mesmo tempo em que também se otimiza a prestação jurisdicional e se assegura o postulado
nemo inauditus damnare potest.
Reporto-me à lição de Luís Marinoni e Sérgio Arenhart:
"Em princípio, a determinação da formação do litisconsórcio necessário vem estipulada no caput do art. 47, CPC, que afirma que há litisconsórcio necessário quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes. Portanto, da leitura desse artigo tem-se que duas causas podem gerar o litisconsórcio necessário; a lei ou a natureza da relação jurídica.
E, somando-se a isso, para a caracterização da necessidade da formação do litisconsórcio, será necessário que essas causas exijam que o juiz julgue o litígio de maneira uniforme para todas as partes (rectius, litisconsortes). Note-se, porém, que a redação do dispositivo é bastante defeituosa, podendo levar à conclusão de que as figuras do litisconsórcio necessário e unitário identificam-se, ou melhor, que o litisconsórcio unitário deve ser necessário e que o litisconsórcio necessário deve ser unitário
.
Nem sempre, porém, assim será. Imagine-se a hipótese em que a lei obriga, por qualquer causa, a formação de determinado litisconsórcio, ainda que a questão não precise, necessariamente, ser resolvida de maneira idêntica para todos os litisconsortes. Pense-se na hipótese da ação popular, em que a lei determina que devam ser citados para a ação todos aqueles que direta ou indiretamente tenham contribuído, por ação ou omissão, para a edição do ato inquinado como ilegal (art. 6º da lei 4.717/1965 - lei de ação popular), bem como seus beneficiários diretos. Ninguém duvida que esse é um litisconsórcio simples, não exigindo solução idêntica perante todos os litisconsortes. Não obstante isso, a lei impõe a formação de litisconsórcio. Seria, por acaso, indevida essa exigência do litisconsórcio? Poderia alguém questionar a exigibilidade desse litisconsórcio? Não parece que a resposta possa ser positiva. Em verdade, a exigência da formação do litisconsórcio, no caso, em que a lei o exija, independe do caráter unitário ou não da figura. Impõe simplesmente porque a lei o quer.
Somente na outra hipótese, em que a formação do litisconsórcio decorre da natureza da relação jurídica, é que efetivamente tem algum interesse a questão da unitariedade ou não da figura
. Aqui, sim, é possível que, diante da necessidade de que a solução da causa seja idêntica para várias pessoas, imponha-se o litisconsórcio ainda que a lei não o determine. E, como já visto, a unitariedade do litisconsórcio decorre não apenas do fato de que a sentença deve decidir a questão de forma uniforme para todos os litisconsortes, mas, sobretudo, da ideia de que essa imposição decorra da unitariedade da relação jurídica material deduzida em juízo. Vale dizer: no litisconsórcio unitário, exige uma relação jurídica material (cuja afirmação é o objeto da demanda) que possui vários sujeitos em um dos pólos. Pense-se no caso de um imóvel que possua vários coproprietários. Ou no negócio jurídico celebrado por marido e mulher com terceiro. Ou ainda em um ato administrativo (por exemplo, uma portaria) complexo, que é emitido por mais de uma entidade. Nesses casos, a relação jurídica material realizada possui, em pelo menos um dos seus pólos, mais de um sujeito. E é precisamente essa pluralidade subjetiva em um dos pólos da relação jurídica material deduzida em juízo que determina, na forma do que prevê o art. 47, CPC (natureza da relação jurídica), o litisconsórcio necessário." (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz.
Processo de conhecimento.
7. ed. São Paulo: RT, 2008, p. 173-174)
Atente-se também para a análise de Marcelo Abelha Rodrigues:
"A necessidade deste tipo de litisconsórcio, prevista no art. 47, CPC, decorre ou por força de lei, ou por natureza da relação jurídica. Será por força de lei no caso, por exemplo, do art. 6º da LAP, ou ainda no caso do art. 942, II, CPC.
Estaremos diante da segunda hipótese quando se cuidar de ação anulatória proposta contra todos os contratantes. Não se pode ser contra apenas um deles, pois a natureza da relação jurídica requer que possuam a mesma decisão. Outro exemplo, por força da lei, é o previsto no art. 10, §2º, CPC
."
(RODRIGUES, Marcelo Abelha.
Elementos de direito processual civil.
vol. 1. 2. ed. São Paulo: RT, 2000, p. 296)
O litisconsórcio pode ser necessário ou facultativo, no que toca à obrigatoriedade da sua formação. Também pode ser unitário ou simples, quanto à solução a ser dispensada às partes, tudo a depender do contexto processual. Como cediço, o litisconsórcio é facultativo quando determinadas pessoas aquiescem em litigar juntas contra um mesmo demandado; ou quando o autor endereça, a um só tempo, pretensões contra várias pessoas, desde sejam todas legítimas a figurar na causa (art. 17, CPC). A respeito do litisconsórcio necessário, convém atentar para a lição de Nelson Nery Júnior:
"
A obrigatoriedade da formação do litisconsórcio pode ser dada pela lei ou pela relação jurídica. São exemplos de litisconsórcio necessário por disposição de lei: a) CPC 246 §3º, que manda citar os confinantes nas ações de usucapião de imóvel; b) LAP 6º, que manda citar o funcionário que autorizou a prática do ato impugnado, bem como a pessoa jurídica de direito público ou privado a que ele pertence
; c) CPC, art. 76 §1º II, que manda citar ambos os cônjuges em ação na qual se discutam fatos que digam respeito a ambos os cônjuges ou atos praticados por eles (v.g., fiança - CC 1647 III) São exemplos de litisconsórcio necessário por força da relação jurídica: a) todos os partícipes de um contrato, para a ação anulatória do mesmo contrato, porque a sentença que decidir a lide não poderá anular o contrato para um dos contratantes e declará-lo válido para os demais que eventualmente não estivessem no processo como partes. Não sendo obrigatória a formação do litisconsórcio, este se caracteriza como facultativo, cujos casos mais comuns estão enumerados no CPC 113." (NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade.
Comentários ao código de processo civil.
1ª. ed. São Paulo: RT, 2015)
2.17. Garantia do
art. 506
, CPC/15:
Por conta da cláusula do devido processo, ninguém pode sofrer a expropriação de bens, sem que lhe seja assegurado efetivo contraditório. Atente-se para o art. 506, Código de Processo Civil/15:
"
A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não prejudicando terceiros
."
A respeito do tema, destaco a análise de Marinoni:
"A princípio, portanto, tomando-se a regra geral, tem-se que somente as partes ficam acobertadas pela coisa julgada . Autor e réu da ação ficam vinculados à decisão judicial, já que participaram do contraditório que resultou na prolação da decisão judicial. Naturalmente, se esses sujeitos tiveram condição de influenciar na prolação da decisão judicial, indubitavelmente devem se sujeitar à resposta jurisdicional oferecida. Também se submetem à coisa julgada o substituído processual (art. 18), o sucessor a título universal e o sucessor na coisa litigiosa (arts. 108 e 109), ressalvada, é claro, a boa-fé do terceiro adquirente. Nesses casos, a ligação jurídica com as partes autoriza a vinculação à coisa julgada. Para as partes e seus sucessores, assim, a decisão judicial, preclusa em função do esgotamento dos meios de impugnação, torna-se imutável.
E quanto aos terceiros?
Para responder adequadamente essa questão, é preciso perceber inicialmente que o novo Código não refere que os terceiros não poderão se beneficiar da coisa julgada. Também é preciso perceber que o novo Código não reproduziu a regra constante do art. 472, parágrafo único , do CPC anterior, segundo a qual “nas causas relativas ao estado de pessoa, se houverem sido citados no processo, em litisconsórcio necessário, todos os interessados, a sentença produz coisa julgada em relação a terceiros”.
Assim, inicialmente, o novo Código não veda que terceiros se beneficiem da coisa julgada – na esteira do que já sugeria a doutrina diante do direito anterior. Isso quer dizer que o art. 506 acolheu a possibilidade de formação da coisa julgada secundum tenorem rationis. A ausência de restrição ao aproveitamento da coisa julgada ao terceiro, inclusive, harmoniza-se com o disposto no art. 274 do CC , segundo o qual o terceiro, credor ou devedor solidário, desde que o resultado do processo tenha lhe sido favorável e não fundado em qualidade especial ligada tão somente ao autor ou réu da demanda, pode aproveitar a coisa julgada formada inter alios .
Em segundo lugar, a ausência de repetição da regra do parágrafo único do art. 472 do direito anterior deve-se à necessidade de correção do equívoco evidente que encerrava: com a citação, os terceiros perdem essa condição e adquirem a qualidade de parte. Daí que esse dispositivo, a rigor, nada excepcionava diante do direito anterior. A sua eliminação, portanto, decorre apenas da necessidade de aperfeiçoamento técnico do Código.
No mais, a fim de bem dimensionar a posição dos terceiros diante da coisa julgada em todos os outros casos, é necessário lembrar a distinção entre terceiros interessados e terceiros indiferentes. Terceiro interessado é aquele que tem interesse jurídico na causa, decorrente da existência de al- guma relação jurídica que mantém, conexa ou dependente, em face da re- lação jurídica deduzida em juízo. Tal sujeito, em função da existência desse interesse jurídico, tem legitimidade para participar do processo, querendo, intervindo na condição de assistente simples. Já os terceiros indiferentes são aqueles que não mantêm nenhuma relação jurídica interdependente com aquela submetida à apreciação judicial . Não têm interesse jurídico na solução do litígio e, por essa circunstância, não são admitidos a intervir no processo.
A sentença judicial pode produzir efeitos em relação a todos esses sujeitos, sejam partes, sejam terceiros interessados, sejam ainda terceiros indife- rentes. Esses efeitos, porém, serão sentidos e recepcionados de maneira distinta, conforme a condição do sujeito que os sofre. Aqueles sujeitos que têm algum interesse qualificado como jurídico em relação ao litígio e à so- lução que recebeu (qualificados como terceiros interessados) podem porque têm legitimidade para tanto – opor-se, de algum modo, à afetação de sua esfera jurídica por tais efeitos. Esses “terceiros”, portanto, somente se submetem aos efeitos da sentença se não quiserem ou não puderem va- ler-se dos meios idôneos para afastá-los
.
Resumindo: aqueles que não são partes no litígio, e assim não podem ser atingidos pela coisa julgada, mas nele têm interesse jurídico, apenas po- dem ser alcançados pelos efeitos reflexos da sentença e por essa razão são considerados terceiros interessados (ou terceiros juridicamente inte- ressados), os quais têm legitimidade para ingressar no processo na quali- dade de assistente simples da parte ou manifestar posterior oposição aos efeitos da sentença." (MARINONI, Luiz; ARENHART, Sérgio; MITIDIERO, Daniel.
Manual do Processo Civil.
São Paulo: RT. 2022. capítulo 10)
Como regra, eventual sentença de procedência apenas pode atingir diretamente quem figura como demandado no processo, tendo sido citado, lhe sendo assegurado impugnar a pretensão contra si formulada, conforme garantia do devido processo legal - art. 5, LIV e LV, Constituição/88.
2.18. Litisconsórcio passivo necessário - banco requerido:
O banco demandado deve figurar como requerido na demanda, diante da alegação da autora de que referidos valores, desbastados no benefício previdenciário da requerente, lhe teriam sido transferidos, na condição de mutuante. Aplica-se ao caso, também aqui, o art. 17, CPC
.
DIREITO ADMINISTRATIVO. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. DESCONTOS INDEVIDOS EM PROVENTOS DE APOSENTADORIA. LEGITIMIDADE PASSIVA DO INSS. INTERESSE DE AGIR. DANO MORAL. CONFIGURAÇÃO.
O INSS é parte legítima para figurar no polo passivo de demanda em que os segurados buscam desconstituir contrato de compra e venda de produto que deu origem a descontos nos benefícios previdenciários por meio de consignação em folha de pagamento. Precedentes
. O esgotamento da via administrativa não constitui requisito essencial ao ajuizamento de ação judicial, cujo acesso se dá ao jurisdicionado, nos termos do art. 5º, XXXV, da Carta Magna. Comprovado o evento danoso e o nexo causal, o INSS responde, juntamente com a instituição financeira, pelos descontos indevidos em benefício previdenciário causados por empréstimos consignados fraudulentos. Cabível indenização por danos morais à autora que teve seu benefício previdenciário reduzido em decorrência de fraude praticada por terceiro no âmbito de operações bancárias. (TRF4, AC 5014498-92.2014.4.04.7108, QUARTA TURMA, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 26/07/2019).
Na espécie, a autora deduziu pretensão à declaração da invalidade e inexigibilidade das aludidas prestações, desbastadas junto à sua prestação previdenciária mensal. Assim, cuida de efetivo litisconsórcio passivo necessário, por força do art. 506 e dos arts. 114-115, CPC.
2.19.
Possibilidade
jurídica
do pedido:
A respeito da impossibilidade jurídica, convém atentar para a lição de Marcelo Abelha Rodrigues:
"Presente no nosso ordenamento jurídico explicitamente no art. 295, III, e implicitamente quando este adotou o conceito abstrato de ação, a possibilidade jurídica do pedido diz respeito à previsão
in abstracto
daquilo que se pede, dentro do ordenamento jurídico.
A possibilidade jurídica do pedido é instituto processual, e significa que ninguém pode ajuizar uma ação sem que peça uma providência que esteja, em tese (abstratamente) prevista no ordenamento jurídico material (no direito alemão é usado o termo viabilidade, donde se abstrai o mesmo significado). Veja o exemplo: 'A' pede o despejo de 'B' por falta de pagamento
.
Basta ao juiz a análise superficial e ver se tal situação é prevista (despejo por falta de pagamento) no nosso ordenamento jurídico, sem adentrar contudo em considerações fático-jurídicas do problema. Veja que ele não vai dizer, naquele momento, se 'B' vai ser despejado, mas apenas se existe no nosso ordenamento jurídico a hipótese invocada.
Por isso mesmo é que esta condição é prejudicial das demais, ou seja, deve ser a primeira a ser analisada, à luz da logicidade e do princípio da economia processual.
Dizer que um pedido é juridicamente possível significa que o ordenamento não o proíbe expressamente
. Destarte, o vocábulo 'pedido', que faz parte da referida condição da ação, está disposto na sua acepção mais ampla, ou seja, não somente em seu sentido estrito de mérito, mas também conjugado com a causa de pedir.
Afinal, é lapidar a conceituação de Arruda Alvim: 'Verificação se o pedido é, abstrata ou idealmente, contemplado pelo ordenamento, senão vedado pelo mesmo.' Também é essencial a colocação feita por Nery, quando lembra que o termo 'pedido' (que integra a expressão 'possibilidade jurídica do...'), tem de ser entendido na sua acepção mais lata, ou seja, conjugado com a causa de pedir. Assim, embora o pedido de cobrança, estritamente considerado, seja admissível pela lei brasileira, não o será se tiver como causa petendi dívida de jogo (art. 1.477, caput, Código Civil)." (RODRIGUES, Marcelo Abelha.
Elementos de direito processual civil.
vol. 1. 2. ed. São Paulo: RT, 2000, p. 183-184)
Na espécie, a pretensão da parte requerente não esbarra na mencionada condição para válido exercício do direito de ação. Não há norma juridicamente válida que a impeça de deduzir em juízo a pretensão sob exame. Saber se tal pretensão merece acolhida é tema pertinente ao mérito.
2.20. Interesse processual - considerações gerais:
Por conta do monopólio estatal do uso válido da violência - expressão de Max Weber -, exceção feita aos casos de legítima defesa, estado de necessidade, desforço
incontinenti
etc., as partes não podem resolver seus conflitos mediante o emprego da força (art. 345, Código Penal/40). Assim, sempre que as controvérsias não sejam solucionadas com base no consenso, na prevalência do melhor argumento, os sujeitos devem deduzir suas pretensões perante o Estado, na espera de que haja aplicação isenta, racional e célere da lei (
law enforcement
).
Nos termos impostos pela Constituição, o Poder Judiciário está obrigado a apreciar a alegação de que haja lesão ou ameaça de lesão a direito (art. 5º, XXXV, CF), mecanismo indispensável para o efetivo império da razão pública, ao invés da prevalência dos poderes hegemônicos de ocasião. A prestação jurisdicional não se destina, todavia, a emitir meros pareceres ou cartas de intenções.
O ingresso em juízo deve estar fundado, tanto por isso, em uma situação de efetiva necessidade, de modo que o pedido - caso venha a ser acolhido - se traduza em uma utilidade para o(a) demandante. O meio processual eleito deve ser adequado para tanto. Daí que os processualistas tratem do interesse processual em uma
troika:
a necessidade, a utilidade e a adequação. Por fim, o interesse processual deve persistir no curso da demanda, nos termos do art. 17 e art. 85, §10, CPC/15.
Ora,
"
Mediante a força declaratória, a aspiração do autor consiste na extirpação da incerteza
. Deseja tornar indiscutível, no presente e no futuro, graças à autoridade da coisa julgada, a existência ou a inexistência de relação jurídica, a autenticidade ou a falsidade de documento. É o que dispõe, fortemente inspirado no direito germânico e reproduzindo a regra anterior, o art. 19 do NCPC. Também comporta declaração a exegese de cláusula contratual (Súmula do STJ, n.º 181), ou seja, o modo de ser de uma relação jurídica. Na ação declarativa, ignora-se outra eficácia relevante que a de coisa julgada material. Neste sentido, a pretensão à declaração representa fonte autônoma de um bem valiosíssimo na vida social: a certeza. O autor que só pleiteia declaração ao juiz, e obtém êxito, dar-se-á por satisfeito, e cabalmente, desde o curso em julgado da sentença.
Então apropria-se do que pedira ao órgão judicial – certeza –, carecendo a regra jurídica emitida de qualquer atividade complementar em juízo. Focalizando o ponto com preciosa exatidão, diz-se que a sentença declaratória é instrumento autossuficiente de tutela jurisdicional, pois assegura, de maneira plena e completa, a efetividade da situação jurídica substancial deduzida em juízo
."
(ASSIS, Araken de.
Processo
civil brasileiro:
volume I. Parte geral: fundamentos e distribuição de conflitos. São Paulo: RT. 2015. p. 675).
Ainda segundo Araken de Assis,
"
O provimento declaratório tem nítido caráter prescritivo. A parte adquire o direito incontestável de comportar-se em consonância ao comando sentencial, e, principalmente, não é dado àqueles que se vincularam à declaração impedi-la
. A finalidade da ação declaratória da inteligência e do alcance de cláusula contratual é a de prescrever aos parceiros do negócio, sucessivamente, determinada pauta de conduta, independentemente de execução alguma, de que não se cogita e de que não se pode cogitar."
(ASSIS, Araken de.
Obra citada.
p. 676).
Dado que o Poder Judiciário não é consultor jurídico das partes, impõe-se que haja uma situação de incerteza jurídica a justificar o ingresso com a demanda:
"
Impende recordar que a certeza implicará a vinculação futura das partes. O provimento exibirá caráter prescritivo para o futuro
. O ato judicial legitima a prática (ou a abstenção) de atos jurídicos “ao abrigo e em conformidade com o conteúdo da sentença. Em geral, a antevisão desse problema provoca o nascimento do interesse. Por assim dizer, o provimento declarativo tem os pés no passado, mas olhar no futuro. É preciso aceitar com reservas, portanto, o julgado da 4.ª Turma do STJ, que assentou: Não é detentor de interesse processual justificador da pretensão declarativa quem não está exposto à possibilidade de dano imediato e concreto. Ora, imediato é o interesse, pois o dano, em sentido amplíssimo, pode ser futuro. Por exemplo, não cabe declarar a inteligência da cláusula contratual em tese; o autor necessitará expor a dificuldade na interpretação da cláusula, os reflexos que este ou aquele entendimento provocará no programa contratual."
(ASSIS, Araken de.
Obra citada.
p. 661).
2.21. Interesse processual:
Ao que se infere dos autos, a pretensão da demandante provavelmente não seria acolhida pelos requeridos na espera extrajudicial. Ademais, por força do art. 5, XXXV, Constituição, a requerente não está obrigada a exaurir o debate no âmbito administrativo, antes de ingressar em Juízo.
Por outro lado, caso a pretensão venha a ser julgada procedente pelo Poder Judiciário, isso lhe será útil, por ensejar a suspensão dos descontos no seu benefício previdenciário. A via processual eleita se revela adequada, de modo que aludido requisito, previsto no art. 17, CPC, foi atendido. Assim, a tríade necessidade/utilidade/adequação procedimental restou satisfeita.
2.22. Aptidão da petição inicial:
A petição inicial revela-se apta, eis que o demandante detalhou a sua causa de pedir - narrando os fatos pertinentes e esgrimindo argumentos jurídicos -, ao tempo em que promoveu pedido terminado, na forma do art. 324, CPC. Anexou documentos na forma do art. 322, CPC/15.
Assim, a peça viabilizará o contraditório por parte dos demandados. Não se faz necessário o recolhimento de custas, no rito dos Juizados, em 1. instância. Registro ainda que o pedido da parte autora deve ser compreendido com respeito à boa-fé objetiva, atentando para a integridade da peça inicial -
art. 322, §2, CPC/15
.
2.23. Apresentação de documentos:
A parte autora apresentou documentos na fase propícia para tanto, conforme
artigos 320 e 434, Código de Processo Civil
, sendo que eventual apresentação dos documentos pelo requerido há de ser promovida com a contestação, conforme art. 434, CPC/15.
Demais documentos poderão ser apresentados em outras etapas da demanda, atendidas as regras do art. 435, CPC.
2.24.
Valor
da causa - considerações gerais:
Como sabido, a toda causa deve ser atribuído algum valor econômico, por força do art. 291, CPC/2015 - projeção do art. 258, CPC/73 -, pois se cuida da base de cálculo da taxa judiciária. Referido valor pode influenciar, em muitos casos, a determinação da competência das unidades judiciais ou o procedimento aplicável, também surtindo reflexos sobre a definição de encargos sucumbenciais.
Trata-se, tanto por isso, de requisito para que a petição inicial seja válida - art. 319, CPC. Como explicita Araken de Assis,
"às vezes, na oportunidade da respectiva fixação (infra, 1.290), o conteúdo econômico real e imediato da pretensão mostra-se inestimável, ou seja, não pode ser quantificado precisamente. Tal circunstância não constitui motivo bastante para eliminar o ônus atribuído ao autor nos arts. 319, V, e 292, caput. É apenas causa de estimação voluntária do autor, pois o art. 291 dispõe expressamente que a toda causa será atribuído valor certo. Nada obstante, a indicação aproximar-se-á, tanto quanto possível, do conteúdo econômico mediato da pretensão. Não há incompatibilidade daquelas regras com a do art. 85, § 8.º. aludindo a causas de valor inestimável. Entende-se por tal as causas desprovidas de conteúdo econômico imediato, como é o caso da ação declaratória, e, por esse motivo, sujeitas à estimação do autor."
(ASSIS, Araken.
Processo civil brasileiro.
Volume II - Tomo I: Institutos fundamentais. SP: RT. 2015. p. 1695)
Convém atentar, tanto por isso, para o art. 292, CPC/15:
"O valor da causa constará da petição inicial ou da reconvenção e será: I - na ação de cobrança de dívida, a soma monetariamente corrigida do principal, dos juros de mora vencidos e de outras penalidades, se houver, até a data de propositura da ação; II - na ação que tiver por objeto a existência, a validade, o cumprimento, a modificação, a resolução, a resilição ou a rescisão de ato jurídico, o valor do ato ou o de sua parte controvertida; III - na ação de alimentos, a soma de 12 (doze) prestações mensais pedidas pelo autor; IV - na ação de divisão, de demarcação e de reivindicação, o valor de avaliação da área ou do bem objeto do pedido; V - na ação indenizatória, inclusive a fundada em dano moral, o valor pretendido; VI - na ação em que há cumulação de pedidos, a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles; VII - na ação em que os pedidos são alternativos, o de maior valor; VIII - na ação em que houver pedido subsidiário, o valor do pedido principal. § 1º Quando se pedirem prestações vencidas e vincendas, considerar-se-á o valor de umas e outras. § 2º O valor das prestações vincendas será igual a uma prestação anual, se a obrigação for por tempo indeterminado ou por tempo superior a 1 (um) ano, e, se por tempo inferior, será igual à soma das prestações. § 3º O juiz corrigirá, de ofício e por arbitramento, o valor da causa quando verificar que não corresponde ao conteúdo patrimonial em discussão ou ao proveito econômico perseguido pelo autor, caso em que se procederá ao recolhimento das custas correspondentes."
Atente-se novamente para a análise de Araken de Assis:
"É exemplificativa a enumeração dos acessórios. Os juros compensatórios, por exemplo, dificilmente se quadram na figura de penalidade. A correção monetária integra o valor originário do crédito e, nesse aspecto, sua menção no art. 292, corrige o direito anterior. Ressalva feita aos juros moratórios e à correção monetária, verbas implicitamente incluídas no pedido respeitante ao principal (art. 322, § 1.º), e, nada obstante, integrantes do valor da causa, quaisquer outras verbas devem ser objeto de pedido. É o caso, expressis verbis, da cláusula penal moratória ou compensatória e dos juros compensatórios. Omisso que seja o pedido, a respeito da cláusula penal (v.g., o autor quer evitar a controvérsia em torno da interpretação do contrato), tampouco conta-se o respectivo valor. Por óbvio, deixando o autor de pedir os juros moratórios, explicitamente, dificilmente realizará seu cômputo no valor da causa, ensejando a intervenção do órgão judiciário. E os juros vencidos posteriormente ao ajuizamento, automaticamente incluídos na condenação (art. 323), não entram na estimativa da causa.
O custo financeiro do processo (despesas processuais e honorários advocatícios), suportado pelo réu no caso de êxito do autor, não precisa ser computado para apurar o valor da causa. Tais verbas têm caráter eventual e decorrem da lei.
Em face do caráter imperativo do art. 292, I, mostra-se irrelevante a estimativa lançada pelo autor na petição inicial em desacordo com a regra. Prevalecerá o valor da importância reclamada no pedido.
O art. 292, I, aplica-se, por analogia, à pretensão a executar fundada em título judicial ou extrajudicial (infra, 1.292.2.2). O valor da causa é o total do crédito: o principal corrigido, os juros e os demais consectários legais ou contratuais, conforme, aliás, dispõe o art. 6.º, § 4.º, da Lei 6.830/1980. Esse valor constará na planilha aludida no art. 798, I, b, e parágrafo único
.
Também se poderia cogitar do enquadramento da pretensão a executar no art. 292, II, por que pretensão visando ao cumprimento do negócio jurídico, eventualmente consubstanciado em documento dotado de força executiva. O resultado final é idêntico, mas o art. 292, I, avantaja-se ao inciso precedente em ponto decisivo, ao impor um critério simples, direto e analítico ao valor da causa." (ARAKEN, Assis.
Obra citada.
p. 1698 e ss.)
Ora, não se pode perder de vista que o valor atribuído à causa deve corresponder, tanto quanto possível, ao conteúdo econômico da pretensão deduzida na peça inicial, como bem equaciona o art. 292, §3º, CPC/15:
"O juiz corrigirá, de ofício e por arbitramento, o valor da causa quando verificar que não corresponde ao conteúdo patrimonial em discussão ou
ao proveito econômico perseguido pelo autor
, caso em que se procederá ao recolhimento das custas correspondentes."
D'outro tanto, é assegurado ao requerido impugnar, em preliminar de contestação, o valor atribuído à causa pelo autor (art. 293, CPC/15).
2.25. Valor da causa -
processo
em exame:
NO CASO, reputo adequado o valor atribuído à demanda, eis que representa o conteúdo econõmico da pretensão deduzida no movimento1. O requerente postulou a condenação dos demandados ao pagamento do dobro do valor descontados nos benefícios e à condenação à reparação de danos morais. Atribuiu à demanda o valor de R$ 10.739,04.
2.26. Prioridade na tramitação:
Defiro à parte autora, ademais, a prioridade na tramitação, prevista no
art. 71 da lei n. 10.741, de 1º de outubro de 2003
, estatuto do idoso, dada a idade da demandante.
2.27.
Considerações gerais sobre a
teoria
da substanciação:
Como sabido, em regra o Poder Judiciário apenas pode apreciar aquilo que tenha sido efetivamente pedido pelas partes. É o que se infere dos artigos 141, 322 e 492, Código de Processo Civil/2015.
Por outro lado, o Direito brasileiro esposou a teoria da substanciação, conforme bem explicita Cândido Rangel Dinamarco:
"Vige no sistema processual brasileiro o sistema da substanciação, pelo qual os fatos narrados influem na delimitação objetiva da demanda e consequentemente da sentença (art. 128) mas os fundamentos jurídicos não. Tratando-se de elemento puramente jurídico e nada tendo de concreto relativamente ao conflito e à demanda, a invocação dos fundamentos jurídicos na petição inicial não passa de mera proposta ou sugestão endereçada ao Juiz, ao qual compete fazer depois os enquadramentos adequados para o que levará em conta a narrativa de fatos contida na petição inicial, a prova realizada e sua própria cultura jurídica, podendo inclusive dar aos fatos narrados e provados uma qualificação jurídica diferente daquela que o demandante sustentara (narra mihi factum dabo tibi jus)."
(DINAMARCO.
Instituições de Direito Processual Civil.
6. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 132).
Tanto por isso, a parte demandante é obrigada a indicar o pedido e a causa de pedir correspondente (art. 319, III e IV, CPC). Por sinal, deve haver conexão lógica entre ambos, conforme se infere do art. 330, § 1º, I e II, CPC.
Reporto-me à lição de Celso Agrícola Barbi:
"A lide, mesmo no sentido sociológico com que a configura Carnelutti, apresenta-se, no processo em limites fixados pela parte. Isto é, mesmo que a lide como entidade sociológica, fora do processo, tenha determinada extensão, ela pode ser apresentar apenas parcialmente no processo. E é nesses limites em que ala foi trazida ao juiz que este deve exercer a sua atividade. Em outras palavras, o conflito de interesses que surgir entre duas pessoas será decidido pelo juiz não totalmente, mas penas nos limites em que elas o levarem ao processo. Usando a formula antiga, significa que o juiz não deve julgar além do pedido das partes: ne eat judex ultra petita partium. Nesses casos, a convicção do juiz é necessária, para evitar que sua atividade se transmude em de criador de direitos subjetivos, deixando a de atuar a lei. A vedação ao juiz, no que se refere ao autor, não se restringe, porem, ao pedido, mas também à causa de pedir. O julgador deve decidir a pretensão do autor com base nos fatos jurídicos por ele alegados, não podendo admitir outros como fundamento da procedência da ação."
(BARBI.
Comentários ao Código de Processo Civil.
13. ed., 2008,p. 403).
Menciono também o seguinte julgado, emanado do STJ:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. CLÍNICA MÉDICA. SÓCIOS. JULGAMENTO EXTRA PETITA. CAUSA DE PEDIR. ALTERAÇÃO. PRINCÍPIO DA ADSTRIÇÃO OU DA CONGRUÊNCIA. NEXO DE CAUSALIDADE. EXCLUSÃO. RECURSOS ESPECIAIS PROVIDOS.
1. Segundo o princípio da adstrição ou da congruência, deve haver necessária correlação entre o pedido/causa de pedir e o provimento judicial (artigos 128 e 460 do Código de Processo Civil), sob pena de nulidade por julgamento citra, extra ou ultra petita. 2.
O provimento judicial está adstrito, não somente ao pedido formulado pela parte na inicial, mas também à causa de pedir, que, segundo a teoria da substanciação, adotada pela nossa legislação processual, é delimitada pelos fatos narrados na petição inicial
. 3. Incide em vício de nulidade por julgamento extra petita a decisão que julga procedente o pedido com base em fato diverso daquele narrado pelo autor na inicial como fundamento do seu pedido. 4. Se a causa de pedir veio fundada no sofrimento dos autores em função da morte do paciente, imputada aos maus tratos sofridos durante a internação, era defeso ao Tribunal de origem condenar os réus com base nas más condições de atendimento da clínica, não relacionadas com o óbito. 5. Excluído pelo acórdão recorrido, com base na prova dos autos, o nexo causal entre o resultado morte e o tratamento recebido pelo paciente, ao consignar que se tratava de paciente em estado terminal, a improcedência da ação é solução que se impõe. 6. Recursos especiais providos. ..EMEN: (RESP 200902391200, VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), STJ - TERCEIRA TURMA, DJE DATA:26/05/2010 ..DTPB:.)
A indicação do pedido e da causa de pedir correspondentes é um requisito próprio à cláusula do devido processo (art. 5º, LIV e LV, CF). Afinal de contas, somente assim o requerido pode saber sobre o que se defender; cuida-se também de requisito para a garantia do postulado dispositivo, eis que o pedido/causa de pedir delimitam a causa.
Como igualmente sabido, a parte pode renovar o mesmo pedido, indicando causa de pedir diversa (art. 337, §2º, CPC). Tanto por isso é que o Código de Processo veda a formulação de pedidos indeterminados, conforme se infere do art. 324, CPC. De modo semelhante, o sistema também proíbe o juízo de prolatar sentenças indeterminadas (art. 492, parágrafo único, CPC).
2.28. Gratuidade de justiça - considerações gerais:
No que toca à gratuidade de Justiça, anoto que a Constituição da República dispôs, no seu art. 5º LXXIV, que
"
o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos
."
Essa mesma lógica eclode do art. 24, XIII e do art. 134, Constituição Federal/1988.
Ademais, a Constituição recepcionou a antiga lei 1060/1950, responsável por detalhar as hipóteses do que se convencionou chamar de justiça gratuita.
Registro que o CPC/15 manteve a vigência da norma veiculada no art. 13 da lei 1060/1950 (art. 1072, III,
a contrario senso
), ao tempo em que admitiu o deferimento parcial da gratuidade:
"- Isenção total -
Em princípio, ao litigante interessa forrar-se integralmente do custo financeiro do processo. A isenção total tem por objeto, portanto, o art. 98, §1º, I a IX, ficando suspensa a exigibilidade do dever de reembolsar as despesas suportadas pelo adversário, no todo ou em parte - a perícia requerida por ambas a partes tem seu custo repartido, a teor do art. 95, caput, e, portanto, competiria ao beneficiário reembolsar em parte o vencedor - o pagamento de honorários ao advogado do vencedor, pelo prazo de cinco anos, a teor do art. 98, §3º
.
- Isenção parcial - Mantido pelo art. 1.072, III, NCPC, o art. 13 da lei 1060/1950 subtende a concessão parcial do benefício de gratuidade. Essa possibilidade encontra-se prevista de modo mais nítido no art. 98, §5º, segundo o qual o juiz concederá gratuidade em relação a algum ou a todos os atos processuais. Pode acontecer de o litigante, conduzindo-se segundo os ditames da boa-fé (art. 5º) alegar não dispor de recursos para adiantar, v.g., os honorários do perito, sem dúvida despesa de vulto. Em tal hipótese, o órgão judiciário concederá isenção parcial, provocando a incidência, nesse caso, do art. 95, §2º.
-
Isenção remissória - O art. 98, §5º, in fine, autoriza o juiz a reduzir percentualmente as despesas processuais que incumbe à parte adiantar no curso do processo. O benefício não alivia a parte da antecipação quanto a um ato específico. Limita o benefício à parte da despesa; por exemplo, fixada a indenização da testemunha em 100, o beneficiário paga 50, ficando a parte remanescente postergada para o fim do processo. Saindo-se vencedor o beneficiário, a contraparte cumprirá o art. 492, quanto à parte isentada, e reembolsará o beneficiário da outra metade
.
- Isenção diferida - A isenção parcial do art. 13 da lei 1060/1950 inspirou duas modalidades de diferimento: (a) o pagamento ao final, embora vencido o beneficiário; (b) o pagamento parcelado da despesa, objeto de previsão no art. 98, §6º. Por exemplo a parte não dispõe da totalidade dos honorários do perito arbitrado pelo juiz e, nessa contingência, requer o pagamento em três ou mais parcelas mensais consecutivas. O pagamento ao fim do processo é mais radical. A parte aposta no sucesso, transferindo, secundum eventuam litis, todas as despesas ao adversário. E, não logrando êxito, ficará isenta pelo prazo legal (art. 98, §3º)." (ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
Volume II. Tomo I. Parte geral. Institutos fundamentais. São Paulo: RT, 2015, p. 535-536)
Quanto aos requisitos para a concessão, reporto-me à análise de Rafael Alexandria de Oliveira:
"
Faz jus ao benefício da gratuidade de justiça aquela pessoa com insuficiência de recursos para pagar as custas, despesas processuais e honorários advocatícios (art. 98). Não se exige miserabilidade, nem estado de necessidade, nem tampouco se fala em renda familiar ou faturamento máximos
. É possível que uma pessoa natural, mesmo com boa renda mensal, seja merecedora do benefício, e que também o seja aquele sujeito que é proprietário de bens imóveis, mas não dispõe de liquidez. A gratuidade judiciária é um dos mecanismos de viabilização do acesso à justiça; não se pode exigir que, para ter acesso à justiça, o sujeito tenha que comprometer significativamente a sua renda, ou tenha que se desfazer de seus bens, liquidando-os para angariar recursos e custear o processo."
(OLIVEIRA, Rafael Alexandria in WAMBIER, Teresa Alvim.
Breves comentários ao novo CPC.
São Paulo: RT, 2015, p. 359)
Convém atentar, ademais, para a avaliação de Araken de Assis:
"
À concessão do benefício, nos termos postos no art. 98, caput, fundamentalmente interessa não permitir a situação econômica da parte atender às despesas do processo. É irrelevante a renda da pessoa, porque as causas podem ser vultuosas e sem recursos para ela o interessado. Igualmente, nenhum é o relevo da existência de patrimônio
. E, de fato, se mesmo tendo um bem imóvel, os rendimentos da parte não lhe são suficientes para arcar com custas e honorários sem prejuízo do sustenta, tal propriedade não é empecilho à concessão da gratuidade. Parece pouco razoável exigir que alguém se desfaça de seus bens para atender ás despesas do processo. Nada assegura, a fortiori, o retorno à situação patrimonial anterior, em virtude do desfecho vitorioso do processo. (...) Funda-se o benefício da gratuidade numa equação econômica: a noção da necessidade decorre da inexistência de recursos financeiros, apuradas entre a receita e a despes, capazes de atender o custo da demanda. Considera-se a situação atual da pessoa, mostrando-se irrelevante a sua antiga fortuna, dissipada ou perdida nos azares da vida."
(ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
Volume II. Tomo I. Parte geral. Institutos fundamentais. São Paulo: RT, 2015, p. 549)
Note-se também que o TRF4 consolidou sua jurisprudência, enfatizando que a gratuidade de Justiça haveria de ser deferida a quem receba remuneração mensal líquida inferior ao teto de benefícios do RGPS, definida por meio da portaria interministerial MPS/MF 26, de 10.01.2023, R$ 7.507,49.
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PROCESSUAL CIVIL. HIPÓTESES DE CABIMENTO. COMPLEMENTAÇÃO. NECESSIDADE. BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA. RENDIMENTOS SUPERIORES AO TETO DOS BENEFÍCIOS DO RGPS. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. REVOGAÇÃO MANTIDA. RESULTADO DO JULGAMENTO INALTERADO. 1. São cabíveis embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para esclarecer obscuridade ou eliminar contradição; suprir omissão ou corrigir erro material, consoante dispõe o artigo 1.022 do Código de Processo Civil. 2.
A Terceira Turma adota como critério de concessão/manutenção do benefício da gratuidade judiciária o fato de a parte auferir renda inferior ao teto dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social - RGPS, pois mostra-se razoável presumir a hipossuficiência nessas hipóteses. 3. Para o deferimento da mencionada benesse, devem ser apurados os rendimentos líquidos da parte interessada e considerados, para tal fim, apenas, os descontos obrigatórios/legais (tais como Importo de Renda, Contribuição Previdenciária e pensão) e, excepcionalmente, gastos com saúde (apurada a gravidade da doença no caso concreto e os gastos respectivos, ainda que não descontados em folha de pagamento)
. 4. Caso em que acolhidos, em parte, os embargos de declaração, para complementar o decisum no ponto referente à revogação do benefício da justiça gratuita, sem alteração de resultado. (TRF-4 - AC: 50021421220124047116 RS 5002142-12.2012.4.04.7116, Relator: VÂNIA HACK DE ALMEIDA, Data de Julgamento: 28/01/2020, TERCEIRA TURMA)
Aludido entendimento foi reiterado pelo TRF4, ao julgar o
incidente de resolução de demandas repetitivas nº 5036075-37.2019.4.04.0000
.
INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS. ACESSO À JUSTIÇA. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. GRATUIDADE DE JUSTIÇA. DISTINÇÃO. CRITÉRIOS. 1. Conforme a Constituição brasileira, "o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos". 2. Assistência jurídica integral configura gênero que abarca diferentes serviços gratuitos, a cargo do poder público, voltados a assegurar a orientação, a defesa e o exercício dos direitos. 3. A consultoria jurídica gratuita é prestada pelas Defensorias Públicas quando do acolhimento dos necessitados, implicando orientação até mesmo para fins extrajudiciais e que nem sempre redunda na sua representação em juízo. 4. A assistência judiciária gratuita é representação em juízo, por advogado não remunerado, realizada pelas defensorias públicas e também advogados conveniados com o Poder Público ou designados pelo juiz pro bono. 5. A gratuidade de justiça assegura a prestação jurisdicional independentemente da realização dos pagamentos normalmente exigidos para a instauração e o processamento de uma ação judicial, envolvendo, essencialmente, custas, despesas com perícias e diligências e honorários sucumbenciais. 6. Nos termos das Leis 9.099/95, 10.259/01 e 12.153/19, o acesso à primeira instância dos Juizados de pequenas causas é gratuito, o que aproveita a todos, indistintamente. 7. O acesso à segunda instância dos juizados, às Varas Federais e aos tribunais é oneroso, de modo que depende de pagamento ou da concessão do benefício da gratuidade de justiça. 8. A Corte Especial, por ampla maioria, definiu que faz jus à gratuidade de justiça o litigante cujo rendimento mensal não ultrapasse o valor do maior benefício do Regime Geral de Previdência Social, sendo suficiente, nessa hipótese, a presunção de veracidade da declaração de insuficiência de recursos, que pode ser afastada pela parte contrária mediante elementos que demonstrem a capacidade econômica do requerente. 9.
Rendimentos mensais acima do teto do Regime Geral de Previdência Social não comportam a concessão automática da gratuidade de justiça. A concessão, em tais casos, exige prova a cargo do requerente e só se justifica em face de impedimentos financeiros permanentes. A par disso, o magistrado deve dar preferência ao parcelamento ou à concessão parcial apenas para determinado ato ou mediante redução percentual
. (TRF4 5036075-37.2019.4.04.0000, Corte Especial, Relator Leandro Paulsen, juntado aos autos em 07/01/2022)
Note-se que o teto do regime geral previdenciário é de
R$ 7.087,22
, conforme Portaria interministerial MTP/ME Nº 12, de 17 de janeiro de 2022. D'outro tanto, o CPC/15 manteve a lógica do art. 12 da lei 1060/1950, de modo que a concessão do benefício não implica efetiva exoneração da obrigação de recolher despesas e pagar honorários sucumbenciais (incabíveis, porém, no rito do mandado de segurança e, em 1. instância, no rito dos juizados especiais), observado o prazo suspensivo previsto, agora, no art. 98, §2º, CPC/15 (05 anos).
O detalhe está no fato de que, como registrei acima, nos termos do art. 98, §5º, CPC/15,
"
A gratuidade poderá ser concedida em relação a algum ou a todos os atos processuais, ou consistir na redução percentual de despesas processuais que o beneficiário tiver de adiantar no curso do procedimento
."
Anote-se que a Constituição preconiza que o postulante demonstre a incapacidade para o pagamento (art. 5º, LXXIV, CF). Aliás, como bem expressa Araken de Assis,
"A dispensa de o postulante da gratuidade, cuidando-se de pessoa natural, produzir
prova documental do seu estado de necessidade provocou efeito colateral de graves reflexos. Fica o respectivo adversário em situação claramente desvantajosa. É muito difícil, a mais das vezes, e na imensa maioria dos litígios civis, a parte contrária reunir prova hábil da equação entre receita e despesa que gera a figura do necessitado.
Enfraqueceu-se, em suma, o controle judiciário desse dado. A concessão do benefício é automática, e, na prática, simultaneamente irreversível, por força da inutilidade dos esforços em provar o contrário
."
(ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
Volume II. Tomo I. Parte geral. Institutos fundamentais. São Paulo: RT, 2015, p. 559).
2.29. Gratuidade - caso em apreciação:
NA ESPÉCIE, na forma do art. 99, §2º, CPC, a requerente apresentou documento de identificação e comprovante de residência, além de declaração de hipossuficiência
. A medida surte poucos efeitos no âmbito dos Juizados Especiais, em 1. instância, dada a exoneração de custas e honorários sucumbenciais, na forma dos arts. 54 e 55 da lei n. 9.099/1995, normas não ab-rogadas pelos arts. 82 e 85, CPC/15, dado o art. 2º, §2º, do decreto-lei 4.657/1942. De toda sorte, DEFIRO à autora o benefício requerido.
2.30. Prazos prescricionais - considerações gerais:
Convém ter em conta que
"O prazo previsto expressamente em lei para o exercício das pretensões que se ajuízam mediante ação constitutiva, positiva ou negativa, é de decadência, pois a pretensão constitutiva se caracteriza como direito potestativo.
As pretensões que se exercem mediante ação declaratória são perpétuas (imprescritíveis). Isto significa que podem ser ajuizadas mesmo se já estiver prescrita a pretensão condenatória do direito cuja existência ou inexistência se quer ver declarada
."
(NERY JÚNIOR, Nelson.
Novo Código Civil anotado.
SP: RT, 2002).
Daí que a prescrição é oponível às pretensões condenatórias.
Anoto, de outro tanto, que o art. 189, Código Civil, preconiza que
"
Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206
."
Isso significa que o cômputo da prescrição deve ser promovido com atenção à teoria da
actio nata.
Ou seja,
"o início do prazo prescricional se verifica com o nascimento da pretensão, que decorre da exigibilidade do direito subjetivo, momento a partir do qual a ação poderia ter sido proposta - enquanto não nascer a ação conferida para a tutela de um direito, não é dado falar em prescrição:
actioni nondum natae non prescritibur." (CAHALI, Yussef Said.
Prescrição
e decadência.
São Paulo: RT, 2008, p. 35).
Yussef Cahali menciona, ademais, a lição de Câmara Leal, para quem
"
A ação nasce, portanto, no momento em que se torna necessária para a defesa do direito violado
- é desse desse momento, em que o titular pode se utilizar da ação, que começa a correr o prazo de prescrição. Portanto, o prazo é contado da data em que a ação poderia ser proposta. O
dies a quo
da prescrição surge em simultaneidade com o direito de ação."
(CAHALI, Yussef Said. Obra cit. p. 36).
Vê-se, portanto, que a prescrição deve ser computada a partir do momento em que o cogitado titular de uma situação jurídica toma conhecimento da agressão ao seu interesse.
"(...) O cômputo do prazo prescricional quinquenal, objetivando o ingresso de ação de indenização contra conduta do Estado, previsto no artigo 1.º do Decreto 20.910/32,
começa quando o titular do direito lesionado conhece o dano e suas sequelas, segundo reza o princípio actio nata
. Precedentes: AgRg no REsp: 1369886/PE Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJ de 20.05.2013; AC 0013010-49.2005.4.01.3500/GO, Rel. Desembargador Federal Jirair Aram Meguerian, Sexta Turma, DJ de 16.05.2013." (AC 0011884-90.2007.4.01.3500 / GO, Rel. Desembargador Federal Kassio Nunes Marques, Sexta Turma, e-DJF1 p.137 de 15/10/2014).
"(...) Ademais, mesmo que se considerasse o prazo de 3 anos, como quer a requerida, não haveria prescrição. Pelo princípio da
actio nata
, que é adotado pelo ordenamento jurídico pátrio, a pretensão somente nasce com a violação do direito (art. 189 do Código Civil). E a pretensão da autora somente surgiu no momento em que tomou conhecimento da irregularidade cuja prática atribui à ré e que teria causado o dano cujo ressarcimento é postulado. Antes disso, não há como se exigir do lesado o exercício da sua pretensão, até porque a existência de dano é requisito da responsabilidade e, portanto, pressuposto da ação que visa à sua reparação." (AC 00053846420074047108, CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ, TRF4 - TERCEIRA TURMA, D.E. 26/05/2010.)
Com efeito, dado que o instituto tem por fundamento que o Direito não tutela quem permanece inerente na defesa dos seus interesses (
Dormientibus non sucurrit jus
), a prescrição apenas pode ser oposta a quem podia efetivamente agir. E isso pressupõe, por certo, que o atingido tenha conhecimento da agressão às suas pretensões, na forma do art. 189, Código Civil:
"O início da eficácia dos atos administrativos se assinala pela publicação, ou pelo termo que indicarem; mas os atos administrativos que afetem pessoa certa e determinada assumem eficácia ao serem por ela conhecidos por via de regular comunicação."
(NASSAR, Elody.
Prescrição
na Administração Pública.
2. ed. SP: Saraiva, 2009, p. 148).
Ainda a respeito da definição do termo inicial, atente-se para a lição de Humberto Theodoro Júnior:
"Todo prazo tem um termo inicial (a quo) e tem um termo final (ad quem), ou seja, há sempre um momento para iniciar e outro para encerrar a contagem do tempo de duração.
No caso da prescrição, o
termo a quo
é aquele em que nasce a pretensão e o termo final é aquele em que se completa o lapso temporal assinalado pela lei para o exercício da ação destinada a fazer atuar em juízo a pretensão. Há um prazo geral e vários prazos especiais, segundo o critério da lei, o que faz com que o termo final seja mais próximo ou mais longínquo para as diferentes pretensões.
Uma vez que, para haver prescrição, a inércia do titular do direito afrontado e requisito necessário, somente se pode iniciar a contagem do prazo extintivo a partir do momento em que sua atividade contra a situação injurídica se tornou possível (e, não obstante, deixou de ser exercida)
.
Prescritividade e exigibilidade são ideias que se intervinculam. Apenas as prestações exigíveis (i.e., vencidas), não sendo satisfeitas, sujeitam-se aos efeitos da prescrição. Se a obrigação ainda não se venceu, não está o credor autorizado a exercer o direito que lhe cabe contra o devedor. Não se pode perder por inércia um direito que, posto existente, ainda não se pode exigir. Donde 'o início da prescrição só pode ter lugar quando o direito está em condições de o seu titular poder exercitá-lo.'
Por isso, não corre prescrição nas obrigações a prazo ou sujeitas à condição suspensiva, senão depois de ocorrido o vencimento ou verificada a condição (art. 199, I e II). Termo e condição suspensiva, nessa ordem de ideias, são causas que impedem a prescrio, porque, no primeiro caso, o direito subjetivo nem sequer surgiu, e, no segundo, já existe mas tem o seu exercício suspenso.
Sendo a via judicial o caminho que a ordem jurídica oferece ao titular da pretensão insatisfeita para compelir o obrigado a realizar a prestação devida, é intuitivo que se deverá contar a prescrição a partir de quando a respectiva ação se mostrou exercitável. Nesse sentido, somente se pode cogitar de prescrição em face da chamada actio nata (actioni nondum natae non praescribitur). Vale dizer: o prazo prescricional corre a partir do momento em que o credor pode lançar mão da pretensão, se necessário, por uma ação em juízo.(...)
No caso de obrigação derivada de ato ilícito, desde a ocorrência deste está fluindo a ação para impor a obrigação genérica de indenizar. Sem se saber, porém, o montante do prejuízo, não se pode desde logo exigir-lhe a indenização. Enquanto estiver fluindo a ação condenatória genérica, não corre o prazo para liquidar e exigir a reparação. Mas, se o credor não propõe logo a ação genérica, desde então estarão em risco as pretensões também da liquidação e do respectivo valor líquido. É que a inércia do titular da pretensão terá prejudicado todas as ações que poderia manejar
." (THEODORO JÚNIOR, Humberto.
Comentários ao novo código civil.
Volume III. Tomo II. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 174-177).
Delimitada a questão quanto ao termo inicial do cômputo da prescrição, outro tópico relevante diz respeito ao seu prazo, quando se cuide de pretensão oponível ao Estado. Ora, no âmbito das obrigações pessoais, as pretensões condenatórias formuladas em face da Fazenda Pública prescrevem, EM REGRA, no prazo de 05 anos, conf. art. 1º do Dec. 20.910/1932 com o Decreto-lei 4.597/1942.
Convém atentar para a lição de Pontes de Miranda:
"
A prescrição
quinquenal somente concerne às ações condenatórias pessoais; não às ações declarativas, constitutivas negativas (e.g., declaração de inconstitucionalidade ou nulidade de lei, ou do ato do Poder Público), mandamentais e executivas que não sejam de dívidas pessoais, ou a de execução de julgado. As ações pessoais (...) são as oriundas de dívidas de direito das obrigações, em que a Fazenda Pública teria de pagar
."
(MIRANDA, Francisco C. P. de
apud
NASSAR, Elody.
Prescrição
na Administração Pública.
2. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 271).
Trata-se de norma de conteúdo especial quando confrontada com o art. 206, §3º, V, Código Civil:
ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PRESCRIÇÃO. PRAZO QUINQUENAL. DECRETO 20.910/32. REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA RESP 1.251.993/PR. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1.
A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp. 1.251.993/PR, submetido ao rito do art. 543-C do CPC, assentou que o prazo de prescriçãoquinquenal, previsto no Decreto nº 20.910/32, aplica-se às ações indenizatórias ajuizadas contra a Fazenda Pública, em detrimento do prazo trienal contido do Código Civil de 2002
. a4. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. ..EMEN: (AGARESP 201302893979, MARGA TESSLER (JUÍZA FEDERAL CONVOCADA DO TRF 4ª REGIÃO), STJ - PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:12/03/2015 ..DTPB:.)
O prazo de 05 anos também prevalece sobre aquele preconizado no art. 206, §2º, do Código Civil:
"
Prescreve: § 2º Em dois anos, a pretensão para haver prestações alimentares, a partir da data em que se vencerem
.
"
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE COBRANÇA PROPOSTA POR SERVIDORES PÚBLICOS.. VERBA DENOMINADA 'ETAPA ALIMENTAÇÃO'. PRESCRIÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. PRAZO DE CINCO ANOS. ART. 1º DO DECRETO. 20.910/1932. INAPLICABILIDADE DOS ARTS. 206, § 3º, DO CÓDIGO CIVIL E 10 DO DECRETO 20.910/32. 1. O entendimento do STJ é no sentido de que a prescrição quinquenal prevista no art. 1º. do Decreto 20.910/1932 deve ser aplicada a todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda Pública, seja ela federal, estadual ou municipal, independentemente da natureza da relação jurídica estabelecida entre a Administração Pública e o particular. 2. Não incide, portanto, a prescrição bienal do art. 206, § 2º, do CC de 2002, uma vez que o conceito jurídico de prestação alimentar nele previsto não se confunde com o de verbas remuneratórias de natureza alimentar. O Código Civil de 2002 faz referência às prestações alimentares de natureza civil e privada, incompatíveis com as percebidas em relação de Direito Público. Inexiste, no caso, norma específica mais benéfica a ensejar a incidência do art. 10 do Decreto 20.910/32. 3. Agravo Regimental não provido. ..EMEN: (AGARESP 201200734389, HERMAN BENJAMIN, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:27/08/2012 ..DTPB:.)
O Min. Herman Benjamin enfatizou, naquela ocasião, que
"se mostra inaplicável, no caso dos autos, a prescrição bienal do art. 206, §2º, Código Civil, uma vez que o conceito jurídico de prestações alimentares nele previsto não se confunde com o de verbas remuneratórias de natureza alimentar. O Código Civil de 2002 faz referência às prestações alimentares de natureza civil e privada, incompatíveis com as percebidas em relação de direito público.
Não há, no caso, norma específica mais benéfica a ensejar a incidência do art. 10 do Decreto 20.910/1932
."
(Agravo no REsp n. 164.513/MS).
2.31. Prescrição de fundo de direito:
Vale a pena atentar, uma vez mais, para a lição de Elody Nassar:
"
A denominada prescrição do fundo de direito tem suporte legal no disposto no art. 1. do Decreto n. 20.910/1932, que dispõe sobre a prescrição das ações contra a Fazenda Pública
(...). Para efeito da compreensão da expressão 'fundo de direito' deve ser observado o marco inicial, ou seja, o momento a partir do qual inicia-se o prazo prescricional. Esse marco inicial é contado a partir da consolidação de uma situação jurídica fundamental que estabelece um ponto ceto e delimitado para a eventual impugnação de um ato lesivo de direito. Essa situação jurídica fundamental, no dizer da mais renomada doutrina, importa em ato único do qual derivam os subsequentes e que, portanto, se torna definitivo se não impugnado em tempo hábil, juntamente com todos os seus efeitos. Destaca-se aqui a existência da teoria estatutária da função pública, distinguindo a prescrição que atinge o fundo de direito (art. 1 do Decreto 20910) da prescrição das prestações sucessivas ou vincendas (art. 3º do mesmo diploma legal). Dessa teoria decorre a exegese de que, enquanto existente o vínculo entre servidor e Poder Público, são imprescritíveis os direitos dele decorrentes, sendo atingidos pela prescrição, tão-somente, alguns de seus efeitos."
(NASSAR, Elody.
Obra citada.
p. 273).
Segundo antiga jurisprudência da Suprema Corte,
"
Quando existe um ato ou fato que ofenda de modo geral, permanente, definitivo, o direito do autor, como a demissão, a preterição no acesso, o cancelamento de pensão, a tomada de coisas sem as formalidades legais, o lapso prescricional corre da data do ato ou do fato
. Quando, porém, a prestação periódica não for paga (vencimentos, juros de apólices, pensões, aluguéis de imóveis etc.), por negligência do credor, por falta de verba orçamentária, ou ainda em consequência de dificuldade burocrática, o prazo é contado da data em que cada prestação for exigível"
(STF, 1ª Turma, 28.08.1969, RT 416/426, citado por CAHALI, Yousse Said.
Prescrição
e decadência.
3. tiragem. São Paulo: RT. 2008. p. 303).
Em período mais recente, o Min. Cézar Peluso sustentou que
"São discerníveis, no plano teórico dos direitos subjetivos funcionais a que correspondem obrigações administrativas, de um lado, a própria relação jurídica estatutária e todas as determinações que, segundo as modalidades legais, é ela capaz de assumir em termos de situações jurídicas do servidor, como as decorrentes de promoção, acesso, reenquadramento, reclassificação, decurso de tempo, desempenho de funções ou serviços especiais, aposentadoria etc. (a), e, de outro, as consequências pecuniárias (b). Perante ambas (a e b), é possível cogitar de direitos à prestação obrigacional, cuja violação desencadeie pretensão sujeita a lapso prescritivo, no sentido de que, realizado o suporte fático, pode o funcionário exigir prestação administrativa, que tenha por objeto o próprio vínculo estatutário, ou uma das muitas situações configuráveis no lado dinâmico do mesmo vínculo, ou ainda só os seus efeitos pecuniários."
(PELUSO, Cézar
apud
CAHALI.
Obra cit.
p. 304).
Cahali sustenta, na sequência, que
"consideradas do ângulo de suas repercussões de caráter financeiro (b), a relação estatutária e suas situações jurídicas (a) são fonte objetiva do direito do servidor de receber as prestações correlatas. Desse ponto de vista, os diretos incidentes sobre a relação jurídico-funcional e cada uma das situações jurídico-subjetivas em que ela se desdobra podem, sem grande impropriedade técnica, chamar-se direitos originantes, e os direitos irradiados às respectivas consequências econômicas, direitos originados. É aos primeiros que a jurisprudência costuma referir-se sobre a expressão 'fundo de direito', a qual se reconhece 'usada para significar o direito de ser o funcionário (situação jurídica fundamental) ou os direitos que se admitem com relação a essa situação jurídica fundamental, como reclassificações, reenquadramentos, direito a adicionais por tempo de serviço, direito à gratificação por prestação de serviço de natureza especial. Os conceitos assim enunciados definem as hipóteses de prescrição do
fundo de direito
(art. 1º), envolvendo os direitos originantes, e de prescrição das prestações vencidas (art. 3º), que diz respeito aos direitos originados."
(CAHALI, Yousse Said.
Obra citada.
p. 304-305).
Isso significa que, em princípio, sempre que determinado pleito é indeferido pela Administração Pública, o interessado possui o prazo de até 05 anos para deflagrar a pertinente demanda judicial, salvo eventuais hipóteses de interrupção do cômputo do prazo, observado, em qualquer caso, o entendimento consagrado com a súmula 383, STF, já transcrita acima.
2.32.
Diferença entre suspensão
e
interrupção da prescrição:
Quanto à distinção entre suspensão e interrupção da prescrição, reporto-me à lição de Elody Nassar:
"
Chama-se suspensão a circunstância especial, em vista da qual a lei paralisa a fluência do prazo prescricional. As causas suspensivas da prescrição são as que, temporariamente, paralisam o seu curso; superado o fato suspensivo, a prescrição continua a correr, computado o tempo decorrido antes dele
.
Denomina-se interrupção a ocorrência de um fato hábil a destruir o efeito do tempo já decorrido, com a anulação da prescrição já iniciada. As causas interruptivas da prescrição são as que inutilizam a prescrição iniciada, de modo que o seu prazo recomeça a correr da data do fato que a interrompeu ou do último ato do processo que a interromper (CC, art. 202, parágrafo único)." (NASSAR, Elody.
Obra citada.
p. 156-157)
Dado que o instituto tem por fundamento que o Direito não tutela quem permanece inerente na defesa dos seus interesses (
Dormientibus non sucurrit jus
), a prescrição apenas pode ser oposta a quem podia efetivamente agir. E isso pressupõe, por certo, que o atingido tenha conhecimento da agressão às suas pretensões, na forma do art. 189, Código Civil.
Em regra, no curso do processo administrativo o cômputo da prescrição resta suspenso, por força do art. 4º do decreto 20.910/32:
"Não corre a prescrição durante a demora que, no estudo, ao reconhecimento ou no pagamento da dívida, considerada líquida, tiverem as repartições ou funcionários encarregados de estudar e apurá-la."
O cômputo da prescrição também resta suspenso nas hipóteses do art. 200, Código Civil/2002:
"Quando a ação se originar de fato que deva ser apurado no juízo criminal, não correrá a prescrição antes da respectiva sentença definitiva."
2.33.
Prescrição
- situação em exame:
No caso, o prazo prescricional oponível ao INSS é de 05 anos, contados da data em que a parte tenha tomado conhecimento da alegada violação aos seus interesses - art. 1. do decreto 20.910/32 e postulado da
actio nata.
No que toca ao Banco, o prazo é de 5 anos, por conta do art. 27 da lei n. 8.078/1990 - código de defesa do consumidor.
No curso de eventual processo administrativo, o cômputo da prescrição resta suspenso, como registrei acima. No caso, portanto, aludidos prazos não se esgotaram, considderando a data em que, segundo a peça iniciail, o autor teria tomado conhecimento da alegada ocorrência de descontos indevidos na sua prestação previdenciária.
Logo, não se operou a prescrição da sua pretensão.
2.34. Eventual
decadência
do direito invocado na inicial:
O instituto da decadência é aplicável quando em causa cogitados direitos potestativos (direitos formativos geradores, na expressão de Pontes de Miranda). Ou seja, direitos que podem ser exercidos sem prévia aquiescência da contraparte, a exemplo do direito do Fisco promover o lançamento fiscal de revisão (art. 150, §4, CTN), direito à anulação de casamento, direito à demissão de empregados sem justa causa, direito à desistência de compra promovida pela internet etc. Em todos esses casos, sempre que a legislação houver fixado prazo para seu exercício, tratar-se-á de lapso decadencial.
Pode-se cogitar de decadência, por conta do eventual decurso do prazo previsto no art. 26, II, §1º, CDC/1990:
"O direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em: (...) II -
noventa dias
, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos duráveis. §1°
Inicia-se a contagem do prazo decadencial a partir da entrega efetiva do produto ou do término da execução dos serviços
."
A respeito do tema, os Tribunais têm decidido como segue:
"Para a solução da questão é necessário conceituar o defeito que macula os serviços ora discutidos. Se estivermos diante da hipótese de responsabilidade por fato do serviço (art. 14, do CDC), o prazo prescricional a ser aplicado é o do art. 27 dessa lei, de cinco anos. Se estivermos diante de responsabilidade por vício do produto (art. 18, do CDC) o prazo será decadencial, disciplinado no art. 26.
Esta Terceira Turma, em precedente de minha relatoria, já teve a oportunidade de se posicionar no sentido de que, nas hipóteses de inadimplemento absoluto, não se estaria no âmbito do art. 18 (e, conseqüentemente, do art. 26 do CDC), mas no âmbito do art. 14, que, quanto à prescrição, leva à aplicação do art. 27, com prazo de cinco anos para o exercício da pretensão do consumidor. Isso se deu por ocasião do julgamento do REsp nº 278.893/DF (DJ de 4/11/2002), assim ementado:
Recurso Especial. Civil. "Pacote turístico". Inexecução dos serviços contratados. Danos materiais e morais. Indenização. Art. 26, I, do CDC. Direto à reclamação. Decadência. -
O prazo estatuído no art. 26, I, do CDC, é inaplicável à espécie, porquanto a pretensão indenizatória não está fundada na responsabilidade por vícios de qualidade do serviço prestado, mas na responsabilidade contratual decorrente de inadimplemento absoluto, evidenciado pela não-prestação do serviço que fora avençado no "pacote turístico
". (STJ, Resp, rel. Min. Nancy Andrighi, julgamento unânime por não conhecer do Recurso Especial) (...)
Além disso, o acórdão recorrido reconheceu a existência de dano moral causado pela conduta das requerentes. Na esteira do precedente formado a partir do julgamento do REsp nº 722.510/RS (de minha relatoria, DJ de 1/2/2006), nas hipóteses em que "
o vício não causa dano, correrá para o consumidor o prazo decadencial, para que proceda a reclamação, previsto neste artigo 26. No entanto, vindo a causar dano, ou seja, concretizando-se a hipótese do artigo 12, deste mesmo Código, deve-se ter em mente o prazo qüinqüenal, disposto no art. 27, sempre que se quiser pleitear indenização
" (Arruda Alvim, Código do Consumidor Comentado. 2ª ed., São Paulo: RT, 1995, pp. 172/173).
(STJ, REsp n.º 773.994/MG, Rel. Ministra Nancy Andrighi, em 22/05/2007)
Como têm deliberado o TRF4,
"O prazo de 90 dias estatuído no art. 26, II, § 1º, do CDC, não se subsume ao caso vertente, em que não se está a tratar de reclamação quanto a um vício aparente na prestação de serviços, mas do alegado direito da parte autora de obter o diploma pelo curso que prestou, assim como a reparação civil pela impossibilidade de obtê-lo."
(TRF-4 - AC: 50147831220144047003 PR, Relatora: VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, Data de Julgamento: 30/10/2019, QUARTA TURMA)
Em primeiro exame, o aventado direito, alegado pela parte autora, não restou atingido pela caducidade
.
2.35. Quanto à aplicação do regime consumerista:
Com a publicação do CDC, inaugurou-se uma conhecida polêmica sobre o alcance das suas disposições. Grosso modo, as opiniões distribuíram-se em duas grandes correntes: os finalistas e os maximalistas.
Os finalistas amparam-se sobremodo na regra do art. 2º da lei 8078/1990:
"
Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final
."
Logo, em princípio, o CDC apenas tutelaria aquelas relações em que o serviço fosse prestado ou o bem fosse fornecido ao destinatário último, sem subsequentes repasses.
Essa orientação foi compartilhada, ao que se sabe, pelos principais idealizadores do projeto que eclodiu no código consumerista brasileiro: Ada Pellegrini Grinover, Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin e outros.
Já a orientação maximalista promove uma leitura ampla do conceito de consumidor, destacando que a lei 8078 não tutelaria apenas o destinatário final de bens e serviços, sendo oponível também às relações entre empresas e até mesmo a órgãos públicos (amparando-se, nesse caso, na regra do art. 22, CDC). Essa orientação parece ser compartilhada por Rizzato Nunes, por exemplo (conforme o seu
Curso de direito do consumidor.
São Paulo: Saraiva, 2004).
Com esse pano de fundo, inúmeras discussões foram promovidas ao longo desses anos de vigência da lei 8078. Ao que releva, o CDC se aplica a entidades da Administração Pública, quando em causa serviços remunerados mediante preços públicos (art. 22, CDC).
DANO MORAL. DANO MATERIAL. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. ERRO NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. PERDA DE PRAZO PROCESSUAL. APLICAÇÃO DO CDC. 1. Entrega de correspondência para o destinatário errado, causando demora na entrega ao endereço correto e conseqüente perda de prazo processual. 2. Cabível dano material e dano moral. 3.
Aplicação do Código de Defesa do Consumidor, pois demonstrado a relação de consumo entre a ECT e o apelado
. 4. Recurso a que se nega provimento.(AC 200071050018995, JOEL ILAN PACIORNIK, TRF4 - QUARTA TURMA, DJ 25/09/2002 PÁGINA: 704.)
CIVIL. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS - ECT. CONTRATO DE TRANSPORTE DE ENCOMENDA SEM DECLARAÇÃO DE VALOR. EXTRAVIO DE MERCADORIA. VALOR DA INDENIZAÇÃO.1.
Qualifica-se como de consumo a relação jurídica contratual de transporte de encomendas. Precedente do STJ
. 2. É do fornecedor o ônus de provar claramente as condições contratuais particularmente em relação à opção de informar ou não o valor da mercadoria e o custo do serviço para o fim de indenização em caso de extravio segundo o valor exato da mercadoria transportada.3. Não é aceitável o fornecedor simplesmente alegar que o consumidor não declarou o valor para indenizar o prejuízo de acordo com critério unilateral.4. Apelação provida. (AC 00626681319984010000, JUIZ FEDERAL WILSON ALVES DE SOUZA (CONV.), TRF1 - TERCEIRA TURMA SUPLEMENTAR (INATIVA), DJ DATA:23/06/2005 PAGINA:81.)
D'outro tanto, em princípio, pessoas jurídicas também podem ser qualificadas como consumidoras, para fins de aplicação da lei 8.078/1990, desde que não esteja em causa a aquisição de matéria prima para seus processos produtivos.
RECURSO ESPECIAL. FORNECIMENTO DE ÁGUA. CONSUMIDOR. DESTINATÁRIO FINAL. RELAÇÃO DE CONSUMO. DEVOLUÇÃO EM DOBRO DOS VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE. APLICAÇÃO DOS ARTIGOS 2º E 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 8.078/90.I - "
O conceito de "destinatário final", do Código de Defesa do Consumidor, alcança a empresa ou o profissional que adquire bens ou serviços e os utiliza em benefício próprio
" (AgRg no Ag nº807159/SP, Rel. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, DJ de 25/10/2008).II - No caso em exame, a recorrente enquadra-se em tal conceituação,visto ser empresa prestadora de serviços médico-hospitalares, que utiliza a água para a manutenção predial e o desenvolvimento de suas atividades, ou seja, seu consumo é em benefício próprio.III - A empresa por ser destinatária final do fornecimento de água e, portanto, por se enquadrar no conceito de consumidora, mantém coma recorrida relação de consumo, o que torna aplicável o disposto no artigo 42, parágrafo único, da Lei 8.078/90. IV - Recurso especial conhecido e provido...EMEN: (RESP 200800133166, FRANCISCO FALCÃO, STJ - PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:30/04/2008..DTPB:.)
Quanto à aplicação do CDC, quando se trate da prestação de serviços por empresas públicas, remunerados mediante preços públicos/tarifas, convém atentar para o art. 22, CDC:
"
Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos
. Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código."
Atente-se ainda para os seguintes julgados:
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. CORREIOS. CARTA REGISTRADA. EXTRAVIO. DANOS MORAIS. IN RE IPSA. 1. As empresas públicas prestadoras de serviços públicos submetem- se ao regime de responsabilidade civil objetiva, previsto no art. 37, § 6º, da Constituição Federal e nos arts. 14 e 22 do Código de Defesa do Consumidor. 2. No caso, a contratação de serviços postais oferecidos pelos Correios, por meio de tarifa especial, para envio de carta registrada, que permite o posterior rastreamento pelo próprio órgão de postagem revela a existência de contrato de consumo, devendo a fornecedora responder objetivamente ao cliente por danos morais advindos da falha do serviço quando não comprovada a efetiva entrega. 3. É incontroverso que o embargado sofreu danos morais decorrentes do extravio de sua correspondência, motivo pelo qual o montante indenizatório fixado em R$ 1.000,00 (mil reais) pelas instâncias ordinárias foi mantido pelo acórdão proferido pela Quarta Turma, porquanto razoável, sob pena de enriquecimento sem causa. 4. Embargos de divergência não providos. ..EMEN:
(ERESP 201303279910, RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, STJ - SEGUNDA SEÇÃO, DJE DATA:24/02/2015 ..DTPB:.)
DANO MORAL. DANO MATERIAL. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. ERRO NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. PERDA DE PRAZO PROCESSUAL. APLICAÇÃO DO CDC. 1. Entrega de correspondência para o destinatário errado, causando demora na entrega ao endereço correto e conseqüente perda de prazo processual. 2. Cabível dano material e dano moral. 3. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor, pois demonstrado a relação de consumo entre a ECT e o apelado. 4. Recurso a que se nega provimento.
(AC 200071050018995, JOEL ILAN PACIORNIK, TRF4 - QUARTA TURMA, DJ 25/09/2002 PÁGINA: 704.)
De sua parte, Justen Filho enfatiza a dificuldade, não raro, de se conjugar o regime jurídico público - próprio das concessões ou de empresas públicas - com a aplicação da lógica do Código de Defesa do Consumidor:
"Ocorre que nem sempre é possível conciliar o regime de direito público com aquele do direito do consumidor. A cumulação dos mecanismos de serviço público e de direito do consumidor provoca um conflito de competências e de regime jurídico, cuja solução deve ser realizada com cautela.
Um exemplo permite compreender de imediato o problema. Segundo o direito do consumidor, é obrigatório o empresário manter a oferta realizada nas condições originais. Já no âmbito do serviço público, a mutabilidade é da sua inerência. Suponha-se, portanto, o caso da telefonia fixa. Imagine-se que o concessionário estabeleça relação jurídica com o usuário, orientando-se por determinada regulação do poder concedente. Se houver necessidade e conveniência, o poder concedente alterará as regras pertinentes, com reflexos na situação jurídica do usuário. Em face do regime de Direito Administrativo, o usuário não poderia invocar direito adquirido à manutenção de regime jurídico. Mas sua pretensões poderia encontrar respaldo no regime característico do direito do consumidor.
Não seria excessivo afirmar que a concepção do serviço público defere ao poder concedente a função de tutelar e defender o interesse coletivo (aí abrangido também o interesse do usuário). Já o direito do consumidor assegura ao próprio consumidor e às entidades da sociedade a função de sua defesa (sem que isso exclua a intervenção de órgãos estatais)
.
É fundamental tomar em vista, então, que a aplicação das normas do direito do consumidor não pode fazer-se em face do serviço público com idêntica extensão aplicável no caso de relações puramente privadas, relacionadas com a exploração de atividade econômica em sentido restrito." (JUSTEN FILHO, Marçal.
Teoria geral das
concessões
de serviço público.
São Paulo: Dialética, 2003, p. 557-558)
De outro norte, consolidou-se a orientação jurisprudencial que reconhece a sua plena aplicação no âmbito dos contratos bancários, desde que pactuados depois de 1990. Ora, essa solução é alvo de duas conhecidas súmulas do STJ:
Súmula 297 - O Código de Defesa do consumidor é aplicável às instituições financeiras. Súmula 285 -
Nos contratos bancários posteriores ao Código de Defesa do consumidor incide a multa moratória nele prevista.
A Suprema Corte reconheceu, ademais, a plena aplicação do CDC às relações estabelecidas entre os bancos e seus clientes, nessa condição, conforme se infere da ADIn 2591/DF, relatada pelo Min. Carlos Velloso. Tudo conjugado, o CDC aplica-se ao caso vertente, no que diz respeito à relação entre o demandante e o banco requerido.
Solução semelhante não pode ser dispensada, contudo, à relação entre o autor e o INSS,
eis que submetida aos ditames do direito administrativo, não se tratando de vínculo consumerista.
Com efeito, na espécie, o vínculo com o INSS não deu ensejo ao pagamento de preços públicos ou tarifas -- ao contrário do que ocorre com o uso de rodovias pedagiadas, ou pagamento do fornecimento de água e energia elétrica.
Não se aplica ao caso o art. 22, CDC
, quanto à relação travada entre o(a) autor(a) e a autarquia. Aplica-se quanto à relação mantida com o banco.
2.36. Efeitos da aplicação parcial do CDC ao caso:
Dada a aplicação do CDC, no que toca à relação entre a autora e o banco demandado, isso implica o reconhecimento de um conjunto de garantias asseguradas ao consumidor, conforme arts. 4º, 39 e 51 da lei 8078/1990.
Destaco, nesse âmbito, o dever de atuar com boa-fé (e o correspondente respeito à boa-fé objetiva), preconizado no art. 4º, III, CDC. Como diz Rizzatto Nunes,
"a boa-fé objetiva, que é a que está presente no Código de
defesa do consumidor
, pode ser definida, grosso modo, como sendo uma regra de conduta, isto é, o dever das partes de agir conforme certos parâmetros de honestidade e lealdade, a fim de se estabelecer o equilíbrio nas relações de consumo (...) Assim, quando se fala em boa-fé objetiva, pensa-se em comportamento fiel, leal, na atuação de cada uma das partes contratantes a fim de garantir respeito à outra."
(RIZZATTO NUNES
apud
EFING, Antônio Carlos.
Contratos e procedimentos bancários à luz do Código de defesa do consumidor.
2. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: RT, 2012, p. 87).
Esse dever de respeito à boa-fé também foi preconizado pelo art. 422, Código Civil:
"Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé."
Vale a pena atentar para a lição de Antônio Carlos Efing:
"A boa-fé, assim, possui no macrossistema de direito civil, e, consequentemente no microssistema do direito do consumidor, uma séria de efeitos, seja como um princípio de função interpretativa, seja como cláusula geral geradora de deveres anexos e critério de constatação de exercício abusivo de um direito ou de uma cláusula abusiva. Como bem sintetiza Cláudia Lima Marques, 'o princípio da boa-fé objetiva na formação e na execução das obrigações possui muitas funções na nova teoria contratual: (a) como fonte de novos deveres especiais de conduta na nova teoria contratual; (b) como causa limitadora do exercício, antes lícito, hoje abusivo, dos direitos subjetivos, e (c) na concreção e interpretação dos contratos." (EFING, Antônio Carlos.
Obra citada.
p. 90).
De outro tanto, a incidência do CDC implica o dever, por parte do fornecedor, de disponibilizar ao consumidor informação adequada e clara sobre os diferentes serviços e produtos, com especificação correta da quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço (art. 6º, III, CDC c/ redação veiculada pela lei 12.741/2012).
Esses são alguns dos efeitos decorrentes da aplicação do CDC, quanto ao vínculo entre o requerente e o banco requerido.
2.37. Eficácia vinculante dos contratos:
O contrato é manifestação da autonomia da vontade. Em regra, desde que a vontade seja exteriorizada sem vícios (dolo, coação, vício redibitório etc.), ele vincula as partes, obrigando-as ao cumprimento das cláusulas avençadas. É fato que essa concepção liberal do contrato tem sido esmaecida, dada a sua progressiva funcionalização. Importa dizer: a legislação atual também exige, para exame da validade do contrato, que os seus resultados sejam tidos em conta (p.ex., a vedação da onerosidade excessiva, conforme arts. 39 e 51,
CDC
e arts. 478/480, CC).
Logo, em determinados casos, esse caráter vinculante dos contratos resta mitigado, frente à constatação de que muitos pactos são celebrados por adesão (contratos formulário), a existência de contratos cativos, superendividamento de muitos consumidores, propaganda abusiva etc. Assim, não se desconhece que o Direito pátrio esposou, de certa forma, a teoria das bases objetivas do contrato, desenvolvida por Karl Larenz em solo alemão:
"Pela base objetiva do negócio tem de se entender o conjunto de circunstâncias e estado geral de coisas cuja existência ou subsistência é objetivamente necessária para que o contrato, segundo o significado das intenções de ambos os contratantes, possa subsistir como regulação dotada de sentido.
A base do negócio objetivo tem desaparecido: a) quando a relação de equivalência entre prestação e contraprestação pressuposta no contrato se tem destruído em tal medida que não pode falar-se racionalmente de uma contraprestação (destruição da relação de equivalência); b) quando a comum finalidade objetiva do contrato, expressada em seu conteúdo, tenha resultado definitivamente inalcançável, ainda quando a prestação do devedor seja, todavia, possível (frustração da finalidade).
Nos casos de destruição da relação de equivalência (IX, a), a parte prejudicada, no caso de não haver realizado a prestação, pode negar-se a fazê-lo contanto que a outra parte não consinta um adequado aumento da contraprestação que restaure a equivalência. Se se rechaça este aumento terminantemente
, a parte prejudicada pode resolver ou, em caso de uma prestação de larga duração já iniciada, denunciar imediatamente o contrato. Se tem realizado sua prestação pode, quando não se admita um adequado aumento posterior da contraprestação, reclamar uma indenização pelo valor do enriquecimento da outra parte.
Nos casos de frustração da finalidade (IX, b), o credor da prestação que resultou inútil pode recusá-la e negar-se a realizar sua contraprestação desde que suporte os gastos que a outra parte tenha realizado para a preparação e execução do contrato e que podiam considerar-se indispensáveis" (LARENZ, Karl.
Base del negócio jurídico y cumplimiento de los contratos.
Tradução do alemão para o espanhol por Carlos Fernándes Rodrigues. Granada: Editorial Comares, 2.002, pp. 211-212. Traduzi).
Reporto-me, a respeito do tema, ao seguinte julgado:
"
Não se perquire mais, como na teoria da Imprevisão, sobre a previsibilidade do fato econômico superveniente. E nem se deveria
. Com efeito, o fato pode ser até previsível, mas não é esperado, porque se esperado fosse, nem o Banco emprestaria o dinheiro e nem o tomador assumiria um compromisso que não pode arcar. Logo, o fato previsível, mas não esperado, situa-se na área do risco inerente a qualquer atividade negocial."
(TJRS, apelação cível de autos 193051083, quarta câmara cível, relator desembargador Márcio de Oliveira Puggina, julgado em 24 de junho de 1994)
Ademais, a legislação consumerista determina a revisão parcial dos contratos, atingindo-se apenas as cláusulas eventualmente viciadas, mas preservando seus demais termos (art. 51, §2º, CDC).
Em que pese tudo isso, é fato, porém, que o contrato não pode ser simplesmente desconsiderado pelo Judiciário. Ele ainda é instituto fundamental para a economia, permitindo o fluxo de bens e o planejamento individual. Logo, conquanto seja certo que o contrato não pode ser suposto como algo inexorável, igualmente certo que tampouco pode ser simplesmente abstraído, como se fosse destituído de qualquer eficácia obrigacional. Tanto por isso, a revisão contratual deve ser promovida com cautelas. Deve-se conjugar a preservação dos direitos fundamentais - cláusulas de ordem pública veiculadas na lei 8078/1990 -, com o reconhecimento da força vinculante dos pactos.
Por sinal, eventuais dificuldades financeiras, caso suportadas pelo devedor, não justificam, por si, o reconhecimento de onerosidade excessiva. Pode-se cogitar de eventual aplicação da teoria da lesão contratual, mas desde que preenchidos os rigorosos requisitos do art. 157, CC.
"A desproporção manifesta é sempre referida à prestação considerada objetivamente, e não à situação subjetiva na qual se encontra o devedor cujas dívidas derivadas de outras relações obrigacionais tenham, por hipótese, aumentado."
(COSTA, Judith Martins.
Comentários ao novo código civil.
Do direito das obrigações. Do adimplemento e da extinção das obrigações. Arts. 304 a 388.
Volume V, tomo I, 2. ed. RJ: Forense, 2003, p. 305).
2.38. Funcionalização dos pactos:
Mencionei acima que, por muito tempo, vigorou a premissa de que um contrato apenas poderia ser invalidado por conta de vícios na sua celebração, diante da eventual ocorrência de dolo, erro, coação, vício redibitório, teoria da lesão e assim por diante.
Em período mais recente, porém, os resultados dos contratos têm sido tomados em conta para se aferir a sua validade. Com efeito, o Código de Defesa do Consumidor passou a vedar a celebração de contratos extremamente onerosos, em cujo âmbito haja significativa desproporção entre prestações e contraprestações (arts. 39 e 51, CDC). Solução semelhante foi verbalizada pelo Código Civil/2002, arts. 478 a 480.
Ademais, o Estado passou a regulamentar determinados contratos, reconhecendo que não se limitariam à convergência de interesses individuais, servindo, isso sim, como mecanismos de intervenção nas relações privadas, em prol de interesses públicos, como ocorre com contratos educacionais, contratos de prestação de serviços de saúde, contratos de seguro, contratos de locação e assim por diante. Ou seja, isso se traduz em ingerência estatal nos pactos, concebidos como instrumentos para obtenção de determinados vetores públicos.
Isso sse traduz na funcionalização dos pactos.
2.39. Interpretação de contratos de adesão:
Diante do já exposto, vê-se que o instituto jurídico do contrato tem sido funcionalizado, em tempo mais recente. Isso significa que ele deve atender a interesses sociais relevantes, viabilizando-se um controle do seu conteúdo quanto às cláusulas abusivas, manifestamente desproporcionais. O tema é bem exemplificado pela ingerência estatal em contratos de locação, contratos educacionais etc.
Ao mesmo tempo, porém, o sistema continua a viabilizar a revisão e anulação de pactos, sempre que comprovado que, por época da sua celebração, a vontade não teria sido manifestada de modo livre, como se infere dos conhecidos institutos do dolo, coação, vício redibitório e teoria da lesão (arts. 138, 145, 151 e 157, Código Civil/2002).
Note-se, todavia, que o contrato não pode ser presumido como inválido tão somente por ter sido lavrado em um formulário padronizado (contrato de adesão). Afinal de contas, tais instrumentos são indispensáveis para o comércio jurídico contemporâneo.
Contudo, havendo cláusulas ambíguas, a lei determina que sejam interpretadas de modo mais favorável ao aderente, conforme art. 423, Código Civil:
"Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente."
Outra ressalva importante é ditada pelo art. 424, CC/2002:
"
Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio
."
De outro tanto, registro que a súmula nº 381 do STJ preconiza que "
nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas
.
" Na espécie, todavia, referida norma é suavizada por força da designação do defensor dativo para atuar no caso.
2.40. Eventuais
novações
contratuais:
Anoto também que eventual novação contratual não impede, por si, a revisão de todo o período de dívida, desde que o tema seja alvo de pedido expresso e fundamentado na peça inicial (art. 141, novo CPC), apontando-se qual o pretenso vício (p.ex., vício redibitório, aplicação da teoria da lesão contratual, presença de dolo, coação, onerosidade excessiva etc.).
Atente-se para a conhecida súmula 286, STJ:
"
A renegociação de contrato bancário ou a confissão da dívida não impede a possibilidade de discussão sobre eventuais ilegalidades dos contratos anteriores
."
2.41. Exceção de contrato não cumprido:
Cuidando-se de contrato sinalagmático,
"nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro.
" (art. 476, Código Civil/2002). Cuida-se de simples projeção do postulado
non venire contra factum proprium,
dado que ninguém pode exigir aquilo que não está disposto a cumprir. Quem inadimpliu o contrato tampouco pode exigir que o outro contratante cumpra suas obrigações, como cediço.
Explicita Maria Helena Diniz que
"A exceptio non adimpleti contractus é a cláusula resolutiva tácita que se prende ao contrato bilateral.
Isto é assim porque o contrato bilateral requer que as duas prestações sejam cumpridas simultaneamente, de forma que nenhum dos contratantes poderá, antes de cumprir suas obrigações, exigir o implemento das do outro
. (...) Pelo enunciado n. 24, aprovado na 1. Jornada de direito comercial, os contratos empresariais coligados, concretamente formados por unidade de interesses econômicos, permitem a arguição da exceção de contrato não cumprido, salvo quando a obrigação inadimplida for de escassa importância."
(DINIZ, Maria Helena.
Código civil anotado.
17. ed. São Paulo: Saraiva. 2014. p. 450). Por conseguinte, também nesse âmbito, deve-se aferir se houve adimplemento substancial.
2.42. Eventual
simulacro
de negociação:
O emprego de falsidade ideológica, de falsidade documental documental, de estelionato - crimes tipificados nos arts. 299, 296, 297, 304, 171, Código Penal, dentre outros - implica a existência de um substrato documental inidôneo para dar ensejo à constituição de vínculos contratuais, envolvendo as pessoas atingidas pela fraude.
Assim, por óbvio, quando alguém prega documentos alheios para obter um financiamento fraudulento - crime tipificado no art. 19 da lei n. 7.492/1986 -, isso implica a própria ausência de contrato, quanto à pessoa atingida pelo financiamento
. Os fraudador devem ser alvo de responsabilização criminal e cível - nesse último caso, responsabilização extracontratual.
Releva enfatizar, portanto, esse tópico: a inautenticidade das assinaturas atribuídas à contraparte, em um instrumento contratual escrito
implica a própria ausência do pacto
. A falsidade ideológica empregada em um contrato meramente verbalizado surte efeito semelhante.
2.43. Eventual invalidade da celebração do acordo:
Note-se que eventual falsidade na avença - a exemplo da contrafação da assinatura do pretenso contratante - implica a ausência de vínculo contratual, não devendo surtir efeitos jurídicos
.
Algo um tanto distinto ocorre quando há vícios na manifestação da vontade, a exemplo do que ocorre nos casos de erro (art. 138, Código Civil), dolo (art. 145, CC), coação (art. 151, CC), teoria da lesão (art. 157, CC), vício redibitório (art. 441, Código Civil), dentre outros.
Em tais casos, o contratante não toma adequado conhecimento do objeto da negociação; ou, mesmo quando toma, não chega a atuar com liberdade suficiente para se comprometer ao cumprimento das obrigações previstas (como ocorre nos casos de coação e teoria da lesão). Demonstrado isso, o pacto pode ser invalidado, apurando-se a proporcionalidade do vício em face do objeto contratual (p.ex., art. 157, §2, Código Civil/2002).
2.44.
Contrato de
mútuo
feneratício:
Sabe-se que o empréstimo é um contrato em regra unilateral, gratuito, real e personalíssimo em que uma das partes recebe, para usar ou consumir, uma coisa que, depois de certo tempo, deve restituir ou – no caso de ser fungível o objeto – restituir por outra do mesmo gênero, quantidade e qualidade. Sua função econômica está em propiciar, para aquele que não é dono do que necessita, o uso (em regra, mas também a fruição, excepcionalmente) do que lhe pode ser disponibilizado, para a finalidade almejada. As modalidades de empréstimo são o comodato e o mútuo.
O comodato é o empréstimo de bens infungíveis. Nesse contrato, não há transmissão da propriedade do objeto emprestado, devendo-se o comodatário restituir ao comodante - ou seja, o proprietário do bem - exatamente a mesma coisa emprestada, devidamente preservada. Caso não a restitua, por dolo, pode responder por apropriação indébita - art. 168, Código Penal.
Já o mútuo cuida do empréstimo de bens fungíveis. Nesse caso, o objeto do contrato é consumido, em regra, pelo mutuário. Ao receber o objeto, ele se torna seu dono, ao tempo em que se torna devedor do mutuante. Fica obrigada a lhe entregar coisa do mesmo gênero, espécie, com eventuais juros remuneratórios, se pactuados (nesse caso, o mútuo será feneratício). O inadimplemento da obrigação não caracteriza apropriação indébita - dado que o mútuo transmite a propriedade por época da tradição (entrega) do objeto emprestado ao mutuário. Contudo, o mutuário poderá ser demandado, exigindo-se o pagamento do valor pertinente, com os juros remuneratórios, juros moratórios, correção monetária e eventuais multas, quando pactuados.
A diferença entre comodato e mútuo pode ser compreendida da seguinte forma. Se alguém empresta um veículo para uma empresa (comodato) e a empresa acaba falindo, pode requerer a restituição do bem específico, que lhe pertence, ainda que se encontre mantido indevidamente no pátio da massa falida
. Caso, porém, tenha emprestado dinheiro em espécie para essa mesma empresa (ou seja, bem fungível), não poderá requerer que lhe seja entregue a quantia específica - com mesmo número de série das notas emprestadas -, desde logo, ao argumento de ser sua tal quantia. Nesse caso, trata-se de crédito, oponível ao patrimônio da massa falida, devendo se habilitar em lista de credores.
Atente-se para os arts. 586 e 587, Código Civil/2002:
"O mútuo é o empréstimo de coisas fungíveis. O mutuário é obrigado a restituir ao mutuante o que dele recebeu em coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade.
Este empréstimo transfere o domínio da coisa emprestada ao mutuário, por cuja conta correm todos os riscos dela desde a tradição
."
Menciono ainda o que segue:
"
O contrato de mútuo é a modalidade de empréstimo prevista no art. 586 do CC/2002 e seguintes, e diferencia-se do comodato quanto à natureza da coisa em- prestada. Enquanto no comodato se dá o empréstimo de coisa não fungível para uso e posterior devolução (art. 579 do CC/2002 ), no mútuo se dá o empréstimo coisa fungível a fim de que seja consumida e posteriormente substituída por coisa de mesma espécie ou gênero, qualidade e quantidade. Assim dispõe o art. 586
: “Art. 586. O mútuo é o empréstimo de coisas fungíveis. O mutuário é obrigado a restituir ao mutuante o que dele recebeu em coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade”.
A fungibilidade de determinado bem é constatada no caso concreto, mas o Código Civil de 2002 oferece alguns critérios: “Art. 85. São fungíveis os móveis que podem substituir-se por outros da mesma espécie, qualidade e quantidade. Art. 86. São consumíveis os bens móveis cujo uso importa destruição imediata da própria substância, sendo também considerados tais os destinados à alienação”.
Nas palavras de Sérgio Covello: “Há mútuo, ou empréstimo de consumo, toda vez que uma parte entrega à outra certa quantidade de coisas fungíveis, que esta última fica autorizada a consumir, arcando com a obrigação de restituir no tempo avençado, não as mesmas coisas, mas em quantidade, gênero e qualidade equivalentes”. Ou, como define Maria Helena Diniz, “o mútuo é o contrato pelo qual um dos contraentes transfere a propriedade de bem fungível a outro, que se obriga a lhe restituir coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade (art. 586 do CC/2002 )”.
Conforme o art. 587 do CC/2002 , o mútuo é um contrato real, visto que somente se aperfeiçoa com a tradição da coisa fungível: “Art. 587. Este empréstimo transfere o domínio da coisa emprestada ao mutuário, por cuja conta correm todos os riscos dela desde a tradição”. A relação contratual, assim, somente se tem por formada com a transferência da propriedade do bem fungível, a fim de que seja consumido e, ao final, substituído por outro.
Sendo a tradição requisito para a formação do contrato de mútuo, a entrega da coisa fungível pelo mutuante (aquele que dá a coisa fungível em empréstimo) é apenas um ato de aperfeiçoamento do contrato, não uma obrigação. Como esclarece Carlos Roberto Gonçalves: “a traditio é, pois, requisito de constituição da relação contratual, sem a qual há apenas promessa de mutuar (pactum de mutuo dando), contrato preliminar que se não confunde com o próprio mútuo”. Uma vez aperfeiçoado o contrato pela tradição da coisa, ali se esgota a atuação do mutuante e, em regra, apenas o mutuário (aquele que toma a coisa em empréstimo) contrai obrigações, como a devolução de coisa de mesmo gênero, quantidade e qualidade. O mútuo também é, desta forma, um contrato unilateral." (
EFING, Antônio.
Contratos e procedimentos bancários à luz do código de defesa do consumidor
. SP: RT. 2015. item 5.4.)
2.45. Contrato de cartão de crédito
consignado:
Sabe-se, ademais, que o contrato de administração de cartão de crédito está orientado a facilitar as transações comerciais, antecipando-se renda futura. Com isso, os sujeitos podem parcelar suas compras, celebrar transações internacionais e consolidar pagamentos.
Como diz Efing,
"
Utilizado como uma forma de facilitar o funcionamento de operações de natureza comercial, o cartão de crédito encerra em seu conteúdo a articulação de três peças fundamentais concernentes às relações levadas a efeito em sua dinâmica funcional
. Tais peças, reconhecidas como pessoas integrantes do sistema de cartões de crédito, na doutrina recebem, cada qual, sua respectiva denominação: emissor, titular do cartão e fornecedor. O emissor, cumprindo com a promessa de intermediar a relação de compra e venda entre o titular do cartão de crédito e o fornecedor, aparece como uma pessoa jurídica dedicada à atividade financeira. No âmbito do cartão de crédito, o emissor facilita a venda ao titular, emitindo o cartão. Esse ato, portanto, credencia o portador (titular do cartão de crédito) à aquisição de mercadorias e serviços junto aos fornecedores afiliados."
(EFING, Antônio.
Contratos e procedimentos bancários à luz do código de defesa do consumidor
. São Paulo: RT. 2015. tópico 6.7.).
Acrescente-se que,
"de modo contrário do que se pode imaginar, o titular beneficiário do cartão de crédito, se dele fizer uso para adquirir produtos ou serviços junto aos fornecedores, não se responsabiliza pelo pagamento frente aos fornecedores. É ao emissor do cartão que se atribui a responsabilidade de pagar aos fornecedores o montante deliberado pelo usuário do cartão, vindo posteriormente a ser reembolsado pelo usuário.
O contrato de cartão de crédito autoriza ao consumidor titular do cartão efetuar pagamentos com o limite de crédito aberto pelo fornecedor emissor, podendo o consumidor restituir ao emissor a importância paga em determinada data aprazada ou parceladamente, mediante, neste caso, o pagamento de juros decorrentes do crédito cedido
."
(EFING.
Obra citada.
tópico 6.7).
Desse modo, o contrato de cartão de crédito é celebrado entre a instituição administradora e o(a) interessado(a). A instituição se obriga a lhe conceder crédito, encaminhando-lhe faturas periódicas para pagamento, ao tempo em que o tomador do empréstimo se obrigada a reembolsar o valor emprestado, com os juros contratados, além de se obrigar a pagar taxas administrativas decorrente do uso do cartão. A administradora do cartão torna-se, assim, uma intermediária na relação entre o usuário e as empresas que tenham aceitado aludido instrumento para pagamento de seus produtos e bens. Segundo súmula 283, STJ, tais entidades são equiparadas a instituições financeiros, muito embora não criem "moeda escritural" - o que ocorre corriqueiramente com bancos, ao receberem recursos em depósito e repassarem a tomadores de empréstimo. Isso pode ensejar a aplicação da súmula 596, STF, por conta da conjugação do decreto 22.626/1933 com a lei n. 4.595/1964.
Destaco que
"
cabe ao consumidor o pagamento dos débitos por ele contraídos com a utilização do cartão, obrigando-se ao pagamento da fatura. Todavia, não raro nas faturas de cartão de crédito constam valores indevidamente lançados, bem como são comuns as cláusulas abusivas nos contratos de cartão de crédito
. Podem ser encontradas, entre outras, as seguintes cláusulas: outorga de poderes para, junto à instituição financeira de escolha do emissor fornecedor, por conta do consumidor, negociar e obter crédito; bem como poderes para assinar o aludido contrato de financiamento, abrir conta-corrente em banco, assinar títulos representativos do débito do consumidor, inclusive notas promissórias, acertar prazos, juros, comissões e encargos; em caso de perda, furto ou roubo do cartão de crédito, mesmo que este tenha sido cancelado automaticamente, responderá o consumidor por débitos oriundos do mau uso do cartão decorrente da perda, furto ou roubo. Tais cláusulas, inseridas no contrato de adesão, ao desobrigarem o emissor fornecedor e colocarem o consumidor em situação excessivamente desvantajosa, são nulas de pleno direito, por afrontarem o sistema de proteção do consumidor."
(EFING.
Obra citada.
tópico 6.7).
Ademais, também é importante ter em conta que,
"
atualmente pode-se aderir a um contrato de cartão de crédito enquanto se abastece um automóvel num posto de serviço e revenda de combustíveis, por exemplo, sendo que nesta e em outras situações semelhantes o consumidor sequer é esclarecido das condições básicas do contrato, não chegando a analisar suas cláusulas.
O consumidor termina por assinar a proposta para a contratação do cartão de crédito e vem a receber pelo correio a confirmação da contratação sem, muitas vezes, receber da instituição financeira ou administradora as informações e esclarecimentos minimamente necessários ao suficiente cumprimento do dever de informação."
(EFING.
Obra citada.
tópico 6.7).
Quanto aos requisitos de validade do cartão, registro:
"a) Requisitos subjetivos – Em relação ao titular, este poderá ser pessoa física ou jurídica. Sendo pessoa física, deverá ser civilmente capaz. Se pessoa jurídica, deve funcionar regularmente, ou seja, deverá ter sido constituída e funcionar de acordo com a Lei. Uma sociedade de fato não poderá ser titular de cartão de crédito. Apenas seus sócios poderão sê-lo.
Quanto ao emissor, deverá ser pessoa jurídica autorizada a emitir e administrar cartões de crédito. Pode ser instituição financeira ou não e servirá de intermediário entre o titular e os fornecedores, para que se opere entre eles a compra e venda de bens ou serviços
.
Por fim, o fornecedor poderá ser pessoa física ou jurídica, credenciada junto ao emissor, para oferecer seus bens ou serviços aos titulares do cartão. Se pessoa física, deverá ser civilmente capaz. Se pessoa jurídica deverá funcionar dentro dos parâmetros legais.
b) Requisitos objetivos –
O objeto do contrato é, em última instância, o financia- mento da aquisição de bens e/ou serviços, que deverão ser possíveis tanto do ponto de vista material quanto jurídico. Não se pode comprar um lugar no céu com cartão, nem tampouco cocaína, pelo menos aqui no Brasil
.
c) Requisitos formais – Quanto à forma, já vimos que o contrato de cartão de crédito é consensual, em respeito ao princípio do consensualismo. Na prática, porém, é sempre celebrado por escrito, sendo tipicamente de adesão." (FIUZA, César.
Direito civil:
curso completo. SP: SP. 2015).
2.46.
Consignação em pagamento de prestações de mútuo:
Em princípio, a consignação em pagamento, com desconto em benefícios previdenciários, é medida autorizada pelo art. 115 da lei n. 8213/1991:
Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios: (...) VI -
pagamento de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil concedidos por instituições financeiras e sociedades de arrendamento mercantil, ou por entidades fechadas ou abertas de previdência complementar, públicas e privadas, quando expressamente autorizado pelo beneficiário, até o limite de 35% (trinta e cinco por cento) do
valor
do benefício, sendo 5% (cinco por cento) destinados exclusivamente para
: (Redação dada pela Lei nº 13.183, de 2015)
a) a
mortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito
; ou (Redação dada pela Lei nº 13.183, de 2015)
b) ut1ilização com a finalidade de saque por meio do cartão de crédito.
Para tanto, contudo, exige-se que o segurado autorize aludida averbação, mediante instrumento contratual. Eventuais vícios no consentimento - erro, dolo, coação, vício redibitório, teoria da lesão (art. 157, Código Civil) - implicam nulidade da relação jurídica.
Anota Frederico Amado que
"
Em caso de concorrência, vale ressaltar que os débitos do beneficiário em decorrência do pagamento de benefício além do devido terão preferência sobre os créditos consignados em favor de instituições financeiras em razão de empréstimos contratados pelo aposentado ou pensionista
."
(AMADO, Frederico.
Curso de direito previdenciário.
Salvador: Iuspodium. p. 1005).
2.47. Eventual imposição de devolução do
dobro
descontado:
Com cognição NÃO EXAUSTIVA, reitero que, em princípio, o CDC não se aplica à relação travada entre autora e INSS, dado não serem aplicáveis ao caso o art. 3º e 22, da lei n. 8.078/1990. Note-se que não está em debate neste processo eventual prestação de serviço público remunerado por meio de tarifas. Tanto por isso, não se aplica ao conflito havido entre o autor e o INSS o disposto no art. 42, CDC, que preconiza o direito do consumidor em receber o dobro do que porventura ele tenha pago indevidamente.
No que toca ao alegado vínculo com o banco, contudo, o CDC incide. Sabe-se que
"A lei não pune a simples cobrança (com as exceções que na sequência exporemos). Diz que há ainda a necessidade de que o consumidor tenha pago.
Isto é, para ter direito a repetir o dobro, é preciso que a cobrança seja indevida e que tenha havido pagamento pelo consumidor. A hipótese legal soa estranha, uma vez que não parece normal que alguém que não deva pague novamente
. Mas os pagamentos em função de cobrança indevida não são raros."
(RIZZATTO NUNES.
Direito do consumidor.
SP: Saraiva, 2004, p. 544)
Atente-se, em primeiro exame, para os seguintes julgados, versando sobre o alcance do referido art. 42, CDC:
"(...)
Consoante jurisprudência consolidada desta Corte, a condenação à repetição em dobro do indébito, prevista no art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor, pressupõe, além da ocorrência de pagamento indevido, a má-fé do credor
." (RESP 200500278731, RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, STJ - TERCEIRA TURMA, DJE DATA:06/12/2012 ..DTPB:.)
REPETIÇÃO DE INDÉBITO. ENERGIA ELÉTRICA. DECISÃO RECORRIDA QUE SE ASSENTA EM MAIS DE UM FUNDAMENTO SUFICIENTE E O RECURSO NÃO ABRANGE TODOS ELES. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 283/STF. DEVOLUÇÃO EM DOBRO. ART. 42 DO CDC. IMPOSSIBILIDADE ANTE O RECONHECIMENTO DA INEXISTÊNCIA DE MÁ-FÉ. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 7/STJ. I - Na decisão agravada, além de entender que o recorrente não teria logrado demonstrar de plano como o aresto hostilizado teria malferido os artigos elencados na peça recursal, entendeu-se que tais dispositivos não teriam sido devidamente prequestionados, o que ensejou a incidência da Súmula nº 282/STF. Desse modo, não infirmado este último fundamento, o qual é autônomo e suficiente para manter o julgado quanto ao ponto, aplica-se a Súmula nº 283 do STF. II -
Esta Corte Superior possui entendimento firme no sentido de que, somente quando caracterizada a má-fé na cobrança indevida, é cabível a aplicação do art. 42 do CPC (restituição em dobro do valor pago indevidamente)
. Precedentes: AgRg no REsp nº 1.245.373/MS, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, DJe de 29/06/2011; REsp nº 1.250.314/MS, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe de 10/06/2011; REsp nº 1.231.803/MS, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe de 31/03/2011. III - Tendo o Tribunal de origem entendido que não se havia comprovado má-fé na conduta da ora recorrida, forçoso reconhecer que, para rever o juízo ordinário acerca da ausência da má-fé, na espécie, se mostra indispensável a análise das circunstâncias fático-probatórias constantes dos autos, procedimento vedado em recurso especial, nos termos da Súmula 7/STJ. IV - Agravo regimental improvido. ..EMEN:(AGRESP 201102817155, FRANCISCO FALCÃO, STJ - PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:09/10/2012 ..DTPB:.)
Convém registrar também o alcance do art. 940 e 941, do Código Civil, de 2002, alvo dos lúcidos comentários de Maria Helena Diniz como segue:
"Responsabilidade do demandante por débito já solvido: O artigo sub examine trata do caso do excesso de pedido, ou seja, do re plus petitur (Revista do Direito, 59:593, RT, 804:189, 799:363), com o escopo de impedir que se cobre dívida já paga, e
só será aplicável mediante prova da má-fé do credor
, ante a gravidade da penalidade que impõe.
Assim, quem cobrar judicialmente dívida já paga, no todo ou em parge, sem ressalvar o
quantum recebido, ficará obrigado a pagar ao devedor o dobro do que houver cobrado.
Responsabilidade por cobrança de quantia indevida - Se o credor vive a pedir mais do que lhe for devido, deverá pagar ao devedor o equivalente ao dobro do que dele exigir
. (...)
Desistência da ação. Se o autor desistir da ação antes da contestação ad lide, as penas dos arts. 939 e 940 não lhe serão aplicadas, salvo ao réu o direito de haver indenização por algum prejuízo que prove ter sofrido. Isto porque, com a desistência, o autor veio a reconhecer seu erro, arrependendo-se do que fez. Todavia, mesmo assim, deverá pagar as custas processuais do processo intentado, embora não as pague em dobro." (DINIZ, Maria Helena.
Código Civil anotado.
17. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 702-704. Omiti parte do texto)
Em princípio, a sanção do art. 940, Código Civil/2002, somente é cabível quando demonstrada a má-fé daquele que cobrou dívida já adimplida. Semelhante é a orientação jurisprudencial:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO. NÃO OCORRÊNCIA. COBRANÇA EM EXCESSO. ARTIGO 940 DO CC/2002. MÁ-FÉ DO CREDOR. REEXAME DE CONTEÚDO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA N. 7/STJ. DECISÃO MANTIDA. 1. Inexiste afronta ao art. 535 do CPC quando o acórdão recorrido analisou todas as questões pertinentes para a solução da lide, pronunciando-se, de forma clara e suficiente, sobre a controvérsia estabelecida nos autos. 2.
Consoante a jurisprudência desta Corte, somente quando comprovada a má-fé da parte que realizou a cobrança indevida é que ela ficará obrigada a devolver em dobro o que cobrou em excesso
. 3. O recurso especial não comporta o exame de questões que impliquem revolvimento do contexto fático-probatório dos autos (Súmula n. 7 do STJ). 4. No caso concreto, o Tribunal de origem analisou os elementos fáticos dos autos para afastar a litigância de má-fé quanto à cobrança do valor em excesso e para distribuir os encargos sucumbenciais. Dessa forma, inviável o conhecimento do recurso especial, ante o óbice da mencionada súmula. 5. Agravo regimental a que se nega provimento. ..EMEN: (AGARESP 201101253069, ANTONIO CARLOS FERREIRA, STJ - QUARTA TURMA, DJE DATA:31/10/2014 ..DTPB:.)
CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. QUANTUM FIXADO DENTRO DA RAZOABILIDADE. INAPLICABILIDADE DO ART. 940 DO CÓDIGO CIVIL. 1. Na fixação da reparação por danos morais leva-se em conta o critério de razoabilidade, tendo em vista as circunstâncias da causa. 2.
Para que haja o pagamento em dobro da dívida já paga (art. 940 do Código Civil) é necessária comprovação de má-fé do credor
. Precedentes. 3. Apelação a que se nega provimento. (AC 00422684520074013400, JUIZ FEDERAL VALLISNEY DE SOUZA OLIVEIRA (CONV.), TRF1 - SEXTA TURMA, e-DJF1 DATA:27/05/2013 PAGINA:829.)
Promovo aludido registro com cognição precária, ressalvando nova análise de tais questões por época da prolação da sentença.
2.48. Eventual prática de fraudes:
Note-se que as obrigações decorrentes de contratos simulados não podem ser opostas a quem não tenha praticado tais expedientes fraudulentos. Em casos tais, contanto que provados, não haverá efetivo vínculo contratual envolvendo a parte cujo nome tenha sido empregado indevidamente. Cuidar-se-á de dolo, orientado a adulterar a percepção da realidade por parte de terceiros. Isso desnatura o vínculo contratual.
Deve-se apurar, então, se a instituição financeira, apontada como mutuante, teria atuado de forma incorreta, negligente, na celebração da avença.
2.49. Responsabilidade bancária:
Na obra já mencionada, Effing enfatiza que
"
A responsabilidade civil dos agentes bancários e financeiros, segundo as normas do Sistema de Defesa e Proteção do Consumidor, ao contrário da tradicional sistemática adotada pelo Direito Civil (responsabilidade preponderantemente subjetiva, com algumas previsões no tocante à responsabilidade objetiva, conforme art. 927 c/c arts. 186 e 187 do CC/2002 ), não decorre exclusivamente de ato culposo do agente causador da lesão contratual ou extracontratual
. No sistema brasileiro de defesa do consumidor, a apuração da conduta culposa do agente não é o elemento determinante para a responsabilização, e, sim, a ocorrência de dano ao consumidor em razão da atividade desenvolvida pelo fornecedor no mercado de consumo e, nos casos previstos no Código de Defesa do Consumidor, a mera conduta ilícita, independentemente da configuração de dano concreto ao consumi- dor (como ocorre com a simples veiculação de publicidade enganosa ou abusiva)."
(EFING, Antônio.
Contratos e procedimentos bancários à luz do código de defesa do consumidor
. São Paulo: RT. 2015. item 10.1.)
Ademais,
"
Conforme descrito pelo Código de Defesa do Consumidor, vício do produto é a repercussão danosa intrínseca advinda da disparidade entre o produto e as indicações constantes de seu rótulo, recipiente, embalagem ou mensagem publicitária, ou a característica de qualidade/quantidade que, ao revesti-lo, o torna impróprio ou inadequado ao consumo ou lhe diminui o valor (art. 18, caput, do CDC)
. Semelhantemente, vício do serviço é a repercussão danosa intrínseca decorrente de disparidades entre o serviço e as indicações constantes da oferta, ou a característica de qualidade que o torna impróprio ao consumo ou que lhe diminua o valor (art. 20, caput, do CDC). Havendo vício do produto ou serviço, poderá o consumidor solicitar que o vício seja sanado, que haja abatimento proporcional do preço, que seja restituída a quantia paga (atualizada monetariamente e sem o prejuízo de eventuais quantias devidas a título de perdas e danos), ou a substituição do produto ou reexecução do serviço (arts. 18, § 1.º e 20, § 1.º, do CDC)."
(EFING, Antônio.
Obra cit
. item 10.1.)
Além do mais,
"Ao se abordar a responsabilidade civil do agente bancário ou financeiro, na maioria das vezes se está diante da ocorrência de dano ao consumidor em razão de um serviço defeituoso ou de informações inadequadas e insuficientes (fato do serviço), e não da existência de um produto ou serviço simplesmente viciado. Para a responsabilização do fornecedor agente bancário ou financeiro, portanto, basta a ocorrência de dano (patrimonial e/ou extrapatrimonial) advinda de evento danoso de consumo (fato do produto ou serviço, normalmente fato do serviço) e o nexo de causalidade, cabendo ao consumidor demonstrar e provar a ocorrência e extensão do dano a fim de que obtenha a efetiva e integral reparação dos danos (art. 6.º, VI, do CDC)."
(EFING, Antônio.
Obra cit
. item 10.1.)
De todo modo, conquanto a culpa não tenha o condão de exonerar o prestador de serviço bancário a respeito de danos decorrentes da sua atividade - dada a responsabilização objetiva prevista na lei 8.078/90 -, é fato que outras causas excludentes podem ser invocadas, em conformidade com Código de Defesa do Consumidor, a exemplo da alegação/prova da ausência de defeito no serviço prestado/produto vendido (art. 12, § 3, II, e §§1 e 2; e art. 14, § 3, I, e §§ 1 e 2), culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro equiparado a consumidor (art. 12, §3, I e III, e art. 14, §3, II, do CDC/90) e caso fortuito ou motivo de força maior, conforme art. 393, parágrafo único, Código Civil/02.
Em princípio, quando se trate de fato do produto ou serviço, a tutela do Código de Defesa do Consumidor atinge não o consumidor destinatário final da atividade do fornecedor bancário e todas as demais vítimas do evento danoso, por força do art. 17 do CDC. Ademais,
"Dois elementos de grande importância nas relações bancárias de consumo, e que repercutem diretamente na configuração do fato do serviço bancário, são a confiança e a segurança. Ao se utilizar de um serviço bancário, o consumidor deposita integral confiança na instituição financeira, com a legítima expectativa de que o serviço prestado atenderá padrões mínimos de segurança, até porque normalmente tais serviços ou operações envolvem dinheiro. Desta maneira, as relações jurídicas existentes entre clientes e instituições bancárias e financeiras, pela própria atividade desenvolvida, impõem absoluta segurança, que se traduz no mais das vezes como confiança. Na espécie, confiança que leva à segurança patrimonial, como pontifica a doutrina mais abalizada, para Parra Lucan:“el concepto de 'seguridad' sería más amplio que el de 'salud' o el de 'seguridad física', y equivaldría a una garantía global de adequación de los productos a las legítimas expectativas de los consumidores."
Segundo Sérgio Carlos Covello,
"
os contratos bancários têm por objeto valores e, por isso mesmo, exigem a realização de certos atos que permitam a comprovação imediata da operação realizada
. Não podem, pois, ficar circunscritos a sistemas tradicionalmente adotados em matéria civil ou comercial:
precisam de rigorosos assentamentos de contabilidade
. Os contratos, assim, se inscrevem em conta-corrente que se transforma no espelho contábil da operação. As prestações que deles derivam se anotam segundo a técnica do 'haver' e 'dever'. Tais anotações são de indiscutível valor probatório, visto que podem esclarecer, de maneira eficaz, a possível discrepância entre as partes, dada a escrupulosa contabilidade bancária e sua presumível imparcialidade".
(COVELLO, Sérgio Carlos.
Contratos bancários.
2. ed. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 44). Nas palavras de Garrigues:
"os bancos não realizam anotações em seus livros com fins de prova, e, por outra parte, uma contabilidade que não fora correta seria praticamente impossível de suportar, pois qualquer artifício ou alteração repercutiria no conjunto do sistema."
Não raro, as relações de consumo estão fundadas em certa assimetria, ensejando a invocação do aforismo de Lacordaire: "
no confronto entre o forte e o fraco, a igualdade escraviza e a lei liberta
!" Importa dizer: a legislação acaba por estipular institutos destinados a tutelar os consumidores contra práticas potencialmente lesivas, promovidas por grandes corporações. Isso não significa, por óbvio, que toda e qualquer alegação dos consumidores deva ser acolhida, tanto quanto não implica supor que qualquer dano deva ser imputado aos fornecedores. Exige-se a apuração dos fatos e o confronto sereno com a legislação aplicável, atentando, contudo, para os vetores fundamentais que animam o Código de Defesa do Consumidor.
2.50. Fatos de terceiros e
aplicativos
bancários:
Quanto a cogitada fraude é tida por praticada por empregado do banco, aplica-se o art. 932, III, Código Civil/2002. Quanto praticada por terceiros, deve-se atentar,
em primeiro exame
, para o que detalho abaixo.
Ao que consta, as principais fraudes praticadas com o uso do Pix consistem em ataques de phishing, prática de engenharia social empregada para ludibriar o consumidor e induzi-lo a compartilhar voluntariamente seus dados ou seu dinheiro com os fraudadores
. Também há casos de clonagem do WhatsApp de um consumidor, para, em seguida, solicitar transferências de valores, via Pix, aos seus contatos. Por vezes, o fraudador se faz passar pelo consumidor com outro número de telefone e, de alguma forma, descobre alguns contatos dele e envia mensagens solicitando a transferência de valores, via Pix, alegando que mudou de número. Além disso, há os casos de fraudes em que o sujeito entra em contato com o consumidor por telefone se passando por um empregado de uma instituição financeira, com a qual a vítima tenha relacionamento ativo, oferecendo ajuda para cadastrar uma chave Pix ou, ainda, alegando a necessidade de realização de um teste de transferência via Pix. (https://portal.febraban.org.br/noticia/3602/pt-br).
Em princípio, caso constatado que o banco teria contribuído, de algum modo - por ação ou omissão - para o resultado danoso, a responsabilização objetiva pode ser cogitável. Isso compreende os casos em que os aplicativos disponibilizados se revelem inseguros; casos em que se permita ao cliente a redução de um limite mínimo de segurança, indispensável para a operação bancária. Também se cogita disso nos casos em que, depois da fraude, o consumidor tenha atuado de modo diligente, sem encontrar amparo junto à instituição financeira. Trata-se, não raro, de um problema relacionado aos fatos havidos - ou seja, um problema de prova e de ônus da prova -, muito mais do que um debate sobre normas aplicáveis.
Os Tribunais já chegaram a decidir, sobre o tema, como segue:
APELAÇÃO. CONSUMIDOR. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. FRAUDE DE TERCEIRO. GOLPE DA FALSA CENTRAL TELEFÔNICA. ILEGITIMIDADE PASSIVA. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. FORTUITO INTERNO. DÉBITO INEXISTENTE. DEVER DE INDENIZAR. ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. I - A alegação de falha na prestação de serviço por fraude de terceiro não retira a legitimidade do Banco-réu para integrar o polo passivo da demanda. II -
A conduta do Banco-réu, ao permitir a realização de transações na conta da autora, mediante fraude pelo telefonema recebido com número oficial da instituição financeira, com orientações para instalação de aplicativo de segurança, para então acessar o celular e o aplicativo do Banco, representa falha na prestação dos serviços, e a responsabilidade objetiva daí decorrente não é elidida pela atuação de terceiro fraudador. Teoria do risco da própria atividade lucrativa desenvolvida pela instituição financeira, art. 14, § 1º, inc. II, do CDC; art. 927, parágrafo único, do CC e Súmula 479 do eg. STJ
III - Apesar de constatadas a fraude de terceiros e a falha na prestação dos serviços, não ficou configurada nenhuma lesão aos direitos de personalidade. Improcedente o pedido de indenização por danos morais. IV - Apelação do réu parcialmente provida. (TJ-DF 0720146-46.2023.8.07.0001 1821789, Relator: VERA ANDRIGHI, Data de Julgamento: 21/02/2024, 6ª Turma Cível, Data de Publicação: 15/03/2024)
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. APELAÇÃO CÍVEL. OMISSÕES. CONSTATAÇÃO. CARTÃO DE CRÉDITO. COMPRAS NÃO RECONHECIDAS. ?GOLPE DO MOTOBOY?. FRAUDE. DANOS MATERIAIS. RESPONSABILIDADE DO BANCO. DEMONSTRAÇÃO. DANOS MORAIS. NÃO OCORRÊNCIA. EFEITOS INFRINGENTES. CONCESSÃO. RESULTADO DO JULGAMENTO. ALTERAÇÃO. 1. Os Embargos de Declaração são cabíveis contra decisão judicial que estiver eivada de omissão, contradição, obscuridade ou erro material, admitindo-se, excepcionalmente, a modificação do julgado, conforme dispõe o art. 1.022 do CPC/15. 2. Constatadas omissões no acórdão, os Embargos de Declaração devem ser acolhidos, com efeitos infringentes, para alterar o resultado do julgamento da Apelação interposta pelo Banco Réu. 3. Nos termos do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, ?O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos?. 4.
A despeito de a Autora ter reconhecido que, por ter sido vítima de um golpe, forneceu os cartões de crédito e as senhas a terceiros, não se pode desconsiderar que as transações realizadas em nome da consumidora destoavam completamente do histórico de gastos dela, seja pela natureza das compras, seja pelos montantes, de modo que era possível ao Banco ter percebido a ocorrência da fraude, adotando as medidas de segurança cabíveis para evitá-la. 5. Considerando que cabe ao Banco zelar pelo sistema antifraude, e diante da notória atipicidade dos gastos efetuados com os cartões da consumidora, constata-se a falha na prestação do serviço pela Instituição Financeira, bem como a relação de causalidade entre a conduta do Banco e os prejuízos causados à cliente, o que atrai a responsabilidade da Instituição pela reparação dos danos materiais
. 6. Uma vez que a situação delineada no feito não desborda de mero aborrecimento do cotidiano, afasta-se a condenação em dano moral. 7. Embargos de Declaração conhecidos e providos, com efeitos infringentes. (TJ-DF 07310775020198070001 DF 0731077-50.2019.8.07.0001, Relator: DIAULAS COSTA RIBEIRO, Data de Julgamento: 14/10/2020, 8ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 05/11/2020 . Pág.: Sem Página Cadastrada.)
AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS. CONSUMIDOR. ROUBO DE CELULAR CONTENDO APLICATIVO DO BANCO RÉU. FRAUDE BANCÁRIA. FALHA NO SISTEMA DE SEGURANÇA DO APLICATIVO DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. INEXISTÊNCIA DE QUALQUER ATO CULPOSO OU DOLOSO PRATICADO PELO AUTOR. AUSÊNCIA DE FORNECIMENTO DE SENHA. Consumidor vítima de roubo de celular. Terceiro que logrou, via aplicativo da instituição financeira, fazer indevida movimentação na conta corrente. Transferência entre contas no montante de R$. 9.663,099.
O autor não forneceu a senha a terceiros. A questão se localizava na falha de segurança do serviço bancário, ao permitir acesso dos criminosos, via aplicativo, à senha da conta corrente do autor e sua movimentação. Nem se diga que à autora cabia também a comunicação ao banco réu para se evitar uso do aplicativo e acesso à conta corrente. o acesso ao aplicativo se dava por reconhecimento facial e em algum momento esta tecnologia falhou, visto que os criminosos tiveram acesso aos dados bancários do consumidor. Faltou segurança ao serviço bancário via aplicativo. Sua fragilidade viabilizou o indevido acesso dos fraudadores, porquanto o autor viu seu celular roubado sem que tivesse fornecido qualquer dado (senha ou número de conta corrente). E, o autor providenciou a desativação do Token (i-safe) vinculado ao aplicativo do banco réu.
Todavia, ainda sim, após tomar essa medida de precaução, os criminosos lograram êxito no golpe. Na instrução do processo, constatou-se a inexistência de qualquer ato, culposo ou doloso, por parte do consumidor. Transações fugiam ao perfil do próprio autor. Antes mesmo das transações efetuadas, o agente criminoso requereu modificações na conta do autor que deveriam despertar no sistema de segurança do banco réu um alerta para se evitar a concretização das transações fraudulentas Incidência da Súmula 479 do STJ. Responsabilidade civil do réu configurada. Danos materiais configurados. Indenização no valor de R$ 9.663,99 mantida. Danos morais reconhecidos. O consumidor experimentou dissabores, transtornos e aborrecimentos advindos não somente da falta de segurança do sistema bancário, mas também do atendimento inadequado recebido para sua reclamação. Indenização fixada em R$ 5.000,00. Ação procedente em maior extensão em segundo grau. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO DO RÉU IMPROVIDO. RECURSO ADESIVO DO AUTOR PARCIALMENTE PROVIDO. (TJ-SP - AC: 10689552820218260100 SP 1068955-28.2021.8.26.0100, Relator: Alexandre David Malfatti, Data de Julgamento: 01/07/2022, 17ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 04/07/2022)
APELAÇÃO - INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS - "GOLPE DO PIX" - SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA - RECURSO DO BANCO. 1. RESPONSABILIDADE - Relação de consumo - Súmula 297 do STJ -
Inexistência de culpa exclusiva de terceiro ou da própria vítima - Facilidade para a movimentação de contas bancárias mediante o uso de aplicativos configura-se vantagem indubitavelmente lucrativa aos bancos, e as brechas em seus sistemas são justamente o que oportuniza sua utilização por pessoas mal-intencionadas - Necessária observância, pela instituição bancária, do Regulamento do Pix (Resolução BCB 01/2020, artigos 39, 88 e 89), em especial no tocante ao risco operacional
- Comunicada pela vítima acerca do ocorrido, a instituição bancária não tomou providências a tempo, devolvendo-lhe apenas uma parte do valor transferido ao (s) fraudador (es) - Jurisprudência - Responsabilidade objetiva - Fortuito interno - Súmula 479 do STJ - Sentença mantida neste aspecto. 2. DANOS MORAIS - Inocorrência de impacto extrapatrimonial indenizável no caso concreto - Condenação afastada. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO, POR MAIORIA DE VOTOS. (TJ-SP - AC: 10088636120228260161 SP 1008863-61.2022.8.26.0161, Relator: Sergio Gomes, Data de Julgamento: 31/01/2023, 37ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 01/02/2023)
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. TRANFERÊNCIA BANCÁRIA. GOLPE PIX PRATICADO POR TERCEIRO. COMUNICAÇÃO IMEDIATA AO BANCO. INÉRCIA DO BANCO. APLICAÇÃO DO CDC. DEVER DE RESTITUIR VALORES E COMPENSAR O DANO MORAL. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PROVIDO.
Devidamente comunicada a instituição bancária a respeito do golpe praticado por terceiro, seu correntista, deveria tomar as providências para minimizar os danos e apurar os fatos. O Dano moral é puro. O prejuízo independe de demonstração. Decorre da falta de diligência do apelado que ao tomar conhecimento de uma fraude, nada fez para impedir danos maiores
. (TJ-MT 10001318820228110006 MT, Relator: NILZA MARIA POSSAS DE CARVALHO, Data de Julgamento: 18/10/2022, Primeira Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 25/10/2022)
Em alguns casos, deve-se avaliar, porém, o limite desse dever de tutela do banco, sob pena de se autorizar à instituição financeira decidir que gastos e quando os seus clientes poderiam promover. Caso seja responsabilizada de modo automático por prejuízos decorrentes da dissimulação promovida contra a vítima, a instituição bancária pode acabar por inviabilizar movimentações lícitas. Alguém deve pagar uma passagem aérea ou rodoviária urgente e, a despeito de ter dinheiro na conta, não consegue fazê-lo, por restrições de segurança.
Trata-se, assim, de uma equação a respeito de quem deve suportar o risco e os prejuízos quando se cuida de fraudes praticadas por terceiros. Deve-se atentar para a súmula 479, STJ:
"
As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias
."
2.51. Eventual c
onsignação
de valores em Juízo:
Sabe-se que, quando em causa debates sobre
tributos
, é direito dos sujeitos promover o depósito em Juízo, na forma do art. 151, II, CTN.
"
A jurisprudência desta Corte Superior é no sentido de que o depósito de que trata o art. 151 , II , do CTN constitui direito subjetivo do contribuinte, que pode efetuá-lo tanto nos autos da ação principal quanto em Ação Cautelar, sendo desnecessária a autorização do Juízo
. É facultado ao sujeito passivo da relação tributária efetivar o depósito do montante integral do valor da dívida, a fim de suspender a cobrança do tributo e evitar os efeitos decorrentes da mora, enquanto se discute na esfera administrativa ou judicial a exigibilidade da exação ( AgRg no REsp 517937/PE , Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 28/4/2009, DJe 17/6/2009)"
(STJ - REsp: 1691774 SP 2017/0202085-2, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 10/10/2017, T2 - 2. TURMA, Data de Publicação: DJe 16/10/2017)
No presente processo, porém, a requerente insurgiu-se em face de descontos promovidos em seu benefício previdenciário, advindos de alegado empréstimo consignado
. Assim, a lógica do art. 151, II, CTN, não se aplica ao caso, ao menos, não de forma automática.
Desde que haja fundamentos para isso
, no âmbito do direito civil ou administrativo, é dado à parte autora promover consignação em pagamento, conforme arts. 334 e ss., Código Civil/2002, ainda que seja promovido de forma incidental - arts. 539 e ss., Código de Processo Civil/15. Logo, desde que haja "
justa causa
", é dado à parte autora depositar em juízo os valores controvertidos, conforme lógica do art. 539, CPC/15 e 334, Código Civil/2002, à sua conta e risco. Anoto que a consignação em pagamento apenas afasta a mora quando julgada procedente - art. 337, Código Civil, art. 546, Código de Processo Civil e lógica da súmula 405, STF.
A esse respeito, o TJSP já deliberou:
"Observo que ambas as decisões (consignatória e embargos) ressalvaram expressamente o direito do embargante obter a amortização do saldo devedor até o limite do valor depositado, inexistindo interesse nesse tópico do recurso.
No entanto, tendo em conta que a ação de consignação em pagamento foi julgada improcedente, os encargos moratórios não foram afastados, nos termos do artigo 337 do Código Civil
: O depósito requerer-se-á no lugar do pagamento, cessando, tanto que se efetue, para o depositante, os juros da dívida e os riscos, salvo se for julgado improcedente."
(TJ-SP - AC: 10095119820208260100 SP 1009511-98.2020.8.26.0100, Relator: Vianna Cotrim, Data de Julgamento: 26/10/2021, 26ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 26/10/2021)
Com efeito, alguém pode depositar valores em Juízo, alegando que o credor tem cobrado valores excessivos ou mediante procedimento incorreto - pode alegar cuidar-se de dívida
quérable
(quesível), ao invés de
portable
(portável). Ou seja, pode ter alegado que caberia ao credor promover os meios para o recebimento, ao invés de o devedor ter de promover as diligências pertinentes. Deferido o depósito, depois a pretensão do demandante é julgada improcedente. Em tal caso, a existência do depósito não afastará a mora, quanto ao período em que o demandado houver sido privado do recebimento dos recursos pertinentes. Como registrei acima, o processo não pode causar prejuízos a quem não tenha dado causa à demanda.
Assim, saber se o depósito terá condão de afastar eventuais consectários moratórios dependerá do exame do mérito da pretensão do requerente, por época da prolação da sentença
. Caso seja realizado aludido depósito, o valor será atualizado pela variação da TRB - taxa referencial básica, conforme art. 11 da lei n. 9.289/1996, não se aplicando ao caso a taxa SELIC, diante dos limites da lei n. 9.703/1998, dado não se cuidar de controvérsia tributária. Note-se que a legislação não preconiza a incidência de juros remuneratórios ou moratórios sobre o valor depositado em Juízo. Por outro lado, caso a pretensão da autora seja acolhida, em sentença transitada em julgado, o valor lhe será restituído ao final da demanda. Caso a pretensão seja julgada improcedente, o montante será transferido ao banco requerido/mutuante, para imputação em pagamento no contrato, conforme art. 354, Código Civil/2002. Em tal caso, não haverá supressão de consectários moratórios, devendo a autora responder por eventuais juros moratórios e multa contratual, porventura previstos (art. 337, parte final, Código Civil/02, lógica dos arts. 332 e 512, Código de Processo Civil/15)
2.52. Depósitos em juízo e consectários moratórios:
Convém enfatizar que, em princípio, é dado aos interessados deflagrarem processos de consignação em pagamento, na forma dos arts. 334 e ss., Código Civil/2002, com o fim de obter a pertinente outorga de quitação das obrigações pertinentes. Note-se, porém, que a consignação apenas afasta a mora quando a pretensão do autor tenha sido julgada procedente - art. 337, parte final, Código Civil/2002 e arts. 539 e ss., Código de Processo Civil/15. Importa dizer: os encargos moratórios são afastados quando a parte interessada haja comprovado cuidar-se de
mora accipiendi,
ao invés de
mora debitoris.
Conjecture-se, reitero, que, no âmago de um contrato de locação, o locatário sustenta competir ao locador a adoção dos meios para a cobrança (obrigação quesível). Já o locador alega o contrário, argumentando cuidar-se de obrigação
portable
. Suponha-se que o locatário ingresse com uma consignação em pagamento, sem impugnar o valor da dívida; mas, limitando-se ao referido tema - natureza da obrigação. Ele deposita o valor exato postulado pelo credor. Ao final, o Juízo reputa que o locator, o demandado, possui razão, cuidando-se de obrigação portable. Nesse caso, por óbvio, o depósito em Juízo não terá aptidão para afastar a mora, de modo que os encargos serão devidos desde a data do vencimento da obrigação até a data em que os valores sejam convertidos em renda a favor da parte demandada.
Atente-se, uma vez mais, para o art. 337, parte final, Código Civil/2002:
"O depósito requerer-se-á no lugar do pagamento, cessando, tanto que se efetue, para o depositante, os juros da dívida e os riscos,
salvo se for julgado improcedente
."
Por outro lado, a mora pode ser afastada em vínculos bilaterais, sinalagmáticos, quando presentes os requisitos para a exceção de contrato não cumprido - arts. 476 e 477, Código Civil/2002, dentre outros casos.
2.53. Eventual destinação dos valores consignados:
Desse modo, em princípio, caso os
depósitos venham a ser deferidos e efetivados em conta vinculada
aos autos, haverão de ser levantados, total ou parcialmente, pela parte autora - caso sua pretensão seja acolhida em sentença transitada em julgado -, observando-se o alcance de sua eventual sucumbência. Caso ela sucumba totalmente na demanda, os valores deverão ser levantados então pela parte demandada/mutuante, como segue:
"RECURSO ESPECIAL. AGRAVO REGIMENTAL. TRIBUTÁRIO. DEPÓSITO DO MONTANTE INTEGRAL. ART. 151,
II, DO CTN. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. CONVERSÃO EM RENDA. DECADÊNCIA.
1.
Com o depósito do montante integral, tem-se verdadeiro
lançamento por homologação. O contribuinte calcula o valor do tributo e substitui o pagamento antecipado pelo depósito, por
entender indevida a cobrança. Se a Fazenda aceita como integral o depósito, para fins de suspensão da exigibilidade do crédito, aquiesceu expressa ou tacitamente com o valor indicado pelo
contribuinte, o que equivale à homologação fiscal prevista no art.
150, § 4º, do CTN.
2. Uma vez ocorrido o lançamento tácito, encontra-se
constituído o crédito tributário, razão pela qual não há mais falar no transcurso do prazo decadencial nem na necessidade de lançamento de ofício das importâncias depositadas. Precedentes da Primeira
Seção.
3. A extinção do processo sem resolução de mérito, salvo o
caso de ilegitimidade passiva ad causam, impõe a conversão do
depósito em renda da Fazenda Pública respectiva. Precedentes:
AgRg nos EREsp 1.106.765⁄SP, Rel. Min. Benedito Gonçalves,
Primeira Seção, DJe 30.11.2009, AgRg nos EDcl no Ag 1378036⁄CE,
Rel. Ministro Cesar Asfor Rocha, DJe 29⁄06⁄2011; REsp 901.052⁄SP,
Rel. Min. Castro Meira, Primeira Seção, DJe 03.03.2008.
4. Os fundamentos de fato trazidos pela agravante são premissas não contempladas no acórdão recorrido, de modo que não
podem aqui ser discutidas ou modificadas sob pena de inaceitável
incursão em matéria de prova, o que é vedado na instância especial,
nos termos da Súmula 7⁄STJ.
5. Agravo regimental não provido."
(AgRg no REsp 1.213.319⁄SP, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 17⁄05⁄2012, DJe 28⁄05⁄2012)
TRIBUTÁRIO. PROCESSO JUDICIAL. DEPÓSITO COM A FINALIDADE DE SUSPENDER A EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. DEPÓSITO EQUIVALENTE AO PAGAMENTO. DESNECESSIDADE DE LANÇAMENTO. 1. O depósito judicial do montante integral do débito é causa suspensiva de exigibilidade do crédito tributário, ex vi do artigo 151, II do CTN e, por força do seu desígnio, implica lançamento por homologação tácito, no montante exato do quantum depositado, conjurando eventual alegação de decadência do direito de constituir o crédito tributário. Precedentes: EREsp 898.992/PR, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 08.08.2007, DJ 27.08.2007; REsp 895.604/SP, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 01.04.2008, DJ 11.04.2008; AgRg no REsp 971.054/SC, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 06.12.2007, DJ 24.03.2008. .
Julgado improcedente o pedido da empresa e, em havendo depósito, torna-se desnecessária a constituição do crédito tributário no qüinqüênio legal, não restando consumada a decadência. Conseqüentemente, revela-se escorreita a conversão em renda dos depósitos judiciais efetuados no âmbito da ação ordinária, uma vez não configurada a decadência do direito de o Fisco constituir o crédito tributário e tendo em vista a improcedência do pedido do contribuinte
. 3. Indevidamente realizado o levantamento do depósito judicial pelo contribuinte, afasta-se a razão da suspensão do crédito tributário, forçando ao FISCO FEDERAL a realização do lançamento tributário, inscrevendo o contribuinte em CDA, não existindo decadência ou prescrição do crédito tributário. 4. Apelação do autor improvida e apelação da UNIÃO FEDERAL e Remessa Oficial providas. (APELREEX 200171000285040, MARCOS ROBERTO ARAUJO DOS SANTOS, TRF4 - PRIMEIRA TURMA, D.E. 13/10/2009.)
2.54. Correção monetária de eventuais depósitos:
Reitero que, caso futuramente, tais valores venham a ser depositados em conta vinculada aos autos - mediante prévia autorização judicial -,
o montante haverá de ser corrigido pela taxa referencial básica - TRB, prevista na lei 9.289/1996, de caráter especial, se confrontada com a lei n. 9.703/1998, que se aplica aos depósitos tributário
s. Em princípio, a norma do art 11 da lei n. 9.289/1996 não restou alterada pela promulgação da emenda constitucional 113, de 08 de dezembro de 2011. Não há previsão de incidência de juros remuneratórios nesse âmbito, conforme se infere do art. 11 da lei 9.289.
Quanto ao período subsequente à publicação da
lei 14.973, de 16 de setembro de 2024
, deve-se aplicar a sistemática prevista nos arts. 35 e ss. do referido diploma normativo.
2.55. Distribuição do
ônus
da prova CDC:
A lei 8078/1990 dispõe, no seu art. 6º, VIII, que
"
São direitos básicos do consumidor: (...) a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências
."
No que toca à aludida cláusula, leia-se:
"(...) Por isso, o reconhecimento da hipossuficiência do consumidor para fins de inversão do ônus da prova não pode ser visto como forma de proteção ao mais pobre. Ou, em outras palavras, não é por ser pobre que deve ser beneficiado com a inversão do ônus da prova, até porque a questão da produção da prova é processual, e a condição econômica do consumidor diz respeito ao direito material.
Na realidade, para beneficiar o carente econômico no processo não seria necessária a inversão. Bastaria determinação judicial de que o fornecedor arcasse com eventuais custas processuais para a produção de provas, tais como as periciais. Determinar-se-ia a inversão do pagamento, e aí sim estar-se-ia protegendo, de forma justa, o economicamente fraco
. Não se pode olvidar que, para os pobres, na acepção jurídica do termo, existe a justiça gratuita, a qual permitem ao beneficiário a isenção do pagamento de custas judiciais, o que não significa que ele está isento de provar o seu direito.
(...) Assim, se a questão for meramente de falta de capacidade financeira de suportar o custo do processo, basta ao consumidor servir-se do benefício legal da lei 1060/1950. E o inverso é verdadeiro: existem consumidores economicamente poderosos, o que não implica a sua não hipossuficiência técnica. Mas, mesmo no caso de o consumidor ter grande capacidade econômica, a inversão do ônus da prova deve ser feita na constatação de sua hipossuficiência técnica (técnica e de informação)." (NUNES, Rizzatto.
Curso de direito do consumidor.
São Paulo: Saraiva, 2004, p. 731-733)
Por seu turno, os Tribunais têm decidido como segue:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ART. 273 DO CPC. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULAS 282 E 356/STF. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. MATÉRIA DE PROVA. REEXAME. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. 1. Inviável o recurso especial quando ausente o prequestionamento das questões de que tratam os dispositivos da legislação federal apontados como violados. 2. A
inversão do ônus da prova, prevista no art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, fica a critério do juiz, conforme apreciação dos aspectos de verossimilhança das alegações do consumidor ou de sua hipossuficiência
. 3. Na hipótese em exame, a eg. Corte de origem manteve a aplicação ao caso do Código de Defesa do Consumidor, e após sopesar o acervo fático-probatório reunido nos autos, concluiu pela configuração da verossimilhança das alegações da parte agravada, bem como de sua hipossuficiência. Desse modo, o reexame de tais elementos, formadores da convicção do d. Juízo da causa, não é possível na via estreita do recurso especial, por exigir a análise do conjunto fático-probatório dos autos. Incidência da Súmula 7/STJ. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. ..EMEN: (AGARESP 201300457409, RAUL ARAÚJO, STJ - QUARTA TURMA, DJE DATA:24/06/2013 ..DTPB:.)
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 535 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. INEXISTÊNCIA. ART. 130 DO CPC. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. REEXAME PROBATÓRIO. SÚMULA Nº 7/STJ. INCIDÊNCIA. 1. Não há falar em negativa de prestação jurisdicional se o tribunal de origem motiva adequadamente sua decisão, solucionando a controvérsia com a aplicação do direito que entende cabível à hipótese, apenas não no sentido pretendido pela parte. 2.
Cabe ao magistrado, como destinatário da prova, determinar aquelas necessárias à instrução do processo, sempre em busca de seu convencimento racional. O reexame do juízo acerca da produção probatória encontra óbice na Súmula n° 7/STJ. 3. A inversão do ônus da prova se submete ao critério do julgador mediante análise das circunstâncias fáticas, cujo reexame é vedado em sede especia
l. 4. Agravo regimental não provido. ..EMEN: (AGA 201000593699, RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, STJ - TERCEIRA TURMA, DJE DATA:26/03/2013 ..DTPB:.)
2.56.
Inversão
do
ônus
da prova - art.
373
, CPC:
Por outro lado, aparentemente se revela incabível a inversão do ônus da prova, prevista no art. 373, §1º, CPC/15. A vingar solução diversa, dever-se-ia então converter o julgamento em diligência, a fim de se assegurar que o(s) requerido(s) produzisse(m) as dilações probatórias porventura devidas, conforme preconiza a parte final do aludido art. 373, §1º, CPC.
O processualista Araken de Assis promove uma avaliação crítica da ampliação das hipóteses de inversão do ônus da prova, promovida com o CPC/2015:
"(...) A distribuição dinâmica do ônus da prova ocorre em outros ordenamentos. O art. 217.6 da Ley de Enjuiciamiento Civil espanhola institui dois meios para corrigir a inadequação formal do critério geral (onus probandi incumbit qui ei dicit): (a) a disponibilidade da prova (v.g., na investigação de paternidade, o suposto pai tem condições de esclarecer o fato biológico, através de exame de DNA); e (b) a facilidade probatória (v.g., a empresa encontra-se melhor situada para arrolar as testemunhas de eventos que ocorreram em suas dependências que o visitante ocasional). E, no direito norte-americano, o juiz alocará o ônus da prova segundo numerosas e complicadas regras.
Essa teoria tem cunho autoritário, porque concentra poderes no órgão judiciário, e, desse modo, traz consigo alto risco de subjetivismo
. Duas objeções principais, relevando o risco de prevaricação e o dever de fidelidade do juiz ao direito, opõem-se à doutrina: (a) o já mencionado risco de subjetividade e, ademais, de relatividade: o que é fácil para certo juiz pode não o ser para outro; e (b) a violação positiva ao direito fundamental processual do contraditório. Contra o risco de subjetividade, inexiste remédio; para a violação do contraditório, a medida cabível é a exigência de que haja motivo concreto, prévio e delimitado para a distribuição ope judicis. A distribuição do ônus da prova na decisão de saneamento e de organização do processo (art. 357, III) contrabalança os riscos, norteando a atividade das partes na instrução das causas. Seja como for, as objeções evidenciam que, entre nós, inexiste ainda densidade do direito fundamental à prova. O contraditório argumentativo (dizer e contradizer) não mais satisfaz.
As repercussões positivas ou negativas da repartição casuística podem ser aquilatadas e medidas nas relações de consumo. Em tal matriz, considerando o disposto no art. 6.º, VIII, da Lei 8.078/1990, passa-se à análise do tema, sublinhando que não se limita a tais espécies de litígio, em tese, a distribuição dinâmica." (ASSIS, Araken.
Processo civil brasileiro.
Volume II - Tomo II: Institutos fundamentais. SP: RT. 2015. p. 203-209)
2.57. Inversão do
ônus
-
autenticidade
de assinaturas:
Destaco que, quando em causa a impugnação de descontos em benefícios previdenciários por conta de alegados contratos de mútuo ou de filiação a associações -, em novembro de 2021, o STJ consolidou o entendimento de que
"
o ônus da prova da falsidade documental compete à parte que o arguiu, mas se a falsidade apontada disser respeito à assinatura lançada no documento, o ônus da prova caberá a quem o produziu
".
(STJ, REsp. 1.846.649, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze).
Com efeito,
"No julgamento do REsp 1.846.649 (Tema 1.061), sob a sistemática dos recursos repetitivos, o Superior Tribunal de Justiça fixou tese no sentido de que "na hipótese em que o consumidor/autor impugnar a autenticidade da assinatura constante em
contrato bancário
juntado ao processo pela instituição financeira, caberá a esta o ônus de provar a autenticidade (CPC, arts. 6º, 369 e 429, II)"
(5054473-47.2020.4.04.7000, PRIMEIRA TURMA RECURSAL DO PR, Relator GERSON LUIZ ROCHA, julgado em 28/07/2022)
Logo, em princípio, incumbe ao banco requerido o encargo de comprovar a autenticidade de assinaturas que tenham sido impugnadas pela parte demandante.
2.58. Narrativas discutidas nos autos:
No presente processo, a parte autora sustentou ter sido surpreendida pela constatação da ocorrência de descontos em seu benefício previdenciário decorrentes de alegado mútuo, que ela disse não ter avençado.
Por seu turno, o Banco alegou ter avençado aludido contrato com a parte autora, tendo conferido a autenticidade dos documentos pertinentes. Disse que a requerente não teria suportado danos morais. O INSS disse ter atuado de modo escorreito por época da consignação em pagamento.
2.59. Elementos de convicção:
No movimento-1, a parte autora anexou planilha indicando o valor dos descontos pertinentes:
7
O INSS anexou cópia da instrução normativa PRES/INSS nº 136, de 11 de agosto de 2022 e da instrução normativa PRES/INSS nº 128, de 28 de março de 2022 e de extrato previdenciário, detalhando os vínculos de trabalho do requerente.
O banco requerido anexou cópia do instrumento do contrato de mútuo com consignação - administração de cartão de crédito:
Anexou cédula de crédito bancário:
Anexou-se cópia de faturas do cartão de crédito:
Esses são os elementos de convicção jungidos ao eproc.
2.60. Diligências probatórias - considerações gerais:
Em regra, o Poder Judiciário deve facultar às partes, observados os prazos de lei, a realização da mais ampla dilação probatória, desde que conexa o pedido e causa de pedir deduzidos nos autos.
Isso não significa, porém, que todo e qualquer pedido, lançado pelos contendores, deva ser automaticamente deferido. Ao contrário, as diligências destinadas a esclarecer fatos totalmente impertinentes com o
thema decidendum
não hão de ser realizadas, sob pena de converter o processo em um verdadeiro trabalho de Sísifo. Como sabido,
frusta probatur quod probantum non relevat.
Importa dizer: não se defere a realização de diligências destinadas a demonstrar fatos insuscetíveis de influenciar o resultado da demanda.
Esse é, por exemplo, o conteúdo do art. 464, §1º, do CPC. Reporto-me também ao art. 38, §2º, da Lei nº 9.784/99, que regula o processo administrativo:
"Somente poderão ser recusadas, mediante decisão fundamentada, as provas propostas pelos interessados quando sejam ilícitas, impertinentes, desnecessárias ou protelatórias."
Outro não é o conteúdo do art. 370, parágrafo único, CPC/15.
2.61. Inquirição de testemunhas:
Eventual inquirição de testemunhas deve se dar com atenção ao limite do
art. 34 da lei n. 9.099/1995
, contanto que não seja manifestamente impertinente à solução da demanda. Incumbirá às partes, por meio dos advogados, a notificação de suas testemunhas, salvo quando atendidos os requisitos do art. 455, §4, CPC.
2.62. Tomada do depoimento pessoal:
No que toca ao depoimento pessoal, convém atentar para os arts. 385 e 386, CPC/15:
Art. 385.
Cabe à parte requerer o depoimento pessoal da outra parte, a fim de que esta seja interrogada na audiência de instrução e julgamento, sem prejuízo do poder do juiz de ordená-lo de ofício
. §1 Se a parte, pessoalmente intimada para prestar depoimento pessoal e
advertida da pena de confesso
, não comparecer ou, comparecendo, se recusar a depor, o juiz aplicar-lhe-á a pena. § 2
É vedado a quem ainda não depôs assistir ao interrogatório da outra parte. § 3
O depoimento pessoal da parte que residir em comarca, seção ou subseção judiciária diversa daquela onde tramita o processo poderá ser colhido por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, o que poderá ocorrer, inclusive, durante a realização da audiência de instrução e julgamento.
Art. 386.
Quando a parte, sem motivo justificado, deixar de responder ao que lhe for perguntado ou empregar evasivas, o juiz, apreciando as demais circunstâncias e os elementos de prova, declarará, na sentença, se houve recusa de depor.
Logo, a tomada do depoimento pessoal se destina à eventual obtenção da confissão da contraparte. E isso mitiga a aplicação do instituto, quando em causa entidades de Direito Público, por força da indisponibilidade do interesse público primário. Com efeito, reitero que, quanto a entidades de regime jurídico, sequer o decurso
in albis
do prazo para contestação enseja os efeitos inerentes à revelia, conforme se infere do art. 344, II, CPC/15).
Não desconheço a análise pontualmente distinta de Araken de Assis, quem afirma
"Não ser diferente o regime das pessoas jurídicas de direito público. Já se sustentou que semelhante depoimento traduziria providência juridicamente inadmissível, porque a indisponibilidade do objeto litigioso torna ineficaz a confissão dos órgãos das pessoas jurídicas de direito público. Na perspectiva aqui adotada, não se pode tomar os efeitos como causa. O depoimento pessoal serve a outros propósitos e, precipuamente, à formação da convicção do juiz. E, nesse sentido, as declarações desses órgãos são tão boas ou más como as de qualquer outra pessoa."
(ASSIS, Araken.
Processo civil brasileiro.
Volume III. Parte especial. São Paulo: RT. 2015. p. 515).
Anoto que prepostos apenas podem ser ouvidos, nessa condição, quando disponham de poderes suficientes para confessar em nome do banco. Nos demais casos, devem ser inquiridos como informantes ou testemunhas.
2.63. Complementação da documentação:
Como regra, incumbe à parte autora apresentar, com a petição inicial, os documentos em que ampara sua pretensão - art. 320, CPC. Os requeridos devem apresentar seus documentos junto com a resposta, na forma do art. 434, CPC.
Em princípio, documentos complementares apenas podem ser apresentados, em momentos posteriores a estas fases, quando de se tratar de meios probatórios novos - surgidos no curso da demanda -, ainda que destinados a comprovar fatos anteriores ao início do processo. Também podem ser anexados quando - a despeito de se cuidar de documentos antigos -, sua relevância para o processo apenas teria sido conhecida no curso do processo, a exemplo do que ocorre quando reportados por testemunhas e desconhecidos das partes até então. Também há os casos de fatos havidos no curso do processo, na forma do art. 493, CPC/15, e que podem/devem ser comprovados pelas partes, com lastro em documentos pertinentes, ainda que havidos em fases distintas daquelas indicadas no movimento 434, CPC/15.
2.64. Eventual exame grafotécnico - considerações gerais:
O exame grafotécnico destina-se a aferir se determinado grafismo é compatível com aquela produzida por uma determinada pessoa.
Cuida-se, portanto, de um exame de autenticidade de determinados escritos ou mesmo desenhos. No seu âmbito, promove-se a análise - dentre outros tópicos - da carga da escrita, do grau de inclinação de determinados traços; velocidade do escrito; espaçamento entre letras e palavras; altra da palavra em relação às linhas de escrita; se a escrita é linear ou é angulada; a forma como determinadas letras são cortadas etc.
Para tanto, o perito/a perita deve promover a coleta do material gráfico a ser tido como verdadeiro - fornecido, por exemplo, pela parte autora, pela alegada vítima de um crime, por quem questiona um determinado contrato etc. -, para fins de confronto com o documento alvo de impugnação.
Em princípio, revela-se
"
imprescindível que a prova grafotécnica seja feita com base na análise do documento original, uma vez que o trabalho realizado na cópia do contrato torna duvidosa a prova técnica realizada
."
(TJ-MT - APL: 00186724820158110002 MT, Relator: DIRCEU DOS SANTOS, Data de Julgamento: 25/10/2017, TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO, Data de Publicação: 07/11/2017). Assim,
"é imprescindível que a prova grafotécnica seja feita com base na análise do documento original, uma vez que o trabalho realizado na cópia do contrato torna duvidosa a prova técnica realizada. Há o risco da prova pericial apresentar resultados imprecisos e ambíguos, o que ensejaria a realização de nova perícia.”
(TJMT, AI 126859/2014, de minha relatoria, TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO, Publicado no DJE 12/12/2014)
Destaco, que em situação similar o Setor de Perícias de Polícia Federal já comunicou a este Juízo a inviabilidade de realização dos exames grafotécnicos sem a apresentação dos originais.
"(...)
Os documentos foram apresentados em forma de cópia. Os exames grafoscópicos devem ser preferencialmente realizados sobre as vias originais, pois em cópias as minúcias mais sutis da escrita não se encontram reproduzidas e o grau de certeza atingível nas conclusões é impactado negativamente – quanto menor a qualidade da cópia, menor o grau de certeza possível
. Em observância ao disposto na Orientação Técnica nº 15/2019-DITEC/PF, que padroniza os exames documentoscópicos no âmbito da Polícia Federal, como regra, os exames em cópias são realizados apenas quando a solicitação de exame declara explicitamente a inexistência ou indisponibilidade das vias originais (Art. 3º § 1º, Art. 8º parágrafo único).
6. A combinação dos dois problemas acima descritos inviabiliza a realização dos exames a partir do material ora apresentado.
7. Para que o exame seja viabilizado, é necessário providenciar: (...) [2] a via original do documento questionado, ou seja, o contrato apresentado no evento 8 (CONTR6). - autos 50370163620194047000).
2.65. Honorários
periciais
- gratuidade de Justiça:
O arbitramento de honorários periciais,
no regime da gratuidade de justiça
, no âmbito da Justiça Federeal, é regulamentado pela
Resolução n. 305
, de 07 de outubro de 2014, CJF. Por outro lado, tratando-se de perícia realizada perante a Justiça Federal e não se enquadrando na área de engenharia, contábil e ciências econômicas, o valor mínimo de R$ 62,13 e máximo de R$ 248,53.
Note-se que o limite de pagamento dos honorários periciais é do triplo do máximo, redundando em
R$ 745.59
, o que se revela insuficiente, em muitos casos, para remuneração do perito judicial, profissional liberal que atua sob regime de livre iniciativa.
Não há como o Juízo obrigar as partes a aceitarem eventual orçamento apresentado pelo(a) perito(a). Tampouco pode obrigaro o(a) perito(a) a promover a diligência probatória pelo valor ofertado pelas partes
.
Em princípio, aludido valor é aplicável à totalidade dos demandantes, conquanto se possa cogitar que - caso houvessem distribuído demandas autônomas, 01 autor por processo - cada um faria jus então à cota de até R$ 745,59. No mais das vezes, porém, a multiplicidade de demandantes não altera o limite inerente aos honorários sucumbenciais. E, ainda que assim não fosse, cogita-se que, no caso, os honorários superariam até mesmo o montante corresndente a R$ 745,59 multiplicado pelo número de requerentes.
Assim, há uma aparente dificuldade quanto ao custeio de eventual perícia. Isso não implica, por si, a inversão do ônus da prova, com registrei acima, por conta da adequada exegese do art. 373, §1, CPC/15
. Nâo há como o orçamento da Justiça Federal assumir encargos superiores ao mencionado. Isso não impede que os eventuais postulantes da diligência se predisponham a antecipar aludidos honorários periciais, caso se revelem suepriores ao limite acima detalhado.
2.66. Diligências probatórias - caso em exame:
Defiro, no caso, o pedido de tomada do depoimento pessoal do autor, a ser promovido na forma do art. 385, CPC, diante do requerimento do banco demandado. Os demais contendores não postularam diligências probatórias no presente processo.
Não vislumbro lastro para determinar tais dilações de ofício.
2.67. Saneamento da demanda:
Equacionei acima alguns vetores, com cognição não exaustiva. Detalhei as narrativas promovidas pelas partes, a respeito dos fatos tidos por havidos. Também registrei alguns vetores jurídico, pertinentes à demanda. Com isso, reputo saneado o processo.
III - EM CONCLUSÃO
3.1. DECLARO, por ora, a competência do presente Juízo para a presente demanda e a sua submissão à alçada e rito dos Juizados Especiais.
3.2. DESTACO que a presente demanda não guarda conexão com alguma outra, para fins de reunião e solução conjunta, conforme art. 55, §1, CPC e leitura
a contrario sensu
da súmula 235, STJ.
3.3. ACRESCENTO que se cuida de demanda singular, não havendo sinais de afronta à garantia da coisa julgada (art. 5, XXXVI, Constituição e art. 508, Código de Processo Civil/15), tampouco havendo indicativos de caracterização de litispendência (art. 337, §2, CPC/15). Não estão atendidos os requisitos para suspensão da demanda - art. 313, CPC.
3.4. REPUTO que as partes estão legitimadas para a causa e que a requerente atua com interesse processual. Nâo é caso de litisconsórcio necessário na espécie, como registrei acima.
3.5. ACRESCENTO que, em princípio, a pretensão à anulação/revisão dos contratos bancários não foi atingida pela prescrição, tampouco se operou a decadência do direito invocado na petição inicial.
3.6. DETALHEI acima, com cognição precária, alguns vetores jurídicos relevantes para a apreciação do pedido de antecipação de
tutela. Equacionei acima as narrativas sobre os fatos alegadamente ocorridos.
3.7. DETERMINO a inversão do ônus probatório, no que diz respeito ao dever da entidade financeira demandada comprovar a autenticidade dos documentos e assinaturas atribuídas à requerente, conforme precedentes do STJ acima aludidos.
3.8. DESTACO, de todo modo, que, no caso, o autor sustentou ter celebrado o contrato. Contudo, alegou ter incorrido em erro, dado que o banco estaria cobrando encargos contratuais não informados ao tempo da avença.
3.9. INTIMEM-SE as partes para que, em 05 dias úteis, querendo, se manifestem a respeito deste despacho saneador - art. 337, §1, CPC.
3.10. DEFIRO o pedido de tomada do depoimento pessoal da parte autora, pleito deduzido pelo banco requerido. Aplico ao caso o art. 385, CPC.
3.11. DESIGNE-SE data e horário para a inquirição, a ser promovida com o emprego de tecnologia telepresencial (aplicativo zoom). REgistro que o autor haverá de comparecer ao ato, a fim de que seja inquirido, restando informado que a recusa de responder as perguntas que venham a ser formuladas pelo Juízo ou contraparte pode ensejar a presunção de veracidade da narrativa dos fatos, promovida pelos requeridos, sem prejuízo do confronto com os demais elementos de convicção veiculados nos autos.
3.12. INTIMEM-SE as partes, então, para que compareçam ao ato, comunicando-lhes data, horário e link de acesso da audiência. A notificação do autor para que compareça será promovida na pessoa do seu advogado, por meio do eproc, na forma do art. 5 da lei n. 11.419/2006.
3.13. INTIMEM-SE as partes, ademais, para que, querendo, manifestem-se a respeito da eventual necessidade de complementação deste despacho, na forma do art. 357, §1, CPC/15.
3.14. OLTEM-ME conclusos para sentença, caso as partes não postulem complementação deste despacho e caso o banco porventura desista do pedido de tomada de depoimento pessoa.
3.15. AGUARDE-SE a realização da audiência, em caso contrário.
3.16. INTIMEM-SE as partes a respeito desta decisão.
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