Processo nº 3012749-79.2025.8.06.0001
ID: 336848907
Tribunal: TJCE
Órgão: 38ª Vara Cível da Comarca de Fortaleza
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 3012749-79.2025.8.06.0001
Data de Disponibilização:
29/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
LARISSA STEPHANE DE OLIVEIRA
OAB/SP XXXXXX
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38ª Vara Cível da Comarca de Fortaleza Rua Desembargador Floriano Benevides Magalhães, 220, Edson Queiroz, FORTALEZA - CE - CEP: 60811-690 Nº DO PROCESSO: 3012749-79.2025.8.06.0001 CLASSE: PROCEDIM…
38ª Vara Cível da Comarca de Fortaleza Rua Desembargador Floriano Benevides Magalhães, 220, Edson Queiroz, FORTALEZA - CE - CEP: 60811-690 Nº DO PROCESSO: 3012749-79.2025.8.06.0001 CLASSE: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) ASSUNTO: [Inclusão Indevida em Cadastro de Inadimplentes, Financiamento de Produto, Análise de Crédito] AUTOR: JOSE WILSON DE CASTRO PIRES REU: NEW MOTORS LTDA e outros SENTENÇA Vistos, etc. I. RELATÓRIO Trata-se de Ação Declaratória de Anulação de Contrato c/c Indenização por Danos Morais com Medida Liminar, ajuizada por José Wilson de Castro Pires em face de New Motors Ltda e Banco Digimais S/A, todos qualificados. Narra o autor que ajuizou ação após ser surpreendido com a cobrança de multas e dívidas vinculadas a um veículo (FIAT/MOBI LIKE, placa RMK4H28) com o qual nunca teve qualquer vínculo ou conhecimento. O veículo está registrado em nome da ré NEW MOTORS LTDA, sediada em Santos/SP, local onde a autora nunca residiu. Mesmo assim, passou a receber cobranças de financiamento do Banco Digimais, tendo inclusive seu nome indevidamente negativado, o que vem lhe causando prejuízos financeiros e constrangimentos pessoais. Apesar de solicitar esclarecimentos, a autora não recebeu qualquer solução e comprovou que os dados constantes no carnê de financiamento não correspondem aos seus, reforçando a inexistência de vínculo contratual ou comercial. Sustenta ainda que, mesmo se houvesse contrato, este seria nulo por vício de consentimento, ausência de formalidades legais e responsabilidade objetiva da instituição financeira. Diante disso, requer judicialmente: Concessão da gratuidade de justiça, com fundamento nos arts. 98 e 99 do CPC, art. 5º, LXXIV da CF/88 e na Lei 1.060/50, em razão da hipossuficiência financeira; Deferimento de medida liminar para: Exclusão imediata do nome da autora dos cadastros de inadimplentes; Bloqueio temporário do veículo de placa RMK4H28 (FIAT/MOBI LIKE), até decisão final, para evitar novos prejuízos; Citação da parte ré para audiência de conciliação, de forma virtual, sob pena de revelia e confissão quanto à matéria de fato; Procedência da ação, com: Declaração de nulidade do contrato de financiamento nº 0002164671, reconhecendo a inexistência do negócio jurídico e dos seus efeitos; Condenação da primeira ré (NEW MOTORS LTDA) ao pagamento das multas de trânsito indevidamente atribuídas à autora; Condenação ao pagamento de danos morais, no valor mínimo de R$ 30.000,00, diante da má-fé, falha na prestação de serviços e constrangimentos causados; Protesta por todos os meios de prova, inclusive perícia grafotécnica, se necessária; Valor da causa: R$ 30.000,00. Despacho, id 137188582, deferindo a gratuidade judiciária à parte autora. Contestação do Banco Digimais, id 152056346, preliminarmente, denunciando a lide, alegando sua ilegitimidade passiva, apontando a inépcia da inicial, apontando a ausência de requisitos para a concessão da gratuidade judiciária concedida à parte autora e para o deferimento da tutela de urgência. No mérito, sustenta que não praticou qualquer ato ilícito e que agiu no exercício regular de seu direito contratual. Defende que a responsabilidade civil exige a demonstração de três requisitos fundamentais - conduta ilícita, dano e nexo causal -, os quais não foram comprovados pela parte autora. Alega que as acusações são genéricas e destituídas de provas mínimas, motivo pelo qual não se justificaria a inversão do ônus da prova, nem a aplicação automática do Código de Defesa do Consumidor. O banco afirma que a contratação foi legítima, tendo sido realizada com apresentação de documentos pessoais originais, CNH, assinatura digital, número de celular, e-mail e selfie da autora, todos coincidentes com os documentos anexados à própria petição inicial. Ressalta que não há qualquer indício de fraude, adulteração ou perda de documentos que pudessem ensejar dúvidas sobre a autenticidade da contratação. Dessa forma, sustenta que o contrato é válido, celebrado entre partes capazes, com objeto lícito e determinado, representando exercício legítimo da autonomia da vontade. Rejeita a tese de vício contratual ou inexistência de relação jurídica e, por fim, requer a total improcedência da ação, com fundamento na ausência de ato ilícito, inexistência de falha na prestação de serviço e impossibilidade de responsabilização objetiva. Contestação de New Motors Ltda, id 154495720, preliminarmente, alegando sua ilegitimidade passiva. No mérito, sustenta que não praticou qualquer ato ilícito e, ao contrário, foi a principal vítima do financiamento fraudulento que originou a presente demanda. Alega que jamais autorizou o Banco Digimais a financiar o veículo de sua propriedade, tampouco recebeu qualquer valor por ele. Ressalta que a responsabilidade civil exige conduta ilícita, dano e nexo causal, elementos ausentes no caso concreto. Destaca que não há provas nos autos que indiquem qualquer culpa sua pela fraude, sendo que ela própria ajuizou ação declaratória de nulidade contratual contra o Banco Digimais, que, por sua vez, reconheceu a nulidade do contrato e informou o levantamento do gravame indevido sobre o veículo. A empresa impugna ainda o pedido de bloqueio do veículo, classificando-o como descabido e prejudicial à sua posse legítima, já que é a verdadeira proprietária e nunca teve qualquer relação com o suposto comprador ou com o autor. Argumenta também que não pode ser responsabilizada pelas multas, pois o veículo nunca esteve em poder da parte autora. Por fim, requer a total improcedência da ação, em especial quanto ao pedido de indenização por danos morais, afirmando que a autora não comprovou qualquer conduta ilícita da requerida e que a tentativa de responsabilizá-la configura uma inversão indevida da lógica da responsabilidade civil. Réplica, id 159809529. Decisão Interlocutória, id 159813475, invertendo o ônus da prova em favor da autora, em conformidade com a regra insculpida no art. 6º, VIII, do CDC e, por conseguinte, intimando as partes para dizerem se têm interesse em produzir provas além daquelas já constante nos autos, especificando-as e justificando-as, em 15 (quinze) dias, sob pena de julgamento antecipado do mérito, na forma do art. 355, I, do CPC/15. Petição do Banco Digimais S/A, id 162442982, informa que requereu a denunciação da lide da empresa Anderson do Nascimento Ramos Comércio de Veículos Ltda., alegando que foi essa empresa quem solicitou e recebeu os valores do financiamento questionado, razão pela qual deve integrar o polo passivo da demanda. Reitera sua ilegitimidade passiva, sustentando que atuou apenas como instituição financiadora, sem ingerência sobre a negociação ou sobre eventual fraude ocorrida na origem do contrato. Alega não ter praticado qualquer ato ilícito e que, por isso, não pode ser responsabilizado por danos materiais, obrigacionais ou morais. Por fim, reafirma os fundamentos já expostos em sua contestação e requer a total improcedência da ação em relação a si. Petição do autor, id 162522647, reitera que continua sofrendo prejuízos concretos e persistentes, mesmo após o ajuizamento da ação, permanecendo com o nome negativado no SERASA e vinculado a multas de trânsito relativas a um veículo (Fiat/Mobi) que nunca possuiu ou utilizou, correndo, inclusive, risco de suspensão da CNH por infrações que não cometeu. Ressalta que as provas já constantes nos autos demonstram a inexistência de vínculo contratual com os réus, a divergência de endereços, a ausência de assinatura válida, a propriedade do veículo em nome da empresa ré e a negativação indevida, o que evidencia que é a vítima da fraude praticada por terceiros. O autor impugna a denunciação da lide requerida pelo Banco Digimais, afirmando que não cabe ao consumidor arcar com os efeitos da indefinição entre os réus sobre quem seria o verdadeiro responsável. Aponta que o Banco agiu com falha na prestação de serviço, ao liberar crédito sem mínima verificação, devendo responder objetivamente nos termos do art. 14 do CDC. Também atribui responsabilidade à New Motors Ltda., alegando que, na condição de proprietária do veículo, foi negligente ao permitir a circulação de veículo com infrações em aberto e ao não impedir a fraude, razão pela qual defende a responsabilidade solidária das rés, nos termos do art. 7º, parágrafo único, do CDC. É o relatório. Decido. II. FUNDAMENTAÇÃO 2.1. Das Questões Processuais Pendentes Antes de adentrar ao mérito da causa, impõe-se a análise das questões processuais pendentes, arguidas em sede de contestação, cuja resolução é prejudicial ao exame da matéria de fundo. 2.1.1. Da Denunciação da Lide O réu Banco Digimais S/A pugnou pela denunciação da lide à empresa Anderson do Nascimento Ramos Comércio de Veículos Ltda., sob o argumento de que esta, na qualidade de correspondente bancário e intermediária da venda, foi a efetiva recebedora dos valores do financiamento e, por força de contrato, estaria obrigada a indenizá-lo em ação de regresso. A pretensão, contudo, não merece acolhida. A presente demanda versa sobre relação de consumo, sendo o autor considerado consumidor por equiparação (bystander), nos termos do art. 17 do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Em casos tais, a jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça (STJ) veda a denunciação da lide, com fundamento no art. 88 do CDC, por entender que a introdução de uma lide secundária, alheia ao interesse do consumidor, atenta contra os princípios da celeridade e da efetividade da tutela jurisdicional, onerando desproporcionalmente a parte vulnerável da relação. A eventual responsabilidade contratual entre a instituição financeira e a loja intermediadora da venda fraudulenta é questão que deve ser dirimida em ação autônoma de regresso, não cabendo ao consumidor aguardar o desfecho de uma controvérsia entre os fornecedores para ver seu direito satisfeito. O objetivo do microsistema consumerista é garantir a reparação célere e integral do dano sofrido pelo consumidor, e a admissão da denunciação da lide iria de encontro a essa finalidade precípua. Destarte, com base na incompatibilidade do instituto com os princípios norteadores do Direito do Consumidor, indefiro o pedido de denunciação da lide. 2.1.2. Das Preliminares de Ilegitimidade Passiva ad causam Ambos os réus arguiram sua ilegitimidade para figurar no polo passivo da demanda. O Banco Digimais S/A alega ter atuado como mero intermediário financeiro, sem responsabilidade pela transação subjacente. Por sua vez, a ré New Motors Ltda sustenta que também foi vítima da fraude e, portanto, não poderia ser responsabilizada pelos danos. As preliminares devem ser rechaçadas. O Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 7º, parágrafo único, e no art. 14, estabelece a responsabilidade objetiva e solidária de todos os integrantes da cadeia de fornecimento pelos danos causados ao consumidor. No caso em tela, a fraude que vitimou o autor só foi possível pela concorrência de condutas (ainda que omissivas) de ambos os réus. O Banco Digimais S/A, na qualidade de fornecedor de serviços financeiros, tinha o dever de segurança na concessão do crédito, o que, como se verá no mérito, foi flagrantemente violado. A New Motors Ltda, por sua vez, era a proprietária do bem (veículo FIAT/MOBI LIKE) que serviu de objeto para a operação fraudulenta. A sua participação, ainda que involuntária, foi elemento essencial para a ocorrência do evento danoso. A jurisprudência pátria é pacífica ao reconhecer a legitimidade de todos os envolvidos na cadeia de consumo para responderem perante o consumidor lesado. O fato de a New Motors Ltda também se apresentar como vítima da fraude não a exime de sua responsabilidade perante o consumidor, resguardado seu direito de regresso contra quem entender de direito. A teoria do risco do empreendimento impõe aos fornecedores o ônus de arcar com os danos decorrentes de sua atividade, incluindo as fraudes praticadas por terceiros. Assim, sendo ambos os réus partícipes da cadeia de fornecimento que resultou no dano ao autor, possuem plena legitimidade para figurar no polo passivo desta ação. Pelo exposto, rejeito as preliminares de ilegitimidade passiva. 2.2. Do Mérito Superadas as questões processuais, passo à análise do mérito da causa, que comporta julgamento antecipado, nos termos do art. 355, I, do Código de Processo Civil, porquanto a matéria controvertida é eminentemente de direito e os fatos estão suficientemente comprovados pela prova documental carreada aos autos, sendo desnecessária a produção de outras provas. 2.2.1. Da Relação de Consumo e da Inversão do Ônus da Prova A relação jurídica em análise é, inequivocamente, de consumo. O Superior Tribunal de Justiça, por meio da Súmula 297, pacificou o entendimento de que "O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras". O autor, cujos dados pessoais foram utilizados indevidamente para a celebração de um contrato de financiamento, enquadra-se na figura de consumidor por equiparação (ou bystander), conforme preceitua o art. 17 do CDC, que estende a proteção a todas as vítimas do evento danoso. Nesse contexto, a decisão interlocutória de id 159813475, que inverteu o ônus da prova em favor do autor, com fulcro no art. 6º, VIII, do CDC, mostra-se escorreita. A verossimilhança das alegações do consumidor, somada à sua manifesta hipossuficiência técnica e informacional frente às complexas estruturas dos réus, justifica a inversão probatória. Ademais, o STJ, no julgamento do Tema Repetitivo 1061, firmou a tese de que, "na hipótese em que o consumidor/autor impugnar a autenticidade da assinatura constante em contrato bancário juntado ao processo pela instituição financeira, caberá a esta o ônus de provar a sua autenticidade (CPC, arts. 6º, 368 e 429, II)". Portanto, cabia aos réus, e em especial ao Banco Digimais S/A, comprovar de forma inequívoca a regularidade e a autenticidade da contratação impugnada, ônus do qual não se desincumbiram. 2.2.2. Da Fraude e da Inexistência do Negócio Jurídico O conjunto probatório coligido aos autos evidencia, de forma cristalina, a ocorrência de uma fraude grosseira em detrimento do autor. Diversos elementos convergem para essa conclusão. Primeiramente, o autor nega veementemente ter celebrado qualquer contrato com os réus, alegação que se manteve coerente em todas as suas manifestações processuais. Em segundo lugar, há uma flagrante divergência de domicílios: o autor comprovou residir em Fortaleza/CE , enquanto o contrato de financiamento e os boletos de cobrança foram firmados com um endereço na cidade de Santos/SP, local onde o demandante afirma jamais ter residido. De forma contundente, a corré New Motors Ltda. corrobora a tese de fraude. Em sua contestação, a empresa afirma ter sido ela própria vítima de um estelionato, juntando aos autos cópia de Boletim de Ocorrência registrado em 04/12/2024 e de uma ação judicial que move contra o Banco Digimais S/A (Processo nº 1002499-90.2025.8.26.0477), na qual busca a anulação do mesmo contrato e do gravame incidente sobre seu veículo. A existência de uma demanda autônoma, iniciada pela proprietária do veículo, que também alega desconhecer a transação, confere robustez inabalável à narrativa do autor. O principal argumento de defesa do Banco Digimais S/A reside na apresentação de uma "trilha de auditoria" de assinatura eletrônica, que indicaria a celebração do contrato por meio de um endereço de IP localizado em Fortaleza/CE, e na juntada de documentos cadastrais e uma "selfie" supostamente do autor. Tal prova, entretanto, longe de eximir a instituição financeira, apenas revela a magnitude de sua negligência. A contratação, segundo os próprios documentos do banco, envolve um indivíduo que declara residir em Santos/SP, para financiar um veículo de uma concessionária em Praia Grande/SP (New Motors), com o valor do financiamento sendo creditado para uma terceira empresa em Santo André/SP (Anderson do Nascimento Ramos Comércio de Veículos Ltda), tudo isso formalizado por uma assinatura eletrônica originada em Fortaleza/CE. A multiplicidade de localidades e partes, somada à discrepância entre o local da assinatura e o endereço declarado, constitui um mosaico de inconsistências que qualquer sistema de segurança minimamente diligente deveria ter detectado como um forte indício de fraude. A falha em identificar e barrar uma operação tão atípica demonstra uma grave deficiência nos mecanismos de controle e segurança do banco, violando seu dever de cuidado. Ademais, a validade da assinatura eletrônica em si é questionável. Conforme jurisprudência, assinaturas realizadas por meio de plataformas que não integram a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil) e que exigem apenas dados de fácil obtenção por terceiros (nome e CPF) podem ser impugnadas, cabendo ao fornecedor o ônus de comprovar sua autenticidade. O banco não demonstrou que a plataforma "Signya" possui os requisitos de segurança e autenticidade exigidos para validar um negócio jurídico de tal monta, especialmente diante de tantos outros indícios de fraude. Diante da ausência de manifestação de vontade válida do autor, elemento essencial à existência de qualquer negócio jurídico (art. 104, I, do Código Civil), o contrato de financiamento nº 0002164671 é um ato juridicamente inexistente, devendo ser declarado nulo de pleno direito. 2.2.3. Da Responsabilidade Civil Objetiva e Solidária dos Fornecedores A responsabilidade dos réus é objetiva, nos termos do art. 14 do CDC, que dispensa a comprovação de culpa. A fraude praticada por terceiro não configura caso fortuito externo, mas sim fortuito interno, ou seja, um risco inerente à própria atividade empresarial desenvolvida pelos fornecedores. Este é o entendimento pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça, consolidado na Súmula 479: "As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias". Ao disponibilizar serviços e produtos no mercado, o banco assume o risco de fraudes, devendo implementar sistemas de segurança eficazes para proteger os consumidores. A falha nesse dever de segurança gera a obrigação de indenizar. Conforme já fundamentado, a responsabilidade é solidária entre o Banco Digimais S/A e a New Motors Ltda. Ambos integram a cadeia de fornecimento e contribuíram, com suas respectivas falhas de segurança e controle, para a ocorrência do dano. A solidariedade passiva, no âmbito do direito do consumidor, visa a ampliar a garantia de reparação da vítima, que pode exigir a integralidade da indenização de qualquer um dos devedores solidários. 2.2.4. Da Declaração de Nulidade Contratual e Inexigibilidade do Débito Como corolário lógico do reconhecimento da fraude e da inexistência do negócio jurídico, impõe-se a declaração de nulidade absoluta do contrato de financiamento nº 0002164671. Por conseguinte, são inexigíveis todos os débitos, encargos e obrigações dele decorrentes e imputados ao autor José Wilson de Castro Pires. 2.2.5. Do Dano Moral e da Fixação do Quantum Indenizatório A inscrição indevida do nome do autor em cadastros de proteção ao crédito, como o SERASA , configura dano moral na modalidade in re ipsa, ou seja, presumido. A jurisprudência do STJ e deste Egrégio Tribunal de Justiça é uníssona no sentido de que o simples ato da negativação injusta é suficiente para caracterizar o abalo à honra, à imagem e à dignidade do consumidor, sendo desnecessária a prova do sofrimento. Para a fixação do quantum indenizatório, que o autor pleiteia no valor de R$ 30.000,00, este juízo deve se pautar pelos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, atentando para a dupla finalidade da condenação: compensar a vítima pelo abalo sofrido e impor uma sanção de caráter pedagógico e punitivo aos ofensores, a fim de desestimular a reiteração de condutas semelhantes. Nesse mister, consideram-se a gravidade da conduta dos réus, em especial a negligência crassa do banco; a extensão do dano, que extrapolou a mera negativação, alcançando a imposição de multas de trânsito e o risco de suspensão da CNH do autor; e a capacidade econômica dos ofensores. A análise de precedentes em casos análogos auxilia na busca por um valor justo e equânime: DIREITO CIVIL E PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL EM AÇÃO DE REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS C/C PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA. PROTESTO INDEVIDO. INCLUSÃO DO NOME DO APELADO NO SERVIÇO DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. DANO MORAL CONFIGURADO. INEXISTÊNCIA DE OUTRAS NEGATIVAÇÕES ANTERIORES. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 385 DO STJ. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA. I. É assente na jurisprudência que a inscrição indevida no SERASA e no SPC enseja a indenização por danos morais, que além de amparada pela presunção, segue independentemente da demonstração dos respectivos prejuízos. II. Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, "nos casos de protesto indevido de título ou inscrição irregular em cadastros de inadimplentes, o dano moral se configura in re ipsa, isto é, prescinde de prova, ainda que a prejudicada seja pessoa jurídica" (STJ, REsp. nº 1.059.663/MS, Relatora Ministra NANCY ANDRIGHI, DJe 17/12/2008). III. Comprovada a fraude perpetrada por vários cheques emitidos pela Instituição Financeira, a qual o autor não possuía qualquer vínculo comercial com a mesma, resta caracterizado o prejuízo causado pelas várias negativações conforme fls. 16/47, motivo pelo qual, não merece a sentença qualquer modificação. IV. No caso, considerando-se o referido grupo de precedentes, e levando-se em conta a condição financeira das partes, a finalidade educativa e preventiva da condenação, a razoável gravidade do dano, reputo ser adequada a fixação da indenização por danos morais em R$ 6.000,00, montante que se afigura adequado e proporcional às especificidades do caso em análise. V. Recurso conhecido e desprovido. Sentença mantida. ACÓRDÃO Vista, relatada e discutida a Apelação Cível nº 0505589-85.2011.8.06.0001, em que figuram como partes, as acima nominadas, acorda a Terceira Câmara de Direito Privado do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, por unanimidade, em conhecer do recurso para negar-lhe provimento, nos termos do voto do Relator. Fortaleza dia e hora da assinatura digital. DESEMBARGADORA CLEIDE ALVES DE AGUIAR Presidente do Órgão Julgador DES. PAULO DE TARSO PIRES NOGUEIRA Relator (Apelação Cível - 0505589-85.2011.8.06.0001, Rel. Desembargador(a) PAULO DE TARSO PIRES NOGUEIRA, 3ª Câmara Direito Privado, data do julgamento: 12/03/2025, data da publicação: 12/03/2025) Ponderando tais elementos e os parâmetros jurisprudenciais, entendo que o valor de R$ 6.000,00 (seis mil reais) se mostra adequado, justo e razoável para o caso concreto, pois reflete a gravidade dos fatos sem implicar enriquecimento ilícito para o autor, ao mesmo tempo em que serve como medida educativa para os réus. 2.2.6. Da Responsabilidade pelas Infrações de Trânsito As infrações de trânsito documentadas nos autos foram cometidas com o veículo FIAT/MOBI LIKE, placa RMK4H28. Conforme o Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo (CRLV), a proprietária registral do automóvel é a ré New Motors Ltda. Uma vez que restou comprovado que o autor jamais teve a posse, o domínio ou qualquer relação com o referido veículo, é evidente que não pode ser responsabilizado pelas multas e pontuações decorrentes das infrações. A responsabilidade por tais débitos e penalidades administrativas recai sobre o proprietário do veículo à época dos fatos. Dessa forma, cabe à ré New Motors Ltda. a quitação de todas as multas e a adoção das providências administrativas necessárias junto aos órgãos de trânsito competentes para desvincular em definitivo o nome e o CPF do autor de quaisquer registros relativos a tais infrações. III. DISPOSITIVO Ante o exposto, e por tudo mais que dos autos consta, JULGO TOTALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados na inicial, com resolução de mérito, nos termos do art. 487, I, do Código de Processo Civil, para o fim de: REJEITAR as preliminares de ilegitimidade passiva arguidas por ambos os réus e INDEFERIR o pedido de denunciação da lide formulado pelo Banco Digimais S/A. DECLARAR a nulidade absoluta do contrato de financiamento nº 0002164671 e, por conseguinte, a INEXISTÊNCIA de todo e qualquer débito dele oriundo em nome do autor, José Wilson de Castro Pires. TORNAR DEFINITIVA a tutela de urgência eventualmente concedida ou, caso não tenha sido, DETERMINAR que os réus promovam, no prazo de 5 (cinco) dias, a contar da intimação desta sentença, a exclusão definitiva do nome do autor de todos os cadastros de proteção ao crédito (SERASA, SPC, etc.) em relação ao contrato ora anulado, sob pena de multa diária no valor de R$ 500,00 (quinhentos reais), limitada ao teto de R$ 20.000,00 (vinte mil reais). CONDENAR os réus, BANCO DIGIMAIS S/A e NEW MOTORS LTDA, de forma solidária, ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 6.000,00 (seis mil reais), a ser corrigido monetariamente pelo INPC a partir da data desta sentença (Súmula 362/STJ) e acrescido de juros de mora de 1% ao mês, a contar da data da negativação indevida (Súmula 54/STJ), por se tratar de responsabilidade extracontratual. DETERMINAR que a ré NEW MOTORS LTDA adote todas as providências administrativas necessárias para a quitação das multas de trânsito vinculadas ao veículo FIAT/MOBI LIKE, placa RMK4H28, e para a efetiva desvinculação do nome e CPF do autor de quaisquer registros e pontuações junto aos órgãos de trânsito competentes. CONDENAR os réus, solidariamente, ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios de sucumbência, os quais fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor total e atualizado da condenação, com fundamento no art. 85, §2º, do Código de Processo Civil, em atenção ao zelo do profissional, à complexidade da causa e ao trabalho realizado. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Após o trânsito em julgado e cumpridas as formalidades legais, arquivem-se os autos com as devidas baixas. FORTALEZA, data de inserção no sistema. Juiz(a) de Direito Assinatura Digital
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