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Ivone Aparecida Sansao Pereira e outros x Antonio Daltro Filho

ID: 260086818

Tribunal: TJMT Órgão: 1ª VARA DE BARRA DO BUGRES Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL Nº Processo: 0000004-27.1986.8.11.0008

Data de Disponibilização: 24/04/2025

Polo Ativo:

IVONE APARECIDA SANSAO PEREIRA RAIMUNDO VIEIRA DE MEDEIROS

Polo Passivo:

ANTONIO DALTRO FILHO

Sentença

Advogados:

SIDNEY DE MELO

OAB/TO XXXXXX Desbloquear

SIDNEI GONCALVES

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

JOSE TARGINO

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

PATRICIA CAPRIOLLI GONÇALVES

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

REINALDO LORENÇONI FILHO

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO 1ª VARA DE BARRA DO BUGRES SENTENÇA Processo: 0000004-27.1986.8.11.0008. REQUERENTE: RAIMUNDO VIEIRA DE MEDEIROS REQUERIDO: ANTONIO DALTRO FILHO Trata-se de AÇÃ… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO 1ª VARA DE BARRA DO BUGRES SENTENÇA Processo: 0000004-27.1986.8.11.0008. REQUERENTE: RAIMUNDO VIEIRA DE MEDEIROS REQUERIDO: ANTONIO DALTRO FILHO Trata-se de AÇÃO REINTEGRAÇÃO DE POSSE CUMULADA COM PERDAS E DANOS ajuizada por RAIMUNDO VIEIRA DE MEDEIROS em face de ANTÔNIO DALTRO FILHO, ambos qualificados nos autos. A parte autora sustenta, em síntese, que é legítimo proprietário do imóvel rural objeto desta demanda, sendo que o contrato de compra e venda fora pactuado com o Sr. Helcio Manfrin e sua esposa, estando o imóvel registrado na matrícula de n° 6.898 e R.G.I n° 182. Afirma que após efetuar a compra do imóvel rural, efetuou benfeitorias que passaram integra a propriedade, bem como o fato de que essas benfeitorias foram realizadas mediante financiamento junto ao banco do brasil. Aduz que, para a sua surpresa, tomou conhecimento de que haviam várias pessoas estranhas na propriedade, sendo que estes estavam armados e proferiam expressas ameaças de que caso alguém se aproximasse tinham permissão para atirar, permissão essa advinda do Sr. Antônio Daltro, ora requerido. A fim de resguardar a sua segurança, a parte autora não adentrou no imóvel, ingressando com a presente demanda para reaver a sua posse. Com a inicial vieram os documentos. Recebida a inicial – fls. 49-PDF – id. 80822012, foi determinada a audiência para justificação prévia. A parte requerida, devidamente citada, encartou contestação às fls. 125/149-PDF – id. 80822012, alegando, em sede de preliminar pela extinção do feito, ante a ausência de procuração válida; inépcia da inicial, sob o argumento de que os atos praticados são nulos, ante a ausência de procuração válida; da carência da ação – considerando a falta de interesse processual. No mérito, sustentou que é legítimo possuidor do imóvel rural, ora objeto destes autos, considerando ter pactuado contrato de compra e venda no ano de 1979 com o Sr. Honorio Rizzi. Por fim, pugna pela improcedência do pedido inicial. A parte requerente impetrou mandado de segurança, com pedido de liminar no Egrégio Tribunal de Justiça, a fim de obter a liminar pugnada em sede de inicial – fls. 163/197-PDF – id. 80822012. Impugnação à contestação às fls. 309/317-PDF – id. 80822012. A parte requerente pugnou pelo julgamento antecipado às fls. 321/323-PDF – id. 80822012. O processo fora redistribuído em 05/06/1989 – fl. 10-PDF – id. 171129376. Em 28 de janeiro de 1997, sobreveio sentença de extinção, sob o argumento de que a parte não tinha cumprido com a determinação do juízo – fls. 220/222-PDF – id. 80822018. A sentença transitou em julgado em 25 de março de 1997, conforme se denota da certidão de id. 171189507. Em 01 de fevereiro de 2010, sobreveio a interposição de Recurso de Apelação em face da sentença de – fls. 220/222-PDF – id. 80822018, conforme se tem às fls. 09/35-PDF – id. 80822019. Contrarrazões às fls. 43/59-PDF – id. 80822019. Liminar deferida por intermédio do Agravo de Instrumento à fls. 333/337-PDF – id. 80822019. Em 06 de agosto de 2014, Egrégio Tribunal de Justiça proveu o recurso de apelação; anulou a sentença de extinção e determinou o regular processamento do feito – fls. 176/190-PDF – id. 80822021. A parte recorrida, ora, requerida, opôs embargos de declaração do acórdão proferido pelo TJMT às fls. 226/246-PDF – id. 80822021. Negado o provimento dos embargos – fls. 284/289-PDF – id. 80822021. Irresignada, a parte requerida opôs embargos de declaração em embargos de declaração às fls. 296/311-PDF – id. 80822021 e id. 171195539. Contrarrazões aos embargos encartadas às fls. 318/328 e 336/358-PDF – id. 80822021. Embargos declaração negado o provimento – fls. 362/373-PDF – id. 80822021. A parte requerida, não satisfeita, interpôs Recurso Especial às fls. 384/414-PDF – id. 80822021 e fls. 01/12-PDF – id. 80822023. Contrarrazões ao Recurso Especial encartadas às fls. 30/51-PDF – id. 80822023 e fls. 54/70-PDF – id. 80822023. A Vice-Presidente da época, Des. Clarice Claudino, negou provimento ao Recurso Especial – fls. 74/80-PDF – id. 80822023. Por sua vez, a parte requerida interpôs Agravo nos Próprios Autos – id. 171202505 e às fls. 88/146-PDF – id. 80822023. Contrarrazões ao agravo às fls. 153/176 e 181/210PDF – id. 80822023. O Superior Tribunal de Justiça negou o provimento ao agravo em recurso especial oposto pela parte requerida, consoante se extrai da decisão encartada no id. 171207469 e às fls. 216/223-PDF – id. 80822023. Trânsito em julgado à fl. 05-PDF – id. 171207469. Instada a requerer o que entender de direito, a terceira interessada pugnou pela decretação da instrução processual e ao final, julgado procedente o pedido inicial – fls. 241/265-PDF – id. 80822023. Designada audiência de continuação – fl. 284-PDF- id. 80822023. Por sua vez, a parte requerida, requereu o adiantamento da audiência de instrução, tendo em vista estar de atestado médico ante a realização de um procedimento cirúrgico – fls. 301/302-PDF – id. 80822023. Em sede de audiência de instrução e julgamento, foi deferido o prazo de 05 (cinco) dias para a parte requerida juntar documentos que envolvam questões de ordem pública – fls. 360/362-PDF – id. 80822023. A parte requerida pugnou pela extinção do feito, sem resolução do mérito, sob o argumento dos autos estar eivados de nulidade absolutas – fls. 370/379-PDF – id. 80822023. Por seu turno, a terceira interessada requereu a procedência do pedido inicial – fls. 382/392-PDF – id. 80822023. De igual modo, a parte autora impugnou os argumentos da parte requerida por intermédio da manifestação de fls. 394/402-PDF – id. 80822023 e id. 171221600. Instada a apresentarem alegações finais, a parte requerente encartou memorial final no id. 177476908 e o terceiro interessado no id. 177479769, e, por sua vez, a parte requerida, apesar de devidamente intimada, deixou o prazo transcorrer in albis. É o breve relato. FUNDAMENTO E DECIDO. Inicialmente, verifica-se que a parte requerida apresentou supostas preliminares e matérias de ordem pública, requerendo, assim, a extinção do processo, sem resolução do mérito. Pois bem. Em que pese os argumentos apresentados pela parte requerida, cumpre destacar que as matérias suscitadas como de ordem pública — tais como sucessão de partes e proprietários do imóvel, prejuízos decorrentes de suposta fraude à alienação, ausência de mandato formal ao procurador do autor, questionamentos sobre quem recebeu a intimação, impedimento legal do patrono, vício de representação e alegada deslealdade processual — não se enquadram, de fato, como matérias de ordem pública a serem conhecidas de ofício. São, na verdade, questões que já foram devidamente enfrentadas e esclarecidas nos autos, algumas inclusive com trânsito em julgado, confundindo-se com o mérito da ação. A alegação sobre a ausência de mandato formal já foi reiteradamente enfrentada no curso do processo, tendo inclusive passado pelo crivo do Superior Tribunal de Justiça, sem que tenha sido verificada qualquer irregularidade apta a macular os atos processuais praticados. Trata-se, portanto, de tentativa infundada de reabrir discussão superada. No tocante à intimação do Sr. Elidio Lopes Mesquita, igualmente não há qualquer nulidade. A certidão da secretaria do juízo (fl. 183 – PDF – id. 80822019) esclarece que o equívoco no cadastramento foi devidamente identificado e saneado, não havendo prejuízo que justifique a anulação de atos processuais. Dessa forma, inexiste qualquer nulidade a ser reconhecida, tratando-se de argumento vazio que apenas tumultua o regular andamento processual. Importa também ressaltar que o processo em questão tramita há quase quatro décadas, não por desídia da parte autora, mas justamente pelo uso demasiado dos meios recursais pela parte requerida. Foram inúmeros recursos interpostos ao longo do tempo, retardando o deslinde da demanda e inviabilizando a entrega da prestação jurisdicional de forma célere e efetiva. Por todo o exposto, resta evidente que os argumentos preliminares apresentados pela parte requerida não merecem prosperar, por não se tratarem de matérias de ordem pública e já terem sido devidamente enfrentadas nos autos. Superadas essas questões, passo a análise do mérito. O presente caso trata de ação possessória, a qual está regulada pelos artigos 560 a 566 do Código de Processo Civil (CPC), que disciplinam a reintegração de posse. Para a concessão da reintegração, a parte autora deve comprovar os seguintes requisitos: (i) sua posse; (ii) a turbação ou o esbulho praticado pela parte requerida; (iii) a data do esbulho; e (iv) a perda da posse. Trata-se de ação possessória cumulada com perdas e danos, em que a parte autora pleiteia reintegração de posse em imóvel rural, além de reparação pelos prejuízos sofridos em virtude da ocupação indevida do bem, com alegação de esbulho praticado pela parte requerida, mediante uso de violência e ameaças armadas. A lide exige análise dos requisitos legais para a concessão da tutela possessória, como dito acima, nos termos do art. 561 do Código de Processo Civil: (i) a posse anterior; (ii) o esbulho; (iii) a data do esbulho; e (iv) a perda da posse. Inicialmente, verifica-se que a parte autora é titular do domínio do imóvel rural, conforme matrícula nº 6.898 e RGI nº 182, comprovando a aquisição legítima por contrato de compra e venda com o Sr. Helcio Manfrin e sua esposa, posteriormente registrado. A propriedade, por si só, não garante a posse, mas no presente caso, a prova dos autos evidencia que o autor exercia a posse de forma mansa, contínua e direta, inclusive com a realização de benfeitorias, pastagens, instalação de curral e sede da /fazenda. A prova documental foi robustecida pela testemunhal, produzida em audiência de justificação prévia e audiência de instrução e julgamento. O conjunto probatório revelou que, à época, o autor mantinha pessoas na propriedade e utilizava a área produtivamente. Como bem relatado por ENEAS RODRIGUES DOS SANTOS na audiência de justificação prévia (fl. 268, ID 80822015): “Que fazia pouco tempo que havia chegado de Alta Floresta em seu sítio, propriedade vizinha da Fazenda de propriedade até quando o mesmo deixara a região do senhor Constancio. Quando o Dr. Antônio chegou naquela propriedade, quem cuidava da mesma era Ringo, que depois que o Dr. Antonio entrou na Fazenda, Ringo ali não mais retornou. Na mesma linha, a testemunha CONSTANT KWIECINSKI, à fl. 272 (ID 80822015), declarou: “A fazenda Mirassol de propriedade do depoente foi vendida para a parte autora no ano de 1979, tendo o Sr. Raimundo arrendado o pasto para o Sr. Ringo... Que tendo visto o movimento de gente na Fazenda achou estranho e encontrando se com o Sr. Marcos em Cuiabá, perguntou-lhe se o Dr. Raimundo havia vendido a Fazenda; que o Sr. Marcos que é encarregado do Dr. Raimundo disse ao depoente que o doutor Raimundo não havia vendido a Fazenda” Tais testemunhos confirmam a posse do autor e a exploração produtiva do imóvel, afastando qualquer alegação de abandono ou desinteresse. Há, portanto, a comprovação de posse anterior legítima. Com relação ao esbulho, a parte autora afirma que, em novembro de 1980, pessoas armadas ocuparam a fazenda, a mando do Sr. Antônio Daltro, e impediram o ingresso de terceiros, inclusive sob ameaça de uso de armas. A testemunha MANOEL BENEDITO ARANTES DE FARIAS, ouvida em juízo – fls 276/280-PDF – id. 80822015, esclareceu: “Foi contratado pelo Sr. Honório Rizzi, para ser gerente da Fazenda, que o Dr. Antônio e o Honório lhe disseram que o nome da Fazenda era 3 irmãos... Que o Dr. Antônio chegou a dizer ao depoente que havia comprado a Fazenda do Honório Rizzi; Que Honório nunca disse ao depoente que, digo, de quem é que havia adquirido a Fazenda, todas as vezes que o depoente perguntava ao Honório sobre quem é que lhe havia vendido a Fazenda o Honório enrolava, nunca tendo declarado ao depoente o nome da pessoa que lhe vendera a Fazenda... Que quando o depoente entrou na Fazenda encontrou quatro reses de propriedade de um tal de Ringo que lhe disse que havia arrendado os pastos daquela Fazenda de uns homens lá de Nortelândia... Quando o depoente entrou na Fazenda recebeu uma espingarda de dois canos, posteriormente disse ao doutor Antônio que não podia ficar desarmado na Fazenda quando então recebeu do mesmo um revólver; Que o Dr. Antônio sempre dizia ao depoente que não era pra deixar ninguém entrar nas suas terras, pois o mesmo estava ali era pra cuidar das terras dele. Tal depoimento é incisivo ao demonstrar não apenas o esbulho, mas a sua forma violenta e intimidatória, afastando qualquer dúvida quanto à natureza da ocupação. A mesma violência é confirmada pela testemunha JOÃO ELIZEU DE LIMA (fl. 284, ID 80822015): “Ouviu dizer que a fazenda do doutor Raimundo foi invadida. Que tem conhecimento que a partir do mês de novembro para cá que o doutor Antônio entrou na fazenda do doutor Raimundo.” A data do esbulho, portanto, também resta devidamente delimitada: novembro de 1980, conforme testemunhos colhidos em juízo e não contestados de forma eficaz pela parte requerida. Diante disso, verifica-se a presença dos quatro elementos exigidos pelo artigo 561 do CPC, autorizando a reintegração de posse, cuja liminar foi corretamente concedida e posteriormente confirmada pelo Tribunal de Justiça. A alegação do réu de que teria adquirido o imóvel do Sr. Honorio Rizzi em 1979 não subsiste, pois este jamais figurou como proprietário da área no Registro de Imóveis, sendo, portanto, parte ilegítima para transmitir qualquer direito real. A documentação apresentada pelo requerido, como uma simples declaração de Honorio Rizzi (fl. 157, ID 80822012), não tem valor jurídico perante o registro público e tampouco serve como justificativa para invasão mediante violência. Confirmada a ausência de legitimidade do requerido, e demonstrado o uso de ameaça armada na tomada do imóvel, sua posse, além de irregular, configura verdadeiro esbulho possessório, passível de repressão judicial. Dessa forma, verifica-se que não há, nos autos, elementos capazes de demonstrar a posse legítima da parte requerida sobre o bem em disputa. Ressalte-se que a propriedade do imóvel sempre pertenceu à parte autora, que, desde o início, contestou a alegada posse exercida pela parte requerida. Nesse contexto, não é possível acolher o argumento de que a posse foi exercida de forma mansa e pacífica, requisitos indispensáveis para o reconhecimento da posse em favor do requerido. O argumento da parte requerida de que teria adquirido o imóvel do Sr. Honorio Rizzi em 1979 não merece prosperar, pois resta comprovado nos autos que Honorio Rizzi jamais foi proprietário do bem em litígio. A documentação apresentada pela parte autora, especialmente a matrícula do imóvel n° 6.898 e o RGI n° 182, demonstra de forma inequívoca que o imóvel pertenceu aos vendedores legítimos, Sr. Helcio Manfrin e sua esposa, sendo posteriormente transferido para o autor da demanda. A ausência de qualquer registro de propriedade em nome de Honorio Rizzi na referida matrícula torna evidente que ele não tinha legitimidade para vender o imóvel em questão. Assim, o contrato alegado pela parte requerida é nulo de pleno direito, pois foi celebrado por quem não detinha a titularidade ou posse legítima do bem, conforme exige o artigo 1.245 do Código Civil. A exemplo, em sede de audiência de instrução e julgamento, a testemunha ouvida – MANOEL BENEDITO ARANTES DE FARIAS: Advogado do autor: (...) Se quando ele entrou naquela Fazenda (imóvel objeto dos autos), se aquela Fazenda já era uma Fazenda Aberta? Apesar de suja. Testemunha: Tinha um curral muito bem feito. Tinha casa e tinha 7 bois lá. (....) Advogado da parte autora: E quem era esses animais? Testemunha: Inaudível. Lado outro, a testemunha ALDO LUIZ DALTRO DE MELO, afirmou que: Advogado do autor: Algum momento você o acompanhou (parte autora), nessas vindas aqui pro Mato Grosso, em visita a essa área? Testemunha: Só que eu me lembre, umas duas ou três vezes. Advogado do autor: O que o senhor pode contribuir conosco pra resolução desta situação. Sabe de quem ele adquiriu? Quanto tempo ele ficou nesse imóvel? Testemunha: Olha, eu me lembro que, a primeira vez que vim aqui era final de 1980, ne. Agora de quem ele adquiriu, eu não; eu não sei dizer. Advogado do autor: Nessas vindas, que vocês estiveram aqui, entre uma e outra, passaram algum tempo? Um ano, dois anos? Qual a periodicidade dessas visitas? Testemunha: Olha, acredito que foi 1981/1980/1982 ou 1983, (....) nessa época aí. Embora se tenha considerado a prova testemunhal produzida nos autos, as testemunhas arroladas não foram capazes de informar, com precisão, se a posse da parte requerida se deu de forma pacífica, tampouco se confirmaram a alegada compra do imóvel discutido nos presentes autos. O depoimento da testemunha EXPEDITO RODRIGUES DA CRUZ também é esclarecedor: “Foi um dos proprietários da área, tendo escriturado a mesma para João Dezinho e este ao senhor Elcio Manfrin, que vendeu ao senhor Constante, e o senhor Constante ao doutor Medeiros da Promissa (parte autora). Afirmou ainda o depoente que fez benfeitorias na casa e diante da sede da Fazenda fez limpezas... Que soube por intermédio de outros que Antônio era invasor da fazenda Mirassol”. Assim, a cadeia dominial é confirmada também por prova oral, consolidando o direito da parte autora à posse e à propriedade do imóvel em questão. Esses fatos configuram claramente o esbulho possessório, uma vez que, conforme estabelecido no artigo 561, inciso II, do CPC, houve a violação da posse da parte autora por meio de violência e intimidação. O uso de ameaça de armas e a presença de pessoas estranhas no imóvel demonstram uma clara intenção de impedir que o possuidor legítimo pudesse retomar o exercício pleno de sua posse. O esbulho possessório foi devidamente caracterizado na petição inicial e está temporalmente delimitado. A parte autora descreve com precisão o momento em que tomou ciência do esbulho e as circunstâncias da ocupação injusta de seu imóvel. A ausência de contestação específica quanto a este ponto reforça a presunção de veracidade dos fatos alegados pela parte autora, nos termos do artigo 344 do CPC. Nesse diapasão, é a jurisprudência: APELAÇÃO. Ação de reintegração de posse. Emenda da inicial para inclusão de pedido subsidiário reivindicatório. Pleito deferido pelo Juízo de primeiro grau, com processamento conjunto. Pretensão possessória e reivindicatória improcedentes. Reforma da sentença quanto ao pedido reivindicatório. Prova documental da aquisição do imóvel. Instrumento particular de compromisso de compra e venda firmado em 1980 e registrado na matrícula. Pactuação do pagamento do preço mediante sinal e 48 (quarenta e oito) prestações mensais sucessivas. Quitação presumível, ante o decurso de prazo superior a 30 (trinta) anos, contados da data do negócio, sem reclamação quanto ao pagamento ou ao imóvel. Eventual pretensão do vendedor, ademais, claramente atingida pela prescrição. Direito da proprietária de defender o imóvel e recuperá-lo após esbulho. Sentença reformada no ponto para deferir o pedido de imissão na posse. Recurso provido. (TJ-SP - AC: 10150191020218260223 Guarujá, Relator: Flávio Cunha da Silva, Data de Julgamento: 27/04/2023, Data de Publicação: 27/04/2023). O esbulho levou à perda total da posse pela parte autora, que, conforme narrado, foi impedida de reaver o imóvel por meio de ameaça direta. Não houve, portanto, perda voluntária ou consentida da posse. O direito de posse da parte autora, sustentado por título legítimo de propriedade, permanece intacto e não foi transmitido ou transferido de forma válida à parte requerida. A reintegração de posse, nos termos do artigo 560 do CPC, é medida cabível sempre que comprovados os requisitos básicos: a posse anterior, o esbulho praticado pela parte requerida e a data da turbação ou esbulho. Todos esses requisitos foram preenchidos pela parte autora, conforme já exposto. O direito à proteção possessória visa garantir a manutenção da ordem e da paz social, preservando o direito à propriedade e evitando o uso da força como meio de solução de conflitos. A jurisprudência é pacífica ao afirmar que, em ações possessórias, o direito à posse deve ser resguardado de forma célere e eficaz, sempre que comprovado o esbulho e a titularidade do imóvel. Nesse diapasão, é a jurisprudência do TJMT: AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE OPOSIÇÃO – DECISÃO QUE DETERMINOU A EXPEDIÇÃO DE MANDADO DE MANUTENÇÃO DE POSSE EM FAVOR DOS AUTORES – NÃO DEMONSTRAÇÃO DOS REQUISITOS LEGAIS NECESSÁRIOS PARA A CONCESSÃO DO EFEITO SUSPENSIVO – RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. Nas ações possessórias não se discute a propriedade, erigindo-se como principal requisito da demanda a prova da posse anterior do bem, já que a proteção possessória goza de autonomia e não tem relação direta com a prova do domínio, razão pela qual torna-se irrelevante a discussão acerca da nulidade do contrato de compra e venda discutido nos autos. (TJ-MT 10211564920208110000 MT, Relator: DIRCEU DOS SANTOS, Data de Julgamento: 02/06/2021, Terceira Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 04/06/2021). A parte requerida sustentou, ao longo do processo, a existência de nulidades que maculariam os atos processuais. Contudo, ao analisar os argumentos trazidos pela parte requerida, verifico que não houve a comprovação de qualquer vício capaz de invalidar o processo ou os atos praticados. As alegações de nulidade não encontram respaldo em elementos concretos e foram devidamente rebatidas pela parte autora, conforme consta nas impugnações apresentadas nos autos. Dessa forma, não há razões para acolher o pedido de extinção do feito sem resolução do mérito, como pretende a parte requerida. Superado o pedido possessório, passo à análise do pleito de perdas e danos, formulado com base nos prejuízos sofridos com a perda do uso do imóvel e a deterioração das benfeitorias ali realizadas. O artigo 402 do Código Civil estabelece que as perdas e danos compreendem o que efetivamente se perdeu e o que razoavelmente se deixou de lucrar, o que se aplica perfeitamente ao caso em tela. Há prova nos autos de que a parte autora realizou significativas benfeitorias no imóvel e passou a utilizá-lo de forma produtiva, seja diretamente, seja mediante arrendamento. A perda dessas benfeitorias, somada à impossibilidade de exploração econômica da propriedade pelo período em que foi alijado, configura dano patrimonial efetivo, apto a ensejar reparação. A responsabilização da parte requerida é objetiva, nos termos dos artigos 186 e 927 do Código Civil, e decorre do ato ilícito de invasão da posse alheia mediante violência. O nexo causal entre a conduta da parte requerida e os prejuízos sofridos pelo autor é direto e evidente, uma vez que a ocupação impediu a continuidade das atividades no imóvel e causou a perda de patrimônio investido. A jurisprudência é pacífica no sentido de que o esbulhador responde pelos danos causados ao possuidor legítimo, ainda que este não seja o proprietário registrado, desde que comprove a posse anterior e o prejuízo. Nesse sentido é a jurisprudência do TJMT: EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE – LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA POR ARBITRAMENTO – FINALIDADE – MENSURAÇÃO DOS DANOS MATERIAIS DECORRENTES DO PERÍODO DE TEMPO EM QUE O REQUERIDO FICOU FORA DA POSSE DO IMÓVEL RURAL – PREJUÍZO EVIDENTE – PRETENSÃO QUE DECORRE DA IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO PRINCIPAL – DECORRÊNCIA LÓGICA, SISTEMÁTICA E NATURAL – PEDIDO IMPLÍCITO E POSSÍVEL – PRECEDENTES – OFENSA À COISA JULGADA – DESCABIMENTO – DECISÃO MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO. No caso das possessórias, especialmente a reintegração de posse, se comprovado o esbulho, as perdas e danos são consequência lógica e natural do julgamento do pedido principal. Assim, se comprovado que, em decorrência do ajuizamento da ação possessória a parte ficou privada de estar na posse e usufruir do imóvel rural, o que lhe acarretou danos materiais evidentes, é cabível a indenização, cujo montante deve ser objeto de mensuração em liquidação de sentença por arbitramento. Nessa seara, não há que se falar em ofensa à coisa julgada, ou julgamento extra petita, já que é juridicamente possível exigir as perdas e danos referentes ao período em que a parte deixou de exercer a posse do bem, em detrimento da ocupação por outrem . (TJ-MT - AGRAVO DE INSTRUMENTO: 1002267-08.2024.8.11 .0000, Relator.: MARIA HELENA GARGAGLIONE POVOAS, Data de Julgamento: 08/05/2024, Segunda Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 08/05/2024). No caso em tela, o autor é tanto possuidor quanto proprietário, o que fortalece ainda mais a sua pretensão indenizatória. Além das perdas patrimoniais diretas, a ausência de uso do imóvel gerou lucros cessantes, uma vez que ele era explorado economicamente, e a renda proveniente do arrendamento foi abruptamente interrompida. A reparação de tais prejuízos é medida de justiça e de aplicação do princípio da função social da posse, que deve ser exercida de maneira útil, pacífica e contínua. Por essa razão, é plenamente cabível a condenação da parte requerida ao pagamento de indenização por perdas e danos, a ser apurada em fase própria, com base nos elementos existentes e a serem produzidos, embora é verdade que se diga, quase impossível de se comprovar passados 40 anos da ocorrência dos fatos. Importa ressaltar que o reconhecimento judicial do dano e do dever de reparação não exige prova exata do valor, mas sim a demonstração da sua existência e origem, o que restou amplamente comprovado. Esta é a situação dos autos, onde o dano é presumido, mas sua extensão ainda será melhor apurada na fase própria. O direito à reparação integral decorre também do princípio da dignidade da pessoa humana, sendo indevido admitir que o ofensor se beneficie da sua conduta ilícita. A fixação de indenização cumpre função reparadora e também pedagógica, inibindo condutas semelhantes e promovendo a segurança jurídica no campo possessório. A substituição processual pelos espólios foi regularmente determinada, com observância do contraditório e dos requisitos do CPC, assegurando a legitimidade das partes e a continuidade do processo. Todas as alegações de nulidades e vícios processuais foram devidamente analisadas e afastadas em sede própria, inclusive pelas instâncias superiores, não havendo qualquer irregularidade a ser reconhecida nesta fase. A sentença ora proferida está amparada em provas consistentes, colhidas sob o crivo do contraditório, em regular processo judicial, com a participação plena das partes e respeito às garantias constitucionais. O julgamento é, assim, o resultado do conjunto de provas produzidas, das normas aplicáveis ao caso e da observância ao princípio da razoabilidade, da legalidade e da justiça material. Resta, portanto, reconhecido o direito da parte autora à reintegração de posse e à reparação dos danos causados, consolidando-se a presente decisão como justa, legal e constitucionalmente adequada. Por fim, ressalta-se que esta é a decisão deste juízo para o caso concreto, com base na análise dos autos e que está em consonância com as decisões proferidas em segunda instância. Todas as questões essenciais ao julgamento foram devidamente apreciadas, não havendo necessidade de abordar todos os fundamentos apresentados pelas partes ou responder individualmente a cada um de seus argumentos (JTJ 259/14). Portanto, eventuais embargos de declaração que busquem rediscutir o mérito ou que expressem inconformidade com a decisão (erro no julgado), bem como aqueles que tenham o objetivo de prequestionamento sem atender aos requisitos legais, devem ser apresentados através do recurso cabível. Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido inicial, para: a. CONFIRMAR a decisão prolatada no ID 80822019, p. 333/337 e mantida em grau de recurso - p. 176/190 - ID 80822021. b. CONDENAR a parte requerida ao pagamento de perdas e danos, o qual será apurado em sede de liquidação de sentença pelo procedimento comum, considerando a necessidade de comprovar a extensão dos danos, bem como ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa, nos termos do artigo 85, § 2°, do CPC. Ainda, DETERMINO a regularização processual das partes, de modo que passe a constar nos autos o Espólio de Raimundo Vieira de Medeiros como parte autora, representado por sua inventariante, Sra. Vilma Queiroz de Medeiros, e o Espólio de Antônio Daltro Filho como parte requerida, representado por sua inventariante, Sra. Déboha Regina de Araújo. Proceda-se à retificação no polo ativo e passivo, com as devidas anotações no sistema, visando garantir a continuidade processual conforme o disposto nos artigos 75 e 110 do Código de Processo Civil, assegurando a legitimidade processual dos herdeiros e respectivos espólios. Havendo recurso voluntário, intime-se a parte contrária para oferecer contrarrazões e, na sequência, remetam-se os autos ao Tribunal de Justiça, consignando as homenagens deste Juízo, sendo desnecessária nova conclusão do feito. Com o trânsito em julgado, certifique-se e, em nada sendo requerido, arquivem-se os autos, com as baixas e anotações necessárias e especial observância à CNGC/MT. Publique-se. Intimem-se. Cumpra-se, expedindo o necessário, com as cautelas de estilo. Barra do Bugres/MT, data da assinatura digital. Silvio Mendonça Ribeiro Filho Juiz de Direito

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