Processo nº 0834690-88.2024.8.15.0001
ID: 256131535
Tribunal: TJPB
Órgão: 10ª Vara Cível de Campina Grande
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 0834690-88.2024.8.15.0001
Data de Disponibilização:
14/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
CHARLES FELIX LAYME
OAB/PB XXXXXX
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Poder Judiciário da Paraíba 10ª Vara Cível de Campina Grande Ação de Repetição de Indébito c/c Indenização por Danos Morais e Obrigação de Fazer, com pedido de tutela de urgência Processo nº: 0834690…
Poder Judiciário da Paraíba 10ª Vara Cível de Campina Grande Ação de Repetição de Indébito c/c Indenização por Danos Morais e Obrigação de Fazer, com pedido de tutela de urgência Processo nº: 0834690-88.2024.8.15.0001 Promovente: LUISA GUSMAO OLIVEIRA Promovida: BANCO BRADESCO SENTENÇA EMENTA: AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E OBRIGAÇÃO DE FAZER. CONSUMIDOR. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO PARA REALIZAÇÃO DE CONTRATO BANCÁRIO EM NOME DA PARTE AUTORA. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA QUE NÃO LOGROU SEQUER JUNTAR AOS AUTOS O REFERIDO CONTRATO. ÔNUS PROBATÓRIO QUE IMPUNHA AO BANCO RÉU PARA DEMONSTRAR A REGULARIDADE E LEGITIMIDADE DA CONTRATAÇÃO. NÃO DESINCUMBÊNCIA. RESPONSABILIDADE CONSUMERISTA OBJETIVA. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL DELINEADOS. DANOS MORAIS DECORRENTES DA CONTRATAÇÃO FRAUDULENTA EM NOME DA AUTORA. CONFIGURAÇÃO. DEVER DE REPETIÇÃO, EM DOBRO, DO INDÉBITO. PROCEDÊNCIA DA DEMANDA. RELATÓRIO Vistos etc. Nos autos da presente ação, as partes acima identificadas, por seus respectivos patronos, litigam em face dos motivos fáticos e jurídicos expostos na exordial, notadamente em função da alegação autoral de inexistência de relação jurídica entre as partes e, por extensão, da ilegitimidade do débito decorrente de contrato de empréstimo (nº 817642554) firmado junto ao banco réu, a partir do qual sobreveio a efetivação de descontos no benefício previdenciário da parte demandante. Nesse prisma, requereu a parte autora, em sede de tutela de urgência, a imediata suspensão dos referidos descontos, decorrentes do contrato impugnado, pugnando, no mérito, pela procedência do pedido, a fim de que, reconhecida a nulidade do débito em questão, seja o promovido condenado à repetição, em dobro, do indébito (parcelas indevidamente descontadas), bem ainda ao pagamento de indenização por danos morais (R$ 10.000,00). Instruindo o pedido, acostou histórico de empréstimos bancários, “histórico de créditos” do INSS, documentos pessoais, entre outros. Decisão denegando da tutela de urgência requerida e determinando a inversão do ônus da prova em desfavor do banco réu. Devidamente citada, a parte ré apresentou contestação, impugnando, inicialmente, a concessão do benefício da gratuidade da Justiça concedida em favor da parte autora, bem como o valor atribuído à causa, suscitando, ainda, a existência de conexão processual. No mérito, sustenta, em síntese, a regularidade do “contrato de empréstimo reclamado, devidamente assinado pela parte autora”; bem como a sua anuência tácita ao contrato em razão do “extenso lapso temporal decorrido entre o primeiro desconto e a data da distribuição da ação” e também do recebimento do crédito “sem qualquer objeção”. Sustentando, ainda, a ausência de responsabilidade civil do promovido e a inexistência de danos materiais (repetição de indébito) e morais passíveis de reparação, pugnou, ao final, pela total improcedência da demanda. À defesa acostou documentos de representação processual. Réplica à contestação. Instadas as partes à especificação de provas, apenas o promovido se manifestou, requerendo, na oportunidade, o depoimento pessoal da promovente. É O BREVE RELATÓRIO. DECIDO. FUNDAMENTAÇÃO De início, à luz dos princípios da livre apreciação da prova e do livre convencimento motivado, entendo que o presente feito comporta julgamento antecipado do mérito, sendo desnecessária, na forma do art. 370 do CPC, a produção de quaisquer outras provas. Registre-se, a propósito, que, no tocante ao depoimento pessoal da autora requerido pelo banco réu, a produção da referida prova oral em nada colaboraria para a elucidação dos fatos sub examine, não se revelando útil para o deslinde das questões de que tratam a presente demanda, mesmo porque as razões da parte autora já foram bem explanadas na petição inicial, acrescidas dos documentos que a carrearam. Nesse ponto, tem-se que a fase instrutória se encontra condicionada não somente à possibilidade jurídica da prova, mas também ao interesse e relevância de sua produção, cumprindo ao julgador indeferir as provas que se apresentem “inúteis ou meramente protelatórias” (art. 370, parágrafo único, CPC). Sobre o tema, colhem-se os seguintes arestos: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO E NULIDADE CONTRATUAL C/C RESTITUIÇÃO DE VALORES E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. NEGÓCIO JURÍDICO CONSIDERADO NULO E CONDENAÇÃO POR DANOS MORAIS COM DEVOLUÇÃO EM DOBRO. RECURSO DO BANCO RÉU. [...] PLEITO DE CERCEAMENTO DE DEFESA EM RAZÃO DO INDEFERIMENTO DE OITIVA DA AUTORA. NÃO CONFIGURAÇÃO. DEPOIMENTO DA AUTORA QUE SE MOSTRARIA IRRELEVANTE AO DESLINDE DA CAUSA, EIS QUE A ÚNICA PROVA CAPAZ DE DEMONSTRAR A HIGIDEZ DA CONTRATAÇÃO SERIA A PERICIAL, CONSIDERANDO QUE A AUTORA JÁ HAVIA NEGADO A REALIZAÇÃO DA CONTRATAÇÃO. PRELIMINAR AFASTADA. II. MÉRITO. (IN) VALIDADE DA CONTRATAÇÃO. AUTORA QUE IMPUGNOU A ASSINATURA NO CONTRATO APRESENTADO PELO RÉU. BANCO REQUERIDO, POR SUA VEZ, QUE NÃO REQUEREU A REALIZAÇÃO DE PERÍCIA GRAFOTÉCNICA JUDICIAL. NECESSÁRIA REALIZAÇÃO DE PROVA PERICIAL. ÔNUS DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. EXEGESE DO ART. 429, II, DO CPC, BEM COMO DO TEMA REPETITIVO 1 .061 DO STJ. NEGÓCIO JURÍDICO DECLARADO INEXIGÍVEL. DESCONTO ILEGAL EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. COMPROVAÇÃO DE DEPÓSITO DO EMPRÉSTIMO NA CONTA DA AUTORA . RETORNO DOS LITIGANTES AO STATUS QUO ANTE (ART. 182 DO CÓDIGO CIVIL). DETERMINAÇÃO PARA QUE A AUTORA DEVOLVA O VALOR RECEBIDO, DESCONTADAS AS PARCELAS DEBITADAS DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DE FORMA SIMPLES. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA . REPETIÇÃO DO INDÉBITO NA FORMA SIMPLES. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO, NO CASO, DE DANO MORAL INDENIZÁVEL. MERO DISSABOR. CONDENAÇÃO EM DANOS MORAIS AFASTADA . ENTENDIMENTO DESTA CÂMARA CÍVEL. SENTENÇA REFORMADA. HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS QUE DEVEM SER REDISTRIBUÍDOS E ARBITRADOS COM BASE NO VALOR DA CAUSA, DIANTE DO IRRISÓRIO PROVEITO ECONÔMICO. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO .I. Quanto ao alegado cerceamento de defesa, tem-se que o depoimento pessoal da autora era absolutamente irrelevante e impertinente ao deslinde da causa, pois a prova pericial seria a única a provar a veracidade ou não da contratação pela autora que já a negara no processo, logo seu depoimento pessoal seria mera repetição disso. (TJ-PR 00093100720238160130 Paranavaí, Relator.: Fabio Andre Santos Muniz, Data de Julgamento: 08/11/2024, 13ª Câmara Cível, Data de Publicação: 08/11/2024) APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA. NULIDADE DE PROCESSO DISCIPLINAR. PRELIMINARES. CERCEAMENTO DE DEFESA. INDEFERIMENTO DE PROVAS INÚTEIS OU PROTELATÓRIAS. REJEITADA. NULIDADE DA SENTENÇA POR AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. REJEITADA. INOVAÇÃO RECURSAL RECONHECIDA DE OFÍCIO. MÉRITO. SUSPENSÃO DE MEMBRO EFETIVO DO CORPO CLÍNICO DA SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DE LAVRAS. PROCEDIMENTO PREVISTO PELO REGIMENTO INTERNO. OBSERVÃNCIA DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. VÍCIOS NÃO CONFIGURADOS. SENTENÇA MANTIDA. - Inexiste cerceamento de defesa quando o magistrado indefere, de forma fundamentada, o pedido de produção de prova oral por entender desnecessária, sendo os documentos constantes dos autos suficientes para o julgamento da lide - Evidenciado que a sentença está devidamente fundamentada, apontando a base legal para a decisão e enfrentando as teses de defesa sustentadas pela parte, não há que se falar na sua nulidade [...] (TJ-MG - AC: 10000170927990002 MG, Relator: Luiz Artur Hilário, Data de Julgamento: 18/08/2020, Data de Publicação: 24/08/2020) (Grifei) Assim sendo, e considerando que há nos autos prova suficiente para a formação da convicção deste Juízo, REJEITO a produção da prova requerida. Da impugnação à concessão da Justiça Gratuita em favor da parte autora Em relação à impugnação à gratuidade da Justiça concedida em favor da parte autora, verifico NÃO ASSISTIR RAZÃO À PARTE RÉ. É bem verdade que a mera alegação de impossibilidade de pagamento de custas não enseja, necessariamente, o pronto deferimento do benefício da assistência judiciária gratuita, tratando-se de presunção relativa e que depende de prova correspondente a respaldá-la. In casu, no entanto, deve-se observar que os valores constantes dos extratos bancários acostados aos autos pela parte autora, relacionados, em tese, ao numerário por ela auferido mensalmente, demonstram a necessidade do benefício concedido, porquanto evidenciam a precariedade financeira da parte demandante. Ademais, a jurisprudência pátria já está pacificada no sentido de que cumpre à parte impugnante fazer prova de que a impugnada tem condições de arcar com as despesas processuais sem prejuízo de seu sustento e/ou de sua família, o que, na hipótese, no entanto, não se verificou. Firme nessas premissas, forçoso o INDEFERIMENTO DA IMPUGNAÇÃO À GRATUIDADE DA JUSTIÇA anteriormente concedida. Da impugnação ao valor da causa Outrossim, não obstante a impugnação ao valor atribuído à causa apresentada pelo promovido, REJEITO, de logo, o referido pleito, porquanto, em causas como a presente, que tem por alvo não apenas a condenação em indenização por danos morais, mas também o reembolso de valores supostamente descontados de forma indevida em razão da alegada contratação fraudulenta (o que não raras vezes perdura mesmo após a propositura da demanda, não oferecendo, portanto, condições para determinar a sua exata expressão econômica), revela-se aquele como simples estimativa, em quantia simbólica e provisória, passível de posterior adequação ao valor apurado pela sentença ou no procedimento de liquidação, como, a propósito, se dará no caso presente. Da conexão processual Alega o promovido a existência de conexão processual, ao argumento de que “a presente ação revela-se conexa ao(s) processo(s) 0834679-59.2024.8.15.0001”, requerendo a reunião dos feitos para posterior julgamento conjunto. Todavia, conquanto as ações declaratórias de inexistência débitos por suposta fraude possuam as mesmas partes e causa de pedir próximas, sendo diversos os seus objetos, pois referentes a cobranças / contratações distintas, no caso, inexiste possibilidade de decisões conflitantes e de prejudicialidade entre as demandas. Sobre o tema, mutatis mutandis, vejamos o seguinte aresto: EMENTA: APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CONEXÃO POR FRACIONAMENTO DE AÇÕES. NÃO CARACTERIZAÇÃO. PRECEDENTES DESTA CORTE. COBRANÇA INDEVIDA DE PACOTE DE SERVIÇOS BANCÁRIOS. CONTA DESTINADA AO RECEBIMENTO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. AUSÊNCIA DE CONTRATO. REPETIÇÃO DE INDÉBITO EM DOBRO. DANO MORAL CONFIGURADO. RECURSO DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA NÃO PROVIDO. RECURSO DA PARTE AUTORA PARCIALMENTE PROVIDO. 1. A alegação de conexão por fracionamento de ações não deve prosperar, visto se tratar de contratos diversos e relações jurídicas distintas, pois apesar de os descontos ocorrerem na mesma conta bancária, são tarifas distintas que estão sendo debitadas. Precedentes do TJTO. 2. A ausência de comprovação da contratação de pacote de tarifas em benefício previdenciário gera o dever de a instituição financeira indenizar o consumidor por danos morais, decorrente do ato ilícito praticado, sobretudo quando se trata de aposentado que percebe benefício previdenciário no valor de um salário mínimo, o qual é destinado ao seu sustento e de sua família. 3. A restituição em dobro dos valores indevidamente descontados do benefício previdenciário, porquanto não apresentado contrato com prévia a autorização, deve ser no montante do desconto afirmado pela parte autora e não contestado pelo banco. 4. Em atenção aos princípios norteadores do instituto - razoabilidade e proporcionalidade -, a fixação de R$ 1.000,00 por danos morais cumpre com a dupla finalidade da espécie indenizatória em apreço, em especial por ter sido alegado o desconto no valor de R$ 132,21. 5. Recursos conhecidos e apenas da parte autora parcialmente provido. (TJ-TO - Apelação Cível: 0003481-64.2020.8.27.2710, Relator: HELVÉCIO DE BRITO MAIA NETO, Data de Julgamento: 20/07/2022, TURMAS DAS CAMARAS CIVEIS) (Grifei) Logo, não havendo justificativa para a reunião dos processos por conexão, tampouco prevenção de juízo, REJEITO a preliminar em comento. 1) MÉRITO 1.1) Da Pretensão Declaratória de Inexistência de Débito Analisando atentamente a presente demanda, percebe-se que o fundamento jurídico principal do pedido se encontra na alegação pela parte consumidora de que não contratou ou autorizou a realização de contrato de empréstimo consignado junto ao banco réu, a partir do qual sobreveio a efetivação de descontos no seu benefício previdenciário, o que caracteriza, em princípio, falha na prestação do serviço pelo demandado. Em outras palavras, a parte promovente sustenta a inexistência de vínculo contratual entre as partes, ao argumento de que não celebrou o contrato questionado com a instituição promovida. Nesse prisma, mostra-se evidente que se está diante, na presente demanda, de uma relação de consumo entre as partes, na qual se discute a ocorrência de responsabilidade civil consumerista por fato do serviço, de natureza objetiva, na forma do art. 14 do CDC, em face dessa suposta contratação fraudulenta em nome da parte autora, por ação de prováveis terceiros fraudadores, configurando-se sempre que demonstrado o dano e o nexo de causalidade, independentemente de culpa na conduta do agente causador do dano. In casu, aplica-se ainda o CDC tendo em vista que a parte autora, muito embora alegue que nada contratou, seria consumidora por equiparação na forma do art. 17 desse código, por ser vítima desse acidente de consumo – bystander. Pois bem. Lidando inicialmente com a questão principal relativa à perquirição se o contrato em tela foi realizado pela própria parte consumidora ou, ao contrário, como defende esta, se realmente ocorreu uma fraude com a utilização indevida do nome de seu nome – cuja admissão implicaria no óbvio reconhecimento da inexistência da relação jurídica creditícia e do débito gerado para sua pessoa –, tem-se, em primeiro lugar, que o ônus da comprovação da regularidade dessa contratação é da instituição financeira ré. Tal se dá por um conjunto de fundamentos. Primeiramente, independentemente de qualquer provimento de inversão do ônus da prova, porque, tendo a parte autora apontado a existência de fraude desde a inicial, apenas por isso já passaria a caber ao promovido a comprovação de um fato impeditivo desse mesmo direito, vale dizer, comprovar que a autora efetivamente celebrou o contrato e que estaria inadimplente. Por outro lado, como não se mostra possível à parte autora produzir prova negativa da contratação, também em face da distribuição dinâmica da carga da prova, é ônus imputável à instituição promovida fazer prova desse fato impeditivo do direito da promovente. Outrossim, de enorme importância, em se tratando de patente responsabilidade por fato do serviço, em que os riscos que razoavelmente se esperam de um serviço prestado aparentemente atingiram a segurança patrimonial do consumidor, a inversão do ônus da prova ocorre por mandamento legal, ope legis, derivada do art. 14, § 3º, inc. II, do CDC, já que é ônus do fornecedor comprovar a inexistência do defeito, da falha na prestação de serviços. Ocorre, porém, que o banco réu, em sua peça contestatória, sequer acostou o contrato impugnado na inicial (nº 817642554), não se desincumbindo do ônus probatório de comprovar que o contrato questionado foi de fato celebrado pela parte autora. Note-se, ainda, que, em sua contestação, o promovido também não se insurgiu, ao menos satisfatoriamente, em face das alegações fáticas da autora, deixando, por exemplo, de trazer informações detalhadas acerca desse contrato supostamente firmado entre as partes. Ora, sobretudo por inexistir nos autos evidência de consentimento da parte autora quanto à formação do contrato cuja legitimidade é discutida nos autos, deveria o banco réu ter acostado aos autos ao menos documentos mínimos indicativos da regularidade da contratação impugnada, contudo assim não o fez. Neste contexto, diante da ausência de qualquer elemento de prova a indicar a existência da relação negocial impugnada pela parte autora, forçosa a declaração de inexistência dessa relação jurídica supostamente havida entre elas, com a consequente desconstituição do débito respectivo. 1.2) Da Responsabilidade Civil Consumerista da instituição financeira ré Na presente demanda, tratando-se de hipótese de responsabilidade civil consumerista por fato do serviço, de natureza objetiva, informada pela teoria do risco do empreendimento, na forma do art. 14 do CDC, para sua caracterização neste caso se faz mister o perfeito delineamento de uma conduta comissiva ou omissiva do fornecedor, a causação de um dano a um bem jurídico do ofendido e o nexo de causalidade, contudo, independentemente da existência de culpa por parte da instituição financeira ré, sendo certo que essa responsabilidade somente poderia ser eventualmente excluída pela existência de caso fortuito ou força maior externos ou não conexos à atividade econômica desenvolvida – evoluindo doutrina e jurisprudência para não admitir o denominado fortuito interno como excludente de responsabilidade civil –, culpa exclusiva do consumidor ou de culpa exclusiva de terceiro, respectivamente, conforme art. 14, § 3º, do CDC. Ora, quanto a essa segunda grande questão posta nos autos, no sentido de perquirir se há ou não responsabilidade civil consumerista por parte da instituição ré, é evidente que a conduta do promovido foi absolutamente negativa, eis que, sem a anuência da parte promovente, efetivou contrato bancário em seu nome e passou a realizar cobranças e descontos indevidos em seu benefício previdenciário. Em que pese o esforço do banco réu para tentar legitimar a sua atuação, vejo que os descontos no benefício previdenciário da parte autora foram efetivados de forma irregular, já que em momento algum restou provado ter havido expressa anuência da promovente quanto à referida contratação. Percebe-se, portanto, que houve uma efetiva falha na prestação de serviços, sendo certo que a conduta do banco réu foi decisiva para a cobrança de débito decorrente de contratação inexistente. Em hipóteses tais, o dever de indenizar decorre do risco que as instituições financeiras assumem ao proceder a contratações massificadas, marcadas por notório padrão de informalidade, sem propiciar segurança jurídica e prevenção de danos às partes e a terceiros. De toda sorte, considero que, no presente caso concreto, não há que se falar na admissão da excludente de responsabilidade civil por culpa exclusiva de terceiros, como alegado pela parte ré, na forma do art. 14, § 3º, inciso II, do CDC. A uma, porque, mesmo que tivesse havido fraude praticada por terceiros, caberia ao banco dotar-se de mecanismos de controles internos para evitá-las, de modo que também concorreu, dessa forma, para a ocorrência do ilícito. A propósito, veja-se o interessante precedente a seguir, do E. TJPE: RESPONSABILIDADE CIVIL. CONTRATO DE FINANCIAMENTO REALIZADO MEDIANTE FRAUDE. FATO DE TERCEIRO NÃO CARACTERIZADO. DEVER DE INDENIZAR. DANO MORAL CONFIGURADO. 1. Incumbe à instituição financeira conferir os dados apresentados pelo suposto comprador mediante cuidadosa análise da documentação apresentada, procedendo à eficaz conferência dos dados. 2. A excludente prevista no artigo 14, § 3º, II, do CDC somente se aplica aos casos em que o fornecedor do serviço não concorre - de nenhum modo - para a ocorrência do evento danoso, ou seja, quando o prejuízo decorre de ação ou omissão exclusiva do consumidor ou de terceiro. 3. A indevida inscrição do nome do postulante em cadastros restritivos de crédito acarreta dano moral indenizável. Trata-se do chamado dano moral in re ipsa. 4. Considerando a gravidade do ato ilícito praticado contra o demandado, o potencial econômico do ofensor, o caráter punitivo-compensatório da indenização e os parâmetros adotados em casos semelhantes, para reduzir o valor da indenização de R$ 100.000,00 (cem mil reais) para R$ 10.000,00 (dez mil reais). 5. Ademais, inverto o ônus da sucumbência e condeno o apelante/réu a suportar as custas processuais e os honorários advocatícios, arbitrados em 15% (quinze por cento) do valor da condenação. 6. Recurso provido em parte. (TJ-PE - APL: 3039976 PE, Relator: José Fernandes, Data de Julgamento: 11/05/2016, 5ª Câmara Cível, Data de Publicação: 23/05/2016) A duas, ademais, nesse caso, a hipotética ação de terceiros não se constituiria em fortuito externo à atividade econômica desenvolvida pelos réus, mas sim no que se denomina de fortuito interno, por se tratar de ação conexa à atividade econômica desempenhada. Nessas situações, quer porque não tenha sido exclusivo, quer porque se relaciona a fortuitos internos relacionados a fraudes, o fato de terceiro neste caso não excluiria a responsabilidade civil do banco promovido, de acordo com remansosa a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, tanto objeto de julgamento através do rito de recurso repetitivo, quanto sumulada através de sua Súmula 479: RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. JULGAMENTO PELA SISTEMÁTICA DO ART. 543-C DO CPC. RESPONSABILIDADE CIVIL. INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS. DANOS CAUSADOS POR FRAUDES E DELITOS PRATICADOS POR TERCEIROS. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. FORTUITO INTERNO. RISCO DO EMPREENDIMENTO. 1. Para efeitos do art. 543-C do CPC: As instituições bancárias respondem objetivamente pelos danos causados por fraudes ou delitos praticados por terceiros - como, por exemplo, abertura de conta-corrente ou recebimento de empréstimos mediante fraude ou utilização de documentos falsos -, porquanto tal responsabilidade decorre do risco do empreendimento, caracterizando-se como fortuito interno. 2. Recurso especial provido. (REsp 1197929/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 24/08/2011, DJe 12/09/2011) Súmula 479 do STJ: “As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias”. Em suma, portanto, encontram-se reunidos no presente caso concreto os elementos da responsabilidade consumerista objetiva por fato do serviço, independentemente da ocorrência de culpa, respondendo a instituição financeira ré pela ocorrência de eventuais danos ao consumidor. 1.3) Da pretensão reparatória por danos morais Assentada a prática de conduta ilícita pela promovida, passa-se agora à verificação se, no caso concreto, defluíram dessa conduta danos morais passíveis de reparação. Ora, no caso em apreço, ao permitir a realização de descontos indevidos no benefício previdenciário da parte autora, tenho que a promovida praticou conduta ilícita que, à luz das regras da experiência ordinária, ocasionou evidentes danos morais a ela. De fato, à luz das regras da experiência ordinária, a realização de contratação inexistente em nome alheio, já ocasiona, por si só, naturais sentimentos de intensa preocupação e de violação à intimidade de cada qual, que se sente impotente quanto a tal situação e temeroso com os nefastos desdobramentos que normalmente podem acontecer – envio de cobranças, inscrições nos cadastros de restrição ao crédito etc. Com efeito, observa-se que a promovida, em que pese não ter inserido o nome da parte autora nos cadastros de proteção ao crédito, incorreu em abuso de direito na forma de reiterados descontos em seu benefício previdenciário, configurando dano moral passível de reparação, tendo em vista a ausência de qualquer justificativa para tais descontos. Vejam-se os precedentes a seguir: RESPONSABILIDADE CIVIL. DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C DANOS MORAIS. IMPROCEDÊNCIA. APELAÇÃO CÍVEL. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA DO BANCO PAN. AQUISIÇÃO APENAS DA CARTEIRA DE CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. ACOLHIMENTO. MÉRITO. RELAÇÃO CONSUMERISTA. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO PACTO FIRMADO ENTRE AS PARTES. RÉU QUE NÃO SE DESIMCUMBIU DE SEU ÔNUS PROBATÓRIO, NÃO DESCONSTITUINDO O DIREITO AUTORAL. DESCONTOS INDEVIDOS. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. DANO MORAL EVIDENCIADO. DEVER DE INDENIZAR. RESTITUIÇÃO DOS VALORES DESCONTADOS INDEVIDAMENTE NA FORMA DA MODULAÇÃO FIRMADA PELO STJ QUANDO DO JULGAMENTO DO EAREsp 600.663/RS. PROVIMENTO PARCIAL DO APELO. 1. Considerando-se que o Banco Pan S/A adquiriu apenas as operações relativas aos cartões de crédito emitidos pelo Banco Cruzeiro do Sul, mister o reconhecimento de sua ilegitimidade para integrar o polo passivo de ação na qual se pretende discutir a regularidade das cláusulas contratuais de empréstimo consignado. 2.A instituição financeira, na condição de fornecedora de serviços, responde objetivamente pelos danos causados à parte autora, em virtude da deficiência na prestação dos serviços, nos termos do art. 14, do Código de Defesa do Consumidor. 3. O réu não se desincumbiu de seu ônus de provar fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, nos termos do art. 337, inciso II, CPC/2015, deixando de juntar ao autos cópia do contrato que alega ter sido firmado entre as partes. 4. A contratação de empréstimo mediante fraude resultou em descontos ilegais nos proventos da autora, implicando redução de sua capacidade econômica no período dos descontos, suficiente para caracterizar o dano moral. Precedente do STJ. 5. A indenização por dano moral deve ser arbitrada segundo o prudente arbítrio do julgador, sempre com moderação, observando-se as peculiaridades do caso concreto e os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, de modo que o quantum arbitrado se preste a atender ao caráter punitivo da medida e de recomposição dos prejuízos, sem importar, contudo, enriquecimento sem causa da vítima. 6. Provimento parcial do recurso. VISTOS, relatados e discutidos os presentes autos. ACORDAM os integrantes da Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba, à unanimidade, acolher a preliminar de ilegitimidade passiva do Banco Pan S/A, excluindo-o da lide e, no mérito, dar provimento parcial ao apelo, nos termos do voto do relator e da certidão de julgamento retro. (0812341-52.2017.8.15.2001, Rel. Des. José Aurélio da Cruz (vago), REMESSA NECESSáRIA CíVEL, 2ª Câmara Cível, juntado em 27/04/2022) APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO ANULATÓRIA DE COBRANÇA DE SEGURO CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO E DANOS MORAIS - VALORES DESCONTADOS EM CONTA CORRENTE DA AUTORA – COBRANÇA INDEVIDA – NÃO DEMONSTRADA A REGULARIDADE DA CONTRATAÇÃO – ATO ILÍCITO - REPARAÇÃO CIVIL – DANO MORAL PRESENTES – VALOR – NECESSIDADE DE REDUÇÃO - RESTITUIÇÃO SIMPLES – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. A cobrança, através de descontos em conta corrente, de dívida inexistente, confirma a ilicitude da conduta perpetrada pela instituição financeira ré, não sendo possível eximir-se de tal enquadramento sob a alegação de exercício regular de um direito ou fato de terceiro. Configurado o dano moral na espécie, já que os descontos indevidos ocorreram sobre os proventos de aposentadoria, verba sabidamente de caráter alimentar, de pessoa de baixa renda. Na quantificação da indenização por dano moral, deve o julgador, atendo-se às específicas condições do caso concreto, fixar o valor mais justo para o ressarcimento, lastreado nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Não ficando evidenciado a má-fé do banco apelado, não tem cabimento a pretensão de recebimento do indébito, em dobro. Inaplicabilidade do artigo 42 do CDC ao caso. (TJ-MS - AC: 08071329820198120002 MS 0807132-98.2019.8.12.0002, Relator: Des. Marcos José de Brito Rodrigues, Data de Julgamento: 23/06/2020, 1ª Câmara Cível, Data de Publicação: 26/06/2020) (Grifei) Em suma, portanto, considerando todas essas nuances, a contratação não realizada/autorizada pela parte autora, seguida de reiterados descontos de valores, claro está que danos morais foram ocasionados à parte consumidora, sendo a promovida responsável pela respectiva indenização, por estar associada à ocorrência do ilícito. Para então uma correta quantificação do valor da indenização pelos danos morais ocasionados, concretizando a função satisfativa ou compensatória dessa indenização, cumpre observar, de início, que uma série de nuances do caso concreto catalogadas pela doutrina e jurisprudência devem ser sopesadas pelo julgador, dentre elas a extensão do dano provocado; o grau de culpa do ofensor; as condições pessoais das partes; a capacidade econômica das partes, notadamente do ofensor; a eventual repercussão do fato, dentro outros. Por outro lado, a indenização, para além dessa função satisfativa ou compensatória, deve assentar-se também sobre um plano finalístico punitivo e preventivo-dissuasório, vale dizer, a indenização por dano moral deve representar para a vítima uma satisfação capaz de amenizar de alguma forma o sofrimento ocorrido e, ao mesmo tempo, produzir no ofensor um impacto de viés punitivo que venha a dissuadi-lo de novo atentado, prevenindo a ocorrência de novos danos. Por fim, contudo, deve-se atentar para que os princípios da proporcionalidade e razoabilidade não venham a ser violados e a indenização não seja fixada de forma tão elevada que gere enriquecimento ilícito para a parte. Na hipótese em destaque, portanto, considerando, dentre outros elementos, (i) a considerável extensão do dano – a parte autora, pessoa idosa, se viu vítima de contratação fraudulenta, envolvendo a razoável quantia de R$ 6.080,96, a partir da qual, à vista dos diversos descontos indevidamente realizados em seu benefício previdenciário, ocorridos por vários meses, sofreu com a diminuição da sua renda mensal –, (ii) a notória capacidade econômica do promovido, (iii) o grau de culpa do banco réu – que, negligenciando o seu dever de cuidado, promoveu indevidamente ou contribuiu para a realização da contratação questionada –, como também os princípios da proporcionalidade e razoabilidade aplicáveis à espécie, bem ainda as funções punitiva e preventiva também desempenhadas pela indenização por danos morais, entendo que o valor mais adequado a fim de compensar o dano moral experimentado pela parte autora, bem como de evitar repetições no futuro de casos semelhantes, é o de R$ 5.000,00 (cinco mil reais). Da restituição, EM DOBRO, dos valores descontados A respeito do pleito de devolução EM DOBRO dos valores descontados da parte autora, dispõe o artigo 42, parágrafo único, do CDC: “O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável”. Ora, não tendo sido apresentado o contrato de empréstimo / refinanciamento supostamente firmado entre as partes, observa-se, de início, que, em conformidade com esse referido artigo, não há a comprovação de qualquer engano justificável que viesse a legitimar a cobrança das quantias mensais questionadas, de modo que a repetição em dobro é devida. Ademais, ecoando a passagem expressa da lei, o C. Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento dos Embargos de Divergência n. 676.608/RS, confirmou ser desnecessária a comprovação da má-fé da parte de quem realizou a cobrança indevida, compreendendo que “a restituição em dobro do indébito (parágrafo único do artigo 42 do CDC) independe da natureza do elemento volitivo do fornecedor que realizou a cobrança indevida, revelando-se cabível quando a referida cobrança consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva” (EAREsp 676.608/RS, rel. Min. Og Fernandes, Corte Especial, j. 21.10.2020, DJe 30.03.2021), e que, portanto, a repetição em dobro somente não ocorrerá quando o fornecedor comprove a ocorrência de engano justificável. Nesse sentido, veja-se o citado julgado da Corte Especial do C. STJ, in verbis: DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO CONSUMIDOR. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. HERMENÊUTICA DAS NORMAS DE PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. DEVOLUÇÃO EM DOBRO. PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 42 DO CDC. REQUISITO SUBJETIVO. DOLO/MÁ-FÉ OU CULPA. IRRELEVÂNCIA. PREVALÊNCIA DO CRITÉRIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. MODULAÇÃO DE EFEITOS PARCIALMENTE APLICADA. ART. 927, § 3º, DO CPC/2015. IDENTIFICAÇÃO DA CONTROVÉRSIA 1. Trata-se de Embargos de Divergência que apontam dissídio entre a Primeira e a Segunda Seções do STJ acerca da exegese do art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor - CDC. A divergência refere-se especificamente à necessidade de elemento subjetivo para fins de caracterização do dever de restituição em dobro da quantia cobrada indevidamente. 2. Eis o dispositivo do CDC em questão: "O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável." (art. 42, parágrafo único, grifo acrescentado). (...) HERMENÊUTICA DAS NORMAS DE PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR E O ART. 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CDC 9. Em harmonia com os ditames maiores do Estado Social de Direito, na tutela de sujeitos vulneráveis, assim como de bens, interesses e direitos supraindividuais, ao administrador e ao juiz incumbe exercitar o diálogo das fontes, de modo a - fieis ao espírito, ratio e princípios do microssistema ou da norma - realizarem material e não apenas formalmente os objetivos cogentes, mesmo que implícitos, abonados pelo texto legal. Logo, interpretação e integração de preceitos legais e regulamentares de proteção do consumidor, codificados ou não, submetem-se a postulado hermenêutico de ordem pública segundo o qual, em caso de dúvida ou lacuna, o entendimento administrativo e o judicial devem expressar o posicionamento mais favorável à real superação da vulnerabilidade ou mais condutivo à tutela efetiva dos bens, interesses e direitos em questão. Em síntese, não pode "ser aceita interpretação que contradiga as diretrizes do próprio Código, baseado nos princípios do reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor e da facilitação de sua defesa em juízo." (REsp 1.243.887/PR, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Corte Especial, DJe 12/12/2011). Na mesma linha da interpretação favorável ao consumidor: AgRg no AREsp 708.082/DF, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Terceira Turma, DJe 26/2/2016; REsp 1.726.225/RJ, Rel. Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, DJe 24/9/2018; e REsp 1.106.827/SP, Rel. Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, DJe 23/10/2012. Confira-se também: "O mandamento constitucional de proteção do consumidor deve ser cumprido por todo o sistema jurídico, em diálogo de fontes, e não somente por intermédio do CDC." (REsp 1.009.591/RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 23/8/2010). 10. A presente divergência deve ser solucionada à luz do princípio da vulnerabilidade e do princípio da boa-fé objetiva, inarredável diretriz dual de hermenêutica e implementação de todo o CDC e de qualquer norma de proteção do consumidor. O art. 42, parágrafo único, do CDC faz menção a engano e nega a devolução em dobro somente se for ele justificável. Ou seja, a conduta-base ou ponto de partida para a repetição dobrada de indébito é o engano do fornecedor. Como argumento de defesa, a justificabilidade (= legitimidade) do engano, para afastar a devolução em dobro, insere-se no domínio da causalidade, e não no domínio da culpabilidade, pois esta se resolve, sem apelo ao elemento volitivo, pelo prisma da boa-fé objetiva. 11. Na hipótese dos autos, necessário, para fins de parcial modulação temporal de efeitos, fazer distinção entre contratos de serviços públicos e contratos estritamente privados, sem intervenção do Estado ou de concessionárias. (...) CONTRATOS QUE ENVOLVAM O ESTADO OU SUAS CONCESSIONÁRIAS DE SERVIÇOS PÚBLICOS 13. Na interpretação do parágrafo único do art. 42 do CDC, deve prevalecer o princípio da boa-fé objetiva, métrica hermenêutica que dispensa a qualificação jurídica do elemento volitivo da conduta do fornecedor. (...) 18. Ora, se a regra da responsabilidade civil objetiva impera, universalmente, em prestações de serviço público, como admitir que, nas relações de consumo - na presença de sujeito (consumidor) caracterizado ope legis como vulnerável (CDC, art. 4º, I) -, o paradigma jurídico seja o da responsabilidade subjetiva (com dolo ou culpa)? Seria contrassenso atribuir tal privilégio ao fornecedor, mormente por ser fato notório que dezenas de milhões dos destinatários finais dos serviços públicos, afligidos por cobranças indevidas, personificam não só sujeitos vulneráveis, como também sujeitos indefesos e hipossuficientes econômica e juridicamente, ou seja, carentes em sentido lato, destituídos de meios financeiros, de informação e de acesso à justiça. 19. Compreensão distinta, centrada na necessidade de prova de elemento volitivo, na realidade inviabiliza a devolução em dobro, p. ex., de pacotes de serviços telefônicos jamais solicitados pelo consumidor, bastando ao fornecedor invocar uma justificativa qualquer para seu engano. Nas condições do mercado de consumo massificado, impor ao consumidor prova de dolo ou culpa corresponde a castigá-lo com ônus incompatível com os princípios da vulnerabilidade e da boa-fé objetiva, legitimando, ao contrário dos cânones do microssistema, verdadeira prova diabólica, o que contraria frontalmente a filosofia e ratio eticossocial do CDC. Assim, a expressão "salvo hipótese de engano justificável" do art. 42, parágrafo único, do CDC deve ser apreendida como elemento de causalidade, e não como elemento de culpabilidade. CONTRATOS QUE NÃO ENVOLVAM PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS (...) 21. Tal qual ocorre nos contratos de consumo de serviços públicos, nas modalidades contratuais estritamente privadas também deve prevalecer a interpretação de que a repetição de indébito deve ser dobrada quando ausente a boa-fé objetiva do fornecedor na cobrança realizada. Ou seja, atribui-se ao engano justificável a natureza de variável da equação de causalidade, e não de elemento de culpabilidade, donde irrelevante a natureza volitiva da conduta que levou ao indébito. RESUMO DA PROPOSTA DE TESE RESOLUTIVA DA DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL 22. A proposta aqui trazida - que procura incorporar, tanto quanto possível, o mosaico das posições, nem sempre convergentes, dos Ministros MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, NANCY ANDRIGHI, LUIS FELIPE SALOMÃO, OG FERNANDES, JOÃO OTÁVIO DE NORONHA E RAUL ARAÚJO - consiste em reconhecer a irrelevância da natureza volitiva da conduta (se dolosa ou culposa) que deu causa à cobrança indevida contra o consumidor, para fins da devolução em dobro a que refere o parágrafo único do art. 42 do CDC, e fixar como parâmetro excludente da repetição dobrada a boa-fé objetiva do fornecedor (ônus da defesa) para apurar, no âmbito da causalidade, o engano justificável da cobrança. 23. Registram-se trechos dos Votos proferidos que contribuíram diretamente ou serviram de inspiração para a posição aqui adotada (grifos acrescentados): 23.1. MINISTRA NANCY ANDRIGHI: "O requisito da comprovação da má-fé não consta do art. 42, parágrafo único, do CDC, nem em qualquer outro dispositivo da legislação consumerista. A parte final da mencionada regra - 'salvo hipótese de engano justificável' - não pode ser compreendida como necessidade de prova do elemento anímico do fornecedor." 23.2. MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA: "Os requisitos legais para a repetição em dobro na relação de consumo são a cobrança indevida, o pagamento em excesso e a inexistência de engano justificável do fornecedor. A exigência de indícios mínimos de má-fé objetiva do fornecedor é requisito não previsto na lei e, a toda evidência, prejudica a parte frágil da relação." 23.3. MINISTRO OG FERNANDES: "A restituição em dobro de indébito (parágrafo único do art. 42 do CDC) independe da natureza do elemento volitivo do agente que cobrou o valor indevido, revelando-se cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva." 23.4. MINISTRO RAUL ARAÚJO: "Para a aplicação da sanção civil prevista no art. 42, parágrafo único, do CDC, é necessária a caracterização de conduta contrária à boa-fé objetiva para justificar a reprimenda civil de imposição da devolução em dobro dos valores cobrados indevidamente." 23.5. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO: "O código consumerista introduziu novidade no ordenamento jurídico brasileiro, ao adotar a concepção objetiva do abuso do direito, que se traduz em uma cláusula geral de proteção da lealdade e da confiança nas relações jurídicas, prescindindo da verificação da intenção do agente - dolo ou culpa - para caracterização de uma conduta como abusiva (...) Não há que se perquirir sobre a existência de dolo ou culpa do fornecedor, mas, objetivamente, verificar se o engano/equívoco/erro na cobrança era ou não justificável." 24. Sob o influxo da proposição do Ministro Luis Felipe Salomão, acima transcrita, e das ideias teórico-dogmáticas extraídas dos Votos das Ministras Nancy Andrighi e Maria Thereza de Assis Moura e dos Ministros Og Fernandes, João Otávio de Noronha e Raul Araújo, fica assim definida a resolução da controvérsia: a repetição em dobro, prevista no parágrafo único do art. 42 do CDC, é cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva, ou seja, deve ocorrer independentemente da natureza do elemento volitivo. PARCIAL MODULAÇÃO TEMPORAL DOS EFEITOS DA PRESENTE DECISÃO 25. O art. 927, § 3º, do CPC/2015 prevê a possibilidade de modulação de efeitos não somente quando alterada a orientação firmada em julgamento de recursos repetitivos, mas também quando modificada jurisprudência dominante no STF e nos tribunais superiores. 26. Na hipótese aqui tratada, a jurisprudência da Segunda Seção, relativa a contratos estritamente privados, seguiu compreensão (critério volitivo doloso da cobrança indevida) que, com o presente julgamento, passa a ser completamente superada, o que faz sobressair a necessidade de privilegiar os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança dos jurisdicionados. 27. Parece prudente e justo, portanto, que se deva modular os efeitos da presente decisão, de maneira que o entendimento aqui fixado seja aplicado aos indébitos de natureza contratual não pública cobrados após a data da publicação deste acórdão. TESE FINAL 28. Com essas considerações, conhece-se dos Embargos de Divergência para, no mérito, fixar-se a seguinte tese: A REPETIÇÃO EM DOBRO, PREVISTA NO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 42 DO CDC, É CABÍVEL QUANDO A COBRANÇA INDEVIDA CONSUBSTANCIAR CONDUTA CONTRÁRIA À BOA-FÉ OBJETIVA, OU SEJA, DEVE OCORRER INDEPENDENTEMENTE DA NATUREZA DO ELEMENTO VOLITIVO. MODULAÇÃO DOS EFEITOS 29. Impõe-se MODULAR OS EFEITOS da presente decisão para que o entendimento aqui fixado - quanto a indébitos não decorrentes de prestação de serviço público - se aplique somente a cobranças realizadas após a data da publicação do presente acórdão. RESOLUÇÃO DO CASO CONCRETO 30. Na hipótese dos autos, o acórdão recorrido fixou como requisito a má-fé, para fins do parágrafo único do art. 42 do CDC, em indébito decorrente de contrato de prestação de serviço público de telefonia, o que está dissonante da compreensão aqui fixada. Impõe-se a devolução em dobro do indébito. CONCLUSÃO 31. Embargos de Divergência providos. (EAREsp 600.663/RS, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Rel. p/ Acórdão Ministro HERMAN BENJAMIN, CORTE ESPECIAL, julgado em 21/10/2020, DJe 30/03/2021) (Grifei) Nesse passo, percebe-se que foi estabelecida modulação dos efeitos da decisão vinculante acima, publicada somente na data de 30/03/2021, contudo, os descontos indevidos questionados nestes autos foram realizados em momento posterior à publicação do referido acórdão da Corte Superior acima, de modo que, também em conformidade com essa referida decisão, deve ser reconhecido o pedido de devolução em dobro das parcelas. Desse modo, O ACOLHIMENTO DO PEDIDO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO EM DOBRO É MEDIDA QUE SE IMPÕE. DISPOSITIVO Em face do exposto, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO para, em consequência: A. DECLARAR a inexistência, em face da parte autora, de todo e qualquer débito originário dos descontos discutidos no presente feito; B. CONDENAR A PROMOVIDA A PAGAR À PARTE PROMOVENTE A QUANTIA DE R$ 5.000,00 (CINCO MIL REAIS), A TÍTULO DE DANOS MORAIS, devidamente corrigida pelo IPCA, a contar desta data, e acrescida de juros moratórios pela taxa SELIC (deduzido o IPCA do período), a partir do evento danoso (época do primeiro desconto), conforme dispõe o art. 398, do CC/02 e entendimento da Súmula 54/STJ (responsabilidade extracontratual); bem ainda C. CONDENAR O PROMOVIDO À REPETIÇÃO DO INDÉBITO, NA FORMA DOBRADA, dos valores indevidamente pagos pela parte autora em favor do banco réu, no período compreendido entre os 5(cinco) anos anteriores à data do ajuizamento da ação (art. 27 do CDC, conforme jurisprudência do STJ) até à data da efetiva cessação das cobranças indevidas (conforme art. 323 do NCPC), cujo montante deverá ser apurado em sede de liquidação de sentença e corrigido monetariamente pelo IPCA, com incidência a partir de cada desconto, com incidência de juros moratórios pela taxa SELIC (deduzido o IPCA do período), contados desde o evento danoso (Súmula 54, STJ). Outrossim, REVOGO os efeitos do decisum que denegou a tutela de urgência requerida initio litis e, nesta oportunidade, presentes os pressupostos do art. 300 do CPC, CONCEDO A REFERIDA TUTELA DE URGÊNCIA a fim de DETERMINAR ao banco réu que SE ABSTENHA DE REALIZAR NOVOS DESCONTOS NO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DA PARTE AUTORA em razão do débito decorrente do contrato impugnado na presente demanda, no prazo de 15(quinze) dias, sob pena de incidência de multa diária revertida em favor da promovente, a ser oportunamente arbitrada por este Juízo. Fica, de igual modo, autorizada a compensação do referido montante condenatório com eventual numerário recebido pela parte autora em sua conta bancária (fruto do contrato de empréstimo / refinanciamento em testilha), sobre o qual deverá incidir correção monetária, também pelo IPCA, a contar da data do efetivo depósito na conta bancária da autora. Atento ao princípio da causalidade, condeno ainda a parte ré ao pagamento das custas e dos honorários advocatícios, estes fixados em 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, § 2º, do CPC. DISPOSIÇÕES FINAIS Com o trânsito em julgado desta sentença sem a interposição de recurso, ALTERE-SE A CLASSE PROCESSUAL PARA CUMPRIMENTO DE SENTENÇA e então INTIME-SE a parte vencedora para requerer o cumprimento de sentença, no prazo de 15(quinze) dias, CARREANDO AOS AUTOS, NO MESMO PRAZO, PROVA DOCUMENTAL DOS EFETIVOS DESCONTOS IMPUGNADOS. Uma vez apresentada petição de cumprimento de sentença, INTIME-SE a parte executada para (i) efetuar o pagamento do valor executado, no prazo de 15(quinze) dias, sob pena de incidência de multa de 10% e honorários advocatícios da fase executiva também de 10%, bem como para, (ii) num prazo suplementar de mais 15(quinze) dias, querendo, impugnar esse cumprimento de sentença. Sobrevindo pagamento voluntário do quantum executado a qualquer tempo, EXPEÇAM-SE os competentes Alvarás Judiciais (ou proceda-se à transferência de valores para eventuais contas bancárias que vierem a ser indicadas), relativos ao valor principal e honorários sucumbenciais, em favor da parte autora e de seu advogado, liberando-se, igualmente, os honorários contratuais em caso de juntada de contrato de honorários nos autos, CALCULANDO-SE, em seguida, as custas processuais e então INTIMANDO-SE a parte sucumbente para, no prazo de 15 (quinze) dias, efetuar o devido pagamento, sob pena de protesto, inscrição na dívida ativa e/ou bloqueio de valores via SisbaJud. Ao fim, cumpridas as determinações acima, inclusive com o recolhimento das custas processuais, e nada mais sendo requerido, ARQUIVE-SE o presente feito. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Cumpra-se. Campina Grande, data e assinatura eletrônicas. Wladimir Alcibíades Marinho Falcão Cunha Juiz de Direito
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