Processo nº 5038560-49.2025.4.04.7000
ID: 332987314
Tribunal: TRF4
Órgão: 7ª Vara Federal de Curitiba
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 5038560-49.2025.4.04.7000
Data de Disponibilização:
24/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
DAVI DE OLIVEIRA COIMBRA
OAB/RJ XXXXXX
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PROCEDIMENTO COMUM Nº 5038560-49.2025.4.04.7000/PR
AUTOR
: GUSTAVO ALVES GUILHERME
ADVOGADO(A)
: DAVI DE OLIVEIRA COIMBRA (OAB RJ222323)
DESPACHO/DECISÃO
I - RELATÓRIO
Atuo no presente caso em subst…
PROCEDIMENTO COMUM Nº 5038560-49.2025.4.04.7000/PR
AUTOR
: GUSTAVO ALVES GUILHERME
ADVOGADO(A)
: DAVI DE OLIVEIRA COIMBRA (OAB RJ222323)
DESPACHO/DECISÃO
I - RELATÓRIO
Atuo no presente caso em substituição aos insignes Juízes desta 7VF., eis que se encontram em férias/convocados.
Em 16 de julho de 2025,
GUSTAVO ALVES GUILHERME
deflagrou a presente demanda, sob o rito dos juizados, em face da UNIÃO FEDERAL, FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO - FNDE e da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF, pretendendo a revisão do contrato de financiamento avençado no âmbito do FIES, para redução da taxa de juros a zero e aplicação de desconto entre 70% e 90% do saldo devedor, bem como a retirada do seu nome dos cadastros de proteção ao crédito.
O requerente sustentou, para tanto, ter avençado um contrato de mútuo feneratício com a CEF, no âmbito do FIES, com o fim de viabilizar o pagamento das mensalidades da faculdade de engenharia civil, por ele cursada. Afirmou que, superado o prazo de carência de 18 meses, teria se inciado a fase de amortização com parcelas no valor de R$ 614,28. Por conta de dificuldades financeiras, ele não teria conseguido manter a regularidade dos pagamentos, encontrando-se inadimplente, em razão disso, desde 05 de dezembro de 2023, o que teria ensejado a inclusão do seu nome em dívida ativa e nos cadastros de proteção ao crédito, como o Serasa e o Cadin.
Ele enfatizou ter sido prevista no contrato avençado com a requerida a aplicação da taxa de juros de 3,4% ao ano, com base no art. 1º da Resolução nº 3.842/2010 do BACEN, uma vez que o negócio jurídico teria sido celebrado em 25 de julho de 2016. Argumentou fazer jus à exoneração dos juros remuneratórios, com base na Lei nº 13.530/2017 - "Novo FIES".
Reportou-se ao programa Desenrola FIES, iniciativa destinada à renegociação da dívida dos contratantes inadimplentes, por meio de descontos e facilidades de pagamento. Invocou a função social do contrato, o desequilíbrio entre as partes e o princípio da isonomia. Ele postulou a concessão de tutela de urgência, em prol da suspensão da exigibilidade das parcelas da dívida, requereu a concessão da gratuidade da justiça, detalhou seus pedidos e atribuiu à causa o valor de R$ 65.091,15, anexando documentos.
II - FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Competência da Justiça Federal:
Declaro a competência da Justiça Federal para o caso
, eis que a demandante endereçou sua pretensão à União Federal, à Caixa Econômica Federal, empresa pública federal criada por força do
decreto-lei 759/1969
, e ao FNDE - autarquia federal, criada pela
lei n. 5.537, de 21 de novembro de 1968
, com as alterações ditadas pelo Decreto–Lei nº 872, de 15 de setembro de 1969. Aplicam-se ao caso o art. 109, I, Constituição e o art. 10 da lei 5.010/66.
2.2. Submissão do caso à alçada dos Juizados:
Como sabido, a competência dos Juizados Especiais Federais é absoluta, diante do previsto no art. 98, I, Constituição e art. 3º da lei n. 10.259, de 2001. Logo, em princípio, não pode ser ampliada ou reduzida, impondo-se sua apreciação de ofício pelo Poder Judiciário, conforme art. 64, CPC.
Não se submetem à
"
competência do Juizado Especial Cível as causas: (...) para a anulação ou cancelamento de ato administrativo federal, salvo o de natureza previdenciária e o de lançamento fiscal.
"
Convém ter em conta, todavia, que o processo é individualizado pela conjugação do trinômio partes, pedido e causa de pedir (art. 337, §2 CPC). Em decorrência do princípio da substanciação, a parte autora é obrigada a detalhar, na peça inicial, a sua pretensão, indicando o pedido e também a motivação do pedido. Note-se ainda que, como notório, apenas o dispositivo transita em julgado, conforme se infere do Art.. 504, I, CPC:
"Não fazem coisa julgada: I - os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença."
Assim, como têm entendido os tribunais, os Juizados Especiais são competentes para apreciação de pretensões nas quais a alegada nulidade do ato administrativo é invocada apenas como causa de pedir, e não como pedido:
"(....) Por outro lado, não é o caso de aplicação da exceção prevista no art. 3º , § 1º , III , da Lei 10.259 ,
uma vez que a autora invocou a alegada nulidade da revisão administrativa apenas como causa de pedir, dado que a sua pretensão é efetivamente condenatória
. Desse modo, firma-se a competência absoluta dos Juizados Especiais Federais para o julgamento do feito, nos termos do artigo 98, I, da Constituição Federal."
(TRF-4 - RECURSO CÍVEL: 50446614920184047000 PR 5044661-49.2018.4.04.7000, Relator: GERSON LUIZ ROCHA, Data de Julgamento: 02/04/2020).
Ainda segundo a Turma Recursal,
"O valor da causa atribuído pela parte autora é inferior a 60 salários, o qual não foi impugnado, logo, não há o que discutir quanto a esse aspecto.
Por outro lado, não é o caso de aplicação da exceção prevista no art. 3º, § 1º, III, da Lei 10.259, uma vez que "a autora invocou a alegada nulidade da revisão administrativa apenas como causa de pedir, dado que a sua pretensão é efetivamente condenatória
". Desse modo, firma-se a competência absoluta dos Juizados Especiais Federais para o julgamento do feito, nos termos do artigo 98, I, da Constituição Federal. "
(TRF-4 - RECURSO CÍVEL: 50029127820204047001 PR 5002912-78.2020.4.04.7001, Relator: GERSON LUIZ ROCHA, 22/10/2020, PRIMEIRA TURMA RECURSAL DO PR)
Atente-se para os julgados que transcrevo abaixo:
PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA INSTAURADO ENTRE JUÍZO FEDERAL E JUIZADO ESPECIAL FEDERAL CÍVEL. COMPETÊNCIA DESTA E. CORTE. SÚMULA 428 DO STJ. AÇÃO INDIVIDUAL DE DISPENSA DE PAGAMENTO DE PEDÁGIO. INEXISTÊNCIA DE PEDIDO DE ANULAÇÃO DE ATO ADMINISTRATIVO. VALOR DA CAUSA INFERIOR A SESSENTA SALÁRIOS MÍNIMOS. COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL FEDERAL CÍVEL. PRECEDENTES DESTA 2ª SEÇÃO. CONFLITO PROCEDENTE. 1 - Nos termos da Súmula 428 do Superior Tribunal de Justiça, compete a esta E. Corte dirimir o presente conflito negativo de competência entre Juízo Federal e Juizado Especial Federal Cível. 2 - Busca a autora tão somente o reconhecimento de seu direito individual à dispensa do pagamento de pedágio na praça de arrecadação instalada no entroncamento das rodovias BR 153 e BR 369, localizada no município de Jacarezinho/PR, com fundamento na Portaria do Ministério dos Transportes nº 155/2004 bem como na sentença proferida nos autos da Ação Civil Pública nº 2006.70.13.002434-3. 3 -
A questão relativa à desconstituição de ato administrativo não faz parte do pedido do autor, que dela tratou apenas de forma incidental, como causa de pedir, de modo que, no caso dos autos, resta afastada a aplicação do art. 3º, § 1º, III, da Lei 10.259/01. Precedentes desta Segunda Seçã
o. 4 - Aplicável à hipótese em tela a regra geral prevista no caput do artigo 3º da Lei 10.259/2001, que estabelece a competência dos Juizados Especiais Federais em se tratando de causas com valor inferior a sessenta salários mínimos. 5 - Conflito procedente, para declarar a competência do Juizado Especial Federal Cível de Ourinhos/SP.Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Segunda Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, julgar procedente o conflito, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
(CC - CONFLITO DE COMPETÊNCIA - 21150 0000310-88.2017.4.03.0000, DESEMBARGADORA FEDERAL MÔNICA NOBRE, TRF3 - SEGUNDA SEÇÃO, e-DJF3 Judicial 1 DATA:14/07/2017).
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUÍZO FEDERAL DE JUIZADO ESPECIAL E JUÍZO FEDERAL DE JUIZADO COMUM. AÇÃO ORDINÁRIA QUE VISA O RECONHECIMENTO DE DIREITO. MERA REVISÃO DO ATO ADMINISTRATIVO. INAPLICABILIDADE DO INCISO III DO §1º DO ARTIGO 3º DA LEI Nº 10.250/01. A
parte autora pleiteia a declaração de direito à percepção de determinada vantagem pecuniária, não havendo pedido imediato de anulação de qualquer ato administrativo, o qual só seria atingido via reflexa, razão pela qual não se aplica, na espécie, a regra que excepciona da competência dos Juizados Especiais Federais para causas valoradas até sessenta salários mínimos. Inaplicável ao caso a exceção prevista no inc. III do §1º do art. 3º da Lei nº 10.259/01
. (TRF4 5018358-17.2016.4.04.0000, SEGUNDA SEÇÃO, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 22/12/2016).
CONFLITO DE COMPETÊNCIA. JUÍZO FEDERAL DE JUIZADO ESPECIAL E JUÍZO FEDERAL DE JUIZADO COMUM. COMPETÊNCIA DO STJ PARA APRECIAR O CONFLITO. JUIZADO ESPECIAL FEDERAL. COMPETÊNCIA. CRITÉRIOS. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL EM FACE DO VALOR DA CAUSA. 1. A jurisprudência do STJ é no sentido de que juízo de juizado especial não está vinculado jurisdicionalmente ao tribunal com quem tem vínculo administrativo, razão pela qual o conflito entre ele e juízo comum caracteriza-se como conflito entre juízos não vinculados ao mesmo tribunal, o que determina a competência do STJ para dirimi-lo, nos termos do art. 105, I, d, da Constituição. Precedentes. 2. A Lei 10.259/01, que instituiu os Juizados Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal, estabeleceu que a competência desses Juizados têm natureza absoluta e que, em matéria cível, obedece como regra geral a do valor da causa: são da sua competência as causas com valor de até sessenta salários mínimos (art. 3º). 3. A essa regra foram estabelecidas exceções ditadas (a) pela natureza da demanda ou do pedido (critério material), (b) pelo tipo de procedimento (critério processual) e (c) pelos figurantes da relação processual (critério subjetivo).
Entre as exceções fundadas no critério material está a das causas que dizem respeito a "anulação ou cancelamento de ato administrativo federal, salvo o de natureza previdenciária e o de lançamento fiscal". 4. No caso, a demanda tem valor da causa inferior a sessenta salários mínimos e visa a obter indenização por danos morais. A ilegitimidade dos atos administrativos constitui apenas fundamento do pedido, não seu objeto
. 5. Conflito conhecido, declarando-se a competência do Juízo Federal da 7ª Vara do Juizado Especial Cível da Subseção Judiciária de São Luís -MA, o suscitante. (STJ, CC 75314/MA, 1ª Seção, Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJ 27/08/2007).
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. EXCEÇÃO DO ART. 3º, § 1º, INC. III, DA LEI Nº 10.259/01 AFASTADA. JUIZADO ESPECIAL CÍVEL.
A pretensão formulada nesta ação não se enquadra em nenhuma das hipóteses arroladas no § 1º do art. 3º da Lei nº 10.259, visto não tratar a ação de anulação ou cancelamento de ato administrativo típico.
O pedido envolve, apenas, reconhecimento de direito. Sendo o valor da causa inferior a 60 (sessenta) salários mínimos, cabe ao Juizado Especial Federal a competência para processar, conciliar e julgar as causas de competência da Justiça Federal
. (TRF4, conflito de competência (Seção) Nº 5008065-61.2011.404.0000, 2ª Seção, Des. Federal VILSON DARÓS, POR UNANIMIDADE, em 08/09/11).
Assim, e atribuído à causa o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), tem-se que competente para o processamento e julgamento da lide o Juizado Especial Federal
. Diante do exposto, nos termos do disposto no art. 120, § único, do CPC, conheço do presente conflito e declaro competente para o processamento e julgamento da lide o juízo suscitado (Juízo Substituto da 1ª Vara de Florianópolis). Publique-se. Comuniquem-se os juízos conflitantes e, com as formalidades de estilo, dê-se baixa na distribuição e arquivem-se os autos.
(TRF4 5013834-11.2015.404.0000, Segunda Seção, Relator Candido Alfredo Silva Leal Junior, 11/07/2015)
Eventual complexidade
da demanda não afasta a sua submissão à alçada dos Juizados Especiais Federais, diante do disposto no art. 98, I, Constituição/88 e art. 3 da lei n. 10.259/2001:
"
Não há óbice na Lei nº 10.259/01 a produção de prova pericial nos processos de competência do Juizado Especial Federal. Ao contrário, há previsão expressa no seu Art. 12 relativa a realização de prova técnica. 2. É entendimento assente na jurisprudência que a complexidade da prova necessária ao julgamento da controvérsia não é incompatível com o rito do JEF, sendo certo que o legislador elegeu como único critério de delimitação de sua competência o valor da causa 3. Agravo de instrumento desprovido
."
(TRF-3 - AI: 50174760920214030000 SP, Relator: Desembargador Federal PAULO OCTAVIO BAPTISTA PEREIRA, Data de Julgamento: 07/12/2021, 10ª Turma, 10/12/2021)
Na situação em exame, o conteúdo econômico da pretensão deduzida na peça inicial (R$ 65.091,15) é inferior a 60 salários mínimos (R$ 91.080,00) - tais como definidos no
decreto 12.342, de 30 de dezembro de 2024
, R$ 1.518,00 -, tratando-se de pretensão condenatória, de modo que o seu processamento sob o rito dos Juizados Especiais revela-se escorreito, não esbarrando na vedação do art. 3, §1, III, lei n. 10.259/2001.
2.3.
Competência
da presente Subseção Judiciária:
A pretensão deduzida na peça inicial submete-se à alçada desta Subseção Judiciaria de Curitiba, por força do
art. 53, III, "d", CPC/15
, dado constituir-se no local de cogitado adimplemento da obrigação aludida na peça inicial, caso a pretensão da autora venha a ser julgada procedente, em sentença transitada em julgado. Ademais, ainda que assim não fosse, é fato que o STF tem aplicado o art. 109, §2º, CF, também quando em causa pretensões endereçadas às autarquias federais.
CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA. CAUSAS AJUIZADAS CONTRA A UNIÃO. ART. 109, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CRITÉRIO DE FIXAÇÃO DO FORO COMPETENTE. APLICABILIDADE ÀS AUTARQUIAS FEDERAIS, INCLUSIVE AO CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA - CADE. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. I - A faculdade atribuída ao autor quanto à escolha do foro competente entre os indicados no art. 109, § 2º, da Constituição Federal para julgar as ações propostas contra a União tem por escopo facilitar o acesso ao Poder Judiciário àqueles que se encontram afastados das sedes das autarquias. II –
Em situação semelhante à da União, as autarquias federais possuem representação em todo o território nacional. III - As autarquias federais gozam, de maneira geral, dos mesmos privilégios e vantagens processuais concedidos ao ente político a que pertencem. IV - A pretendida fixação do foro competente com base no art. 100, IV, a, do CPC nas ações propostas contra as autarquias federais resultaria na concessão de vantagem processual não estabelecida para a União, ente maior, que possui foro privilegiado limitado pelo referido dispositivo constitucional. V - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem decidido pela incidência do disposto no art. 109, § 2º, da Constituição Federal às autarquias federais. Precedentes. VI - Recurso extraordinário conhecido e improvido
. (STF - RE: 627709 DF, Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 20/08/2014, Tribunal Pleno, Data de Publicação: REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO)
Nesse mesmo sentido, convergem os julgados: RE 499.093-AgR-segundo/PR e AI 793.409/RS, rel. Min. Ricardo Lewandowski; RE 234.059/AL, Rel. Min. Menezes Direito; RE 484.235-AgR/MG, Rel. Min. Ellen Gracie; RE 488.704/RJ, RE 527.498/SC e RE 603.311/RS, Rel. Min. Marco Aurélio; RE 590.649/RJ, RE 474.691/SC e RE 491.331/SC, Rel. Min. Cármen Lúcia; RE 474.825/PR, Rel. Min. Dias Toffoli.
O art. 109, §2º, CF, prevalece sobre o art. 3º, §3º, da lei n. 10.259, de 2001. Com efeito,
"A competência absoluta dos Juizados Especiais, referida no art. 3º , § 3º , da Lei n. 10.259 /01 não constitui obstáculo à redistribuição para fins de equalização de acervo, desde que o encaminhamento ocorra para outra Vara com competência também vinculada ao sistema dos Juizados Especiais Federais. 5. A norma que afirma que "no foro onde estiver instalada Vara do Juizado Especial, a sua competência é absoluta" tem ligação histórica com a interpretação dada pela doutrina e pela jurisprudência à Lei nº 9.099 /95, no sentido de que "o ajuizamento da ação perante o juizado especial é uma opção do autor (art. 3 ., par.3., da Lei 9.099 /95)" ( REsp 151.703/RJ , Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 24/03/1998, DJ 08/06/1998, p. 124). 6.
O ajuizamento obrigatório de causas de até 60 salários mínimos nos Juizados Especiais Federais empresta a essas ações uma competência absoluta para o próprio sistema dos Juizados Especiais, mas não torna essas ações infensas às medidas de equalização. Nada impede, portanto, a incidência do art. 109 , § 2º , da Constituição Federal , no sentido de que as causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou, ainda, no Distrito Federal
."
(TRF-4 - CC: 50799694420214047000 PR 5079969-44.2021.4.04.7000, Relator: NICOLAU KONKEL JÚNIOR, Data de Julgamento: 24/02/2022, PRIMEIRA TURMA RECURSAL DO PR)
Por conseguinte,
considerando o alcance do art. 109, §2, CF, a tramitação desta causa perante esta Subseção Judiciária está em conformidade com a legislação
. Ademais, a declinação de competência territorial depende de prévia exceção de incompetência, na forma do art. 65, CPC/15, e súmula 33, Superior Tribunal de Justiça.
2.4. Submissão da causa ao Juízo Substituto:
A demanda foi distribuída para o presente Juízo da 7ª Vara Federal mediante sorteio, o que atende a garantia do Juízo Natural - art. 5, LIII, CF/88.
2.5. Eventual
conexão
processual:
O processualista Bruno Silveira Dantas enfatiza que
"com o início de vigência do CPC/2015, será considerado
prevento o juízo perante o qual houver ocorrido o registro ou a distribuição (conforme o caso) da primeira de uma série de demandas conexas, ainda que tal registro ou distribuição tenha ocorrido durante a vigência do CPC/1973
. Desde que a prevenção, ela própria, não se tenha consumado sob a égide do CPC/1973 (por um dos alternativos critérios previstos nos seus arts. 106 e 2019), incidirá de plano o disposto no art. 59 da codificação de 2015 definindo-se o juízo prevento para um conjunto de demandas conexas pela anterioridade dos registros ou das distribuições (conforme o caso) das mesmas. Os arts. 60 e 61 do CPC/2015, por sua vez, praticamente repetem os arts. 107 e 108 do CPC/1973, dispensando, por tal razão, maiores comentários a respeito nesta oportunidade."
(DANTAS, B. S.
in
WAMBIER, Teresa A. Alvim et al.
Breves comentários ao novo código de processo civil.
SP: RT, 2015, p. 229).
Convém ter em conta a lição de Araken de Assis, sobre o tema:
"(...)
O art. 55, caput, definiu a conexão como a identidade de pedido ou de causa inspirado no propósito de erradicar as tergiversações constatadas na vigência do CPC de 1939. A proposição legislativa, excepcional no direito estrangeiro, porque prepondera a tendência de encarregar o órgão judicial de indicar os casos do fenômeno, consonante controvérsia haurida do direito comum, e feita em sentido oposto à do CPC de 1939, em todo caso revela-se incompleta e insuficiente. Não abrange a totalidade das hipóteses de conexão
. O art. 55, § 3.º (“… mesmo sem conexão entre eles”) alude à conexão em sentido estrito do art. 55, caput. Ao nosso ver, os vínculos que geram o risco da prolação de “decisões conflitantes ou contraditórias”, a teor do art. 55, § 3.º, inserem-se na rubrica da conexão em sentido amplo. Não há outro sítio adequado para situar o liame entre os objetos litigiosos
O art. 113 do NCPC, arrolando os casos em que se admite a demanda conjunta, ou litisconsórcio, demonstra que existem outros laços, mais tênues e distantes, que autorizam o processo cumulativo. E a outro juízo não se chega ao avaliar o nexo exigido pelo art. 343 na reconvenção, como ocorria no direito anterior. Retira-se, daí, segura conclusão
. As duas hipóteses descritas no art. 55, caput – identidade de causa ou identidade de pedido – constituem “uma, entre as várias em que ocorre a conexão”. Por isso, antes do CPC de 1939, descreveu-se a conexão como “laço envolvente, que se insinua por entre as relações jurídicas, ora prendendo-as de um modo indissolúvel, por forma a exigir uma única decisão; ora criando entre elas pontos de contato mais ou menos íntimo, que aconselham a reunião em um só processo, ainda quando possam ser decididas separadamente, sem maior dano, a não ser a lentidão e o gravame de maiores despesas”.
Exemplos de causas conexas, segundo a literalidade do art. 55, caput: (a) A reivindica o imóvel x perante B, e, paralelamente, C também reivindica o imóvel x, do mesmo réu, hipótese em que a identidade recai sobre o pedido (objeto) mediato; (b) o locatário A propõe consignatória dos aluguéis perante o locador B, o qual, de seu turno, propõe ação de despejo, fundada no inadimplemento dos aluguéis, perante o inquilino.
Para os efeitos da modificação da competência, as hipóteses contempladas no art. 55, caput – identidade de causa de pedir ou identidade de pedido –, então, ainda consideram-se exemplificativas. Um laço menos intenso já serve para reunir os processos. O objetivo da regra reside em evitar decisões conflitantes, “por isso a indagação sobre o objeto ou a causa de pedir, que o artigo por primeiro quer que seja comum, deve ser entendida em termos, não se exigindo a perfeita identidade, senão que haja um liame que os faça passíveis de decisão unificada”. Em outra oportunidade, reiterou-se que “não é necessário que se cuide de causas idênticas (quanto aos fundamentos e ao objeto {rectius: pedido})”, bastando “que as ações sejam análogas, semelhantes”, insistiu no “escopo da junção das demandas para um único julgamento é a mera possibilidade da superveniência de julgamentos discrepantes
”.
Por conseguinte, a jurisprudência, atendendo às finalidades da modificação da competência, em que a derrogação das regras gerais se justifica pela economia de atividade e pela erradicação do risco de julgamentos conflitantes, rejeita a exigência de identidade absoluta de causa ou de pedido, aceitando simples analogia entre as ações
. Porém, preocupa-se com o risco de julgamentos contraditórios, evento apurado caso a caso, mas verificado em todas as hipóteses do art. 113, inclusive na afinidade de ponto comum de direito ou de fato (inc. III). Ora, parece difícil visualizar semelhante risco no cúmulo simples de pedidos, em que há total autonomia das pretensões deduzidas, no mesmo processo, contra o réu. Por isso, o intuito de erradicar pronunciamentos conflitantes não oferece a única e constante justificativa para o processo cumulativo e, muito menos, a prorrogação da competência. Ao menos na conexão subjetiva, no caso da cumulação simples de pedidos, impera o princípio da economia processual. E, de toda sorte, as finalidades visadas no processo cumulativo, e na reunião de causas inicialmente autônomas, mostram-se estranhas à verdadeira causa desses fenômenos, que residiria no vínculo entre partes, causa e pedido." (ASSIS, Araken.
Processo civil brasileiro.
Volume I. São Paulo: RT, 2015, tópico 302)
No presente caso, não há informações a respeito de eventual conexão processual, suscetível de ensejar eventual necessidade de declinação de competência para solução conjunta das demandas, observadas as regras da súmula 235, STJ e art. 55, §1,CPC/15
.
Sendo o caso, a questão há de ser apreciada no curso do processo.
2.6. Eventual violação à coisa julgada:
No que toca à singularidade da demanda
, convém ter em conta que a coisa julgada é uma garantia constitucional, nos termos do art. 5º, XXXVI, Constituição Federal/88:
"a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada."
"A sentença de mérito transitada em julgado só pode ser desconstituída mediante ajuizamento de específica ação autônoma de impugnação (ação rescisória) que
haja sido proposta na fluência do prazo decadencial previsto em lei
, pois, com o exaurimento de referido lapso temporal,
estar-se-á diante da coisa soberanamente julgada, insuscetível de ulterior modificação, ainda que o ato sentencial encontre fundamento em legislação que, em momento posterior, tenha sido declarada inconstitucional pelo STF, quer em sede de controle abstrato, quer no âmbito de fiscalização incidental de constitucionalidade
. A superveniência de decisão do STF, declaratória de inconstitucionalidade de diploma normativo utilizado como fundamento do título judicial questionado, ainda que impregnada de eficácia ex tunc - como sucede, ordinariamente, com os julgamentos proferidos em sede de fiscalização concentrada (RTJ 87/758 - RTJ 164/506-509 - RTJ 201/765) -, não se revela apta, só por si, a desconstituir a autoridade da coisa julgada, que traduz, em nosso sistema jurídico, limite insuperável à força retroativa resultante dos pronunciamentos que emanam, in abstracto, da Suprema Corte." (RE 592.912-AgR, rel. min. Celso de Mello, julgamento em 3-4-2012, Segunda Turma, DJE de 22-11-2012.)
Atente-se também para a lição de Humberto Theodoro Jr.:
"A coisa julgada é fenômeno próprio do processo de conhecimento, cuja sentença tende a fazer extinguir a incerteza provocada pela lide instalada entre as partes. Mas fazer cessar a incerteza jurídica não significa apenas fazer conhecer a solução cabível, mas impô-la, tornando-a obrigatória para todos os sujeitos do processo, inclusive o próprio juiz. Às vezes, o comando sentencial tem de ser executado por meio de realização coativa da prestação devida pelo vencido. Outras vezes, a declaração apenas é suficiente para eliminar o foco da desavença. Nem sempre, portanto, o processo civil está predisposto a providências executivas. Há acertamentos condenatórios, mas há também os não condenatórios, que se desenvolvem em torno de pretensões constitutivas ou apenas declaratórias.
Uma vez, porém, concluído o acertamento da controvérsia, seja por sentença de imposição de sanção, seja por sentença puramente declaratória, a coisa julgada se estabelece com a mesma função, ou seja, a certeza jurídica em torno da relação controvertida se implanta com plenitude, vinculando as partes e o juiz.
Essa situação jurídica cristalizada pela coisa julgada caracteriza-se por dois aspectos fundamentais: de um lado, vincula definitivamente as partes; de outro, impede, partes e juiz, de restabelecer a mesma controvérsia não só no processo encerrado, como em qualquer outro.
Admite-se, dessa maneira, uma
função negativa
e uma
função positiva
para a coisa julgada. Pela função negativa exaure ela a
ação exercida
, excluindo a possibilidade de sua
reproposição
. Pela função positiva, “impõe às partes obediência ao julgado como norma
indiscutível
de disciplina das relações extrajudiciais entre elas e obriga a autoridade judiciária a ajustar-se a ela, nos pronunciamento que a pressuponham e que a ela se devem coordenar
” (
apud
NEVES, Celso.
Coisa Julgada Civil.
São Paulo: RT, 1971, p. 383-383).
A coisa julgada, por sua força vinculativa e impeditiva, não permite que partes e juiz escapem da definitiva sujeição aos efeitos do acertamento consumado no processo de conhecimento. O resultado prático é caber a qualquer dos litigantes “a
exceptio rei iudicatae,
para excluir novo debate sobre a relação jurídica decidida” (
apud
NEVES, Celso. Op. Cit, p. 489), e ao juiz o poder de, até mesmo de ofício, extinguir o processo sem julgamento do mérito, sempre que encontrar configurada a ofensa à coisa julgada (ar. 267, V e § 3º).
Portanto, quando o art. 467 fala em
indiscutibilidade
e
imutabilidade
da sentença transitada em julgado refere-se a duas coisas distintas: a) pela
imutabilidade
, as partes estão proibidas de propor ação idêntica àquela em que se estabeleceu a coisa julgada; b) pela
indiscutibilidade
, o juiz é que em novo processo, no qual se tenha de tomar a situação jurídica definida anteriormente pela coisa julgada como razão de decidir, não poderá reexaminá-la ou rejulgá-la; terá de tomá-la simplesmente como
premissa
indiscutível. No primeiro caso atua a força
proibitiva
(ou negativa) da coisa julgada, e, no segundo, sua força
normativa
(ou positiva)
." (THEODORO JÚNIOR, Humberto.
Curso de Direito Processual Civil:
Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. Vol. I. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 587-588).
Nesse mesmo sentido, leiam-se também os seguintes julgados: RE 444.816, rel. min. Marco Aurélio, julgamento em 29-5-2012, Primeira Turma, DJE de 27-8-2012; RE 594.350, rel. min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 25-5-2010, DJE de 11-6-2010.
Segundo o conhecido art. 502, CPC/15,
"
Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso
.
" O art. 503, do mesmo código, preconiza que
"A decisão que julgar total ou parcialmente o mérito tem força de lei nos limites da questão principal expressamente decidida."
Merece ênfase, ademais, o art. 508, CPC:
"Transitada em julgado a decisão de mérito, considerar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e as defesas que a parte poderia opor tanto ao acolhimento quanto à rejeição do pedido."
Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero são precisos quando enfatizam que
"
A coisa julgada pressuposto do discurso jurídico - constitui uma regra sobre o discurso. Não admite, nesse sentido, ponderação. Representa evidente agressão ao Estado Constitucional e ao próprio discurso jurídico a tentativa de relativizar a coisa julgada
."
(MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel.
Código de processo cvil.
6. ed. SP: RT, 2014, p. 449).
Desse modo, a sentença transitada em julgado não pode ser alterada ou desconsiderada pelo Juízo, conforme lógica do art. 508, CPC/15. Tal alteração apenas seria admissível em casos de negócio processual, avençado entre as partes, versando sobre pretensões disponíveis, conforme art. 190, CPC/15. Também seria cabível em hipótese de ação rescisória, interposta perante o Tribunal competente e com atenção ao prazo do art. 975, CPC/15; em caso de
querela nullitatis insanabilis
ou de declaração, pela Suprema Corte, da inconstitucionalidade de norma tomada como fundamento para prolação da sentença (art. 535, §4º, CPC).
No caso em exame, em princípio, não diviso sinais de haver coisa julgada a respeito da questão suscitada na peça inicial
. O tema poderá ser apreciado adiante, caso a questão seja suscitada pelas partes.
2.7. Eventual litispendência:
A vedação de
bis in idem
- decorrente da garantia do devido processo, sob aspecto formal e substancial - impede que haja duplicação de uma demanda já em trâmite, contanto que sejam idênticos os pedidos, causa de pedir e partes, conforme art. 337, §2º, CPC/15:
"
Uma ação é idêntica a outra quando possui as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido
."
Há alguns detalhes no que toca à identidade de demandas, quando se trate sobre processos coletivos, o que não se coloca no asdo em exame. Na situação em análise, não diviso - ao menos, não nesse primeiro e precário exame - algum contexto que caracterize litispendência entre essa demanda e alguma outra, para fins de aplicação do
art. 337, §2, Código de Processo Civil/2015
.
2.8.
Legitimidade das partes - considerações gerais:
É sabido que, em alguma medida, as questões alusivas à pertinência subjetiva tangenciam o próprio mérito da causa. Nosso sistema ainda se vincula à concepção eclética de Túlio Liebmann - quem distinguia entre pressupostos processuais, condições para o válido exercício do direito de ação e, por fim, as questões de mérito.
O problema é que, no mais das vezes, os temas próprios ao mérito (procedência/improcedência da pretensão) e os temas próprios às condições da ação (legitimidade/ilegitimidade, possibilidade do pedido) não podem ser distinguidos de uma forma absolutamente clara. Como se infere do seu 'Tratado das ações', Pontes de Miranda promovia uma distinção entre (a) ação em sentido material - como uma espécie de projeção do direito subjetivo - ainda vinculada à concepção imanentista do direito civil antigo e (b) ação em sentido processual.
Com base nessa diferenciação pontiana, é que o desembargador gaúcho Adroaldo Furtado Fabrício tem criticado a teoria eclética, ao enfatizar que as 'condições da ação' também tratam, no geral, do mérito da causa (saber se a parte é legítima é, de certa forma, um exame conexo ao mérito: saber se ela poderia ser demandada, se teria a obrigação de indenizar etc). Confira-se com Adroaldo Furtado Fabrício. Extinção do Processo e Mérito da Causa, in OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro de (org).
Saneamento do processo:
Estudos em homenagem ao Prof. Galeno Lacerda. PA: Sérgio Fabris, 1990, p. 33.
De todo modo, em sentido pontualmente distinto, e por conta dos dispositivos do Código de Processo Civil em vigor, atente-se para a lição de Araken de Assis:
"A legitimidade não condiciona a ação, como quer a opinião há pouco exposta, haja vista um motivo trivial: a sua falta jamais impedirá a formação do processo. A pessoa que toma a iniciativa de provocar o órgão judiciário, seja quem for, cria a relação processual, embora fadada a perecer através de juízo de admissibilidade negativo – item que constitui pressuposto lógico e cronológico do exame do mérito.
Legitimidade é, descansando no direito material, problema distinto do juízo acerca do caráter fundado ou infundado da pretensão deduzida contra o réu. A demanda movida por alguém sem legitimidade é inadmissível, e, não, infundada. Sentença terminativa desse teor limita-se a repelir, a partir dos dados ministrados pelo direito material, sempre in status assertionis, a habilitação da parte para conduzir o processo, relativamente ao objeto litigioso alegado
. Aos esquemas abstratos, traçados na lei, gerando tal capacidade, chamam-se de situações legitimadoras. Portanto, a dissociação entre o sujeito da lide e o do processo evidencia a verdadeira natureza da legitimidade e a situa no lugar próprio no conjunto das questões submetidas à apreciação do órgão judicial. É um pressuposto processual preenchido mediante a simples enunciação do autor. Ninguém se atreverá a reputar respeitante ao mérito eventual juízo quanto à inexistência, em determinado caso concreto, do título legal para alguém pleitear em juízo direito alheio. Descontada a errônea concepção que ilegitimidade do autor obsta à formação do processo, o art. 485, VI, houve-se com acerto ao situar o problema fora do mérito."
(ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
Volume II. Tomo I. Parte geral: institutos fundamentais. SP: RT. 2015. p. 178).
Em outras palavras, deve-se aferir a pertinência subjetiva dos contendores, tendo-se em conta a causa de pedir detalhada na peça inicial.
2.9. Pertinência subjetiva do autor:
O requerente está legitimado para a demanda, na medida em que sustentou fazer jus à revisão de contrato de mútuo feneratício, por ele avençado no âmbito do FIES. Ele deduziu pretensão própria, em nome próprio, não esbarrando na vedação do art. 18, CPC/15.
2.10. Pertinência subjetiva do FNDE:
Tem-se reconhecido, ademais, a legitimidade do FNDE para causas como a presente, na condição de agente operador dos contratos - FIES. Com efeito,
"Quanto às preliminares de ilegitimidade passiva arguidas pelas partes,
o FNDE detém legitimidade passiva nos processos em que são discutidos os créditos do financiamento estudantil (FIES), por participar dos contratos, na condição de administrador dos ativos e passivos do programa, a teor do art. 3º, I, c, da Lei 10.260/2001, e do art. 6º, IV, da Portaria Normativa/ME n. 209/2018
."
(TRF-1 - AMS: 10002875020214013813, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS AUGUSTO PIRES BRANDÃO, Data de Julgamento: 31/08/2022, 5ª Turma, Data de Publicação: PJe 31/08/2022 PAG PJe 31/08/2022 PAG)
Nesse mesmo sentido, leia-se:
APELAÇÃO CÍVEL. MANDADO DE SEGURANÇA. FINANCIAMENTO ESTUDANTIL. FIES. ABATIMENTO DE BENEFÍCIO. I -
Legitimidade passiva do FNDE que se reconhece, uma vez que se trata do agente operador do FIES e administrador de seus ativos e passivos, nos termos do art. 3º, inciso II da Lei nº 10.260/2001. II - Alegação de ilegitimidade passiva do Banco do Brasil S.A. que se afasta, uma vez que este atua como agente financeiro do contrato estudantil
. III - Ausência de pedido administrativo de implantação do benefício previsto no artigo 6º-B da Lei n. 10.260/01 que se deu por falhas operacionais do sistema do FiesMed. Caso em que, uma vez não infirmado o direito do impetrante ao benefício pleiteado, cabe às impetradas, cada qual dentro de sua atribuição, a implantação do abatimento. IV – Recursos de apelação e remessa oficial desprovidos. (TRF-3 - ApelRemNec: 50040188820224036110 SP, Relator: GISELLE DE AMARO E FRANCA, Data de Julgamento: 19/05/2023, 2ª Turma, Data de Publicação: Intimação via sistema DATA: 22/05/2023)
ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE PROCEDIMENTO ORDINÁRIO. FIES. FNDE. LEGITIMIDADE PASSIVA. ABATIMENTO MENSAL DE 1% (UM INTEIRO POR CENTO) DO SALDO DEVEDOR CONSOLIDADO. LEI 10.260/2001, ART. 6º-B, II. REQUISITOS PREENCHIDOS. ABATIMENTO DEFERIDO. SENTENÇA CONFIRMADA. 1.
O FNDE detém legitimidade para figurar no pólo passivo da relação processual, porquanto, na data em que passou a integrá-la, era o agente operador e administrador dos ativos e passivos referentes aos contratos firmados no âmbito do FIES, consoante disposto no art. 3º, II, da Lei nº 10.260/2001, na redação dada pela Lei 12.202/2010
. 2. Nos termos do art. 6º-B. inciso II da Lei nº 10.260/2001, o FIES poderá abater, na forma do regulamento (Portaria Normativa nº 7, de 26/04/2013), mensalmente, 1,00% (um inteiro por cento) do saldo devedor consolidado, incluídos os juros devidos no período e independentemente da data de contratação do financiamento, do médico integrante de equipe de saúde da família oficialmente cadastrada, com atuação em áreas e regiões com carência e dificuldade de retenção desse profissional, definidas como prioritárias pelo Ministério da Saúde, na forma do regulamento. 3. Caso concreto em que a autora comprovou documentalmente que preenche as condições descritas na legislação de regência para fazer jus ao abatimento pretendido, razão pela confirma-se a sentença que condenou a União, o FNDE e a CEF na obrigação de proceder ao abatimento mensal de 1,00 (um inteiro por cento) do saldo devedor consolidado do FIES e recalcular o saldo devedor do financiamento, restituindo à autora todos os valores pagos sem o desconto devido, a contar do mês subseqüente ao requerimento administrativo. 4. Apelação e remessa necessária a que se nega provimento. 5. Majoram-se, em relação ao FNDE, os honorários advocatícios fixados pela sentença em favor da autora em 2% (dois inteiros por cento), incidentes sobre o valor da causa (R$ 80.724,65) ( CPC, art. 85, § 11). (TRF-1 - AC: 10362119820204013800, Relator: DESEMBARGADORA FEDERAL DANIELE MARANHÃO COSTA, Data de Julgamento: 03/11/2021, QUINTA TURMA, Data de Publicação: PJe 05/11/2021 PAG PJe 05/11/2021 PAG)
2.11. Legitimidade do agente financeiro:
Desse modo, em primeira análise, revela-se escorreito o endereçamento da demanda também em face da instituição financeira
, para os fins do art. 506, CPC. Eventual acolhimento da pretensão da parte autora impactará o crédito devido ao banco mutuante, razão pela qual deve lhe ser assegurado participar da causa, efetivando-se o direito ao contraditório.
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. ENSINO. FIES. (I) LEGITIMIDADE PASSIVA. CARÊNCIA ESTENDIDA. SUSPENSÃO DAS PRESTAÇÕES POR TODO O PERÍODO DE DURAÇÃO DA RESIDÊNCIA MÉDICA. AMPLIAÇÃO DA CARÊNCIA. JULGAMENTO AFETADO PERANTE A 2ª SEÇÃO. 1-
A legitimidade passiva para a demanda recai tanto ao FNDE, quanto ao agente financeiro, uma vez que o primeiro detém a qualidade de agente operador e o segundo, de agente financeiro do FIES
. (...) (TRF4 5041678-97.2020.4.04.7100, Quarta Turma, Relatora Vivian Josete Pantaleão Caminha, juntado aos autos em 05-8-2021)
PROCESSUAL CIVIL. PRORROGAÇÃO DO PRAZO DE CARÊNCIA PARA AMORTIZAÇÃO DO SALDO DEVEDOR DO CONTRATO DE FINANCIAMENTO ESTUDANTIL - FIES, FIRMADO PARA O CUSTEIO DO CURSO DE MEDICINA, EM VIRTUDE DA EXTENSÃO EM RESIDÊNCIA MÉDICA. LEGITIMIDADE PASSIVA DO FNDE. AFRONTA AO ART. 6º, § 2º, DA PORTARIA MEC 07/2013. VIOLAÇÃO REFLEXA AO TEXTO DE LEI FEDERAL. TUTELA DE URGÊNCIA SÚMULAS 735/STF E 7/STJ. (...) 2.
A legitimidade passiva do Banco do Brasil, como agente financeiro, deriva da necessidade de tal instituição financeira concretizar a suspensão da cobrança das parcelas mensais, na hipótese de deferimento do pedido
. (...) (REsp n. 1.991.752/PB, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 6/12/2022, DJe de 19/12/2022.)
ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ENSINO SUPERIOR. FIES. SUSPENSÃO DAS PARCELAS DE AMORTIZAÇÃO E NÃO INSCRIÇÃO EM CADASTROS RESTRITIVOS DE CRÉDITO. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO IMPROVIDO. .
A legitimidade passiva do agente financeiro no âmbito do contrato de financiamento estudantil junto ao FIES já foi reconhecida em outras demandas judiciais semelhantes . Restou comprovado que o estudante/médico requereu administrativamente, junto ao sistema FISMED, o benefício do abatimento de 1% do saldo devedor, mas houve erro no sistema eletrônico, não sendo permitido o processamento da solicitação e não obtendo resposta satisfatória para o problema apresentado . Agravo improvido
. (TRF-4 - AI: 50494041420224040000, Relator: LUIZ ANTONIO BONAT, Data de Julgamento: 23/05/2023, DÉCIMA SEGUNDA TURMA)
ENSINO SUPERIOR. CONTRATO DE FINANCIAMENTO ESTUDANTIL ( FIES). MÉDICO INTEGRANTE DE EQUIPE DE SAÚDE DA FAMÍLIA. LEGITIMIDADE DO FNDE E DO BANCO DO BRASIL. SALDO DEVEDOR. ABATIMENTO. 1. Na sentença, confirmada tutela antecipada, foi julgado parcialmente procedente o pedido, reconhecendo o direto ao abatimento na forma do Art. 6º-B, II, da Lei 10260/01 (redação da Lei 12.202/2010), devendo as partes requeridas promover o abatimento mensal de 1% (um por cento) do saldo devedor do financiamento, a contar da integralização dos 12 meses e enquanto permanecer integrando equipe médica de ESF, procedendo ao desconto e recálculo do saldo devedor. 2.
Cabe ao FNDE (agente operador do FIES) traçar o regramento geral para a execução das parcelas vencidas e, ao agente financeiro, promover a execução. Logo, tanto o Banco do Brasil quanto o FNDE são partes legítimas para figurarem no polo passivo do processo
. 3. A Lei 12.202/2010, ao dar nova redação ao artigo 3º da Lei 10.260/2001, transferiu da CEF para o FNDE a atribuição de agente operador e administrador de ativos e passivos do FIES. A legitimidade do agente financeiro para a ação de cobrança, todavia, foi mantida, de acordo com o artigo 6º da Lei 10.260/2001, não modificado, no ponto, cabendo ao FNDE apenas a sua gestão, nos termos da nova lei (TRF1, AC 0005627-19.2012.4.01.4100, Juiz Federal Convocado Marcelo Velasco Nascimento Albernaz, 5T, e-DJF1 19/09/2017 PAG). 4. Sentença: a) a Parte Autora juntou aos autos declaração expedida pela Secretaria Municipal de Saúde de Licínio Almeida, na qual declara que a doutora MARILIA DAVID BORGES, está em exercício como médica de ESF, desde julho de 2018, sendo integrante de equipe de Saúde da Família, oficialmente cadastrada no Cadastro Nacional dos Estabelecimentos de Saúde - CNES, cumprindo jornada de trabalho de 40 (quarenta) horas semanais, conforme diretrizes da Política Nacional de Atenção Básica; b) estando o Município de Licínio de Almeida-BA na aludida lista, onde a Autora presta serviços como médico à população carente, a parte autora faz jus ao reconhecimento do direto previsto na forma do Art. 6º-B, II, da Lei 10.260/01, devendo as partes requeridas promover o abatimento mensal de 1% (um por cento) do saldo devedor do financiamento, a contar da integralização dos 12 meses e enquanto permanecer integrando equipe médica de ESF, procedendo ao desconto e recálculo do saldo devedor. 5. 3. O FIES poderá abater, na forma do regulamento, mensalmente, 1,00% (um inteiro por cento) do saldo devedor consolidado, incluídos os juros devidos no período e independentemente da data de contratação do financiamento, dos estudantes que exercerem as seguintes profissões: I - professor em efetivo exercício na rede pública de educação básica com jornada de, no mínimo, 20 (vinte) horas semanais, graduado em licenciatura; e II - médico integrante de equipe de saúde da família oficialmente cadastrada, com atuação em áreas e regiões com carência e dificuldade de retenção desse profissional, definidas como prioritárias pelo Ministério da Saúde, na forma do regulamento. / 4. Na hipótese dos autos, o impetrante cursa residência médica em instituição devidamente credenciada pelo CNRM/MEC, sendo a especialidade considerada como prioritária, fazendo jus à concessão da prorrogação do período de carência para o adimplemento das prestações do FIES, bem como ao abatimento mensal das prestações nos termos da lei de regência ( AC 1010579-07.2019.4.01.3800, Desembargador Federal Carlos Augusto Pires Brandão, 5T, PJe 01/03/2021 PAG). 6. Negado provimento às apelações. 7. Majorada a condenação dos apelantes em honorários advocatícios, de 10% (dez por cento) para 12% (doze por cento) sobre o valor da causa, nos termos do Código de Processo Civil, art. 85, § 11. (TRF-1 - AC: 10123157120204013300, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO BATISTA MOREIRA, Data de Julgamento: 21/02/2022, 6ª Turma, Data de Publicação: PJe 22/02/2022 PAG PJe 22/02/2022 PAG)
Com efeito, caso a pretensão da parte autora venha a ser julgada procedente, isso ensejará a redução do salvo devedor, crédito do agente financeiro
. Cuida-se, pois, de efetivo litisconsórcio passivo necessário envolvendo o banco mutuante.
2.12. Ilegitimidade da União Federal:
Acrescento que a União Federal aparentemente não está legitimada para a demanda, dado que a questão relacionada aos descontos é processada diretamente pelo banco mutuante e pelo FNDE, sem necessidade de intervenção do ente federativo. Pode-se cogitar de eventual relação entre o banco requerido e a União, caso se suponha haver necessidade de alguma participação ou aparte da Administração direta no que toca ao abatimento em causa, questão que não está em causa no presente processo.
A legislação não atribuiu ao referido ente federativo a tarefa de promover o desbaste do saldo devedor dos aludidos contratos, ainda que aludido desconto tenha decorrido de lei federal
. Caso a redução do saldo devedor realmente seja devida, há de ser empreendida, então, pelo banco mutuante, com as devidas anotações e acompanhamento pelo FNDE, enquanto gestor do FIES.
Por sinal, o simples fato de a legislação em questão ter emanado do Poder Legislativo da União Federal não a legitima para a causa, sob pena de que, com idênticos fundamentos, em todo processo que seja invocado o Código Civil, o Código Penal - leis nacionais - ou seja invocada a lei de licitações - lei federal -, a União seja tida como parte pertinente para a causa. Esse
redutio ad absurdum
evidencia que as atribuições normativas não implicam, por si, legitimidade para os processos em que as normas assim elaboradas sejam discutidas.
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. SERVIDOR PÚBLICO VINCULADO A AUTARQUIA FEDERAL. PRETENSÃO DE RECLASSIFICAÇÃO FUNCIONAL. ILEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS. FIXAÇÃO EM VALOR MÓDICO. REDUÇÃO. NÃO CABIMENTO. 1. O Autor é servidor da Escola Agrotécnica Federal de Barreiros/PE, Autarquia Federal, a qual, portanto, detém personalidade jurídica própria e distinta daquela da UNIÃO, não havendo dúvida quanto à ilegitimidade passiva desta para responder à pretensão inicial do Autor à reclassificação funcional, pois
a simples atribuição normativa e organizacional da UNIÃO em relação à Administração Federal Direta e Indireta não lhe traz a condição da parte na relação jurídica de direito material objeto da lide
(vínculo funcional administrativo de servidor público de Autarquia Federal). 2. Quanto aos honorários advocatícios sucumbenciais, o valor em que fixados, R$ 500,00 (quinhentos) reais, mostra-se módico, atendendo ao disposto no art. 20, parágrafo 4.º, do CPC, razão pela qual não merece acolhimento a pretensão recursal de sua redução. 3. Não provimento da apelação. (AC 200483000079795, Desembargador Federal Emiliano Zapata Leitão, TRF5 - Primeira Turma, DJE - Data::08/10/2009 - Página::125 - Nº::26.)
Ora, ainda que lhe seja atribuída a formulação de política de oferta do financiamento em questão e a supervisão das operações do FIES (art. 3º, I, da Lei 10.260/2001, com redação dada pela Lei 12.202/2010), a União Federal não parece guardar pertinência subjetiva com a presente demanda:
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. ENSINO SUPERIOR. FIES. PRELIMINARES. LEGITIMIDADE DO FNDE. ILEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO. MÉDICO INTEGRANTE DE EQUIPE DE SAÚDE DA FAMÍLIA. LEI 10.260/2001. ABATIMENTO DO SALDO DEVEDOR CONSOLIDADO. POSSIBILIDADE. 1. Discute-se na ação a legalidade do ato atribuído ao Presidente do Fundo de Desenvolvimento da Educação, que indeferiu requerimento referente ao abatimento de 1% (um por cento) do saldo devedor do contrato de financiamento estudantil do contratante, formado em Medicina, a incidir durante o período em que o profissional exerceu suas funções em Equipe de Saúde da Família. 2. O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação é parte legítima na ação, por participar dos contratos do FIES na função de administrador dos ativos e passivos do programa, a teor do art. 3º, I, c, da Lei 10.260/2001 e do art. 6º, IV, da Portaria Normativa/ME n. 209/2018. Preliminar de ilegitimidade passiva do FNDE rejeitada. 3.
Quanto à legitimidade da União para figurar no polo passivo da presente ação, embora lhe seja atribuída a formulação de política do financiamento estudantil e a supervisão das operações do fundo (art. 3º, I, da Lei 10.260/2001), tal atribuição não lhe impõe interesse e legitimidade nas demandas em que se discute a contratação do FIES. Desse modo, a preliminar deve ser acolhida para reconhecer a ilegitimidade passiva da União e excluí-la da demanda. Precedentes
. 4. No caso, o impetrante é médico formado em faculdade particular, beneficiário do programa de financiamento estudantil - FIES. Restou provado nos autos que, após a colação de grau, optou por trabalhar em cidades afastadas de capitais, devido ao incentivo concedido pela União, nos termos do art. 6º-B da lei nº 10.260/01, constituído para atrair médicos às zonas prioritárias (afastadas dos grandes centros), com poucos trabalhadores na área da saúde. Assim, deve ser mantida a sentença que, no mérito, assegurou ao contratante o abatimento previsto na lei vigente. 5. Apelação da União e remessa oficial providas. Apelação do FNDE desprovida. (TRF-1 - AMS: 10002875020214013813, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS AUGUSTO PIRES BRANDÃO, Data de Julgamento: 31/08/2022, 5ª Turma, Data de Publicação: PJe 31/08/2022 PAG PJe 31/08/2022 PAG)
ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE RITO ORDINÁRIO. ENSINO SUPERIOR. FIES. ILEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO. ABATIMENTO MENSAL DE 1% (UM INTEIRO POR CENTO) DO SALDO DEVEDOR CONSOLIDADO. LEI 10.260/2001, ART. 6º-B, II. REQUISITOS PREENCHIDOS. ABATIMENTO
DEFERIDO. DIREITO ASSEGURADO. SENTENÇA CONFIRMADA. 1. A atribuição da União para a formulação de política de oferta de financiamento estudantil e a supervisão das operações do fundo (art. 3º, I, da Lei 10.260/2001, com redação dada pela Lei 12.202/2010), não lhe confere interesse ou legitimidade na demanda em que se discute a legalidade de cláusulas contratuais atinentes aos juros e à atualização da dívida objeto do mútuo. Ilegitimidade passiva da União reconhecida, para determinar sua exclusão da lide
. 2. O FNDE detém legitimidade para figurar no polo passivo da relação processual, porquanto, na data em que passou a integrá-la, era o agente operador e administrador dos ativos e passivos referentes aos contratos firmados no âmbito do FIES, consoante disposto no art. 3º, II, da Lei nº 10.260/2001, na redação dada pela Lei 12.202/2010. ( AC 1018104-06.2020.4.01.3800, JUÍZA FEDERAL KÁTIA BALBINO DE CARVALHO FERREIRA (CONV.), TRF1 - QUINTA TURMA, PJe 12/12/2021).
PROCESSUAL CIVIL. PROGRAMA DE FINANCIAMENTO ESTUDANTIL ( FIES). FALECIMENTO DO ESTUDANTE. ILEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO E DA IES. PREVISÃO CONTRATUAL DE TRANSFORMAÇÃO DO FIADOR EM DEVEDOR PRINCIPAL. INCOMPATIBILIDADE COM O CARÁTER PERSONALÍSSIMO DA FIANÇA. RESPONSABILIDADE DO FIADOR PELAS PARCELAS VENCIDAS ATÉ A DATA DO ÓBITO. 1. A jurisprudência desta Corte é assente no sentido de que apenas a Caixa Econômica Federal, na condição de agente financeiro do FIES, detém legitimidade para figurar no polo passivo de demandas que visam à revisão de contrato de FIES, a teor do disposto no art. 6º da Lei nº 10.260/2001 com redação dada pela Lei n. 12.202/2010,
não havendo que se falar em litisconsórcio passivo necessário com a IES ou com a União Federal, a quem compete apenas formular a política de oferta de financiamento e supervisionar a execução das operações do Fundo, a teor do disposto no art. 3º, inciso I do mesmo diploma legal.
(AC 0001639-67.2009.4.01.3300/BA, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL NÉVITON GUEDES, QUINTA TURMA, e-DJF1 p.883 de 06/07/2015) [...] (ACORDAO 00045243520074013814, DESEMBARGADOR FEDERAL KASSIO NUNES MARQUES, TRF1 - SEXTA TURMA, e-DJF1 DATA:09/10/2017).
CONSTITUCIONAL E PROCESSO CIVIL. FUNDO DE FINANCIAMENTO AO ESTUDANTE DO ENSINO SUPERIOR - FIES. EXIGÊNCIA DE IDONEIDADE CADASTRAL. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO DA UNIÃO FEDERAL REJEITADO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. I –
Versando a controvérsia, como no caso, em torno da exigência de idoneidade cadastral dos autores, para fins de celebração de contrato de financiamento estudantil com recursos do Fundo de Financiamento ao Estudante de Ensino Superior - FIES, a legitimidade passiva ad causam, na espécie, é exclusiva do agente financeiro responsável pelo aludido financiamento, não se caracterizando, assim, a hipótese de citação da União Federal, na qualidade de litisconsorte passivo necessário. Precedentes
. (APELAÇÃO 00605566520124013400, DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE, TRF1 - QUINTA TURMA, e-DJF1 DATA:17/08/2016).
Com efeito, a operacionalização do desconto deve ser promovida, em princípio, pelo banco mutuante - na espécie, a CEF -, com o adequado acompanhamento e registros pelo FNDE.
Aparentemente, portanto, a União Federal não guarda pertinência com esta causa
.
De toda sorte, anoto que os Tribunais também têm decidido em sentido distinto, argumentando que a União estaria legitimada para demandas como a presente. Menciono os seguintes julgados:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. CONTRATO DE FINANCIAMENTO. FUNDO DE FINANCIAMENTO DO ENSINO SUPERIOR - FIES. AÇÃO ORDINÁRIA. UNIÃO. LEGITIMIDADE PASSIVA. POSSIBILIDADE. 1. "
Nos termos dos artigos 1º, § 5º e 3º, I e II, da Lei 10.260/2001, o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior - FIES - é fundo contábil, formado com contribuições da União, cuja gestão cabe ao Ministério da Educação (MEC) - órgão da União -, bem como à Caixa Econômica Federal. Assim, a União Federal encontra-se legitimada a ocupar o polo passivo em demandas dessa natureza
" ( AgRg no REsp 1202818/PR, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 25/09/2012, DJe 04/10/2012). 2. Agravo regimental não provido. (STJ - AgRg no REsp: 1501320 AL 2014/0314996-4, Relator: Ministro BENEDITO GONÇALVES, Data de Julgamento: 27/10/2015, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 09/11/2015)
ADMINISTRATIVO. CONTRATO DE FINANCIAMENTO. FUNDO DE FINANCIAMENTO DOENSINO SUPERIOR - FIES. UNIÃO. LEGITIMIDADE PASSIVA. 1.
A União Federal detém legitimidade para figurar no polo passivo de lide que versa sobre o FIES. Precedentes.
2. Agravo regimental não provido. (STJ - AgRg no REsp: 1202818 PR 2010/0136864-1, Relator: Ministro CASTRO MEIRA, Data de Julgamento: 25/09/2012, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 04/10/2012)
Por conta disso, reputo que,
ao menos por ora
, se revela cabível o processamento da peça inicial no que toca à pretensão endereçada à União Federal.
Ressalvo nova análise por época do saneamento da demanda ou sentença
- art. 357, CPC.
2.13. Cogitado
litisconsórcio
passivo necessário - fiadores:
Poder-se-ia cogitar de litisconsórcio com eventuais fiadores, dada a conexão entre o contrato de mútuo feneratício e contrato de fiança, dada a obrigação de fiadores de promoverem o pagamento em caso de inadimplemento da dívida por parte da mutuária. Anoto, porém, que - na espécie - se discute o intento de redução da dívida.
Se acolhida a pretensão da parte autora, isso não prejudicará eventuais fiadores. Caso reputada improcedente aludido intento, isso não implicará, por si, agravamento do estado do contrato, vigente nesta data
.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. JULGAMENTO NÃO UNÂNIME. SUBMISSÃO AO ART. 942 DO CPC/15. MANDADO DE SEGURANÇA. CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO PARA FINANCIAMENTO ESTUDANTIL - FIES. DESNECESSIDADE DE LITISCONSÓRCIO ATIVO ENTRE FIADOR E AFIANÇADO. LEGITIMIDADE PASSIVA DA AUTORIDADE IMPETRADA. PRAZO DE CARÊNCIA DE 18 MESES DA LEI Nº 11.941/2009. APLICAÇÃO A CONTRATOS FIRMADOS ANTERIORMENTE À REFERIDA LEI. APELAÇÃO DA CEF DESPROVIDA. 1. Diante do resultado não unânime (em 02 de outubro de 2018), o julgamento teve prosseguimento conforme o disposto no art. 942 do CPC/15, realizando-se nova sessão em 07 de março de 2019. 2.
Não obstante se tratar de hipótese de litisconsórcio ativo unitário, já que a decisão a ser proferida irradia efeitos na esfera jurídica tanto do tomador do empréstimo, como do fiador do negócio, não se mostra pertinente a determinação judicial para que alguém componha o polo ativo de uma demanda. 3. Assim, tendo-se em conta que não cabe ao juiz impor o litisconsórcio ativo, em homenagem ao princípio da livre iniciativa da parte, respaldado pelo postulado constitucional da legalidade ( CF, art. 5º, inciso II), tem-se como impertinente a determinação de intervenção litisconsorcial ativa na lide. 4. Adstrito ao princípio da legalidade tem-se que o atual art. 506 permite que terceiro não partícipe da relação processual possa eventualmente se beneficiar dos efeitos da sentença, não o obrigando, portanto, a compor a lide para necessariamente ser favorecido pela coisa julgad
a. 5. A Caixa Econômica Federal - e, de conseguinte, o seu Gerente (autoridade impetrada em se tratando de mandado de segurança) - é parte legítima, tendo em vista ser a instituição financeira gestora do Fundo de Financiamento na qualidade de agente operador e de administradora dos ativos e passivos, conforme prevê o inciso II do artigo 3º da Lei nº 10.260/01. Precedente ( AC 00097706520044036108, Relator Desembargador Federal Henrique Herkenhoff, Segunda Turma, TRF 3ª Região, DJF 3/10/2008). 6. Quanto ao prazo de carência de 18 (dezoito) meses para início de cumprimento do contrato de financiamento estudantil, conquanto tenha sido trazido somente pela Lei nº 11.941/2009, a jurisprudência dos Regionais é pacífica no sentido da sua aplicabilidade mesmo a contratos firmados anteriormente à vigência da novel legislação (TRF 1ª Região: AC 00309281120104013300 e AC 00099626720144013500; TRF 4ª Região: APELREEX 5012712-53.2013.404.7009; TRF 5ª Região: REO 00019871620124058200). 7. Apelação desprovida. (TRF-3 - Ap: 00113676620134036104 SP, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL WILSON ZAUHY, Data de Julgamento: 07/03/2019, PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: e-DJF3 Judicial 1 DATA:30/04/2019)
2.14. Interesse processual - considerações gerais:
Por conta do moopólio estatal do uso válido da violência - expressão de Max Weber -, exceção feita aos casos de legítima defesa, estado de necessidade, desforço
incontinenti
etc., as partes não podem resolver seus conflitos mediante o emprego da força (art. 345, Código Penal/40). Assim, sempre que as controvérsias não sejam solucionadas com base no consenso, na prevalência do melhor argumento, os sujeitos devem deduzir suas pretensões perante o Estado, na espera de que haja aplicação isenta, racional e célere da lei (
law enforcement
).
Nos termos impostos pela Constituição, o Poder Judiciário está obrigado a apreciar a alegação de que haja lesão ou ameaça de lesão a direito (art. 5º, XXXV, CF), mecanismo indispensável para o efetivo império da razão pública, ao invés da prevalência dos poderes hegemônicos de ocasião. A prestação jurisdicional não se destina, todavia, a emitir meros pareceres ou cartas de intenções.
O ingresso em juízo deve estar fundado, tanto por isso, em uma situação de efetiva necessidade, de modo que o pedido - caso venha a ser acolhido - se traduza em uma utilidade para o(a) demandante. O meio processual eleito deve ser adequado para tanto. Daí que os processualistas tratem do interesse processual em uma
troika:
a necessidade, a utilidade e a adequação. Por fim, o interesse processual deve persistir no curso da demanda, nos termos do art. 17 e art. 85, §10, CPC/15.
Ora,
"
Mediante a força declaratória, a aspiração do autor consiste na extirpação da incerteza
. Deseja tornar indiscutível, no presente e no futuro, graças à autoridade da coisa julgada, a existência ou a inexistência de relação jurídica, a autenticidade ou a falsidade de documento. É o que dispõe, fortemente inspirado no direito germânico e reproduzindo a regra anterior, o art. 19 do NCPC. Também comporta declaração a exegese de cláusula contratual (Súmula do STJ, n.º 181), ou seja, o modo de ser de uma relação jurídica. Na ação declarativa, ignora-se outra eficácia relevante que a de coisa julgada material. Neste sentido, a pretensão à declaração representa fonte autônoma de um bem valiosíssimo na vida social: a certeza. O autor que só pleiteia declaração ao juiz, e obtém êxito, dar-se-á por satisfeito, e cabalmente, desde o curso em julgado da sentença.
Então apropria-se do que pedira ao órgão judicial – certeza –, carecendo a regra jurídica emitida de qualquer atividade complementar em juízo. Focalizando o ponto com preciosa exatidão, diz-se que a sentença declaratória é instrumento autossuficiente de tutela jurisdicional, pois assegura, de maneira plena e completa, a efetividade da situação jurídica substancial deduzida em juízo
."
(ASSIS, Araken de.
Processo
civil brasileiro:
volume I. Parte geral: fundamentos e distribuição de conflitos. São Paulo: RT. 2015. p. 675).
Ainda segundo Araken de Assis,
"
O provimento declaratório tem nítido caráter prescritivo. A parte adquire o direito incontestável de comportar-se em consonância ao comando sentencial, e, principalmente, não é dado àqueles que se vincularam à declaração impedi-la
. A finalidade da ação declaratória da inteligência e do alcance de cláusula contratual é a de prescrever aos parceiros do negócio, sucessivamente, determinada pauta de conduta, independentemente de execução alguma, de que não se cogita e de que não se pode cogitar."
(ASSIS, Araken de.
Obra citada.
p. 676).
Dado que o Poder Judiciário não é consultor jurídico das partes, impõe-se que haja uma situação de incerteza jurídica a justificar o ingresso com a demanda:
"
Impende recordar que a certeza implicará a vinculação futura das partes. O provimento exibirá caráter prescritivo para o futuro
. O ato judicial legitima a prática (ou a abstenção) de atos jurídicos “ao abrigo e em conformidade com o conteúdo da sentença. Em geral, a antevisão desse problema provoca o nascimento do interesse. Por assim dizer, o provimento declarativo tem os pés no passado, mas olhar no futuro. É preciso aceitar com reservas, portanto, o julgado da 4.ª Turma do STJ, que assentou: Não é detentor de interesse processual justificador da pretensão declarativa quem não está exposto à possibilidade de dano imediato e concreto. Ora, imediato é o interesse, pois o dano, em sentido amplíssimo, pode ser futuro. Por exemplo, não cabe declarar a inteligência da cláusula contratual em tese; o autor necessitará expor a dificuldade na interpretação da cláusula, os reflexos que este ou aquele entendimento provocará no programa contratual."
(ASSIS, Araken de.
Obra citada.
p. 661).
2.15. Interesse processual - caso em exame:
A parte autora deduziu pretensão à revisão de contrato de mútuo feneratício, avençado no âmbito do FIES. O processamento desta pretensão não depende do prévio exaurimento do debate na seara extrajudicial, dada a ausência de lei que o imponha e dado o direito fundamental previsto no art. 5, XXXV, Constituição Republicana/88.
O tema 350, STF, não se aplica ao caso, dado que a demanda não versa sobre pretensões previdenciárias.
Por outro lado, caso a sua pretensão venha a ser acolhida em sentença transitada em julgado, a medida lhe será útil, incrementando o seu patrimônio, com a redução da dívida em causa. Por fim, a medida processual adotada - demanda sob o rito dos Juizados - se revela adequada ao fim proposto, como anotei acima.
Com isso, o trinômio necessidade, utilidade e adequação restou satisfeito no processo em causa
.
2.16. Valor atribuído à demanda:
A toda causa deve ser atribuído algum valor econômico, por força do art. 291, CPC/2015 - projeção do art. 258, CPC/73 -, pois se cuida da base de cálculo da taxa judiciária. Referido valor pode influenciar, em muitos casos, a determinação da competência das unidades judiciais ou o procedimento aplicável, também surtindo reflexos sobre a definição de encargos sucumbenciais.
Trata-se, tanto por isso, de requisito para que a petição inicial seja válida - art. 319, CPC. Como explicita Araken de Assis,
"às vezes, na oportunidade da respectiva fixação (infra, 1.290),
o conteúdo econômico real e imediato da pretensão mostra-se inestimável, ou seja, não pode ser quantificado precisamente. Tal circunstância não constitui motivo bastante para eliminar o ônus atribuído ao autor nos arts. 319, V, e 292, caput
. É apenas causa de estimação voluntária do autor, pois o art. 291 dispõe expressamente que a toda causa será atribuído valor certo. Nada obstante, a indicação aproximar-se-á, tanto quanto possível, do conteúdo econômico mediato da pretensão. Não há incompatibilidade daquelas regras com a do art. 85, § 8.º. aludindo a causas de valor inestimável. Entende-se por tal as causas desprovidas de conteúdo econômico imediato, como é o caso da ação declaratória, e, por esse motivo, sujeitas à estimação do autor."
(ASSIS, Araken.
Processo
civil brasileiro.
Volume II - Tomo I: Institutos fundamentais. SP: RT. 2015. p. 1695)
Convém atentar, tanto por isso, para o art. 292, CPC/15:
"O valor da causa constará da petição inicial ou da reconvenção e será: I - na ação de cobrança de dívida, a soma monetariamente corrigida do principal, dos juros de mora vencidos e de outras penalidades, se houver, até a data de propositura da ação; II -
na ação que tiver por objeto a existência, a validade, o cumprimento, a modificação, a resolução, a resilição ou a rescisão de ato jurídico, o valor do ato ou o de sua parte controvertida
; III - na ação de alimentos, a soma de 12 (doze) prestações mensais pedidas pelo autor; IV - na ação de divisão, de demarcação e de reivindicação, o valor de avaliação da área ou do bem objeto do pedido; V - na ação indenizatória, inclusive a fundada em dano moral, o valor pretendido; VI - na ação em que há cumulação de pedidos, a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles; VII - na ação em que os pedidos são alternativos, o de maior valor; VIII - na ação em que houver pedido subsidiário, o valor do pedido principal. § 1º
Quando se pedirem prestações vencidas e vincendas, considerar-se-á o valor de umas e outras. § 2º O valor das prestações vincendas será igual a uma prestação anual, se a obrigação for por tempo indeterminado ou por tempo superior a 1 (um) ano, e, se por tempo inferior, será igual à soma das prestações
. § 3º O juiz corrigirá, de ofício e por arbitramento, o valor da causa quando verificar que não corresponde ao conteúdo patrimonial em discussão ou ao proveito econômico perseguido pelo autor, caso em que se procederá ao recolhimento das custas correspondentes."
Menciono novamente a análise promovida por Araken de Assis:
"
É exemplificativa a enumeração dos acessórios. Os juros compensatórios, por exemplo, dificilmente se quadram na figura de penalidade. A correção monetária integra o valor originário do crédito e, nesse aspecto, sua menção no art. 292, corrige o direito anterior
. Ressalva feita aos juros moratórios e à correção monetária, verbas implicitamente incluídas no pedido respeitante ao principal (art. 322, § 1.º), e, nada obstante, integrantes do valor da causa, quaisquer outras verbas devem ser objeto de pedido. É o caso, expressis verbis, da cláusula penal moratória ou compensatória e dos juros compensatórios. Omisso que seja o pedido, a respeito da cláusula penal (v.g., o autor quer evitar a controvérsia em torno da interpretação do contrato), tampouco conta-se o respectivo valor. Por óbvio, deixando o autor de pedir os juros moratórios, explicitamente, dificilmente realizará seu cômputo no valor da causa, ensejando a intervenção do órgão judiciário. E os juros vencidos posteriormente ao ajuizamento, automaticamente incluídos na condenação (art. 323), não entram na estimativa da causa.
O custo financeiro do processo (despesas processuais e honorários advocatícios), suportado pelo réu no caso de êxito do autor, não precisa ser computado para apurar o valor da causa. Tais verbas têm caráter eventual e decorrem da lei.
Em face do caráter imperativo do art. 292, I, mostra-se irrelevante a estimativa lançada pelo autor na petição inicial em desacordo com a regra. Prevalecerá o valor da importância reclamada no pedido.
O art. 292, I, aplica-se, por analogia, à pretensão a executar fundada em título judicial ou extrajudicial (infra, 1.292.2.2). O valor da causa é o total do crédito: o principal corrigido, os juros e os demais consectários legais ou contratuais, conforme, aliás, dispõe o art. 6.º, § 4.º, da Lei 6.830/1980. Esse valor constará na planilha aludida no art. 798, I, b, e parágrafo único
.
Também se poderia cogitar do enquadramento da pretensão a executar no art. 292, II, por que pretensão visando ao cumprimento do negócio jurídico, eventualmente consubstanciado em documento dotado de força executiva. O resultado final é idêntico, mas o art. 292, I, avantaja-se ao inciso precedente em ponto decisivo, ao impor um critério simples, direto e analítico ao valor da causa." (ARAKEN, Assis.
Obra citada
. p. 1698 e ss.)
Ora, não se pode perder de vista que o valor atribuído à causa deve corresponder, tanto quanto possível, ao conteúdo econômico da pretensão deduzida na peça inicial, como bem equaciona o art. 292, §3º, CPC/15:
"O juiz corrigirá, de
ofício e por arbitramento
, o valor da causa quando verificar que não corresponde ao conteúdo patrimonial em discussão ou
ao proveito econômico perseguido pelo autor
, caso em que se procederá ao recolhimento das custas correspondentes."
2.17. Valor da causa -
processo
em exame:
No processo em análise, em princípio, o valor atribuído à causa (
R$ 65.091,15
) se revela adequado, por refletir o valor atual do contrato a ser revisto, caso julgada procedente a demanda. Acolho, ao menos por ora, aludida atribuição de valor à causa.
2.18. Adequação da peça inicial:
Em primeiro exame, a peça inicial se revela adequada, permitindo aos demandados o exercício do contraditório. A requerente detalhou pedidos e causa de pedir, anexando documentos na forma do art. 320 e art. 434, CPC/15.
2.19. Gratuidade de Justiça:
No que toca à gratuidade de Justiça, anoto que a Constituição da República dispôs, no seu art. 5º LXXIV, que
"
o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos
."
Essa mesma lógica eclode do art. 24, XIII e do art. 134, Constituição Federal/1988.
Ademais, a Constituição recepcionou a antiga lei 1060/1950, responsável por detalhar as hipóteses do que se convencionou chamar de justiça gratuita.
Registro que o CPC/15 manteve a vigência da norma veiculada no art. 13 da lei 1060/1950 (art. 1072, III,
a contrario senso
), ao tempo em que admitiu o deferimento parcial da gratuidade:
Araken de Assis assim analisa a questão:
"- Isenção total - Em princípio, ao litigante interessa forrar-se integralmente do custo financeiro do processo. A isenção total tem por objeto, portanto, o art. 98, §1º, I a IX, ficando suspensa a exigibilidade do dever de reembolsar as despesas suportadas pelo adversário, no todo ou em parte - a perícia requerida por ambas a partes tem seu custo repartido, a teor do art. 95, caput, e, portanto, competiria ao beneficiário reembolsar em parte o vencedor - o pagamento de honorários ao advogado do vencedor, pelo prazo de cinco anos, a teor do art. 98, §3º.
- Isenção parcial - Mantido pelo art. 1.072, III, NCPC, o art. 13 da lei 1060/1950 subentende a concessão parcial do benefício de gratuidade. Essa possibilidade encontra-se prevista de modo mais nítido no art. 98, §5º, segundo o qual o juiz concederá gratuidade em relação a algum ou a todos os atos processuais. Pode acontecer de o litigante, conduzindo-se segundo os ditames da boa-fé (art. 5º) alegar não dispor de recursos para adiantar, v.g., os honorários do perito, sem dúvida despesa de vulto. Em tal hipótese, o órgão judiciário concederá isenção parcial, provocando a incidência, nesse caso, do art. 95, §2º.
- Isenção remissória - O art. 98, §5º, in fine, autoriza o juiz a reduzir percentualmente as despesas processuais que incumbe à parte adiantar no curso do processo. O benefício não alivia a parte da antecipação quanto a um ato específico. Limita o benefício à parte da despesa; por exemplo, fixada a indenização da testemunha em 100, o beneficiário paga 50, ficando a parte remanescente postergada para o fim do processo. Saindo-se vencedor o beneficiário, a contraparte cumprirá o art. 492, quanto à parte isentada, e reembolsará o beneficiário da outra metade.
-
Isenção diferida - A isenção parcial do art. 13 da lei 1060/1950 inspirou duas modalidades de diferimento: (a) o pagamento ao final, embora vencido o beneficiário; (b) o pagamento parcelado da despesa, objeto de previsão no art. 98, §6º. Por exemplo a parte não dispõe da totalidade dos honorários do perito arbitrado pelo juiz e, nessa contingência, requer o pagamento em três ou mais parcelas mensais consecutivas. O pagamento ao fim do processo é mais radical. A parte aposta no sucesso, transferindo, secundum eventuam litis, todas as despesas ao adversário. E, não logrando êxito, ficará isenta pelo prazo legal
(art. 98, §3º)." (ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
Volume II. Tomo I. Parte geral. São Paulo: RT, 2015, p. 535-536)
Quanto aos requisitos para a concessão, reporto-me à análise de Rafael Alexandria de Oliveira:
"Faz jus ao benefício da gratuidade de justiça aquela pessoa com insuficiência de recursos para pagar as custas, despesas processuais e honorários advocatícios (art. 98). Não se exige miserabilidade, nem estado de necessidade, nem tampouco se fala em renda familiar ou faturamento máximos. É possível que uma pessoa natural, mesmo com boa renda mensal, seja merecedora do benefício, e que também o seja aquele sujeito que é proprietário de bens imóveis, mas não dispõe de liquidez. A gratuidade judiciária é um dos mecanismos de viabilização do acesso à justiça; não se pode exigir que, para ter acesso à justiça, o sujeito tenha que comprometer significativamente a sua renda, ou tenha que se desfazer de seus bens, liquidando-os para angariar recursos e custear o processo."
(OLIVEIRA, Rafael Alexandria in WAMBIER, Teresa Alvim.
Breves comentários ao novo CPC.
São Paulo: RT, 2015, p. 359)
Convém atentar, ademais, para a precisa avaliação de Araken de Assis:
"À concessão do benefício, nos termos postos no art. 98, caput, fundamentalmente interessa não permitir a situação econômica da parte atender às despesas do processo. É irrelevante a renda da pessoa, porque as causas podem ser vultuosas e sem recursos para o interessado. Igualmente, nenhum é o relevo da existência de patrimônio. E, de fato, se mesmo tendo um bem imóvel, os rendimentos da parte não lhe são suficientes para arcar com custas e honorários sem prejuízo do sustenta, tal propriedade não é empecilho à concessão da gratuidade. Parece pouco razoável exigir que alguém se desfaça de seus bens para atender ás despesas do processo. Nada assegura, a fortiori, o retorno à situação patrimonial anterior, em virtude do desfecho vitorioso do processo. (...) Funda-se o benefício da gratuidade numa equação econômica: a noção da necessidade decorre da inexistência de recursos financeiros, apuradas entre a receita e a despesa, capazes de atender o custo da demanda. Considera-se a situação atual da pessoa, mostrando-se irrelevante a sua antiga fortuna, dissipada ou perdida nos azares da vida."
(ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
Volume II. Tomo I. Parte geral. Institutos fundamentais. São Paulo: RT, 2015, p. 549)
Note-se também que o TRF4 tem entendido que a gratuidade de Justiça há de ser deferida a quem receba
remuneração mensal
líquida
inferior ao
teto de benefícios do RGPS
, definido em
R$ 8.157,41
, conforme Portaria Interministerial MPS/MF nº 6, de 10 de janeiro de 2025:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PROCESSUAL CIVIL. HIPÓTESES DE CABIMENTO. COMPLEMENTAÇÃO. NECESSIDADE. BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA. RENDIMENTOS SUPERIORES AO TETO DOS BENEFÍCIOS DO RGPS. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. REVOGAÇÃO MANTIDA. RESULTADO DO JULGAMENTO INALTERADO. 1. São cabíveis embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para esclarecer obscuridade ou eliminar contradição; suprir omissão ou corrigir erro material, consoante dispõe o artigo 1.022 do Código de Processo Civil. 2.
A Terceira Turma adota como critério de concessão/manutenção do benefício da gratuidade judiciária o fato de a parte auferir renda inferior ao teto dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social - RGPS, pois mostra-se razoável presumir a hipossuficiência nessas hipóteses. 3. Para o deferimento da mencionada benesse, devem ser apurados os rendimentos líquidos da parte interessada e considerados, para tal fim, apenas, os descontos obrigatórios/legais (tais como Importo de Renda, Contribuição Previdenciária e pensão) e, excepcionalmente, gastos com saúde (apurada a gravidade da doença no caso concreto e os gastos respectivos, ainda que não descontados em folha de pagamento)
. 4. Caso em que acolhidos, em parte, os embargos de declaração, para complementar o decisum no ponto referente à revogação do benefício da justiça gratuita, sem alteração de resultado. (TRF-4 - AC: 50021421220124047116 RS 5002142-12.2012.4.04.7116, Relator: VÂNIA HACK DE ALMEIDA, Data de Julgamento: 28/01/2020, TERCEIRA TURMA)
D'outro tanto, o CPC/15 manteve a lógica do art. 12 da lei 1060/1950, de modo que a concessão do benefício não implica efetiva exoneração da obrigação de recolher despesas e pagar honorários sucumbenciais (incabíveis, porém, no rito do mandado de segurança), observado o prazo suspensivo previsto, agora, no art. 98, §2º, CPC/15 (05 anos).
O detalhe está no fato de que, como registrei acima, nos termos do art. 98, §5º, CPC/15,
"
A gratuidade poderá ser concedida em relação a algum ou a todos os atos processuais, ou consistir na redução percentual de despesas processuais que o beneficiário tiver de adiantar no curso do procedimento
."
Anote-se que a Constituição preconiza que o postulante demonstre a incapacidade para o pagamento (art. 5º, LXXIV, CF). Aliás, como bem expressa Araken de Assis,
"A dispensa de o postulante da gratuidade, cuidando-se de pessoa natural, produzir prova documental do seu estado de necessidade provocou efeito colateral de graves reflexos. Fica o respectivo adversário em situação claramente desvantajosa. É muito difícil, a mais das vezes, e na imensa maioria dos litígios civis, a parte contrária reunir prova hábil da equação entre receita e despesa que gera a figura do necessitado. Enfraqueceu-se, em suma, o controle judiciário desse dado. A concessão do benefício é automática, e, na prática, simultaneamente irreversível, por força da inutilidade dos esforços em provar o contrário."
(ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
Volume II. Tomo I. Parte geral. Institutos fundamentais. São Paulo: RT, 2015, p. 559).
2.20.
Gratuidade
- caso em exame:
No caso em exame, o autor juntou declaração de hipossuficiência financeira, o que atende ao art. 99, §2, CPC. Não há indicativos de que o autor tenha rendimentos líquidos superiores ao teto do RGPS.
DEFIRO-LHE, portanto, a gratuidade de justiça, conquanto a medida surta reduzidos efeitos no rito dos juizados especiais, em 1ª instância, conforme arts. 54 e 55 da lei n. 9.099/1995
.
2.21. Considerações gerais sobre a antecipação de tutela:
Como sabido, a cláusula do devido processo envolve alguma aporia. Por um lado, o processo há de ser adequado: deve assegurar defesa, contraditório, ampla produção probatória. E isso consome tempo. Todavia, o processo também deve ser eficiente, ele deve assegurar ao titular de um direito uma situação jurídica idêntica àquela que ele teria caso o devedor houvesse satisfeito sua obrigação na época e forma devidas.
A demora pode contribuir para um debate mais qualificado entre as partes; todavia, também leva ao grande risco de ineficácia da prestação jurisdicional, caso o demandante tenha realmente razão em seus argumentos.
Daí a relevância do prudente emprego da tutela de urgência, prevista no art. 300 e ss. do CPC/15. Desde que a narrativa do demandante seja verossímil, seus argumentos sejam fundados e a intervenção imediata do Poder Judiciário seja necessária - i.e., desde que haja
fumus boni iuris
e
periculum in mora -
a antecipação da tutela deverá ser deferida.
Sem dúvida, porém, que o tema exige cautela, eis que tampouco soa compatível com o devido processo a conversão da antecipação em um expediente rotineiro, o que violentaria a cláusula do art. 5º, LIV e LV, CF. Ademais, o provimento de urgência não pode ser deferido quando ensejar prejuízos irreversíveis ao demandado (art. 300, §3º, CPC).
Daí o relevo da lição de Araken de Assis, como segue:
"A tutela de urgência e a tutela de evidência gravitam em torno de dois princípios fundamentais: (a) o princípio da necessidade; e (b) o princípio da menor ingerência.
Princípio da necessidade - Segundo o art. 301, in fine, a par do arresto, sequestro, arrolamento de bens, e protesto contra a alienação de bens, o órgão judiciário poderá determinar qualquer outra medida idônea para asseguração do direito. Essa abertura aplica-se às medidas de urgência satisfativas
(art. 303, caput): a composição do conflito entre os direitos fundamentais somente se mostrará legítima quando houver conflito real, hipótese em quase patenteia a necessidade de o juiz alterar o esquema ordinário de equilíbrio das partes perante o fator temporal do processo. A necessidade de o juiz conceder medida de urgência apura-se através da comparação dos interesses contrastantes dos litigantes. Dessa necessidade resulta a medida adequada à asseguração ou à satisfação antecipada em benefício do interesse mais provável de acolhimento em detrimento do interesse menos provável.
Princípio do menor gravame - O princípio do menor gravame ou da adequação é intrínseco à necessidade. É preciso que a medida de urgência seja congruente e proporcional aos seus fins, respectivamente a asseguração ou a realização antecipada do suposto direito do autor. Por esse motivo, a medida de urgência cautelar prefere à medida de urgência satisfativa, sempre que adequada para evitar o perigo de dano iminente e irreparável, e, na órbita das medidas de urgência satisfativas, o órgão judiciário se cingirá ao estritamente necessário para a mesma finalidade." (ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
volume II. Tomo II. Parge Geral: institutos fundamentais. São Paulo: RT, 2015, p. 370-371).
Quando se cuide, ademais, de pedido em desfavor da Fazenda Pública, a
lei 8.437/1992
veda a antecipação de tutela que implique compensação de créditos tributários ou previdenciários (art. 1º, §5º). A lei do mandado de segurança veda a concessão de liminares com o fim de se promover a entrega de mercadorias, a reclassificação de servidores públicos e o aumento ou extensão de vantagens de qualquer natureza (art. 7º, §2º, lei 12.016).
Registre-se que o STF já se manifestou sobre a constitucionalidade de algumas dessas limitações (lei 9.494), conforme se infere da conhecida
ADC 04-6/DF, rel. Min. Sydnei Sanches
(DJU de 21.05.1999), com os temperamentos reconhecidos no informativo 248, STF. No âmbito do Direito Administrativo militar, há restrições ao emprego do
writ
, por exemplo, diante do que preconiza o art. 51, §3º, lei n. 6.880/1980, ao exigir o exaurimento da via administrativa.
N'outra vertente, como sabido, o juízo não pode antecipar a eficácia meramente declaratória de uma cogitada sentença de procedência. Afinal de contas, a contingência é inerente aos provimentos liminares; de modo que a certeza apenas advém do trânsito em julgado (aliás, em muitos casos, sequer depois disso, dadas as recentes discussões sobre a relativização da
res iudicata
): "
É impossível a antecipação da eficácia meramente declaratória, ou mesmo conferir antecipadamente ao autor o bem certeza jurídica, o qual somente é capaz de lhe ser atribuído pela sentença declaratória. A cognição inerente ao juízo antecipatório é por sua natureza complemente inidônea para atribuir ao autor a declaração - ou a certeza jurídica por ele objetivada
."
(MARINONI, Luiz Guilherme.
A antecipação da tutela.
7. ed. SP: Malheiros. p. 55).
Em determinados casos, a antecipação de tutela pode restar condicionada à apresentação de contracautelas pela parte postulante, de modo a garantir que, em caso de reversão da medida, a parte demandada seja indenizada de eventuais prejuízos, conforme lógica do art. 302 e art. 300, §1º, CPC/15.
2.22. Postergação do contraditório:
Em regra, as deliberações judiciais devem ser antecidades da bilateralidade de audiência. Importa dizer: assegurando-se às partes manifestação a respeito da questão discutida. É o que se infere do art. 5, LIV e LV, Constituição e art. 7, parte final, CPC.
Havendo, porém, um contexto de urgência, o contraditório pode ser postergado - jamais eliminado -, facultando-se manifestação à contraparte.
2.23.
Prazos prescricionais:
No mais das vezes, as pretensões deduzidas em face da Administração Pública estão submetidas ao prazo prescricional de 05 anos, na forma do art. 1º do decreto 20.910/32, com a interrupção na forma da súmula 383, Supremo Tribunal Federal. Trata-se de norma de conteúdo especial quando confrontada com o art. 206, §3º, V, Código Civil:
ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PRESCRIÇÃO. PRAZO QUINQUENAL. DECRETO 20.910/32. REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA RESP 1.251.993/PR. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1.
A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp. 1.251.993/PR, submetido ao rito do art. 543-C do CPC, assentou que o prazo de prescrição quinquenal, previsto no Decreto nº 20.910/32, aplica-se às ações indenizatórias ajuizadas contra a Fazenda Pública, em detrimento do prazo trienal contido do Código Civil de 2002
. a4. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. ..EMEN: (AGARESP 201302893979, MARGA TESSLER (JUÍZA FEDERAL CONVOCADA DO TRF 4ª REGIÃO), STJ - PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:12/03/2015 ..DTPB:.)
Assim, no que toca ao FNDE - abstraindo as considerações acima - a pretensão da autora está submetida ao prazo prescricional de
05 anos
, com amparo no art. 20.910/32.
A Caixa Econômica Federal está submetida, por seu turno, ao regime jurídico de direito privado, conforme art. 173, §2, Constituição. Assim, aplicar-se-ia ao caso - em princípio - o prazo de 03 anos, conforme art. 206, Código Civil - pretensão à reparação de danos. Já o
art. 27 da lei n. 8.078/1990
- Código de Defesa do Consumidor -, estipula prazo prescricional de 05 anos da pretensão relacionada à reparação de danos.
Ao que releva, a pretensão da parte autora não foi atingida pela prescrição.
No presente caso, está em debate pedido de exclusão dos juros remuneratórios mensais, com readequação das prestações e do saldo devedor respectivos
. O contrato encontra-se em curso, na fase de amortização. Tanto por isso, não se operou a prescrição da pretensão da autora - art. 1. decreto 20.910.
As diferenças financeiras porventura devidas à autora há mais de 05 anos, contados retroativamente da data do ingresso em Juízo, encontram-se prescritas
.
2.24. Eventual
decadência
do direito invocado na inicial:
Pode-se cogitar de decadência, por conta do eventual decurso do prazo previsto no art. 26, II, §1º, CDC/1990:
"O direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em: (...) II -
noventa dias
, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos duráveis. §1°
Inicia-se a contagem do prazo decadencial a partir da entrega efetiva do produto ou do término da execução dos serviços
."
A respeito do tema, os Tribunais têm decidido como segue:
"Para a solução da questão é necessário conceituar o defeito que macula os serviços ora discutidos. Se estivermos diante da hipótese de responsabilidade por fato do serviço (art. 14, do CDC), o prazo prescricional a ser aplicado é o do art. 27 dessa lei, de cinco anos. Se estivermos diante de responsabilidade por vício do produto (art. 18, do CDC) o prazo será decadencial, disciplinado no art. 26.
Esta Terceira Turma, em precedente de minha relatoria, já teve a oportunidade de se posicionar no sentido de que, nas hipóteses de inadimplemento absoluto, não se estaria no âmbito do art. 18 (e, conseqüentemente, do art. 26 do CDC), mas no âmbito do art. 14, que, quanto à prescrição, leva à aplicação do art. 27, com prazo de cinco anos para o exercício da pretensão do consumidor. Isso se deu por ocasião do julgamento do REsp nº 278.893/DF (DJ de 4/11/2002), assim ementado:
Recurso Especial. Civil. "Pacote turístico". Inexecução dos serviços contratados. Danos materiais e morais. Indenização. Art. 26, I, do CDC. Direto à reclamação. Decadência. -
O prazo estatuído no art. 26, I, do CDC, é inaplicável à espécie, porquanto a pretensão indenizatória não está fundada na responsabilidade por vícios de qualidade do serviço prestado, mas na responsabilidade contratual decorrente de inadimplemento absoluto, evidenciado pela não-prestação do serviço que fora avençado no "pacote turístico
". (STJ, Resp, rel. Min. Nancy Andrighi, julgamento unânime por não conhecer do Recurso Especial)
(...)
Além disso, o acórdão recorrido reconheceu a existência de dano moral causado pela conduta das requerentes. Na esteira do precedente formado a partir do julgamento do REsp nº 722.510/RS (de minha relatoria, DJ de 1/2/2006), nas hipóteses em que "
o vício não causa dano, correrá para o consumidor o prazo decadencial, para que proceda a reclamação, previsto neste artigo 26. No entanto, vindo a causar dano, ou seja, concretizando-se a hipótese do artigo 12, deste mesmo Código, deve-se ter em mente o prazo qüinqüenal, disposto no art. 27, sempre que se quiser pleitear indenização
" (Arruda Alvim, Código do Consumidor Comentado. 2ª ed., São Paulo: RT, 1995, pp. 172/173).
(STJ, REsp n.º 773.994/MG, Rel. Ministra Nancy Andrighi, em 22/05/2007)
Como têm deliberado o TRF4,
"O prazo de 90 dias estatuído no art. 26, II, § 1º, do CDC, não se subsume ao caso vertente, em que não se está a tratar de reclamação quanto a um vício aparente na prestação de serviços, mas do alegado direito da parte autora de obter o diploma pelo curso que prestou, assim como a reparação civil pela impossibilidade de obtê-lo."
(TRF-4 - AC: 50147831220144047003 PR, Relatora: VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, Data de Julgamento: 30/10/2019, QUARTA TURMA)
No caso em exame, o aventado direito, alegado pela parte autora, não restou atingido pela caducidade.
2.25. Quanto à incidência do CDC:
Com a publicação do CDC, inaugurou-se uma conhecida polêmica sobre o alcance das suas disposições. Grosso modo, as opiniões distribuíram-se em duas grandes correntes: os finalistas e os maximalistas.
Os finalistas amparam-se sobremodo na regra do art. 2º da lei 8078/1990:
"
Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final
."
Logo, em princípio, o CDC apenas tutelaria aquelas relações em que o serviço fosse prestado ou o bem fosse fornecido ao destinatário último, sem subsequentes repasses.
Essa orientação foi compartilhada, ao que se sabe, pelos principais idealizadores do projeto que eclodiu no código consumerista brasileiro: Ada Pellegrini Grinover, Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin e outros. Já a orientação maximalista promove uma leitura ampla do conceito de consumidor, destacando que a lei 8078 não tutelaria apenas o destinatário final de bens e serviços, sendo oponível também às relações entre empresas e até mesmo a órgãos públicos (amparando-se, nesse caso, na regra do art. 22, CDC). Essa orientação é compartilhada por Rizzato Nunes, por exemplo (conforme o seu Curso de direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2004).
Com esse pano de fundo, inúmeras discussões foram promovidas ao longo desses anos de vigência da lei 8078. Ao que releva, o CDC também se aplica a entidades da Administração Pública, quando em causa serviços remunerados mediante preços públicos, ou quando em causa atividades econômicas
stricto senso
(art. 22, CDC).
DANO MORAL. DANO MATERIAL. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. ERRO NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. PERDA DE PRAZO PROCESSUAL. APLICAÇÃO DO CDC. 1. Entrega de correspondência para o destinatário errado, causando demora na entrega ao endereço correto e conseqüente perda de prazo processual. 2. Cabível dano material e dano moral. 3.
Aplicação do Código de Defesa do Consumidor, pois demonstrado a relação de consumo entre a ECT e o apelado
. 4. Recurso a que se nega provimento.(AC 200071050018995, JOEL ILAN PACIORNIK, TRF4 - QUARTA TURMA, DJ 25/09/2002 PÁGINA: 704.)
CIVIL. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS - ECT. CONTRATO DE TRANSPORTE DE ENCOMENDA SEM DECLARAÇÃO DE VALOR. EXTRAVIO DE MERCADORIA. VALOR DA INDENIZAÇÃO.1.
Qualifica-se como de consumo a relação jurídica contratual de transporte de encomendas. Precedente do STJ
. 2. É do fornecedor o ônus de provar claramente as condições contratuais particularmente em relação à opção de informar ou não o valor da mercadoria e o custo do serviço para o fim de indenização em caso de extravio segundo o valor exato da mercadoria transportada.3. Não é aceitável o fornecedor simplesmente alegar que o consumidor não declarou o valor para indenizar o prejuízo de acordo com critério unilateral.4. Apelação provida. (AC 00626681319984010000, JUIZ FEDERAL WILSON ALVES DE SOUZA (CONV.), TRF1 - TERCEIRA TURMA SUPLEMENTAR (INATIVA), DJ DATA:23/06/2005 PAGINA:81.)
D'outro tanto, em princípio, pessoas jurídicas também podem ser qualificadas como consumidoras, para fins de aplicação da lei 8.078/1990, desde que não esteja em causa a aquisição de matéria prima para seus processos produtivos.
RECURSO ESPECIAL. FORNECIMENTO DE ÁGUA. CONSUMIDOR. DESTINATÁRIO FINAL. RELAÇÃO DE CONSUMO. DEVOLUÇÃO EM DOBRO DOS VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE. APLICAÇÃO DOS ARTIGOS 2º E 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 8.078/90.I - "
O conceito de "destinatário final", do Código de Defesa do Consumidor, alcança a empresa ou o profissional que adquire bens ou serviços e os utiliza em benefício próprio
" (AgRg no Ag nº807159/SP, Rel. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, DJ de 25/10/2008).II - No caso em exame, a recorrente enquadra-se em tal conceituação, visto ser empresa prestadora de serviços médico-hospitalares, que utiliza a água para a manutenção predial e o desenvolvimento de suas atividades, ou seja, seu consumo é em benefício próprio.III - A empresa por ser destinatária final do fornecimento de água e, portanto, por se enquadrar no conceito de consumidora, mantém coma recorrida relação de consumo, o que torna aplicável o disposto no artigo 42, parágrafo único, da Lei 8.078/90.IV - Recurso especial conhecido e provido...EMEN: (RESP 200800133166, FRANCISCO FALCÃO, STJ - PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:30/04/2008..DTPB:.)
Quanto à aplicação do CDC, quando se trate da prestação de serviços por empresas públicas, remunerados mediante preços públicos/tarifas, convém atentar para o art. 22, CDC:
"
Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos
. Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código."
Atente-se ainda para os seguintes julgados:
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. CORREIOS. CARTA REGISTRADA. EXTRAVIO. DANOS MORAIS. IN RE IPSA. 1. As empresas públicas prestadoras de serviços públicos submetem- se ao regime de responsabilidade civil objetiva, previsto no art. 37, § 6º, da Constituição Federal e nos arts. 14 e 22 do Código de Defesa do Consumidor. 2. No caso, a contratação de serviços postais oferecidos pelos Correios, por meio de tarifa especial, para envio de carta registrada, que permite o posterior rastreamento pelo próprio órgão de postagem revela a existência de contrato de consumo, devendo a fornecedora responder objetivamente ao cliente por danos morais advindos da falha do serviço quando não comprovada a efetiva entrega. 3. É incontroverso que o embargado sofreu danos morais decorrentes do extravio de sua correspondência, motivo pelo qual o montante indenizatório fixado em R$ 1.000,00 (mil reais) pelas instâncias ordinárias foi mantido pelo acórdão proferido pela Quarta Turma, porquanto razoável, sob pena de enriquecimento sem causa. 4. Embargos de divergência não providos. ..EMEN:
(ERESP 201303279910, RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, STJ - SEGUNDA SEÇÃO, DJE DATA:24/02/2015 ..DTPB:.)
DANO MORAL. DANO MATERIAL. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. ERRO NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. PERDA DE PRAZO PROCESSUAL. APLICAÇÃO DO CDC. 1. Entrega de correspondência para o destinatário errado, causando demora na entrega ao endereço correto e conseqüente perda de prazo processual. 2. Cabível dano material e dano moral. 3. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor, pois demonstrado a relação de consumo entre a ECT e o apelado. 4. Recurso a que se nega provimento.
(AC 200071050018995, JOEL ILAN PACIORNIK, TRF4 - QUARTA TURMA, DJ 25/09/2002 PÁGINA: 704.)
De sua parte, Marçal Justen Filho enfatiza a dificuldade, não raro, de se conjugar o regime jurídico público - próprio das concessões - com a aplicação da lógica do Código de Defesa do Consumidor:
"Ocorre que nem sempre é possível conciliar o regime de direito público com aquele do direito do consumidor. A cumulação dos mecanismos de serviço público e de direito do consumidor provoca um conflito de competências e de regime jurídico, cuja solução deve ser realizada com cautela.
Um exemplo permite compreender de imediato o problema. Segundo o direito do consumidor, é obrigatório o empresário manter a oferta realizada nas condições originais. Já no âmbito do serviço público, a mutabilidade é da sua inerência. Suponha-se, portanto, o caso da telefonia fixa. Imagine-se que o concessionário estabeleça relação jurídica com o usuário, orientando-se por determinada regulação do poder concedente. Se houver necessidade e conveniência, o poder concedente alterará as regras pertinentes, com reflexos na situação jurídica do usuário. Em face do regime de Direito Administrativo, o usuário não poderia invocar direito adquirido à manutenção de regime jurídico. Mas sua pretensões poderia encontrar respaldo no regime característico do direito do consumidor.
Não seria excessivo afirmar que a concepção do serviço público defere ao poder concedente a função de tutelar e defender o interesse coletivo (aí abrangido também o interesse do usuário). Já o direito do consumidor assegura ao próprio consumidor e às entidades da sociedade a função de sua defesa (sem que isso exclua a intervenção de órgãos estatais)
.
É fundamental tomar em vista, então, que a aplicação das normas do direito do consumidor não pode fazer-se em face do serviço público com idêntica extensão aplicável no caso de relações puramente privadas, relacionadas com a exploração de atividade econômica em sentido restrito." (JUSTEN FILHO, Marçal.
Teoria geral das
concessões
de serviço público.
São Paulo: Dialética, 2003, p. 557-558)
De outro norte, consolidou-se a orientação jurisprudencial que reconhece a sua plena aplicação no âmbito dos contratos bancários, desde que pactuados depois de 1990.
Ora, essa solução é alvo de duas conhecidas súmulas do STJ:
Súmula 297 - O Código de Defesa do consumidor é aplicável às instituições financeiras.
Súmula 285 -
Nos contratos bancários posteriores ao Código de Defesa do consumidor incide a multa moratória nele prevista
.
O STF enfatizou a plena aplicabilidade do CDC às relações estabelecidas entre os bancos e seus clientes, nessa condição, conforme se infere da ADIn 2591/DF, relatada pelo Min. Carlos Velloso. Assim, em primeiro exame, a lei n. 8.078/1990 aplica-se à relação estabelecida entre o autor e o Banco do Brasil, dado cuidar-se de entidade submetida ao regime privado (art. 173, §2º, Constituição).
O mesmo não se dá, porém, na redação entre a parte autora e o FNDE ou com a União Federal, eis que se cuida vínculo a ser regrado pelo art. 37, CF
. Não se trata de vínculo administrativo que tenha ensejado o pagamento de preços públicos, pedágios, tarifas.
2.26. Consequências da aplicação parcial do CDC:
Dada a aplicação do CDC - no que diz respeito à relação entre a parte autora e o agente financeiro -, isso implica o reconhecimento de um conjunto de garantias asseguradas ao consumidor do crédito bancário, conforme se infere dos arts. 4º, 39 e 51 da lei 8078/1990.
Destaco, nesse âmbito, o dever de atuar com boa-fé (e o correspondente respeito à boa-fé objetiva), preconizado no art. 4º, III, CDC. Como diz Rizzatto Nunes
, "a boa-fé objetiva, que é a que está presente no Código de Defesa do Consumidor, pode ser definida, grosso modo, como sendo uma regra de conduta, isto é, o dever das partes de agir conforme certos parâmetros de honestidade e lealdade, a fim de se estabelecer o equilíbrio nas relações de consumo (...) Assim, quando se fala em boa-fé objetiva, pensa-se em comportamento fiel, leal, na atuação de cada uma das partes contratantes a fim de garantir respeito à outra."
(RIZZATTO NUNES
apud
EFING, Antônio Carlos.
Contratos e procedimentos bancários à luz do Código de Defesa do Consumidor.
2. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: RT, 2012, p. 87).
Esse dever de respeito à boa-fé também foi preconizado pelo art. 422, CC:
"Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé."
Vale a pena atentar para a lição de Antônio Carlos Efing:
"A boa-fé, assim, possui no macrossistema de direito civil, e, consequentemente no microssistema do direito do consumidor, uma séria de efeitos, seja como um princípio de função interpretativa, seja como cláusula geral geradora de deveres anexos e critério de constatação de exercício abusivo de um direito ou de uma cláusula abusiva. Como bem sintetiza Cláudia Lima Marques, 'o princípio da boa-fé objetiva na formação e na execução das obrigações possui muitas funções na nova teoria contratual: (a) como fonte de novos deveres especiais de conduta na nova teoria contratual; (b) como causa limitadora do exercício, antes lícito, hoje abusivo, dos direitos subjetivos, e (c) na concreção e interpretação dos contratos."
(EFING, Antônio Carlos.
Obra citada.
p. 90)
De outro tanto, a incidência do CDC implica o dever, por parte do fornecedor, de disponibilizar ao consumidor informação adequada e clara sobre os diferentes serviços e produtos, com especificação correta da quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço (art. 6º, III, CDC c/ redação veiculada pela lei 12.741/2012).
Ao mesmo tempo, é vedada a venda casada (art. 39, I, CDC) e a onerosidade contratual excessiva (art. 39, V e art. 51, IV, CDC). Convém atentar ainda para o art. 51, §1º, CDC:
"Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que: I - ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence; II - restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual; III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso."
Em primeiro exame, essas são alguns dos efeitos decorrentes da aplicação do CDC.
2.27. Direito fundamental à educação:
A educação é direito fundamental, conforme se infere do art. 6º da Constituição Federal, encontrando-se garantida contra o retrocesso social, na forma do art. 26 do Pacto de San Jose de Costa Rica, tratando-se de tema versado também pelos arts. 205 e ss. da Lei Maior:
Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; V -
valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes pública
s; VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei; VII - garantia de padrão de qualidade. VIII - piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública, nos termos de lei federal. Parágrafo único. A lei disporá sobre as categorias de trabalhadores considerados profissionais da educação básica e sobre a fixação de prazo para a elaboração ou adequação de seus planos de carreira, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
O art. 207 da Constituição assegura às universidades a autonomia didático-científica, bem como a autonomia administrativa e de gestão financeira. Importa dizer: cabe às entidades de ensino superior administrar seus quadros, elaborar seus currículos e gerir seus recursos. Aludido preceito é complementado pela lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que versa sobre as diretrizes e bases da educação nacional.
2.28.
Contrato de mútuo feneratício:
Sabe-se que o empréstimo é um contrato em regra unilateral, gratuito, real e personalíssimo em que uma das partes recebe, para usar ou consumir, uma coisa que, depois de certo tempo, deve restituir ou – no caso de ser fungível o objeto – restituir por outra do mesmo gênero, quantidade e qualidade. Sua função econômica está em propiciar, para aquele que não é dono do que necessita, o uso (em regra, mas também a fruição, excepcionalmente) do que lhe pode ser disponibilizado, para a finalidade almejada. As modalidades de empréstimo são o comodato e o mútuo.
O comodato é o empréstimo de bens infungíveis. Nesse contrto, não há transmissão da propriedade do objeto emprestado, devendo-se o comodatário restituir ao comodante - ou seja, o proprietário do bem - exatamente a mesma coisa emprestada, devidamente preservada. Caso não a restitua, por dolo, pode responder por apropriação indébita - art. 168, Código Penal.
Já o mútuo cuida do empréstimo de bens fungíveis. Nesse caso, o objeto do contrato é consumido, em regra, pelo mutuário. Ao receber o objeto, ele se torna seu dono, ao tempo em que se torna devedor do mutuante. Fica obrigada a lhe entregar coisa do mesmo gênero, espécie, com eventuais juros remuneratórios, se pactuados (nesse caso, o mútuo será feneratício). O inadimplemento da obrigação não caracteriza apropriação indébita - dado que o mútuo transmite a propriedade por época da tradição (entrega) do objeto emprestado ao mutuário. Contudo, o mutuário poderá ser demandado, exigindo-se o pagamento do valor pertinente, com os juros remuneratórios, juros moratórios, correção monetária e eventuais multas, quando pactuados.
A diferença entre comodato e mútuo pode ser compreendida da seguinte forma. Se alguém empresta um veículo para uma empresa (comodato) e a empresa acaba falindo, pode requerer a restituição do bem específico, que lhe pertence, ainda que se encontre mantido indevidamente no pátio da massa falida
. Caso, porém, tenha emprestado dinheiro em espécie para essa mesma empresa (ou seja, bem fungível), não poderá requerer que lhe seja entregue a quantia específica - com mesmo número de série das notas emprestadas -, desde logo, ao argumento de ser sua tal quantia. Nesse caso, trata-se de crédito, oponível ao patrimônio da massa falida, devendo se habilitar em lista de credores.
Atente-se para os arts. 586 e 587, Código Civil/2002:
"O mútuo é o empréstimo de coisas fungíveis. O mutuário é obrigado a restituir ao mutuante o que dele recebeu em coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade.
Este empréstimo transfere o domínio da coisa emprestada ao mutuário, por cuja conta correm todos os riscos dela desde a tradição
."
Menciono ainda o que segue:
"
O contrato de mútuo é a modalidade de empréstimo prevista no art. 586 do CC/2002 e seguintes, e diferencia-se do comodato quanto à natureza da coisa em- prestada. Enquanto no comodato se dá o empréstimo de coisa não fungível para uso e posterior devolução (art. 579 do CC/2002 ), no mútuo se dá o empréstimo coisa fungível a fim de que seja consumida e posteriormente substituída por coisa de mesma espécie ou gênero, qualidade e quantidade. Assim dispõe o art. 586
: “Art. 586. O mútuo é o empréstimo de coisas fungíveis. O mutuário é obrigado a restituir ao mutuante o que dele recebeu em coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade”.
A fungibilidade de determinado bem é constatada no caso concreto, mas o Código Civil de 2002 oferece alguns critérios: “Art. 85. São fungíveis os móveis que podem substituir-se por outros da mesma espécie, qualidade e quantidade. Art. 86. São consumíveis os bens móveis cujo uso importa destruição imediata da própria substância, sendo também considerados tais os destinados à alienação”.
Nas palavras de Sérgio Covello: “Há mútuo, ou empréstimo de consumo, toda vez que uma parte entrega à outra certa quantidade de coisas fungíveis, que esta última fica autorizada a consumir, arcando com a obrigação de restituir no tempo avençado, não as mesmas coisas, mas em quantidade, gênero e qualidade equivalentes”. Ou, como define Maria Helena Diniz, “o mútuo é o contrato pelo qual um dos contraentes transfere a propriedade de bem fungível a outro, que se obriga a lhe restituir coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade (art. 586 do CC/2002 )”.
Conforme o art. 587 do CC/2002 , o mútuo é um contrato real, visto que somente se aperfeiçoa com a tradição da coisa fungível: “Art. 587. Este empréstimo transfere o domínio da coisa emprestada ao mutuário, por cuja conta correm todos os riscos dela desde a tradição”. A relação contratual, assim, somente se tem por formada com a transferência da propriedade do bem fungível, a fim de que seja consumido e, ao final, substituído por outro.
Sendo a tradição requisito para a formação do contrato de mútuo, a entrega da coisa fungível pelo mutuante (aquele que dá a coisa fungível em empréstimo) é apenas um ato de aperfeiçoamento do contrato, não uma obrigação. Como esclarece Carlos Roberto Gonçalves: “a traditio é, pois, requisito de constituição da relação contratual, sem a qual há apenas promessa de mutuar (pactum de mutuo dando), contrato preliminar que se não confunde com o próprio mútuo”. Uma vez aperfeiçoado o contrato pela tradição da coisa, ali se esgota a atuação do mutuante e, em regra, apenas o mutuário (aquele que toma a coisa em empréstimo) contrai obrigações, como a devolução de coisa de mesmo gênero, quantidade e qualidade. O mútuo também é, desta forma, um contrato unilateral." (
EFING, Antônio.
Contratos e procedimentos bancários à luz do código de defesa do consumidor
. SP: RT. 2015. item 5.4.).
2.29. Financiamento estudantil:
O Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior encontra-se regulado pela lei 10.260/2001, fruto da conversão da MP 2.094-28/2001. Esse programa destina-se à concessão de financiamento a estudantes regularmente matriculados em cursos superiores não gratuitos (art. 1º).
O programa permite o financiamento de até 100% dos encargos educacionais cobrados dos estudantes por parte de entidades de ensino superior, cadastradas junto ao Ministério da Educação (art. 4º).
A lei 10.260 dispõe, no seu art. 5º, sobre os financiamentos, impondo, dentre outros, os seguintes detalhes: (a) prazo: não pode ser superior à duração regular do curso, abrangendo todo o período em que o FIES custear os encargos educacionais, inclusive períodos de suspensão temporária; (b) juros, capitalizados mensalmente, a serem estipulados pelo CMN (redação veiculada pela 12.431/2011); (c) oferecimento de garantias adequadas ao estudante financiado; (d) carência - 18 meses contados a partir do mês imediatamente subsequente ao da conclusão do curso; (e) distribuição parcial dos ricos para as instituições de ensino superior.
Aludidos contratos encontram-se, portanto, regulados em lei. Trata-se de mecanismo funcionalizado, destinado à implantação de uma política educacional, viabilizando o acesso a crédito para estudantes de baixa renda.
Desse modo, vê-se que, ao contrário das práticas mercantis corriqueiras, o referido mútuo prevê um prazo de carência, em que o mutuário paga apenas juros a cada três meses, e limitados a aproximados R$ 50,00, por exemplo. Essa peculiaridade do mútuo destinado ao financiamento educacional não pode ser olvidada, como se percebe. O contrato não pode ser confrontado, sem mais, com instrumentos outros, destinados ao financiamento de veículos ou imóveis, por exemplo.
Ademais, o FIES prevê uma sistemática de reiterados aditamentos contratuais (
"O estudante deverá reafirmar junto à CAIXA, semestralmente, em período fixado pelo MEC, a intenção de continuar a utilizar esse financiamento por meio de aditamento contratual."
).
2.30. Quanto à garantia pessoal - fiança:
A fiança é regulada pelos arts. 818 e ss. do Código Civil. Trata-se de uma garantia fidejussória, destinada a assegurar o pagamento da obrigação alheia. É
"o contrato que tem por objeto a obrigação assumida por uma pessoa com o credor de outra de pagar dívida desta, caso ela não o faça."
(ESPÍNDOLA, Eduardo.
Dos contratos nominados no direito civil brasileiro.
Rio de Janeiro: Gazeta Judiciária, 1953, p. 403).
Em princípio, portanto, o fiador faz jus ao benefício de ordem, conforme se infere do art. 827, Código Civil:
Art. 827. O fiador demandado pelo pagamento da dívida tem direito a exigir, até a contestação da lide, que sejam primeiro executados os bens do devedor.
Parágrafo único.
O fiador que alegar o benefício de ordem, a que se refere este artigo, deve nomear bens do devedor, sitos no mesmo município, livres e desembargados, quantos bastem para solver o débito
.
Logo, como regra, o patrimônio do fiador apenas pode ser constrito para satisfação da dívida caso, antes, o credor tenha executado o afiançado. Todavia, para invocação desse benefício, a lei impõe uma condição: a de que o fiador indique bens, livres e desembaraçados, do devedor principal.
Importa dizer: a invocação do benefício de ordem não se presta a apenas protelar a satisfação da dívida. Atente-se, ademais, para a regra do art. 595, CPC:
Art. 595. O fiador, quando executado, poderá nomear à penhora bens livres e desembargados do devedor. Os bens do fiador ficarão, porém, sujeitos à execução, se os do devedor forem insuficientes à satisfação do direito do credor.
Parágrafo único. O fiador, que pagar a dívida, poderá executar o afiançado nos autos do mesmo processo.
Ademais, não bastasse isso, também é certo que, por força de lei, o fiador pode renunciar ao benefício de excussão (conforme art. 828, I, CC). De outro tanto, a lei 10.260, que regula o FIES, prevê uma fiança solidária (art. 5º, §9º, II e art. 4º, §7º).
A Portaria 10/2010 do MEC, que trata dos procedimentos para inscrição e contratação de financiamento estudantil a ser concedido pelo Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES), tratando das garantias a serem prestadas para celebração/novação do contrato.
2.31. Força vinculante dos contratos:
O contrato é manifestação da autonomia da vontade. Em regra, desde que a vontade seja exteriorizada sem vícios (dolo, coação, vício redibitório etc.), ele vincula as partes, obrigando-as ao cumprimento das cláusulas avençadas. É fato que essa concepção liberal do contrato tem sido esmaecida, dada a sua progressiva funcionalização. Importa dizer: a legislação atual também exige, para exame da validade do contrato, que os seus resultados sejam tidos em conta (p.ex., a vedação da onerosidade excessiva, conforme arts. 39 e 51,
CDC
e arts. 478/480, CC).
Logo, em determinados casos, esse caráter vinculante dos contratos resta mitigado, frente à constatação de que muitos pactos são celebrados por adesão (contratos formulário), a existência de contratos cativos, superendividamento de muitos consumidores, propaganda abusiva etc. Assim, não se desconhece que o Direito pátrio esposou, de certa forma, a teoria das bases objetivas do contrato, desenvolvida por Karl Larenz em solo alemão:
"Pela base objetiva do negócio tem de se entender o conjunto de circunstâncias e estado geral de coisas cuja existência ou subsistência é objetivamente necessária para que o contrato, segundo o significado das intenções de ambos os contratantes, possa subsistir como regulação dotada de sentido.
A base do negócio objetivo tem desaparecido: a) quando a relação de equivalência entre prestação e contraprestação pressuposta no contrato se tem destruído em tal medida que não pode falar-se racionalmente de uma contraprestação (destruição da relação de equivalência); b) quando a comum finalidade objetiva do contrato, expressada em seu conteúdo, tenha resultado definitivamente inalcançável, ainda quando a prestação do devedor seja, todavia, possível (frustração da finalidade).
Nos casos de destruição da relação de equivalência (IX, a), a parte prejudicada, no caso de não haver realizado a prestação, pode negar-se a fazê-lo contanto que a outra parte não consinta um adequado aumento da contraprestação que restaure a equivalência. Se se rechaça este aumento terminantemente
, a parte prejudicada pode resolver ou, em caso de uma prestação de larga duração já iniciada, denunciar imediatamente o contrato. Se tem realizado sua prestação pode, quando não se admita um adequado aumento posterior da contraprestação, reclamar uma indenização pelo valor do enriquecimento da outra parte.
Nos casos de frustração da finalidade (IX, b), o credor da prestação que resultou inútil pode recusá-la e negar-se a realizar sua contraprestação desde que suporte os gastos que a outra parte tenha realizado para a preparação e execução do contrato e que podiam considerar-se indispensáveis" (LARENZ, Karl.
Base del negócio jurídico y cumplimiento de los contratos.
Tradução do alemão para o espanhol por Carlos Fernándes Rodrigues. Granada: Editorial Comares, 2.002, pp. 211-212. Traduzi).
Reporto-me, a respeito do tema, ao seguinte julgado:
"
Não se perquire mais, como na teoria da Imprevisão, sobre a previsibilidade do fato econômico superveniente. E nem se deveria
. Com efeito, o fato pode ser até previsível, mas não é esperado, porque se esperado fosse, nem o Banco emprestaria o dinheiro e nem o tomador assumiria um compromisso que não pode arcar. Logo, o fato previsível, mas não esperado, situa-se na área do risco inerente a qualquer atividade negocial."
(TJRS, apelação cível de autos 193051083, quarta câmara cível, relator desembargador Márcio de Oliveira Puggina, julgado em 24 de junho de 1994)
Ademais, a legislação consumerista determina a revisão parcial dos contratos, atingindo-se apenas as cláusulas eventualmente viciadas, mas preservando seus demais termos (art. 51, §2º, CDC). Em que pese tudo isso, é fato, porém, que o contrato não pode ser simplesmente desconsiderado pelo Judiciário. Ele ainda é instituto fundamental para a economia, permitindo o fluxo de bens e o planejamento individual.
Logo, conquanto seja certo que o contrato não pode ser suposto como algo inexorável, igualmente certo que tampouco pode ser simplesmente abstraído, como se fosse destituído de qualquer eficácia obrigacional. Tanto por isso, a revisão contratual deve ser promovida com cautelas. Deve-se conjugar a preservação dos direitos fundamentais - cláusulas de ordem pública veiculadas na lei 8078/1990 -, com o reconhecimento da força vinculante dos pactos.
Por sinal, eventuais dificuldades financeiras, caso suportadas pelo devedor, não justificam, por si, o reconhecimento de onerosidade excessiva. Pode-se cogitar de eventual aplicação da teoria da lesão contratual, mas desde que preenchidos os rigorosos requisitos do art. 157, CC.
"A desproporção manifesta é sempre referida à prestação considerada objetivamente, e não à situação subjetiva na qual se encontra o devedor cujas dívidas derivadas de outras relações obrigacionais tenham, por hipótese, aumentado."
(COSTA, Judith Martins.
Comentários ao novo código civil.
Do direito das obrigações. Do adimplemento e da extinção das obrigações. Arts. 304 a 388.
Volume V, tomo I, 2. ed. RJ: Forense, 2003, p. 305).
2.32. Contratos de adesão:
Vê-se, portanto, que o instituto jurídico do contrato tem sido funcionalizado, em tempo mais recente. Isso significa que ele deve atender a interesses sociais relevantes, viabilizando-se um controle do seu conteúdo quanto às cláusulas abusivas, manifestamente desproporcionais.
Ao mesmo tempo, porém, o sistema continua a viabilizar a revisão e anulação de pactos, sempre que comprovado que, por época da sua celebração, a vontade não teria sido manifestada de modo livre, como se infere dos conhecidos institutos do dolo, coação, vício redibitório e teoria da lesão (arts. 138, 145, 151 e 157, Código Civil). Note-se, todavia, que o contrato não pode ser presumido como inválido tão somente por ter sido lavrado em um formulário padronizado (contrato de adesão). Afinal de contas, tais instrumentos são indispensáveis para o comércio jurídico contemporâneo.
Contudo, havendo cláusulas ambíguas, a lei determina que sejam interpretadas de modo mais favorável ao aderente:
"Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente."
(art. 423, Código Civil).
Outra ressalva importante é ditada pelo art. 424, CC:
"Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio."
De outro tanto, registro que a súmula nº 381 do STJ preconiza que "
nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas
.
"
2.33. Eventuais novações contratuais:
Anoto também que eventual novação contratual não impede, por si, a revisão de todo o período de dívida, desde que o tema seja alvo de pedido expresso e fundamentado na peça inicial (art. 141, novo CPC), apontando-se qual o pretenso vício (p.ex., vício redibitório, aplicação da teoria da lesão contratual, presença de dolo, coação, onerosidade excessiva etc.).
Atente-se para a conhecida súmula 286, STJ:
"
A renegociação de contrato bancário ou a confissão da dívida não impede a possibilidade de discussão sobre eventuais ilegalidades dos contratos anteriores
."
2.34. Eventuais contratos bilaterais:
Cuidando-se de contrato sinalagmático,
"
nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro
.
" (art. 476, Código Civil/2002). Cuida-se de simples projeção do postulado
non venire contra factum proprium,
dado que ninguém pode exigir aquilo que não está disposto a cumprir. Quem inadimpliu o contrato tampouco pode exigir que o outro contratante cumpra suas obrigações, como cediço.
Explicita Maria Helena Diniz que
"A exceptio non adimpleti contractus é a cláusula resolutiva tácita que se prende ao contrato bilateral.
Isto é assim porque o contrato bilateral requer que as duas prestações sejam cumpridas simultaneamente, de forma que nenhum dos contratantes poderá, antes de cumprir suas obrigações, exigir o implemento das do outro
. (...) Pelo enunciado n. 24, aprovado na 1. Jornada de direito comercial, os contratos empresariais coligados, concretamente formados por unidade de interesses econômicos, permitem a arguição da exceção de contrato não cumprido, salvo quando a obrigação inadimplida for de escassa importância."
(DINIZ, Maria Helena.
Código civil anotado.
17. ed. São Paulo: Saraiva. 2014. p. 450). Por conseguinte, também nesse âmbito, deve-se aferir se houve adimplemento substancial.
2.35. Eventual invalidade da celebração do acordo:
Note-se que eventual falsidade na avença - a exemplo da contrafação da assinatura do pretenso contratante - implica a ausência de vínculo contratual, não devendo surtir efeitos jurídicos.
Algo um tanto distinto ocorre quando há vícios na manifestação da vontade, a exemplo do que ocorre nos casos de erro (art. 138, Código Civil), dolo (art. 145, CC), coação (art. 151, CC), teoria da lesão (art. 157, CC), vício redibitório (art. 441, Código Civil), dentre outros.
Em tais casos, o contratante não toma adequado conhecimento do objeto da negociação; ou, mesmo quando toma, não chega a atuar com liberdade suficiente para se comprometer ao cumprimento das obrigações previstas (como ocorre nos casos de coação e teoria da lesão). Demonstrado isso, o pacto pode ser invalidado, apurando-se a proporcionalidade do vício em face do objeto contratual (p.ex., art. 157, §2, Código Civil/2002).
2.36. Juros remuneratórios contratuais:
Como sabido, a Constituição Federal estabelecia, na redação originária do seu artigo 192, § 3°, o limite de 12% para os juros reais. Surgiu, então, uma polêmica a respeito do aludido dispositivo.
Para José Afonso da Silva,
a norma seria autoaplicável, dado que
'juros reais'
seriam aqueles calculados mediante desbaste da inflação do período
. Logo, caso a inflação fosse de 10%, os juros poderiam chegar a 22%. Por seu turno, Celso Bastos e Ives Gandra sustentaram que a Constituição não teria definido o que seriam os tais 'juros reais', de modo que o limite demandaria a aprovação da lei complementar prevista no art. 192, caput, CF, redação original.
O STF acolheu essa última orientação, conforme se infere da conhecida súmula 648 e súmula vinculante 7. Ademais, referida limitação foi extirpada do texto constitucional, a partir da emenda constitucional 40/2003
.
Logo, os juros não estão limitados a 12% ao ano (exceção feita aos contratos celebrados sob o SFH, por força do art. 25 da lei 8692/1993). Por outro lado, o Superior Tribunal de Justiça sumulou o entendimento de que a aplicação de juros superiores a 12% não implicaria, de modo automático, onerosidade excessiva: Súmula 382, STJ
- "
a estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade
."
Sob o primeiro governo de Getúlio Vargas, o
decreto
22.626/1933
dispôs ser
"proibido contar juros dos juros. Esta proibição não compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta corrente de ano a ano."
Ademais, segundo o seu art. 7º, §2:.
"Em caso de amortização os juros só serão devidos sobre o saldo devedor."
Já o art. 13 preconizou "
É considerado delito de usura, toda a simulação ou prática tendente a ocultar a verdadeira taxa do juro ou a fraudar os dispositivos desta lei, para o fim de sujeitar o devedor a maiores prestações ou encargos, além dos estabelecidos no respectivo título ou instrumento. Penas - prisão por (6) seis meses a (1) um ano e multas de cinco contos a cinqüenta contos de reis. No caso de reincidência, tais penas serão elevadas ao dobro."
Essas normas tiveram por escopo limitar, com severas sanções (inclusive penais), a cobrança dos juros. A lei de usura revogou, nesse particular, o artigo 1262 do Código Civil de 1916, que dispunha ser
"permitido, mas só por cláusula expressa, fixar juros ao empréstimo de dinheiro ou de outras coisas fungíveis. Esses juros podem fixar-se abaixo ou acima da taxa legal, com ou sem capitalização."
Por sinal, o artigo 1263 do Código Civil bevilaquiano preceituava que
"o mutuário que pagar juros não estipulados, não os poderá reaver, nem imputar no capital."
Menciono também as conhecidas súmulas 121 e 596, STF: "
É vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada. (...) As disposições do Decreto 22.626 de 1933 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o sistema financeiro nacional."
Conquanto a
súmula 596
pareça exonerar totalmente os bancos da aplicação da lei de usura, a sua interpretação foi conferida pelo próprio STF, ao enfatizar que apenas o limite de juros é que teria sido afastado. Ou seja, esse último enunciado não chancela eventual prática de anatocismo por parte das instituições financeiras.
"
Finalmente, é oportuno frisar que a Súmula 596 se refere ao art. 1º do Decreto nº 22.626/33, não conflitando com o verbete da Súmula nº 121, que se apóia no art. 4º do mesmo diploma. Vê-se, diante do exposto, que continua de pé a Súmula nº 121. Em conseqüência, não pode subsistir a decisão, na parte atinente à capitalização mensal dos juros pactuados
." (RE nº 96.875 - RJ, 2ª Turma, julg. 16/09/1983, RTJ - 108, p.277)
Acrescento, por outro lado, que a medida provisória 2.170-36/2001(art. 5º) autorizou os bancos a cobrarem juros sobre juros:
"Nas operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, é admissível a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano."
Esse dispositivo foi declarado inválido pelo eg. TRF da 4ª Rg., em controle incidental:
1. Até o advento da indigitada MP nº 1.963-17, publicada em 31/03/2000 (MP nº 2.170, de 23/08/2001 - última edição), a capitalização dos juros mês a mês, nos contratos de abertura de crédito rotativo em conta-corrente - cheque especial - e nos contratos de renegociação, à míngua de legislação especial que a autorizasse, estava expressamente vedada. 2. Estavam excluídos da proibição os contratos previsto no Decreto lei nº 167, de 14/02/67, no Decreto-lei 413, de 09/01/69 e na Lei 6.840, de 03/11/80, que dispõe sobre títulos de crédito rural, título de crédito industrial e títulos de crédito comercial, respectivamente. 3. O Executivo, extrapolando o permissivo constitucional, tratou de matéria antiga, onde evidentemente não havia pressa alguma, eis que a capitalização de juros é matéria que remonta à época do Decreto nº 22.626/33 (Lei de Usura). A gravidade é ainda maior quando se tem em conta que a capitalização de juros em contratos bancários e financeiros tem implicações numa significativa gama de relações jurídicas. 4. Não verificado o requisito "urgência" no que se refere à regulamentação da capitalização dos juros em período inferior a um ano. Especialmente quando se trata de uma MP que, dispondo sobre a administração dos recursos de caixa do Tesouro Nacional, dá providências sobre a capitalização de juros para as instituições financeiras. 5. Não se pode reputar urgente uma disposição que trate de matéria há muito discutida, e que, ardilosamente foi enxertada na Medida Provisória, já que trata de tema totalmente diverso do seu conteúdo. Além disto, estatui preceito discriminatório, porque restringe a capitalização de juros questionada unicamente às instituições financeiras. A urgência, portanto, só se verifica para os próprios beneficiados pela regra, já que, para todos os demais, representa verdadeiro descompasso entre a prestação e a contra-prestação, além de onerar um
contrato
que por natureza desiguala os contratantes (de adesão)." (TRF4, Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade 2001.71.00.004856-0, Corte Especial, Relator Luiz Carlos de Castro Lugon, DJ 08/09/2004)
De todo modo, a questão está longe de ser pacífica. Remanescem grandes controvérsias sobre o significado da vedação da
'cobrança
de juros sobre juros'.
Afinal de contas, o que se proíbe? Caso se proíba o emprego de fórmulas de juros compostos, a realidade econômica seria inválida. Afinal de contas, CDB's, caderneta de poupança e outras aplicações financeiras estão amparadas todas em mecanismos de juros compostos.
Caso se suponha que o emprego de fórmulas de juros compostos estaria proibido, a própria atividade financeira como um todo estaria à margem da lei. Tem predominado, portanto, o entendimento de que a 'cobrança de juros sobre juros' se limitaria àqueles casos de amortização negativa; i.e., casos em que a prestação mensal é inferior ao valor dos juros mensais, sendo incabível o lançamento de juros impagos no saldo devedor, com incidência de novos juros.
Há quem sustente, todavia, que o emprego de fórmula de juros compostos (capitalização composta de juros) estaria proibida pela lei. Ilustram isso com a leitura a
contrario sensu
do art. 1544 do Código Civil de 1916 (dispositivo sem paralelo, porém, na lei 10.406/2002): "
Além dos juros ordinários, contados proporcionalmente ao valor do dano, e desde o tempo do crime, a satisfação compreende os juros compostos."
Para essa concepção, portanto, o Decreto 22.626/1933 teria proibido a cobrança de juros compostos, salvo quando a capitalização fosse anual. A composição de juros apenas seria admissível a título de sanção, como evidenciaria o art. 1544 do Código Civil de 1916. Revisando soluções anteriores, compartilho do entendimento de que apenas as chamadas 'amortizações negativas' ou práticas semelhantes estão proibidas pela lei. Importa dizer: não há vício no emprego da fórmula do sistema francês de amortização (tabela price):
"ADMINISTRATIVO. SFH. ANATOCISMO - ILICITUDE. TABELA PRICE DESCARACTERIZADA. -
A vedação do anatocismo em contrato de mútuo habitacional não passa pela consideração da liceidade da Tabela Price, que encerra fórmula matemática, certo que a mesma resulta descaracterizada em meio de economia mutável, especialmente a móvel do fenômeno da inflação, enquanto não se lhe apliquem rigorosos elementos de adequação imprescindíveis para o resguardo de sua estrutura original
." (TRF da 4ª Rg., rel. Des. Fed. Amauri Chaves de Ataíde, DJU de 20/10/04, p. 609).
"Diferentemente da existência de previsão no contrato de incidência de uma
taxa
de juros nominal e outra efetiva (forma de cálculo simples ou composta), ou do sistema de amortização da Tabela Price - cuja legalidade ora se reconhece -,
o que a lei repudia é a prática de anatocismo, caracterizada pela cobrança de juros sobre capital renovado, ou seja, sobre montante de juros não pagos, já resultantes da incidência de juros compostos (capitalizados), que ocorre quando o valor do encargo mensal revela-se insuficiente para liquidar até mesmo a parcela de juros, dando causa às chamadas "amortizações negativas.
" TRF da 4ª Rg., rel. Des. Fed. Valdemar Capeletti, DJU de 08/09/2004, p. 347, omitiu-se parte da ementa).
Sem dúvida que a
tabela price
está fundada em fórmula de juros compostos, o que é notório:
Em que:
pmt - Valor da parcela (do inglês
payment
)
PV - Valor Presente (do inglês
Present Value
)
i - Taxa de juros (do inglês
Interest Rate
)
n - Número de períodos
Não obstante isso, em primeiro exame, o anatocismo não parece se confundir com o simples emprego de juros compostos. Exige-se a demonstração de que juros impagos estariam sendo submetidos a novos juros, no período inferior a um ano (amortizações negativas).
2.37. Limitação dos juros reais:
Como sabido, a Constituição Federal estabelecia, na redação originária do seu artigo 192, § 3°, o
limite de 12% para os juros reais
. Surgiu, então, uma polêmica a respeito do aludido dispositivo.
Para José Afonso da Silva, a
norma seria autoaplicável
, dado que
'juros reais'
seriam aqueles calculados mediante desbaste da inflação do período. Logo, caso a inflação fosse de 10%, os juros poderiam chegar a 22% - que compreenderia os juros efetivos/reais de 12%. Por seu turno,
Celso Bastos e Ives Gandra sustentaram que a Constituição não teria definido o que seriam os tais 'juros reais', de modo que o limite demandaria a aprovação da lei complementar prevista, então, no art. 192,
caput,
CF
, redação original. O STF acolheu essa última orientação, conforme se infere da conhecida súmula 648 e da súmula vinculante 7. Ademais, referida limitação foi extirpada do texto constitucional, a partir da emenda constitucional 40/2003.
Logo, os juros não estão limitados a 12% ao ano (exceção feita aos contratos que tenham sido celebrados sob o SFH, por força do art. 25 da lei 8692/1993). O Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que a aplicação de que
"
a estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade
."
(súmula 382, STJ).
Registro pois a discussão a respeito da cláusula "juros reais".
2.38.
Breves notas sobre o postulado da isonomia:
A forma republicana é incompatível com a atribuição de privilégios ou com a imposição de prejuízos para grupos específicos de indivíduos, de forma arbitrária (p.ex., art. 5º,
caput
e art. 150, II, CF).
Roque Antônio Carrazza sustenta, por exemplo, que
"
numa verdadeira República não pode haver distinções entre nobres e plebeus, entre grandes e pequenos, entre poderosos e humildes
. É que, juridicamente, nela não existem classes dominantes, nem classes dominadas. Assim, os títulos nobiliárquicos desaparecem e, com eles, os tribunais de exceção. Todos são cidadãos, não súditos."
(CARRAZZA, Roque Antônio.
Curso de direito constitucional tributário.
19. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 48).
José Afonso da Silva argumenta, por seu turno, que
"
a igualdade constitui o signo fundamental da democracia. Não admite privilégios e distinções que um regime simplesmente liberal consagra
."
(SILVA, José Afonso da.
Curso de direito constitucional positivo.
13. ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 206).
Assim, é indiscutível a relevância do princípio da igualdade. Isso não se traduz, todavia, na imposição de uma espécie de leito de Procusto, pela qual todos os sujeitos deveriam estar submetidos a normas absolutamente idênticas. A vingar algo do gênero, impondo tratamento rigorosamente homogêneo entre crianças, adultos e idosos, deficientes físicos e atletas, milionários e marginalizados, a isonomia viraria mero eufemismo.
Daí o relevo da observação de José Afonso da Silva:
"O conceito de igualdade provocou posições extremadas. Há os que sustentam que a desigualdade é a característica do universo. Assim, os seres humanos, ao contrário da afirmativa do art. 1º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, nascem e perduram desiguais. Nesse caso, a igualdade não passaria de um simples
nome,
sem significação no mundo real, pelo que os adeptos dessa corrente são denominados de
nominalistas.
No polo oposto, encontram-se os
idealistas,
que postulam um igualitarismo absoluto entre as pessoas. Afirma-se, em verdade, uma igual liberdade natural ligada à hipótese do estado de natureza, em que reinava uma igualdade absoluta.
(...)
Aristóteles vinculou a ideia de igualdade à ideia de justiça, mas, nele, trata-se de igualdade de justiça relativa que dá a cada um o seu, uma igualdade - como nota Chomé - impensável sem a desigualdade complementar e que é satisfeita se o legislador tratar de maneira igual os iguais e de maneira desigual os desiguais. Cuida-se de uma justiça e de uma igualdade formais, tanto que não seria injusto tratar diferentemente escravo e seu proprietário (
sic
); sê-lo-ia, porém, se os escravos, ou seus senhores, entre si, fossem tratados desigualmente. No fundo, prevalece, nesse critério de igualdade, uma injustiça real. Essa verificação impôs a evolução do conceito de igualdade e de justiça, a fim de se ajustarem às concepções formais e reais ou materiais
." (SILVA, José Afonso da.
Curso de direito constitucional positivo.
13. ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 208)
Muito embora seja um truísmo, deve-se ter em conta que a Constituição não veda a diferenciação entre os sujeitos, eis que isso é mesmo da própria essência do regime jurídico.
O que a Lei Maior veda, isso sim, é a
diferenciação despropositada
, impertinente, fundada em mero capricho dos legisladores e administradores. O importante é aferir, tanto por isso, se o fator de
discrimen
empregado pelos servidores do povo convive harmonicamente com a Constituição - e essa é, a bem da verdade, a grande questão.
Reporto-me à lição de Joaquim Gomes Canotilho:
"A fórmula "o igual deve ser tratado igualmente e o desigual desigualmente' não contém o critério material de um juízo de valor sobre a relação de igualdade (ou desigualdade). A questão da igualdade justa pode colocar-se nesses termos: o que é ´que nos leva a afirmar que uma lei trata dois indivíduos de uma forma igualmente justa? Qual o critério de valoração para a relação de igualdade?
Uma possível resposta, sufragada em algumas sentenças do Tribunal Constitucional [lusitano], reconduz-se à proibição geral do arbítrio: existe observância da igualdade quando indivíduos ou situações iguais não são arbitrariamente (proibição de arbítrio) tratados como desiguais. Por outras palavras:
o princípio da igualdade é violado quando a desigualdade de tratamento surge como arbitrária
.
O arbítrio da desigualdade seria condição necessária e suficiente da violação ao princípio da igualdade
. Embora ainda hoje seja corrente a associação do princípio da igualdade como princípio da proibição do arbítrio, este princípio, como simples princípio de limite, será também insuficiente se não transportar já, no seu enunciado normativo-material, critérios possibilitadores da valoração das relações de igualdade ou desigualdade. Esta a justificação de o princípio da proibição do arbítrio andar sempre ligado a um fundamento material ou critério material objectivo. Ele costuma ser sintetizado da forma seguinte: existe uma violação arbitrária da igualdade jurídica quando a disciplina jurídica não se basear num (i) fundamento sério; (ii) não tiver um sentido legítimo; (iii) estabelecer diferenciação jurídica sem um fundamento razoável. Todavia, a proibição do arbítrio intrinsecamente determinada pela exigência de um fundamento razoável implica, de novo, o problema de qualificação desse fundamento, isto é, a qualificação de um fundamento como razoável aponta para um problema de valoração.
A necessidade de valoração ou de critérios de qualificação bem como a necessidade de encontrar elementos de comparação subjacentes ao caráter relacional do princípio da igualdade implicam: (1) a insuficiência do arbítrio como fundamento adequado de valoração; (2) a imprescindibilidade da análise da natureza, do peso, dos fundamentos ou motivos justificadores de soluções diferenciadas; (3) insuficiência da consideração do princípio da igualdade como um direito de natureza apenas defensiva ou negativa. Esta ideia de
igualdade
justa
deverá aplicar-se mesmo quando estamos em face de medidas legislativas de graça ou de clemência (perdão, amnistia), pois embora se trate de medidas que, pela sua natureza, transportam referências individuais ou individualizáveis, elas não dispensam a existência de fundamentos materiais justificativos de eventuais tratamentos diferenciadores." (CANOTILHO, J.J. Gomes.
Direito constitucional e teoria da Constituição.
7. ed. Coimbra: Almedina, 2003, p. 428-429)
Semelhante é a análise empreendida por Celso Antônio Bandeira de Mello, quando enfatiza o que segue:
"Parece-nos que o reconhecimento das diferenciações que não podem ser feitas sem quebra da isonomia se divide em três questões: (a) a primeira diz com o elemento tomado como fator de desigualização; (b) a segunda reporta-se à correlação lógica abstrata existente entre o fator erigido em critério de descrímen e a disparidade estabelecida no tratamento jurídico diversificado; (c) a terceira atina à consonância desta correlação lógica com os interesses absorvidos no sistema constitucional e destarte juridicizados.
Esclarecendo melhor: tem-se que investigar, de um lado, aquilo que é adotado como critério discriminatório; de outro, cumpre verificar se há justificativa racional, isto é, fundamento lógico para, à vista do traço desigualador acolhido, atribuir o específico tratamento jurídico construído em função da desigualdade proclamada. Finalmente, impende analisar se a correlação ou fundamento racional abstratamente existente é, in concreto, afinado com os valores prestigiados no sistema normativo constitucional. A dizer: se guarda ou não harmonia com eles.
Em suma: importa que exista mais que uma correlação lógica abstrata entre o fator diferencial e a diferenciação consequente. Exige-se, ainda, haja uma correlação lógica concreta, ou seja, aferida em função dos interesses abrigados no direito positivo constitucional. E isto se traduz na consonância ou dissonância dela com as finalidades reconhecidas como valiosas na Constituição.
Só a conjugação dos três aspectos é que permite a análise correta do problema. Isto é, a hostilidade ao preceito isonômico pode residir em quaisquer deles. Não basta, pois, reconhecer-se que uma regra de direito é ajustada ao princípio da igualdade no que pertine ao primeiro aspecto. Cumpre que o seja, também, com relação ao segundo e ao terceiro. É claro que a ofensa a requisitos do primeiro é suficiente para desqualificá-la. O mesmo, eventualmente, sucederá por desatenção a existências dos demais, porém quer-se deixar bem explícita a necessidade de que a norma jurídica observe cumulativamente aos reclamos provenientes de todos os aspectos mencionados para ser inobjetável em face do princípio isonômico
." (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio.
Conteúdo jurídico do princípio da igualdade.
3. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 21-22)
Vale a pena atentar, ademais, para o seguinte excerto da obra de Bandeira de Mello:
"O ponto modular para exame da correção de uma regra em face do princípio isonômico reside na existência ou não de correlação lógica entre o fator erigido em critério de discrímen e a discriminação legal decidida em função dele. Na introdução deste estudo sublinhadamente enfatizou-se este aspecto. Com efeito, há espontâneo e até inconsciente reconhecimento da juridicidade de uma norma diferenciadora quando é per perceptível a congruência entre a distinção de regimes estabelecida e a desigualdade de situações correspondentes. De revés, ocorre imediata e intuitiva rejeição de validade à regra que, ao apartar situações, para fins de regulá-las diversamente, calça-se em fatores que não guardam pertinência com a desigualdade de tratamento jurídico dispensado. Tem-se, pois, que é o vínculo de conexão lógica entre os elementos diferenciais colecionados e a disparidade de disciplinas estabelecidas em vista deles, o quid determinante da validade ou invalidade de uma regra perante a isonomia."
(BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio.
Conteúdo jurídico do princípio da igualdade.
3. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 21-22)
Com efeito, é indispensável que se aprecie a correlação lógica entre o fator de diferenciação e o tratamento jurídico dispensado. No exemplo de Bandeira de Mello, uma norma que atribuísse vantagens funcionais apenas aos servidores magros deveria ser reputada inconstitucional, por inadequação do critério eleito. Talvez esse mesmo critério possa ser aceito, todavia, quando se trata de atribuir prêmios para atletas que tenham conseguido perder massa, p.ex.
O STF já decidiu que
"
O atentado à isonomia consiste em se tratar desigualmente situações iguais, ou em se tratar igualmente situações diferenciadas, de forma arbitrária, e não fundamentada. É na busca da isonomia que se faz necessário tratamento diferenciado, em decorrência de situações que exigem tratamento distinto, como forma de realização da igualdade
."
(STF, RE 453.740, voto do Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 28-2-2007, DJ de 24-8-2007.)
A isonomia impõe, isso sim, a adoção de critérios razoáveis de diferenciação entre os sujeitos de direito. O problema está justamente nessa eleição dos elementos que podem ser tomados em conta para a diferenciação entre os administrados, como bem explicita Marciano Seabra Godoi:
"A máxima da igualdade é violada quando para a diferenciação legal, ou para o tratamento legal igual não é possível encontrar uma razão razoável, que surja da natureza da coisa ou que, de alguma outra forma, seja concretamente compreensível, é dizer, quando a disposição tem que ser qualificada como arbitrária."
(GODOI, Marciano Seabra de.
Justiça, igualdade e Direito Tributário.
São Paulo: Dialética, 1999, p. 132).
2.39. Exclusão dos juros remuneratórios -
exame precário
:
A
lei n. 13.530, de 7 de dezembro de 2017
alterou a redação da lei n. 10.260, de 12 de julho de 2001, merecendo destaque a inclusão do art. 5-C, que transcrevo na sua totalidade, ainda que seja extenso.
Art. 5
o
-C. Os financiamentos concedidos a
partir do primeiro semestre de 2018
observarão o seguinte:
I -
o prazo definido em regulamento
, nos termos do que for aprovado pelo CG-Fies, sem prejuízo do disposto no § 3
o
deste artigo;
II -
taxa de juros REAL igual a zero, na forma definida pelo Conselho Monetário Nacional
;
III -
o oferecimento de garantias pelo estudante financiado ou pela entidade mantenedora da instituição de ensino
;
IV -
o início do pagamento do financiamento no mês imediatamente subsequente ao da conclusão do curso
, sem prejuízo do disposto no § 2
o
deste artigo;
V - a participação das instituições de ensino no
risco do financiamento
, na
condição de devedoras solidárias do FG-Fies
, na proporção de suas contribuições ao Fundo;
VI - a comprovação de
idoneidade cadastral do fiador
na assinatura dos contratos e dos termos aditivos, observado o disposto no § 4
o
deste artigo;
VII - a
garantia obrigatória do FG-Fies para o estudante, no âmbito do Fies, cabendo ao CG-Fies dispor sobre as condições para a sua incidência e estabelecer os casos em que será exigida de forma exclusiva
ou concomitante com as garantias previstas no inciso III do caput deste artigo, observado que, em qualquer hipótese, será aplicada de forma exclusiva para os contratos firmados por estudantes integrantes de famílias cadastradas no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico);
VIII -
quitação do saldo devedor remanescente após a conclusão do curso, na forma do regulamento editado pelo Ministério da Educação e observado o que for aprovado pelo CG-Fies
, em prestações mensais equivalentes ao maior valor entre o pagamento mínimo e o resultante da aplicação percentual mensal vinculada à renda ou aos proventos mensais brutos do estudante financiado pelo Fies, cabendo a obrigação do recolhimento das prestações mensais aos seguintes agentes:
a) o empregador ou o contratante nos termos da Lei n
o
6.019, de 3 de janeiro de 1974, pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, que será responsável pela retenção na fonte do percentual da remuneração bruta, fixado em contrato, e pelo repasse, observado o limite de 5% (cinco por cento), quando se tratar de verbas rescisórias;
b) o sócio de pessoa jurídica financiado pelo Fies, que será responsável pelo recolhimento do percentual incidente sobre o total das verbas de natureza remuneratória recebidas da sociedade, especialmente lucros, dividendos e pro labore;
c) o trabalhador autônomo financiado pelo Fies, que será responsável pelo recolhimento do percentual fixado em contrato, calculado sobre a renda mensal auferida com a sua atividade profissional;
d) o financiado pelo Fies que tenha renda ou proventos não previstos nas alíneas “a”, “b” e “c” deste inciso, que será responsável pelo recolhimento do percentual fixado em contrato, incidente sobre tais rendas ou proventos recebidos a qualquer título em cada mês.
§ 1
o
Ao longo do período de utilização do financiamento e do período de amortização, o estudante financiado pelo Fies é obrigado a pagar diretamente ao agente financeiro parcelas mensais referentes aos gastos operacionais com o Fies, na forma estabelecida em regulamento editado pelo Ministério da Educação, nos termos do que for aprovado pelo CG-Fies
.
§ 2
o
É facultado ao estudante financiado,
voluntariamente e a qualquer tempo, realizar amortizações extraordinárias
ou a quitação do saldo devedor, com redução dos encargos incidentes sobre a operação proporcional ao período de utilização do financiamento, sem prejuízo da concessão de desconto em caso de liquidação antecipada da dívida, nos termos definidos pelo CG-Fies.
§ 3
o
Excepcionalmente, por iniciativa do estudante financiado pelo Fies, a instituição de ensino à qual esteja vinculado poderá dilatar em até 4 (quatro) semestres o prazo para a conclusão regular do curso financiado
.
§ 4
o
Na hipótese de verificação de inadimplência do estudante em relação ao pagamento dos encargos operacionais de que trata o § 1 deste artigo ou da parcela não financiada de que trata o § 14 do art. 4 desta Lei ou de inidoneidade cadastral do fiador após a assinatura do contrato, o aditamento do financiamento será sobrestado até a comprovação da restauração da adimplência do estudante ou da restauração da idoneidade do fiador ou de sua substituição, sem prejuízo das cobranças pelas formas legais admitidas e respeitado o prazo de suspensão temporária do contrato.
§ 5
o
É o agente financeiro autorizado a pactuar condições especiais de amortização ou alongamento excepcional de prazos para os estudantes, por meio de estímulos à liquidação, ao reparcelamento e ao reescalonamento das dívidas do Fies, admitida a concessão de descontos incidentes sobre os encargos contratuais e o saldo devedor da dívida, conforme regulamentação do CG-Fies
.
§ 6
o
Na hipótese de transferência de curso, serão aplicados ao financiamento os juros relativos ao curso de destino
, a partir da data da transferência.
§ 7
o
Para os fins do disposto no inciso III do caput deste artigo, o estudante poderá oferecer fiança ou outras formas de garantia definidas em regulamento, nos termos aprovados pelo CG-Fies.
§ 8
o
Eventuais alterações dos juros estabelecidos na forma do inciso II do caput deste artigo incidirão somente sobre os contratos firmados a partir da data de entrada em vigor da alteração
.
§ 9
o
A utilização exclusiva do FG-Fies para garantir operações de crédito no âmbito do Fies dispensa o estudante de oferecer a garantia prevista no § 7
o
deste artigo.
§ 10.
Na hipótese prevista no § 3
o
deste artigo, o valor máximo que poderá ser financiado pelo Fies será o correspondente a 2 (dois) semestres letivos, mantidas a incidência de juros e as demais condições de amortização de que trata este artigo
.
§ 11. Ao firmar o contrato de financiamento, o estudante financiado ou o seu representante legal autorizará:
I - a amortização, em caráter irrevogável e irretratável, nas formas previstas no inciso VIII do caput deste artigo;
II - o débito em conta-corrente do saldo devedor vencido e não pago.
§ 12.
Os contratos em vigor poderão ser alterados, a requerimento do estudante financiado ou do seu representante legal, para contemplar as formas de amortização previstas no inciso VIII do caput deste artigo, observadas as condições previstas no § 11 deste artigo
.
§ 13. A parcela não financiada de que trata o § 14 do art. 4º desta Lei será decorrente de percentual dos encargos educacionais, o qual será definido em regulamento proporcionalmente à renda familiar per capita do estudante financiado pelo Fies e do valor do curso financiado, nos termos do que for aprovado pelo CG-Fies. (Redação dada pela Lei nº 14.375, de 2022)
§ 14.
Os valores financiados considerarão a área do conhecimento, a modalidade e a qualidade do curso financiado, a localização geográfica da instituição de ensino, observadas as condições definidas em ato do Ministro de Estado da Educação, nos termos do que for aprovado pelo CG-Fies, e os limites de financiamento a que se refere o § 2 do art. 3 desta Lei
.
§ 15. O Fies restituirá, no prazo de 30 (trinta) dias, contado da data de formalização do pedido de ressarcimento, o valor de pagamento não voluntário feito a maior do que o valor devido pelo financiado, acrescido de atualização monetária ou juros, nos termos do que for aprovado pelo CG-Fies.
§ 16. Para efeito do disposto na alínea “a” do inciso VIII do caput deste artigo:
I -
o estudante financiado é obrigado a informar ao empregador a sua condição de devedor do Fies e a verificar se as parcelas mensais objeto do financiamento estão sendo devidamente recolhidas, cabendo à instituição consignatária adotar as providências para registro da consignação em folha de pagamento;
II - o empregador é obrigado a consultar o sistema disponibilizado pelo Ministério da Educação, ou por outro órgão a ser definido em regulamento, para fins de retenção e repasse à instituição consignatária do valor mensal vinculado à renda do empregado ou do servidor financiado pelo Fies;
III - as retenções destinadas ao pagamento dos financiamentos de que trata esta Lei terão preferência sobre outras da mesma natureza que venham a ser autorizadas posteriormente pelo financiado pelo Fies.
§ 17.
Será de 20% (vinte por cento) o percentual máximo de vinculação de renda ou proventos brutos de qualquer natureza de que trata o inciso VIII do caput deste artigo.
§ 18. A formalização, pelo estudante beneficiário, do contrato ou dos aditamentos que implicarem alterações contratuais poderá ser realizada presencialmente, na agência bancária, ou mediante assinatura eletrônica, nos termos do regulamento. (Incluído pela Lei nº 14.024, de 2020)
§ 19. Em decorrência do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, ficam temporariamente suspensas, durante todo o respectivo período: (Incluído pela Lei nº 14.024, de 2020)
I - a obrigação de pagamentos destinados à amortização do saldo devedor por parte de estudantes beneficiários do Fies referidos no inciso VIII do caput deste artigo; (Incluído pela Lei nº 14.024, de 2020)
II - a obrigação de pagamento ao agente financeiro, por parte dos estudantes financiados pelo Fies, das parcelas mensais referentes a multas por atraso de pagamento; (Incluído pela Lei nº 14.024, de 2020)
III - a obrigação de pagamento de parcelas oriundas de condições especiais de amortização ou alongamento excepcional de prazos para os estudantes inadimplentes com o Fies estabelecidos nos termos do § 5º deste artigo. (Incluído pela Lei nº 14.024, de 2020)
§ 20. A suspensão das obrigações de pagamento referidas no § 19 deste artigo importa na vedação de inscrever, por essa razão, os beneficiários dessa suspensão como inadimplentes ou de considerá-los descumpridores de quaisquer obrigações com o Fies. (Incluído pela Lei nº 14.024, de 2020)
§ 21.
São considerados beneficiários da suspensão referida no § 19 deste artigo os estudantes adimplentes ou cujos atrasos nos pagamentos das obrigações financeiras com o Fies devidas até 20 de março de 2020 sejam de, no máximo, 180 (cento e oitenta) dias, contados da data de seu vencimento regular.
(Incluído pela Lei nº 14.024, de 2020)
§ 22. Para obter o benefício previsto no § 19 deste artigo, o estudante deverá manifestar esse interesse perante o agente financeiro do Fies, por meio dos canais de atendimento disponibilizados para essa finalidade. (Incluído pela Lei nº 14.024, de 2020)
Note-se, de partida, que aludido dispositivo veicula um conjunto de medidas, orientadas a assegurar maior grau de adimplência no âmbito dos contratos de mútuo feneratício, pactuados no FIES
. Logo, convém ter em conta que não se pode simplesmente isolar alguns destes preceitos, sem considerar as demais normas que foram preconizadas pela lei 13.530/2017.
Por outro lado, a legislação estipulou requisitos para que esse modelo de contrato seja avençado, no âmbito do FIES.
De partida, ela exigiu que se trate de financiamento avençado a partir de primeiro semestre de 2018
. Cuida-se de requisito razoável, dado que versa sobre uma política pública estudantil, elaborada tomando-se em conta os recursos disponíveis e também a restituição das verbas já empregadas.
Em princípio, quando tenham sido celebrados de modo válido, os contratos constituem
atos jurídicos perfeitos
, tutelados pelo art. 5, XXXVI, Constituição, não podendo ser alterados unilateralmente, exceção feita aos conhecidos contratos de direito administrativo, com suas cláusulas exorbitantes, com as quais já deve contar o licitante. No caso dos contratos administrativos, isso se justifica por conta da contínua necessidade de se adequar a estrutura às crises de conjuntura. Quando uma obra pública é realizada, podem surgir situações insuscetíveis de planejamento, a demandar modificações pontuais - e no limite da legislação - do alcance do contrato. Mas, isso não se dá no âmbito das avenças privadas. Se alguém celebra um contrato de locação, não é dado a um dos contratantes alterar unilateralmente o pacto, na sua vigência.
Segundo o art. 6º do decreto-lei 4.657/1942:
"
A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada
. (Redação - lei 3.238, de 1957)
§ 1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou
."
Por sinal, ao apreciar a
ADI 493-0
, versando sobre a lei n. 8.177/1991, responsável pela criação da taxa referencial básica, o STF enfatizou que nem mesmo normas de ordem pública poderiam alterar contratos celebrados antes da sua vigência.
No seu voto, o Min. Relator Moreira Alves discorreu sobre as hipóteses de retroatividade da lei e concluiu que, como regra, leis posteriores não poderiam alterar contratos em curso, sem que houvesse consenso entre ambos os pactuantes
. Sem dúvida também que aludida restrição tem sido excepcionada em vários casos, notadamente quando há alteração de critérios de correção monetária, alteração do padrão monetário (por exemplo, promovido pelo Plano Real - lei 9.069/1995) etc.
Não é dado ao Banco mutuante majorar a taxa de juros, reduzir os prazos, exigir taxas administrativas não contratadas, de modo a agravar a situação da requerida no curso do contrato celebrado, caso isso não tenha sido avençado ao início pelos contrantes e tampouco tenha sido alvo de novação contratual
. Renegociações/novações são viáveis, sem dúvida, ao final de cada período de aditamento. Mas, enquanto vigore a relação contratual, a alteração unilateral se revela indevida.
Sem dúvida que, no âmbito do FIES, os contratos estão submetidos a um significativo
funcionalismo contratual
. Importa dizer: são alvo de constantes
modificações por parte do Estado
, a fim de adequá-los aos fins visados: efetivação do direito à educação, com medidas de universalização do crédito. Assim, por conta dessa
funcionalização
, também presente em contratos de crédito rural, em contratos de locação etc., justifica-se aludida intervenção da Administração Pública nesse âmbito. Mas, deve-se atentar para os limites da legislação, a fim de que não se inviabilize a política pública que está na base. Não se pode ampliar o alcance de tais medidas, de modo a atingir situações para as quais não foram previstas. Claro, havendo
violação efetiva à isonomia
, isso há de ser reparado. Em qualquer caso, deve-se aferir se o critério de diferenciação entre os casos está em conformidade com a Constituição.
A vingar a invocação da aplicação retroativa de norma que seja mais benéfica ao devedor, isso poderia ser aplicado a quem estivesse sendo alvo de uma execução, por inadimplência da dívida? Poderia ser invocado por quem já houvesse pago seu contrato, tendo suportado todos os juros avençados? Poderia postular a restituição do valor pago a maior
? Deve-se tomar o cuidado para não se imaginar um suposto -
e inexistente!
- direito à maior vantagem possível, dado que isso poderia ensejar a revisão total de todos os contratos já avençados no sistema. Bastaria alegar, com isso, uma imaginada renúncia tácita à prescrição (art. 191, Código Civil), para que todos quanto já tenham adimplido suas dívidas passem a postular restituição de valores.
Atente-se para o art. 20 do decreto-lei 4.657/42, com a redação veiculada pela lei n. 13.655/2018:
"
Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão
. Parágrafo único. A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas."
Considerando que contratos são celebrados para que sejam cumpridos -
pacta sunt servanda
-,
a rigor a redução dos juros deve vigorar apenas para as avenças celebradas com o marco temporal previsto na referida lei. Situação diversa vigora, por certo, no caso da redução do saldo devedor enquanto prêmio ou honraria pelos relevantes serviços prestados por profissionais da saúde, no
enfrentamento da COVID
, conforme lei 14.024, de 9 de julho de 2020. Nesse caso, há necessidade de se comprovar que o postulante realmente atuou em hospitais vinculados ao SUS, na linha de frente de combate à pandemia. Trata-se de algo um tanto diverso de se postular a redução da taxa de juros, em um contexto de normalidade e sem fazer prova dos atos de bravura.
Anoto que os Tribunais têm deliberado sobre o tema como segue:
ADMINISTRATIVO E CIVIL. RECURSO INOMINADO. FIES. REDUÇÃO TAXA DE JUROS. LEI Nº 13.530/2017. CONTRATO FIRMADO ANTES DA MP 785/2017. INAPLICABILIDADE DA TAXA REDUZIDA. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. A Resolução BACEN nº 3.842, de 10/03/2010, vigente à época de celebração do contrato da parte autora, estabelecia, em seu art. 1º, que "para os contratos do FIES celebrados a partir da data de publicação desta resolução, a taxa efetiva de juros será de 3,40% a.a. (três inteiros e quarenta centésimos por cento ao ano)". 2. Posteriormente à celebração do contrato em exame, foi editada a Resolução BACEN nº 4.432, de 23/07/2015, elevando a taxa de juros dos contratos do FIES para 6,50% a.a. (seis inteiros e cinquenta centésimos por cento ao ano). 3. O inciso II do art. 5º-C da Lei nº 10.260/2001, com a redação dada pela Lei nº 13.530/2017, dispõe que os financiamentos concedidos a partir do 1º semestre de 2018 observarão "taxa de juros real igual a zero, na forma definida pelo Conselho Monetário Nacional". 4. A fim de regulamentar referida disposição legal, a Resolução BACEN nº 4.628 de 25/01/2018 estabeleceu a taxa efetiva de juros equivalente à variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Ampla (IPCA), com aplicação aos contratos do FIES celebrados a partir da data da sua publicação. 5. Tanto a Resolução BACEN nº 4.628/2018 quanto o art. 5º-C, incluído pela Lei nº 13.530/2017, não preveem aplicação retroativa.
Por conseguinte, a redução da taxa de juros real igual a zero não se aplica ao contrato objeto dos autos, uma vez que fora celebrado anteriormente à data da publicação da Medida Provisória nº 785/2017
. 6.
A fim de consolidar as normas relativas à taxa efetiva de juros para os contratos do FIES, foi editada a Resolução CMN nº 4.974 de 16/12/2021, a qual prevê taxa efetiva de juros para os contratos do FIES no importe de 3,40% para contratos celebrados de 1999 a junho de 2015 e de 6,50% para contratos celebrados de julho de 2015 a dezembro de 2017. Ainda, consta da Resolução que "a taxa efetiva de juros para os contratos de financiamento do Fies, de que trata o art. 5º-C da Lei nº 10.260, de 2001, celebrados a partir de janeiro de 2018, é o equivalente à variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e terá capitalização anual". 7. Recurso da parte autora não provido.
(TRF-4 - RECURSO CÍVEL: 50024893520224047006 PR, Relator: MÁRCIA VOGEL VIDAL DE OLIVEIRA, Data de Julgamento: 25/04/2023, PRIMEIRA TURMA RECURSAL DO PR)
Transcrevo a fundamentação do acórdão:
"O contrato de financiamento em questão foi celebrado pelas partes em 03/03/2015 (evento 1, CONTR5, p. 10). A cláusula sétima do instrumento assim previu acerca dos juros remuneratórios:
A Resolução BACEN nº 3.842, de 10 de março de 2010, estabelecia que:
"Art. 1º Para os contratos do FIES celebrados a partir da data de publicação desta resolução, a
taxa
efetiva de juros será de 3,40% a.a. (três inteiros e quarenta centésimos por cento ao ano)."
Posteriormente à celebração do contrato em exame, foi editada a Resolução BACEN nº 4.432, de 23 de julho de 2015, elevando a
taxa
de juros dos contratos do FIES, nos seguintes termos:
"Art. 1º Para os contratos do FIES celebrados a partir da data de publicação desta resolução, a
taxa
efetiva de juros será de 6,50% a.a. (seis inteiros e cinquenta centésimos por cento ao ano)".
A Lei nº 10.260, de 12 de julho de 2001, que dispõe sobre o Fundo de Financiamento ao estudante do Ensino Superior e dá outras providências, prevê nos arts. 5º, II e § 10, e 5º-C, II, com redação dada pela Lei nº 13.530, de 7 de dezembro de 2017:
"Art. 5º Os financiamentos concedidos com recursos do Fies até o segundo semestre de 2017 e os seus aditamentos observarão o seguinte: (Redação dada pela Lei nº 13.530, de 2017) (...)
II - juros, capitalizados mensalmente, a serem estipulados pelo CMN; (...)
§ 10. A redução dos juros, estipulados na forma estabelecida pelo inciso II do
caput
deste artigo, ocorrida anteriormente à data de publicação da Medida Provisória nº 785, de 6 de julho de 2017,
incidirá sobre o saldo devedor dos contratos já formalizados
. (Redação dada pela Lei nº 13.530, de 2017)" (destacou-se)
"Art. 5º-C. Os financiamentos concedidos
a partir do primeiro semestre de 2018
observarão o seguinte: (Incluído pela Lei nº 13.530, de 2017)(...)
II - taxa de juros real igual a zero, na forma definida pelo Conselho Monetário Nacional; (Incluído pela Lei nº 13.530, de 2017)"
Na sequência, a Resolução BACEN nº 4.628, de 25 de janeiro de 2018, a fim de regulamentar o aludido inciso II do art. 5º-C e fixar a forma de definição da taxa de juros real igual a zero, estabeleceu a taxa efetiva de juros equivalente à variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Ampla (IPCA), com aplicação aos contratos do FIES celebrados a partir da data da sua publicação:
"Art. 1º Para os contratos de financiamento do Fundo de Financiamento Estudantil ( FIES), de que trata o art. 5º-C da Lei nº 10.260, de 12 de julho de 2001,
celebrados a partir da data de publicação desta Resolução
, a taxa efetiva de juros será equivalente à variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e terá capitalização anual" (destacou-se).
Entende a parte autora que a nova norma lhe favorece e deve ser aplicada taxa de juros zero ao seu contrato, interpretando que o art. 5º, II e § 10, da Lei nº 10.260/2001 garante que posteriores reduções de juros estipuladas pelo Conselho Monetário Nacional - CMN são aplicáveis aos contratos já formalizados quando da publicação da Medida Provisória nº 785/201
7.
Entretanto, a interpretação gramatical da mencionada norma revela sentido diverso, pois se depreende que, na forma definida pelo Conselho Monetário Nacional - CMN, a redução de juros ocorrida anteriormente à data da publicação da Medida Provisória nº 785/2017 incide sobre o saldo devedor dos contratos já formalizados
. Assim, as reduções de juros posteriores à data da publicação da Medida Provisória nº 785/2017 não incidirão sobre o saldo devedor dos contratos já formalizados, salvo disposição expressa da norma superveniente.
A interpretação literal da norma converge com a interpretação sistemática. Explico.
Tanto a Resolução BACEN nº 4.628/2018 quanto o supratranscrito art. 5º-C, incluído pela Lei nº 13.530/2017, não preveem aplicação retroativa, conforme se extrai dos excertos "
Para os contratos de financiamento (...)
celebrados a partir da data de publicação desta Resolução
" e "
Os financiamentos concedidos a partir do primeiro semestre de 2018 observarão
(...)
".
A
contrario sensu
, caso adotada a tese defendida na inicial, as mencionadas disposições prospectivas seriam incompatíveis com o dispositivo legal que prevê a aplicabilidade a contratos já formalizados. Em outras palavras, por força do art. 5º, II e § 10, da Lei nº 10.260/2001, toda e qualquer redução de juros que viesse a ser definida pelo CMN deveria ser aplicável aos contratos pactuados no passado, mesmo que a nova norma estabeleça que se aplica somente aos contratos firmados dali em diante
.
Por conseguinte, a redução da taxa de juros real igual a zero, com base na Resolução BACEN nº 4.628/2018 e no art. 5º-C, II, da Lei nº 10.260/2001, incluído pela Lei nº 13.530/2017, não se aplica ao contrato objeto dos autos, uma vez que fora celebrado anteriormente à data da publicação da Medida Provisória nº 785/2017.
Tanto é assim que, a fim de consolidar as normas relativas à taxa efetiva de juros para os contratos do FIES, foi editada a Resolução CMN nº 4.974, de 16 de dezembro de 2021, prevendo o seguinte:
"Art. 1º A taxa efetiva de juros para os contratos de financiamento do Fundo de Financiamento Estudantil ( Fies), de que trata o art. 5º da Lei nº 10.260, de 12 de julho de 2001, é:
I - de
3,40% a.a. (três inteiros e quarenta centésimos por cento ao ano), para contratos celebrados de 1999 a junho de 2015
; e
II - de 6,50% a.a. (seis inteiros e cinquenta centésimos por cento ao ano), para contratos celebrados de julho de 2015 a dezembro de 2017.
Art. 2º A taxa efetiva de juros para os contratos de financiamento do Fies, de que trata o art. 5º-C da Lei nº 10.260, de 2001,
celebrados a partir de janeiro de 2018
, é o equivalente à variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e terá capitalização anual.
Art. 3º Ficam revogadas:
I - a Resolução nº 2.647, de 22 de setembro de 1999;
II - a Resolução nº 3.415, de 13 de outubro de 2006;
III - a Resolução nº 3.777, de 26 de agosto de 2009;
IV - a Resolução nº 3.842, de 10 de março de 2010;
V - a Resolução nº 4.432, de 23 de julho de 2015; e
VI - a Resolução nº 4.628, de 25 de janeiro de 2018.
Art. 4º Esta Resolução entra em vigor em 3 de janeiro de 2022."
Nestes termos, os pedidos da parte autora não comportam acolhimento. Condeno o recorrente vencido (autor) ao pagamento das custas e de honorários advocatícios que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa. A execução das custas e dos honorários deverá observar as prescrições do § 3º, do art. 98, do CPC, caso o recorrente vencido seja beneficiário de gratuidade da justiça." (TRF-4 - RECURSO CÍVEL: 50024893520224047006 PR, Relator: MÁRCIA VOGEL VIDAL DE OLIVEIRA, Data de Julgamento: 25/04/2023, PRIMEIRA TURMA RECURSAL DO PR)
2.40. Exoneração de parte da dívida:
O art. 7 da lei nº 14.375, de 21 de junho de 2022 estipulou, ao que releva, que
"
Sem prejuízo do disposto no § 1º deste artigo, o estudante beneficiário que tenha débitos vencidos e não pagos em 30 de dezembro de 2021
poderá liquidá-los por meio da adesão à transação com fundamento nesta Lei, nos seguintes termos: (...) V -
para os estudantes com débitos vencidos e não pagos havia mais de 90 (noventa) dias em 30 de dezembro de 2021
: a) com desconto da
totalidade dos encargos e de até 12% (doze por cento) do valor principal, para pagamento à vista
; ou b) mediante parcelamento em até 150 (cento e cinquenta) parcelas mensais e sucessivas,
com redução de 100% (cem por cento) de juros e multas
; VI -
para os estudantes com débitos vencidos e não pagos havia mais de 360 (trezentos e sessenta) dias em 30 de dezembro de 2021
que estejam inscritos no CadÚnico ou que tenham sido beneficiários do Auxílio Emergencial 2021,
com desconto de até 99% (noventa e nove por cento)
do valor consolidado da dívida, inclusive principal, por meio da liquidação integral do saldo devedor; e VII -
para os estudantes com débitos vencidos e não pagos havia mais de 360 (trezentos e sessenta) dias em 30 de dezembro de 2021 que não se enquadrem na hipótese prevista no inciso VI deste parágrafo, com desconto de até 77% (setenta e sete por cento) do valor consolidado da dívida, inclusive principal, por meio da liquidação integral do saldo devedor
."
A respeito da exoneração de parte da dívida, os Tribunais têm enfatizado o seguinte:
"(...) 8. Conforme o art. 5º, § 3º, da Lei º 14.375/2022, o estudante beneficiário do FIES que tenha débitos vencidos e não pagos em 30 de dezembro de 2021 poderá liquidá-los por meio da adesão à transação com fundamento nesta Lei, podendo haver o perdão da dívida em até 99%. 9.
Ocorre que, a autora não se encontra inadimplente em seu contrato de financiamento estudantil (anexo 1180409), não havendo que falar na aplicação do princípio da igualdade em relação aos que estão com débito vencido
. 10.
Outrossim, a taxa de juros a zero, contida na Lei nº 13.530/2017, não se aplica ao contrato da autora, que foi pactuado em 2013, encontrando-se regido pela Lei nº 10.260/2001. 11. Assim, não se vislumbram vícios ou ilegalidade no contrato, devendo prevalecer o pactuado. 12. Não havendo qualquer ilegalidade contratual nem disposição legal que obrigue a parte ré a renegociar a dívida remanescente, eventual revisão do contrato de FIES deverá ser pactuada de comum acordo entre as partes
." (TRF-5 - RI: 00018878520224058402, Relator: FRANCISCO GLAUBER PESSOA ALVES, Data de Julgamento: 04/05/2023, 3ª RELATORIA DA 1ª TURMA RECURSAL RN)
O STJ e os TRFs têm enfatizado ser vedado ao Judiciário o estabelecimento ou a modificação das condições para a concessão do FIES:
(...) 4. A Primeira Seção do STJ já teve oportunidade de enfrentar essa discussão, tendo assentado que "O estabelecimento de condições para a concessão do financiamento do FIES insere-se no âmbito da conveniência e oportunidade da Administração, e, portanto, não podem ser modificados ou afastados pelo Judiciário, sendo reservado a este Poder apenas o exame da legalidade do ato administrativo, sendo-lhe defesa qualquer incursão no mérito administrativo" (MS 20.074/DF, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, DJe 1°/7/2013). 5. A concessão de financiamento estudantil de curso em instituição de ensino superior privada não constitui direito absoluto – porquanto sujeito a limitações de ordem financeira e orçamentária –, de modo que o ato apontado como coator não se encontra eivado de ilegalidade. (...) (MS 20.088/DF, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, DJe 17/06/2014 - sem grifo no original).
ADMINISTRATIVO. CONTRATO DE FINANCIAMENTO. FINAME. REFINANCIAMENTO. DISCRICIONARIEDADE DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. PRECEDENTES. Não incumbe ao Poder Judiciário obrigar a qualquer instituição financeira a conceder financiamento ou refinanciamento, porquanto tem estas possuem margem de discricionariedade quanto à conveniência e à oportunidade da disponibilização dos recursos financeiros, observadas as formalidades legais e contratuais. Cabendo ao Judiciário tão-somente, afastar evidente ilegalidade ou arbitrariedade, não sendo esta a hipótese dos autos. Precedentes. (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 5007098-96.2015.4.04.7009, 4ª Turma, Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 20/07/2018 - sem grifo no original)
ADMINISTRATIVO. CONTRATO DE FINANCIAMENTO ESTUDANTIL - FIES. REFINANCIAMENTO. DISCRICIONARIEDADE. INEXISTÊNCIA DE NORMA QUE AMPARE A PRETENSÃO DA RECORRENTE. O refinanciamento de débito decorrente de contrato de crédito educativo tem caráter discricionário, ou seja, a instituição financeira pode aceitar ou não proposta de renegociação segundo seu juízo de conveniência e oportunidade, não havendo qualquer previsão legal que obrigue a Caixa Econômica Federal a aceitar proposta de renegociação. (TRF4, Agravo de Instrumento Nº 5029257-74.2016.404.0000, 4ª TURMA, Des. Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 02/12/2016 - sem grifo no original)
FIES. VALORES CONTRATUALMENTE PACTUADOS IMPOSSIBILIDADE DE ALTERAÇÃO DAS CONDIÇÕES CONTRATUAIS POR DECISÃO JUDICIAL
FORA DAS HIPÓTESES EXPRESSAMENTE PREVISTAS NA LEGISLAÇÃO. NOVAS CONDIÇÕES DO FIES NÃO APLICÁVEIS À PARTICULAR SITUAÇÃO DA AUTORA.
SENTENÇA MANTIDA, COM FUNDAMENTO NO ART. 46 DA LEI Nº 9.099/1995. RECURSO DA PARTE AUTORA A QUE SE NEGA PROVIMENTO. (TRF-3 - RECURSO INOMINADO CÍVEL: 5048067-29.2022.4.03.6301, Relator: RICARDO GERALDO REZENDE SILVEIRA, Data de Julgamento: 14/12/2023, 8ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo, Data de Publicação: Intimação via sistema DATA: 21/12/2023)
Da fundamentação, do referido julgado, destaco o seguinte:
"Conforme mencionado pela parte autora, ela manteve-se adimplente até a data do ajuizamento da presente ação, em 05/10/2022, de modo que não cumpre os requisitos legais para o desconto de até 77% do valor consolidado da dívida. Por fim, destaco que qualquer renegociação contratual depende da liberalidade da instituição financeira e do FNDE, porquanto a autora concordou com os termos quando da contratação do financiamento estudantil. Destarte, os pedidos são improcedentes.” Com efeito, a r. sentença manteve o contrato, nos termos em que celebrado, tão somente reconhecendo que a parte autora é a responsável pela sua quitação, sem a possibilidade de intervenção judicial fora das hipóteses estritamente previstas. Neste sentido, não cabe mesmo ao Judiciário recondicionar situações livremente pactuadas e com sólidas bases legais para, através de interpretações extensivas ou baseadas em critérios vagos de justiça, alterar o valor das prestações contratadas."
(TRF-3 - RECURSO INOMINADO CÍVEL: 5048067-29.2022.4.03.6301, Relator: RICARDO GERALDO REZENDE SILVEIRA, Data de Julgamento: 14/12/2023)
A expansão do conjunto de beneficiários de tais medidas é um tema sensível. Por um lado, a limitação dos descontos aos mutuários inadimplentes parece atentar, de fato, contra a isonomia, acabando por privilegiar os estudantes em débito para com o mutuante. Sem dúvida que muitos mutuários não recaem em situação de inadimplência por falta de vontade de pagar a dívida ou por negligência com seus interesses. Há casos de dificuldades financeiras imensas, impeditivas do pagamento do mútuo, a despeito dos juros reduzidos que vigoram nesse âmbito e da sistemática peculiar prevista para tais contratos (prazo de carência, por exemplo). Também há casos de mutuários descompromissados, que - mesmo podendo pagar - deixam de fazê-lo nos prazos legais.
Note-se que a legislação não tomou em conta as razões do inadimplemento para concessão do desconto. Por outro lado, é fato que resta latente a sensação de injustiça, quando se tem em conta uma sanção premial destinada apenas e tão somente aos que violaram as regras contratuais.
Por outro lado, é certo que o tema guarda semelhante com os benefícios do REFIS, destinando aos contribuintes em débito, ou aos casos de descontos havidos em renegociações de dívidas do SFH - sistema financeiro da habitação, quando em audiências de conciliação, promovendo descontos para os mutuários devedores, sem que medidas semelhantes fossem asseguradas aos mutuários adimplentes. Também se dá com os descontos em sede de execuções, sem similitude com os casos de contratos regulares.
Registro, com cognição precária, que a imposição de descontos para todos os mutuários teria o condão de aniquilar o próprio sistema. A concessão da medida para devedores é baseada pelo intuito de que possam purgar a mora - ainda que de moro reduzido, na medida em que se supõe que parcela da dívida seja de difícil redução. Cuida-se de um cálculo pragmático, a exemplo do que vaticina a concessão de descontos em audiências de conciliação ou no âmbito de execução, dado o percentual de inefetividade dos processos judiciais, os custos envolvidos com a cobrança etc
.
Como disse, o tema é sensível, e há de ser apreciado em sentença.
2.41.
C
onsignação
de valores em Juízo:
Sabe-se que, quando em causa debates sobre
tributos
, é direitos dos sujeitos promover o depósito em Juízo, na forma do art. 151, II, CTN.
"
A jurisprudência desta Corte Superior é no sentido de que o depósito de que trata o art. 151 , II , do CTN constitui direito subjetivo do contribuinte, que pode efetuá-lo tanto nos autos da ação principal quanto em Ação Cautelar, sendo desnecessária a autorização do Juízo
. É facultado ao sujeito passivo da relação tributária efetivar o depósito do montante integral do valor da dívida, a fim de suspender a cobrança do tributo e evitar os efeitos decorrentes da mora, enquanto se discute na esfera administrativa ou judicial a exigibilidade da exação ( AgRg no REsp 517937/PE , Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 28/4/2009, DJe 17/6/2009)"
(STJ - REsp: 1691774 SP 2017/0202085-2, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 10/10/2017, T2 - 2. TURMA, Data de Publicação: DJe 16/10/2017)
No presente processo, porém, a requerente insurgiu-se em face de descontos promovidos em seu benefício previdenciário, advindos de alegado contrato de mútuo, que ela disse não ter celebrado
. Assim, a lógica do art. 151, II, CTN, não se aplica ao caso, ao menos, não de forma automática.
Desde que haja fundamentos para isso
, no âmbito do direito civil ou administrativo, é dado à parte autora promover consignação em pagamento, conforme arts. 334 e ss., Código Civil/2002, ainda que seja promovido de forma incidental - arts. 539 e ss., Código de Processo Civil/15. Logo, desde que haja "
justa causa
", é dado à parte autora depositar em juízo os valores controvertidos, conforme lógica do art. 539, CPC/15 e 334, Código Civil/2002, à sua conta e risco. Anoto que a consignação em pagamento apenas afasta a mora quando julgada procedente - art. 337, Código Civil, art. 546, Código de Processo Civil e lógica da súmula 405, STF.
A esse respeito, o TJSP já deliberou:
"Observo que ambas as decisões (consignatória e embargos) ressalvaram expressamente o direito do embargante obter a amortização do saldo devedor até o limite do valor depositado, inexistindo interesse nesse tópico do recurso.
No entanto, tendo em conta que a ação de consignação em pagamento foi julgada improcedente, os encargos moratórios não foram afastados, nos termos do artigo 337 do Código Civil
: O depósito requerer-se-á no lugar do pagamento, cessando, tanto que se efetue, para o depositante, os juros da dívida e os riscos, salvo se for julgado improcedente."
(TJ-SP - AC: 10095119820208260100 SP 1009511-98.2020.8.26.0100, Relator: Vianna Cotrim, Data de Julgamento: 26/10/2021, 26ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 26/10/2021)
Com efeito, alguém pode depositar valores em Juízo, alegando que o credor tem cobrado valores excessivos ou mediante procedimento incorreto - pode alegar cuidar-se de dívida
quérable
(quesível), ao invés de
portable
(portável). Ou seja, pode ter alegado que caberia ao credor promover os meios para o recebimento, ao invés de o devedor ter de promover as diligências pertinentes. Deferido o depósito, depois a pretensão do demandante é julgada improcedente. Em tal caso, a existência do depósito não afastará a mora, quanto ao período em que o demandado houver sido privado do recebimento dos recursos pertinentes. Como registrei acima, o processo não pode causar prejuízos a quem não tenha dado causa à demanda.
Assim, saber se o depósito terá condão de afastar eventuais consectários moratórios dependerá do exame do mérito da pretensão do requerente, por época da prolação da sentença
. Caso seja realizado aludido depósito, o valor será atualizado pela variação da TRB - taxa referencial básica, conforme art. 11 da lei n. 9.289/1996, não se aplicando ao caso a taxa SELIC, diante dos limites da lei n. 9.703/1998, dado não se cuidar de controvérsia tributária. Note-se que a legislação não preconiza a incidência de juros remuneratórios ou moratórios sobre o valor depositado em Juízo. Por outro lado, caso a pretensão da autora seja acolhida, em sentença transitada em julgado, o valor lhe será restituído ao final da demanda. Caso a pretensão seja julgada improcedente, o montante será transferido ao banco requerido/mutuante, para imputação em pagamento no contrato, conforme art. 354, Código Civil/2002. Em tal caso, não haverá supressão de consectários moratórios, devendo a autora responder por eventuais juros moratórios e multa contratual, porventura previstos (art. 337, parte final, Código Civil/02, lógica dos arts. 332 e 512, Código de Processo Civil/15)
2.42. Depósitos em juízo e consectários moratórios:
Convém enfatizar que, em princípio, é dado aos interessados deflagrarem processos de consignação em pagamento, na forma dos arts. 334 e ss., Código Civil/2002, com o fim de obter a pertinente outorga de quitação das obrigações pertinentes. Note-se, porém, que a consignação apenas afasta a mora quando a pretensão do autor tenha sido julgada procedente - art. 337, parte final, Código Civil/2002 e arts. 539 e ss., Código de Processo Civil/15. Importa dizer: os encargos moratórios são afastados quando a parte interessada haja comprovado cuidar-se de
mora accipiendi,
ao invés de
mora debitoris.
Conjecture-se, reitero, que, no âmago de um contrato de locação, o locatário sustenta competir ao locador a adoção dos meios para a cobrança (obrigação quesível). Já o locador alega o contrário, argumentando cuidar-se de obrigação
portable
. Suponha-se que o locatário ingresse com uma consignação em pagamento, sem impugnar o valor da dívida; mas, limitando-se ao referido tema - natureza da obrigação. Ele deposita o valor exato postulado pelo credor. Ao final, o Juízo reputa que o locator, o demandado, possui razão, cuidando-se de obrigação portable. Nesse caso, por óbvio, o depósito em Juízo não terá aptidão para afastar a mora, de modo que os encargos serão devidos desde a data do vencimento da obrigação até a data em que os valores sejam convertidos em renda a favor da parte demandada.
Atente-se, uma vez mais, para o art. 337, parte final, Código Civil/2002:
"O depósito requerer-se-á no lugar do pagamento, cessando, tanto que se efetue, para o depositante, os juros da dívida e os riscos,
salvo se for julgado improcedente
."
Por outro lado, a mora pode ser afastada em vínculos bilaterais, sinalagmáticos, quando presentes os requisitos para a exceção de contrato não cumprido - arts. 476 e 477, Código Civil/2002, dentre outros casos.
2.43. Eventual destinação dos valores depositados:
Desse modo, em princípio, sempre que os
depósitos venham a ser deferidos e efetivados em conta vinculada
aos autos, haverão de ser levantados, total ou parcialmente, pela parte autora - caso sua pretensão seja acolhida em sentença transitada em julgado -, observando-se o alcance de sua eventual sucumbência. Caso ela sucumba totalmente na demanda, os valores deverão ser levantados então pela parte demandada/mutuante, como segue:
"RECURSO ESPECIAL. AGRAVO REGIMENTAL. TRIBUTÁRIO. DEPÓSITO DO MONTANTE INTEGRAL. ART. 151,
II, DO CTN. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. CONVERSÃO EM RENDA. DECADÊNCIA.
1.
Com o depósito do montante integral, tem-se verdadeiro
lançamento por homologação. O contribuinte calcula o valor do tributo e substitui o pagamento antecipado pelo depósito, por
entender indevida a cobrança. Se a Fazenda aceita como integral o depósito, para fins de suspensão da exigibilidade do crédito, aquiesceu expressa ou tacitamente com o valor indicado pelo
contribuinte, o que equivale à homologação fiscal prevista no art.
150, § 4º, do CTN.
2. Uma vez ocorrido o lançamento tácito, encontra-se
constituído o crédito tributário, razão pela qual não há mais falar no transcurso do prazo decadencial nem na necessidade de lançamento de ofício das importâncias depositadas. Precedentes da Primeira
Seção.
3. A extinção do processo sem resolução de mérito, salvo o
caso de ilegitimidade passiva ad causam, impõe a conversão do
depósito em renda da Fazenda Pública respectiva. Precedentes:
AgRg nos EREsp 1.106.765⁄SP, Rel. Min. Benedito Gonçalves,
Primeira Seção, DJe 30.11.2009, AgRg nos EDcl no Ag 1378036⁄CE,
Rel. Ministro Cesar Asfor Rocha, DJe 29⁄06⁄2011; REsp 901.052⁄SP,
Rel. Min. Castro Meira, Primeira Seção, DJe 03.03.2008.
4. Os fundamentos de fato trazidos pela agravante são premissas não contempladas no acórdão recorrido, de modo que não
podem aqui ser discutidas ou modificadas sob pena de inaceitável
incursão em matéria de prova, o que é vedado na instância especial,
nos termos da Súmula 7⁄STJ.
5. Agravo regimental não provido."
(AgRg no REsp 1.213.319⁄SP, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 17⁄05⁄2012, DJe 28⁄05⁄2012)
TRIBUTÁRIO. PROCESSO JUDICIAL. DEPÓSITO COM A FINALIDADE DE SUSPENDER A EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. DEPÓSITO EQUIVALENTE AO PAGAMENTO. DESNECESSIDADE DE LANÇAMENTO. 1. O depósito judicial do montante integral do débito é causa suspensiva de exigibilidade do crédito tributário, ex vi do artigo 151, II do CTN e, por força do seu desígnio, implica lançamento por homologação tácito, no montante exato do quantum depositado, conjurando eventual alegação de decadência do direito de constituir o crédito tributário. Precedentes: EREsp 898.992/PR, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 08.08.2007, DJ 27.08.2007; REsp 895.604/SP, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 01.04.2008, DJ 11.04.2008; AgRg no REsp 971.054/SC, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 06.12.2007, DJ 24.03.2008. .
Julgado improcedente o pedido da empresa e, em havendo depósito, torna-se desnecessária a constituição do crédito tributário no qüinqüênio legal, não restando consumada a decadência. Conseqüentemente, revela-se escorreita a conversão em renda dos depósitos judiciais efetuados no âmbito da ação ordinária, uma vez não configurada a decadência do direito de o Fisco constituir o crédito tributário e tendo em vista a improcedência do pedido do contribuinte
. 3. Indevidamente realizado o levantamento do depósito judicial pelo contribuinte, afasta-se a razão da suspensão do crédito tributário, forçando ao FISCO FEDERAL a realização do lançamento tributário, inscrevendo o contribuinte em CDA, não existindo decadência ou prescrição do crédito tributário. 4. Apelação do autor improvida e apelação da UNIÃO FEDERAL e Remessa Oficial providas. (APELREEX 200171000285040, MARCOS ROBERTO ARAUJO DOS SANTOS, TRF4 - PRIMEIRA TURMA, D.E. 13/10/2009.)
2.44. Correção monetária de depósitos porventura efetuados:
Reitero que, quando valores venham a ser depositados em conta vinculada aos autos - mediante prévia autorização judicial -,
o montante haverá de ser corrigido pela taxa referencial básica - TRB, prevista na lei 9.289/1996, de caráter especial, se confrontada com a lei n. 9.703/1998, que se aplica aos depósitos tributário
s. Em princípio, a norma do art 11 da lei n. 9.289/1996 não restou alterada pela promulgação da emenda constitucional 113, de 08 de dezembro de 2011. Não há previsão de incidência de juros remuneratórios nesse âmbito, conforme se infere do art. 11 da lei 9.289/1996.
2.45. Eventual imputação em pagamento:
Caso o total ou parte do valor depositado deva ser convertido em renda a favor do banco requerido, tido como mutuante, aludida verba deverá ser então imputada em pagamento, na forma do art. 354, Código Civil, com adimplemento dos juros moratórios/remuneratórios em primeiro plano e, vencidos os juros, com adimplemento do saldo devedor, salvo se medida distinta vier a ser determinada em sentença transitada em julgado.
Dever-se-á apurar, tanto por isso, se aludido depósito terá o condão de afastar consectários moratórios, o que pressupõe avaliar se a consignação em juízo teria se dado de modo procedente, para os fins do art. 337, parte final, Código Civil e art. 540, Código de Processo Civil, antes aludidos
. A questão deverá ser apreciada por época do julgamento da demanda.
2.46.
Efeitos decorrentes da efetivação do depósito:
Em regra, o depósito do valor total discutido impede o protesto do aludido crédito; inibe a inscrição do nome do(a) autor(a) em cadastros restritivos ao crédito, a exemplo do CADIN, SERASA, SPR, SCR:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESTITUIÇÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. INDEVIDA. BOA-FÉ. Deve ser mantida a decisão que deferiu a antecipação de tutela para determinar ao INSS que, até decisão judicial em sentido contrário, abstenha-se de inscrever em dívida ativa os valores recebidos pelo agravado a título de benefício previdenciário, por entender que se trata de verba de natureza alimentar, recebida de boa fé pelo segurado. A decisão agravada está de acordo com o posicionamento do STJ e desta Corte. (TRF-4 - AG: 50132022420114040000 5013202-24.2011.4.04.0000, Relator: CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI, Data de Julgamento: 31/01/2012, QUINTA TURMA)
Em tal hipótese, caso tenha sido deferido e tenha sido realizado o depósito em conta vinculada ao processo, e a pretensão da autora venha a ser reputada improcedente, em sentença transitada em julgado, o banco poderá cobrar consectários moratórios, conforme conste estipulado nos contratos, quanto ao período em que tenha sido privado de auferir tais recursos - lógica dos arts. 302, 520, art. 540, CPC, art. 337, CC e súmula 405, STF.
2.47. Inscrição em cadastro de inadimplentes:
Conquanto o credor possa promover o lançamento do nome do devedor em castros de restrição ao crédito, isso demanda o rigoroso preenchimento dos requisitos dos arts. 43 e 44 do Código de Defesa do Consumidor (lei n. 8.078/1990). Assim, para tanto, deve ser encaminhada missiva prévia para o endereço atual do cliente, conforme art. 43, §2º, CDC/1990.
"DIREITO CIVIL. DANOS MORAIS. INSCRIÇÃO EM CADASTRO de INADIMPLENTES. VALOR DA INDENIZAÇÃO. 1 -
Caracteriza constrangimento ensejador de danos morais a inscrição do nome do devedor em cadastro de inadimplentes, sem a necessária notificação prévia por parte do fornecedor do serviço
. 2 - O valor da indenização deve levar em consideração o dano em si e as condições pessoais da vítima e do ofensor, de modo a graduar valor suficiente para compensar a dor moral, ao mesmo tempo que pune o ofensor para que não mais repita atos deste tipo, guiando-se pela razoabilidade no sopesar a necessidade de compensar o sofrimento moral e punir o ofensor, ao mesmo tempo que não se permite que tal indenização se torne enriquecimento ilícito . 3 - Recurso provido. (...)" (Processo 143566020044013, ..REL_SUPLENTE:, TR1 - 1ª Turma Recursal - MT, DJMT 10/11/2004.)
É fato que o STJ tem entendido que, para tanto, bastaria a remessa da missiva para o endereço do devedor, sendo desnecessário o aviso de recebimento:
RESPONSABILIDADE CIVIL. INSCRIÇÃO INDEVIDA EM CADASTROS RESTRITIVOS DE CRÉDITO. NOTIFICAÇÃO PRÉVIA. NECESSIDADE. ART.
43
, § 2º DO CDC. DANOS MORAIS. OCORRÊNCIA. VALOR. ALTERAÇÃO. INVIABILIDADE. SÚMULA 07/STJ. 1.
A Segunda Seção deste Tribunal, no julgamento do REsp 1.083.291/RS, representativo de controvérsia repetitiva, (art. 543 -C CPC), consolidou o entendimento de que para a prévia notificação ao consumidor da inscrição de seu nome em cadastro restritivo de crédito basta o envio de correspondência dirigida ao endereço do credor, sendo desnecessário aviso de recebimento
. 2. O STJ já consolidou sua jurisprudência no sentido de que "a ausência de prévia comunicação ao consumidor da inscrição do seu nome em cadastros de proteção ao crédito, prevista no art.
43
, §2º do CDC, enseja o direito à compensação por danos morais, salvo quando preexista inscrição desabonadora regularmente realizada." (Recurso Especiais em Processos Repetitivos nºs 1.061.134/RS e 1.062.336/RS) 3. Na espécie, o Tribunal de origem, analisando as provas constantes dos autos, entendeu não ocorrido a prova do prévio envio da notificação ao consumidor. Assim, a revisão do acórdão, para se alcançar conclusão diversa quanto ao ponto, demandaria a reapreciação das provas, providência que encontra óbice na Súmula 7/STJ. 4. Nos termos da jurisprudência consolidada no Superior Tribunal de Justiça, a revisão de indenização por danos morais só é possível em recurso especial quando o valor fixado nas instâncias locais for exorbitante ou ínfimo, de modo a afrontar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Ausentes tais hipóteses, incide a Súmula n. 7 do STJ, a impedir o conhecimento do recurso. 5. Agravo regimental não provido. ..EMEN: (AGRESP 201303480751, LUIS FELIPE SALOMÃO, STJ - QUARTA TURMA, DJE DATA:22/05/2014 ..DTPB:.)
Acrescento também que revela-se incabível o lançamento do nome do aventado devedor em tais registros de inadimplentes, enquanto ele encontre-se discutindo a dívida, fundado em argumentos densos:
"O fumus boni iuris está caracterizado ante a jurisprudência dominante nesta Corte, no sentido de vedar o lançamento do nome do devedor nos bancos de dados de proteção ao crédito, tais o SERASA e o SPC, quando discutido judicialmente o débito"
(STJ, 3ª T., MC 2938/SP, Rel. Min. ALBERTO M. DIREITO, DJ DE 04.12.2000, pg. 063)
Nesse mesmo sentido, leia-se:
"Estando o montante da dívida sendo objeto de discussão em juízo, pode o Magistrado conceder a antecipação da tutela para obstar o registro do nome do devedor nos cadastros de proteção ao crédito. Recurso especial não conhecido."
(RESP 200101940211, BARROS MONTEIRO, STJ - 4. TURMA, DJ DATA:09/12/2002 PG:00348 ..DTPB:.)
Atente-se ainda para o seguinte julgado:
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - INSCRIÇÃO DO NOME DA PARTE NOS CADASTROS DE RESTRIÇÃO AO CRÉDITO - PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA - REJEITADA - LEGITIMIDADE PASSIVA ÓRGÃO MANTENEDOR - DADOS ORIUNDOS DE OUTROS CADASTROS MANTIDOS POR ENTIDADES DIVERSAS - PRÉVIA NOTIFICAÇÃO - AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO - DEVER DE INDENIZAR. O Superior Tribunal de Justiça no julgamento do RESP 1061134/RS, sob o rito dos recursos repetitivos, decidiu pela legitimidade passiva dos órgãos mantenedores de cadastros de proteção ao crédito para responder pela reparação de danos morais decorrentes da inscrição do nome do devedor, sem sua notificação prévia, mesmo quando tais dados forem oriundos de outros cadastros mantidos por entidades diversas.
A inscrição do nome do Autor nos cadastros de restrição ao crédito é devida quando precedida de notificação encaminhada ao endereço fornecido pelo credor, não havendo que se falar em dano moral passível de indenização. "É dispensável o aviso de recebimento (AR) na carta de comunicação ao consumidor sobre a negativação de seu nome em banco de dados e cadastros
." Súmula 404/STJ. (TJ-MG - AC: 10024143336824001 MG, Relator: Marcos Henrique Caldeira Brant, Data de Julgamento: 02/05/2018, Data de Publicação: 11/05/2018)
ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO CÍVEL. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. IBAMA. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. JUNTADA DE CERTIDÃO NEGATIVA DE AGRAVAMENTO. INSCRIÇÃO INDEVIDA EM CADASTRO DE INADIMPLENTE. DANO MORAL EM IN RE IPSA. QUANTUM INDENIZATÓRIO. 1. Incide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, na forma da Lei nº 9.783/99, interrompendo-se por qualquer ato inequívoco que importe apuração do fato, para tanto não se prestando a juntada de certidão negativa de agravamento. 2.
O dano moral decorrente da inscrição indevida em cadastro de inadimplente é considerado in re ipsa, isto é, não se faz necessária a prova do prejuízo, que é presumido e decorre do próprio fato.
3. Em tema de inscrição indevida em cadastro de devedores, a quantia de R$ 5.000,00, segundo inúmeros precedentes deste tribunal, bem repara o dano sofrido, uma vez que cumpre a finalidade pedagógica de fazer com que o réu não cometa o mesmo erro e, concomitantemente, impede o enriquecimento sem causa da parte lesada. (TRF4, AC 5015079-34.2019.4.04.7108, QUARTA TURMA, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 04/12/2021)
2.48.
CADIN
- considerações gerais:
D'outro tanto, segundo a jurisprudência predominante, a inibição do lançamento, no CADIN, do nome do interessado, pressupõe a realização do aludido depósito, por força do disposto no art. 7º, I, da lei n. 10.522, de 19 de julho de 2002:
"
Será suspenso o registro no Cadin quando o devedor comprove que: I - tenha ajuizado ação, com o objetivo de discutir a natureza da obrigação ou o seu valor, com o oferecimento de garantia idônea e suficiente ao Juízo, na forma da lei
."
Referido diploma deve ser aferido com cautelas, sabe-se bem. Afinal de contas, o poder geral de tutela, na temática civil, é projeção do art. 5º, XXXV, CF. Importa dizer: a Constituição exige um processo efetivo e, tanto por isso, a lei infraconstitucional não pode restringir demasiadamente a concessão de provimentos de urgência. Tanto por isso, em princípio, a lei infraconstitucional não poderia instituir uma espécie de
solve et repet,
de modo que a inibição de condutas lesivas fique na dependência do depósito em juízo.
De toda sorte, convém ter em conta que essa obrigatoriedade de contracautelas também se encontra prevista no art. 50, §1º, da lei n. 10.931/2001 (quanto à pretensão à revisão de contratos imobiliários), enquanto que a lei n. 13.105/2015 facultou ao Poder Judiciário condicionar a concessão do provimento de urgência à oferta de caução (art. 300, §1º, CPC). Acrescento que, ao apreciar o REsp 1137497/CE, com caráter repetitivo, o Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que a mera discussão judicial da dívida não autorizaria a suspensão do registro no CADIN, sendo necessária a garantia idônea e suficiente do Juízo ou que a exigibilidade do crédito esteja suspensa por algum outro motivo.
Reporto-me também aos seguintes julgados:
TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. PENHORA. RECUSA. BEM SITUADO EM OUTRO ESTADO. CADIN. EXCLUSÃO DO NOME DO CADASTRO. 1. Mostra-se justificada a recusa do devedor considerando-se que o bem oferecido não representa efetiva garantia dos créditos exeqüendos, uma vez que o imóvel situa-se em outro Estado da federação. 2. Nos casos em que os contribuintes pleiteiam a exclusão de seu nome dos registros do CADIN, devem ser observados os requisitos de suspensão previstos no art. 7º da Lei nº 10.522/02, como o oferecimento de caução idônea ao juízo ou o depósito judicial dos valores contestados.
(AG 00088123320104040000, VÂNIA HACK DE ALMEIDA, TRF4 - SEGUNDA TURMA, D.E. 26/05/2010.)
PROCESSUAL CIVIL. CADASTROS RESTRITIVOS DE CRÉDITO. CADIN. AFASTAMENTO. AJUIZAMENTO DE AÇÃO FUNDADA NA APARÊNCIA DO BOM DIREITO. DEPÓSITO DE CAUÇÃO IDÔNEA. RESP. Nº 1.063.530/RS. . O simples ajuizamento de ação ou a mera existência de demanda judicial não autoriza o afastamento da parte requerente dos cadastros restritivos de crédito. . A liberação da inscrição nos cadastros restritivos de crédito respeita os seguintes requisitos, cumulativamente: (a) que a ação ajuizada pelo interessado seja fundada em questionamento integral ou parcial do débito; (b) que haja demonstração de que o questionamento à cobrança supostamente indevida se funda na aparência do bom direito e em jurisprudência consolidada do STF ou STJ; e, (c) existência de depósito da parcela incontroversa ou for prestada a caução fixada conforme o prudente arbítrio do juiz. . Prequestionamento quanto à legislação invocada estabelecido pelas razões de decidir.
(AC 200770060024893, NICOLAU KONKEL JÚNIOR, TRF4 - TERCEIRA TURMA, D.E. 10/03/2010.)
PROCESSUAL CIVIL. CADASTROS RESTRITIVOS DE CRÉDITO. CADIN. AFASTAMENTO. RESSARCIMENTO AO SUS. AJUIZAMENTO DE AÇÃO. DEPÓSITO DE CAUÇÃO IDÔNEA. GARANTIA AO JUÍZO. . O simples ajuizamento de ação ou a mera existência de demanda judicial não autoriza o afastamento da parte requerente dos cadastros restritivos de crédito. . A liberação da inscrição nos cadastros restritivos de crédito condiciona-se ao depósito de caução idônea ou garantia ao juízo pela parte requerente. . Inteligência do art. 7º, I, da Lei nº 10.522 /2002. . Prequestionamento quanto à legislação invocada estabelecido pelas razões de decidir. . Agravo de instrumento improvido.
(AG 200904000133210, NICOLAU KONKEL JÚNIOR, TRF4 - TERCEIRA TURMA, D.E. 23/09/2009.)
Referido entendimento deve ser aplicado ao presente caso, por conta também do que dispõem os arts. 927 e 489, §1º, VI, CPC. Tanto por isso, a exclusão do nome do autor do CADIN e de eventual cobrança de dívida ativa pressupõe o depósito do valor impugnado.
2.49. Distribuição do ônus da prova -
exame precário
:
No presente caso, há uma
natural assimetria
entre a parte autora e a União Federal/FNDE/CEF, dado o poderio burocrático das demandadas. Isso não implica, porém, por si, a automática inversão do ônus da prova, prevista no art. 373, §1º, CPC/15.
Ao menos, não para fins de antecipação de tutela
.
Conquanto a teoria da distribuição dinâmica da prova, acolhida pelo art. 373, CPC/15, tenha seu relevo, cumprindo papel importante no processo, deve ser empregada como circunspeção, como anota Araken de Assis:
"(....)
Essa teoria tem cunho autoritário, porque concentra poderes no órgão judiciário, e, desse modo, traz consigo alto risco de subjetivismo
. Duas objeções principais, relevando o risco de prevaricação e o dever de fidelidade do juiz ao direito, opõem-se à doutrina: (a)
o já mencionado risco de subjetividade e, ademais, de relatividade: o que é fácil para certo juiz pode não o ser para outro
; e (b) a violação positiva ao direito fundamental processual do contraditório. Contra o risco de subjetividade, inexiste remédio; para a violação do contraditório, a medida cabível é a exigência de que haja motivo concreto, prévio e delimitado para a distribuição ope judicis. A distribuição do ônus da prova na decisão de saneamento e de organização do processo (art. 357, III) contrabalança os riscos, norteando a atividade das partes na instrução das causas. Seja como for, as objeções evidenciam que, entre nós, inexiste ainda densidade do direito fundamental à prova. O contraditório argumentantivo (dizer e contradizer) não mais satisfaz.
As repercussões positivas ou negativas da repartição casuística podem ser aquilatadas e medidas nas relações de consumo. Em tal matriz, considerando o disposto no art. 6.º, VIII, da Lei 8.078/1990, passa-se à análise do tema, sublinhando que não se limita a tais espécies de litígio, em tese, a distribuição dinâmica." (ASSIS, Araken.
Processo civil brasileiro.
Volume II - Tomo II: Institutos fundamentais. SP: RT. 2015. p. 203-209)
Exame semelhante se impõe, em princípio, quanto aos efeitos do art. 6, VIII, Código de Defesa do Consumidor, aparentemente aplicável à relação da autora com o Banco mutuante. Não se trata de uma cláusula de aplicação imediata em toda e qualquer relação de consumo, demandando uma análise a respeito da eventual dificuldade na dilação probatória pelo(a) consumidor(a).
Em primeiro exame,
formulado nesse momento apenas para apreciação do pedido de antecipação de tutela
, incumbe à parte autora o ônus de comprovar a veracidade da narrativa dos fatos, veiculada na peça inicial, o que tomo em conta para fins de avaliação do pedido de antecipação de tutela. RESSALVO nova análise desse tema por época do saneamento da demanda - art. 357, Código de Processo Civil/15.
2.50. Elementos de convicção - exame precário:
Com a peça inicial, o autor apresentou procuração, documento de identificação, comprovante de endereço em nome de seu pai, declaração de hipossuficiência financeira, cópia do instrumento contratual e
print
do saldo devedor e parcelas em atraso.
Em 20 de abril de 2016, o autor emprestou junto à CEF R$ 52.014,48
, comprometendo-se a restituir aludida quantia ao banco mutuante mediante o pagamento de 144 prestações (cotas de amortização + juros). Foi previsto prazo de 8 semestres para a utilização do crédito.
(evento1, outro 7, p. 15)
Transcrevo ainda parte da planilha evolutiva do contrato, no que toca às prestações cobradas quanto à fase de amortização da dívida:
Assim, ao início da etapa de amortização, o salvo devedor (dívida vincenca) estava posicionado em R$ 61.623,73. A prestação mensal estava posicionada em R$ 614,28, já compreendendo cota de amortização e juros. A previsão é de que o contrato se encerre em 05 de agosto de 2033.
O requente apresentou um extrato da conta FIES, indicando o atraso no pagamento das prestações mensais.
2.51. Valoração precária:
Em
20 de abril de 2016
, o autor celebrou com a CEF, no âmbito do FIES, um contrato de mútuo feneratício, pactuando o empréstimo programado de
R$ 52.014,48
, em valores históricos, então previstos. Atualizado pelo IPCA-E, aludida importância corresponde a R$ 82.524,46, na data atual (fonte - calculadora do cidadão).
Essa atualização tomou em conta o valor total conferido em empréstimo, conquanto a correção devesse ser promovida considerando-se as datas graduais de liberação
. De todo modo, o cálculo presta para se ter uma noção do poder aquisitivo atual do emprestado pelo autor. A partir do início da fase de amortização, emprega-se a tabela price para cálculo da prestação, veiculando cota de amortização e juros, empregando-se a seguinte equação, tomando em conta os dados informados acima.
Por outro lado, a taxa de juros remuneratórios avençada pelas partes foi de 6,5%, e não de 3,4% alegada na inicial. Isso corresponde ao cálculo seguinte: 1,065 = (1+x)
12
. A questão pode ser resolvida mediante a extração do logaritmo neperiano de ambos os lados da equação, ou mediante obtenção da raiz 12 avos de 1,065. Assim, ln (1,065) = ln (1+x)
12
= 12 ln (1+x). Logo, x = ln(1,065)/12 = ln(1+x). Por conta disso: ln (1+x) = 0.58089417317.
Assim, x = e
0.58089417317
- 1. A taxa de juros mensal é de 0.00526169427. Ou seja, de aproximados
0,53% ao mês
. Capitalizada, aludida taxa resulta em aproximados 6,5% ao ano. Não se cuida de uma taxa elevada, se comparada com as práticas de mercado.
Repiso que a sistemática de cálculo dos juros e cota de capital se dá com o emprego da fórmula da tabela price (sistema francês de amortização), incluídos no valor da prestação, e que devem ser reduzidos gradualmente, à medida em que saldo devedor seja amortizado. A prestação permanece constante ao longo do financiamento, salvo eventual necessidade de atualização monetária. Ou seja, na tabela price, as prestação são calculadas para que sejam iguais entre si, ao início do financiamento.
Note-se que aparentemente o salvo devedor obtido ao final do prazo de utilização e prazo de carência, revelou-se distinto daquele inicialmente programado
. Ao que releva, o autor celebrou um contrato, prevendo um limite de empréstimo, em valores significativos, com financiamento de 50% da mensalidade escolar. Comprometeu-se a restituir aludida quantia ao banco, conforme sistemática do mútuo avençado no âmbito do FIES, preconizando-se prazo de utilização, prazo de carência e, por fim, prazo de amortização.
Por outro lado, as partes avençaram a taxa de juros de 6,5% ao ano, o que corresponde a
0,52616% ao mês.
Com efeito,
(1 + 0,0052616)
12
- 1 = 0,0649988
≃ 6,5%
Em primeiro exame, aludida taxa de juros se revela bastante inferior às práticas de mercado usuais, não sendo abusiva. O sistema preconiza uma taxa de juros anual que corresponde, não raro, à taxa mensal cobrada em alguns contratos
.
Em primeiro exame, o demandante emprestou quantia necessáraia para financiamento de 50% das mensalidades do curso de Engenharia Civil, comprometendo-se à sua restituição de modo atualizado e com juros. Os juros não se revelam abusivos, eis que 6,5% ao ano.
Por outro lado, em princípio, não há como se invocar no caso um cogitado princípio da aplicação da norma mais favorável
. Postulado semelhante vigora na temática penal - aplicação da
novatio legis in mellius
e vedação da
novatio legis in pejus.
Também há previsão dessa aplicação da norma mais favorável quando em causa infrações tributárias (art. 112, CTN/66). Por vezes, tal tema surge ainda no âmbito do direito do consumidor, tomando-se em conta o
diálogo das fontes, ou ainda na relação entre certos dispositivos da Constituição Federal e normas veiculadas em tratados internacionais, a exemplo do histórico subjacente à edição da súmula vinculante 25, ao dispor ser ilícita a prisão de fiel depositário, em que pese a Constituição o permitisse. Em tais casos, a invocação da "norma mais favorável" encontra fundamento no sistema.
Aludido postulado de aplicação da norma mais favorável aparentemente não vinga no âmbito dos contratos do FIES.
Repiso que se cuida de uma política pública importante, que viabiliza empréstimo de valores significativos, com aplicação de juros reduzidos e com um sistema de amortização postergado para a fase de empregabilidade do estudante
. Para esse fim, as regras são flexíveis e alteradas de tanto em tanto, a fim de que se viabilizar maior eficiência do sistema. Mas, quando o Estado promove tais alterações, não toma em conta - e não poderia fazê-lo - contratos em curso ou mesmo contratos já encerrados.
Reitero que, a vingar a premissa da peça inicial, até mesmo os mutuários de contratos já encerrados fariam jus à aplicação da norma mais favorável, com direito à restituição de recursos
. Por outro lado, eventual invocação do art. 3, Constituição não modifica esse quadro. O FIES viabiliza redução de juros e um sistema de pagamentos razoável.
Na espécie, é fato, os valores emprestados foram significativos - o que demanda desencargos elevados na fase de amortização, mesmo se os juros fossem de fato exonerados. Mas, esse custo não decorre do sistema FIES em si; decorre do custo do ensino superior, ainda proibitivo para muitas pessoas.
Aparentemente, não há violação à isonomia, diante dos requisitos impostos pela legislação. Aludidos critérios são razoáveis
. Sem dúvida que a publicação de leis que preconizam majoração ou diminuição de encargos enseja problemas. Isso se dá a respeito do
direito adquirido, por exemplo
.
Alguém passa no concurso, toma posse e, preenchendo certos requisitos, faz jus aos quinquênios, aumentando sua remuneração mensal. Outra pessoa passa no concurso anos depois, realiza atividade em tudo semelhante, e sua remuneração é bastante inferior, dado que tal gratificação restou suprimida para os novos servidores.
A diferença nas datas de posse suscita diferenças de tratamento. Em outro caso,
há diferenças nos valores das aposentadorias pagas para pessoas com contribuições semelhantes, tudo a depender da data em que os requisitos foram preenchidos
. Há mudança dos regimes jurídicos, dos critérios aplicáveis e isso é inerente à evolução do sistema jurídico.
Contanto que os critérios sejam razoáveis, não há violação à isonomia
. Entendimento contrário implicaria reabertura de todas as relações jurídicas, a
cada mudança legislativa
, acabando - adiante - por enrijecê-lo, impedindo sua evolução. No presente caso, as normas do art. 5-C devem ser interpretadas em conjunto, não havendo sinais de arbítrio ou privilégio legislativo.
"(...) 8. Conforme o art. 5º, § 3º, da Lei º 14.375/2022, o estudante beneficiário do FIES que tenha débitos vencidos e não pagos em 30 de dezembro de 2021 poderá liquidá-los por meio da adesão à transação com fundamento nesta Lei, podendo haver o perdão da dívida em até 99%. 9. Ocorre que, a autora não se encontra inadimplente em seu contrato de financiamento estudantil (anexo 1180409), não havendo que falar na aplicação do princípio da igualdade em relação aos que estão com débito vencido. 10.
Outrossim, a taxa de juros a zero, contida na Lei nº 13.530/2017, não se aplica ao contrato da autora, que foi pactuado em 2013, encontrando-se regido pela Lei nº 10.260/2001. 11. Assim, não se vislumbram vícios ou ilegalidade no contrato, devendo prevalecer o pactuado. 12. Não havendo qualquer ilegalidade contratual nem disposição legal que obrigue a parte ré a renegociar a dívida remanescente, eventual revisão do contrato de FIES deverá ser pactuada de comum acordo entre as partes
." (TRF-5 - RI: 00018878520224058402, Relator: FRANCISCO GLAUBER PESSOA ALVES, Data de Julgamento: 04/05/2023, 3ª RELATORIA DA 1ª TURMA RECURSAL RN)
No que toca à aplicação do desconto de 70% a 90%, postulado pelo autor, reputo cuidar-se de tema sensível, por conta das premissas detalhadas acima. Os Tribunais têm enfatizado que não se poderia fazer incidir, por conta de isonomia, aludido desconto para quem não preencha os requisitos previstos na legislação.
No caso, a Resolução CG-Fies nº 55, de 6 de novembro de 2023, que tratou do programa Desenrola FIES, modificada pela Resolução nº 60, de 30 de agosto de 2024, estabeleceu a possibilidade de redução de dívida a devedores inadimplentes, tomando como marco temporal a data de
30 de junho de 2023
, e, conforme relatado na inicial, a última prestação paga pelo autor teve seu vencimento em
05 de dezembro de 2023
.
Aprecio todos esses temas com cognição PRECÁRIA, ressalvando nova análise por época da prolação da sentença.
2.48.
Quanto ao pedido de antecipação de tutela:
Diante do exposto, reputo que não há como deferir nesse momento a antecipação de tutela,
sequer para fins de realização de depósito em Juízo
, o que aprecio enquanto
eventual contracautela
(art. 300, §1, CPC). A autorização do depósito exige a apresentação de justa causa para tanto, ao contrário do que ocorre com a efetivação de depósitos na temática tributária (art. 151, Código Tributário Nacional), como anotei acima.
A manutenção de depósitos em Juízo, no que toca a contratos do FIES, pode implicar a suspensão do retorno das prestações para amortização da dívida, de modo a reconstituir o
funding
da operação. Reitero, ademais, que a medida apenas terá o condão de inibir eventuais efeitos moratórios, caso a pretensão da parte autora venha a ser julgada procedente, conforme art. 337, parte final, Código Civil, e art. 540, parte final, Código de Processo Civil.
Não vislumbro, ademais, demonstração de alguma dificuldade maior, por parte do autor, em promover aludidos pagamentos na conta do contrato. Caso ele tenha razão no que alegou, as diferenças financeiras disso decorrentes lhe poderão ser restituídas oportunamente. Aliás, convém ter em conta que, mesmo que os juros sejam zerados, ainda remanescerá débito a ser pago pela autora, dado que no saldo devedor contratual não estão inclusos, juros (estão incluídos na prestação mensal). O saldo devedor é a dívida a vencer. Os juros estão incorporados no valor da prestação.
Caso sejam zerados os juros, isso poderá redundar na redução da prestação, por conta do seu recálculo (mantido o prazo de amortização), ou pode implicar redução do prazo contratual (considerando-se, então, cada prestação no valor ainda exigido como sendo integralmente cota de amortização mensal).
No momento, repiso que eventual acolhimento da pretensão da autora deveria ensejar, em princípio, igual direito a quem já tenha liquidado totalmente os seus débitos. Todos quanto tenham pago juros remuneratórios no âmbito do FIES fariam jus, então, a idêntica prerrogativa e com idênticos fundamentos, o que parece pouco razoável
. Todos quanto tenham pago a integralidade do crédito, fariam jus, então, à restituição de valores, por idênticos fundamentos. Isso ensejaria, então, a própria inviabilidade de que tais medidas fossem promovidas, diante da alegada necessidade de se tomar em conta todos quanto tenham celbrado acordos no âmbito do FIES, a cujo respeito a pretensão à restiuição não tenha sido atingida pela prescrição.
Seja como for, e a despeito da qualidade da argumentação da autora, e a despeito deste exame com cognição não exaustiva, reputo não haver lastro para a antecipação de tutela no presente caso. Anoto ainda que o sistema de financiamento não prevê alguma vinculação com a renda do demandante, medida de resto proibida, conforme lógica do art. 48, da lei 10.931, de 2 de agosto de 2004. Antigamente, em determinados contratos, havia a previsão de um fundo que custeava o pagamento de prestações em atraso, incorporando-as ao saldo devedor, a exemplo do FIEL - fundo para pagamento de prestações no caso de perda de renda por desemprego ou invalidez temporária. Contudo, desde há muito que aludidos mecanismos não mais vigoram.
Em primeiro exame, diante do valor emprestado, e do emprego efetivo para custeio de mensalidades educacionais, considerando ainda os juros subsidiados e sistemática de pagamento, referido contrato não parece ser extremamente onersoso, para fins de aplicação dos arts. 39, 51, CDC ou arts. 478 e ss., Código Civil. Ademais, não há maior sinal de perigo de dano, no caso.
Ressalvo nova análise do tema por época da prolação de sentença
.
III - EM CONCLUSÃO
3.1. DECLARO a competência desta unidade jurisdicional para o processo e julgamento desta demanda e a submissão da causa à alçada e rito dos Juizados Especiais, conforme art. 3º,
caput,
lei n. 10.259/2001.
3.2. RETIFIQUE-SE a autuação, de modo a alterar o procedimento a ser empregado no caso.
3.3. ACRESCENTO que, no essencial as partes possuem legitimidade para o processo e que a parte autora possui interesse processual.
Ressalvo, porém, nova análise do tema no que diz respeito à pertinência subjetiva da União para esta demanda, nos termos das considerações acima
.
3.4. ANOTO que a pretensão do autor não foi atingida pela prescrição, conforme art. 1 do decreto 20.910/32 e art. 27 do CDC/90. O direito invocado na inicial não recaiu em decadência.
3.5. EQUACIONEI, com cognição não exaustiva, vetores pertinentes à apreciação do pedido de antecipação de tutela.
3.6. INDEFIRO o pedido de antecipação de tutela, conforme fundamentação acima, sem prejuízo de nova análise por época da prolação da sentença.
3.7. DEFIRO à parte autora a gratuidade de justiça, conquanto a medida surta poucos efeitos no rito dos Juizados, em primeira instância, conforme arts. 54 e 55 da lei n. 9.099/1995. Ressalvo eventual novo exame, caso a tanto instado, conforme lógica do art. 100, CPC/15.
3.8. INTIME-SE o autor para que regularize a sua representação processual e seu pedido de justiça gratuita, no prazo de 15 (quinze) dias úteis, apresentando instrumento de procuração e declaração de hipossuficiência assinados pelo autor (fisica ou eletronicamente), visto que, em consulta ao Instituto de Tecnologia da Informação (https://validar.iti.gov.br), os documentos apresentados nos autos foram assinados pela prestadora de serviço
Zapsign Processamento de Dados Ltda
.
Caso não ocorra a regularização, a ação será extinta e o pedido de justiça gratuita será revogado
.
3.9 CITEM-SE os requeridos, após regularizada a demanda, para resposta no prazo legal, devedo juntar os documentos necessários para o esclarecimento da causa (art. 11, lei n. 10.259/01).
3.10. INTIME-SE o autor para, querendo, apresentar réplica às contestações, conforme arts. 219, 224, 351, CPC e art. 5 da lei n. 11.419/06. Prazo de 15 dias úteis, contados da intimação.
3.11. INTIMEM-SE as partes - tão logo tenha sido apresentada réplica ou tenha se esgotado o prazo para tanto - para se manifestarem sobre a prova documental e, querendo, especificarem as diligências probatórias pertinentes e necessárias para a solução do processo. Caso requeiram a inquirição de testemunhas deverão apresentar desde logo o pertinente rol, com a qualificação devida, atentando para o limite do art. 34 da lei n. 9.099/95. Caso requeiram dilação pericial, deverão apresentar desde logo os quesitos correlatos, sem prejuízo de oportuna intimação para indicação de assistentes periciais e demais medidas do art. 465, §1, CPC, caso a medida venha a ser deferida pelo Juízo. Ficam cientes de que o decurso
in albis
do aludido prazo implicará preclusão temporal. Prazo comum de 5 dias úteis, contados da intimação.
3.12. VOLTEM-ME CONCLUSOS para saneamento ou, não sendo suscitadas outras objeções, tampouco requerida dilação probatória, para sentença, na forma dos artigos 355 e 357, CPC.
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