Banco Safra S A x Marcos Vinicios Da Silva Engracio e outros
ID: 319056182
Tribunal: TJRS
Órgão: Secretaria da 11ª Câmara Cível
Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO
Nº Processo: 5074559-56.2025.8.21.7000
Data de Disponibilização:
08/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ATILIO SANCHEZ COSTA
OAB/SP XXXXXX
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PEDRO HENRIQUE PANDOLFI SEIXAS
OAB/ES XXXXXX
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RODRIGO SCOPEL
OAB/RS XXXXXX
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JULIANO RICARDO SCHMITT
OAB/SC XXXXXX
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Agravo de Instrumento Nº 5074559-56.2025.8.21.7000/RS
TIPO DE AÇÃO:
Superendividamento
RELATOR
: Desembargador AMADEO HENRIQUE RAMELLA BUTTELLI
AGRAVANTE
: BANCO SAFRA S A
ADVOGADO(A)
: RODRIGO SCOP…
Agravo de Instrumento Nº 5074559-56.2025.8.21.7000/RS
TIPO DE AÇÃO:
Superendividamento
RELATOR
: Desembargador AMADEO HENRIQUE RAMELLA BUTTELLI
AGRAVANTE
: BANCO SAFRA S A
ADVOGADO(A)
: RODRIGO SCOPEL (OAB RS040004)
AGRAVADO
: MARCOS VINICIOS DA SILVA ENGRACIO
ADVOGADO(A)
: PEDRO HENRIQUE PANDOLFI SEIXAS (OAB ES033242)
INTERESSADO
: ITAU UNIBANCO S.A.
ADVOGADO(A)
: JULIANO RICARDO SCHMITT
INTERESSADO
: BANCO DO BRASIL S/A
EMENTA
AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS. SUPERENDIVIDAMENTO.
JULGAMENTO MONOCRÁTICO.
POSSIBILIDADE. É CABÍVEL O NÃO CONHECIMENTO E O JULGAMENTO MONOCRÁTICO DE RECURSOS CUJA MATÉRIA POSSUI JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE NOS TRIBUNAIS SUPERIORES E NO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, NA FORMA DO ART. 932, INCISOS iii E VIII, DO CPC, COMBINADO COM O ARTIGO 206, XXXVI DO REGIMENTO INTERNO E NA FORMA PRECONIZADA NA SÚMULA 568 DO STJ.
Não comprovação do superendividamento.
conforme provas juntadas aos autos (contracheque e extrato bancário), restou caracterizada a situação de superendividamento.
NULIDADE DA DECISÃO RECORRIDA NÃO CONFIGURADA.
o processo de repactuação de dívidas, regido pela lei federal n° 14.181/2021 exige a realização de prévia fase de conciliação, que pode se dar na via judicial (art. 104-A, do cdc) ou na via extrajudicial (art. 104-C, do cdc). caso concreto em que o consumidor superendividado optou pelo ajuizamento da demanda e realização da fase conciliatória na via judicial. Ausência de qualquer ressalva no procedimento de repactuação de dívidas, sendo possível a realização e a apreciação pelo juízo, do pedido de antecipação dos efeitos da tutela sediado nos termos do art. 300 do cpc. ausência de nulidade da decisão recorrida no ponto.
o superendividamento resta configurado quando reconhecida a impossibilidade de o consumidor de boa-fé adimplir todas as dívidas que contraiu, sem comprometer o mínimo existencial assegurado para sua sobrevivência. LEI N.º 14.181/2021.
CASO CONCRETO EM QUE a soma dos descontos legais, dos descontos consignados autorizados em FOLHA DE PAGAMENTO E dos lançamentos a débito em conta-corrente BANCÁRIA ULTRAPASSAM O LIMITE RAZOÁVEL PARA QUE a parte autora-AGRAVADa MANTENHA SUA SUBSISTÊNCIA, caracterizando inequívoca situação de superendividamento.
a lei federal 14.181/2021 introduz no código de defesa do consumidor ferramentas para prevenção e tratamento das situações de superendividamento. concessão da tutela de urgência que, no caso concreto, e com suporte na jurisprudência do stj e desta corte, visa assegurar a dignidade e subsistência pessoal e familiar do consumidor superendividado. garantia de acesso a valores indispensáveis para o custeio das despesas mais elementares da subsistência, tais como alimentação habitação e saúde.
manutenção da decisão recorrida, pois amparada em princípios constitucionais de preservação da dignidade da pessoa humana e garantia de acesso ao mínimo existencial para subsistência do devedor superendividado. precedentes desta corte e do stj.
ASTREINTES
.
O ART. 537 DO CPC AUTORIZA A FIXAÇÃO DE MULTA COERCITIVA PARA FORÇAR O DEVEDOR A CUMPRIR A OBRIGAÇÃO DE FAZER OU DE NÃO FAZER, MESMO NA FASE DE CONHECIMENTO.
FIXAÇÃO DE MULTA POR dia DE DESCUMPRIMENTO, COM LIMITAÇÃO AO VALOR DA DÍVIDA EM ABERTO, CONFORME DECISÃO RECORRIDA, ASSEGURA A PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE DA PENA DE MULTA APLICADA. MANUTENÇÃO DA MULTA, NOS TERMOS DA DECISÃO RECORRIDA.
RECURSO DESPROVIDO.
DECISÃO MONOCRÁTICA
1.
Trata-se de agravo de instrumento interposto por BANCO SAFRA S A
contra decisão (
evento 11, DESPADEC1
) proferida nos autos da
ação de repactuação de dívidas
movida por
MARCOS VINICIOS DA SILVA ENGRACIO
perante o Projeto de Gestão de Superendividamento.
Nas razões de recurso (
evento 1, INIC1
), sustenta ser necessária a revogação da tutela, face a ausência de requisitos legais. Sinaliza que "
o Decreto nº 11.150/22 EXCLUIU OS CONTRATOS DE CRÉDITO CONSIGNADO NA REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS COM OBSERVÂNCIA AO MÍNIMO EXISTENCIAL já que tais contratos são regidos por Lei específica e sujeito aos limites impostos pelos percentuais de desconto no benefício do assistido
". Fala da inaplicabilidade da Lei nº. 14.181/2021, tecendo considerações sobre o contrato consignado entabulado entre as partes. Sustenta que "
não poderá haver a aplicação das regras relativas ao superendividamento com a redução dos juros, dos encargos ou de qualquer acréscimo ao principal e a dilação do prazo de pagamento previsto no contrato original
". Disserta sobre o mínimo existencial e da margem consignável. Pugna pela minoração da multa aplicada ou sua exclusão. Ainda, requer a expedição de ofício ao órgão pagador dos proventos da parte autora para que limite os descontos na forma como determinada na decisão interlocutória exarada. Ao final, pede:
Em face do exposto, requer seja recebido e processado o presente recurso, em conformidade com o artigo 1.019, I, do Código de Processo Civil, ATRIBUINDO-SE EFEITO SUSPENSIVO À DECISÃO ATACADA, DADA A SUA RELEVÂNCIA E TEMERIDADE. Ao final, requer seja dado provimento ao presente agravo com a consequente revogação da liminar concedida, em especial dada a inaplicabilidade da Lei do Superendividamento (Lei nº 14.181/2021) aos Contratos Consignados regidos por lei específica e a iminência de prejuízo imensurável ao banco agravante, e, ainda, considerando a inocorrência de extrapolação da margem consignável admitida em relação aos descontos de parcelas mensais relativas ao contrato firmado junto a esta casa bancária. Na hipótese de entendimento diverso, pugna sejam afastadas as astreintes fixadas, eis que não aplicáveis ao caso em comento, conforme outrora demonstrado. Subsidiariamente, seja reduzido o valor fixado. Por fim, pugna seja determinada a expedição de ofício ao órgão pagador dos proventos da parte autora, para que este proceda com a limitação dos descontos conforme determinado na decisão exarada, visto que a financeira ora agravante resta impossibilitada de fazê-lo, conforme outrora demonstrado.
É o relatório.
2.
Recebo o recurso, ao menos em parte, porque atendidos os requisitos formais de admissibilidade.
3.
Inicialmente, cumpre referir que a decisão agravada foi proferida nos seguintes termos:
Vistos.
Defiro a gratuidade judiciária.
Anoto, todavia, que a concessão da benesse é modulada e restrita a determinados atos processuais, na forma do permissivo legal disposto no parágrafo 5º do artigo 98 do Código de Processo Civil.
A esse respeito, adianto que a vedação imposta pelo parágrafo 3º do artigo 104-B do Código de Defesa do Consumidor poderá ser relativizada, em caso de violação do dever de cooperação e lealdade processual, permitindo-se eventual oneração do credor com relação às despesas necessárias ao procedimento de repactuação, as quais poderão ser incluídas na sucumbência em ação de procedência.
Recebo a inicial com base na tutela legal prevista na Lei 14.181/21, tendo em vista que a causa de pedir noticiando o superendividamento do consumidor.
DO CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE - DECRETO 11.567/2023
A leitura do Decreto n.11.567, de 19 de junho de 2023, confrontou o superprincípio da dignidade da pessoa, cuja função precípua era conferir-lhe unidade material.
1
Nessa senda, o princípio da dignidade atua como fundamento à proteção do consumidor superendividado e criador do direito ao mínimo existencial, cuja previsão infraconstitucional foi sedimentada pelo Poder Legislativo na Lei n.14.181/21, que atualizou o Código de Defesa do Consumidor, instalando um microssistema de crédito ao consumo.
Para além da redação do regulamento determinado no Código do Consumidor atualizado, artigo 6
o
, XI, a eficácia horizontal direta dos direitos fundamentais nas relações privadas para a preservação da dignidade da pessoa era avanço doutrinário e jurisprudencial pátrios já reconhecidos, a partir da previsão do art. 5
o
, parágrafo 1
o
da CF/88.
2
A respeito da vigência do Decreto em apreço, duas demandas pendem de julgamento no STF, respectivamente, a ADPF 1.005 e a ADPF 1.006, sob o fundamento da inconstitucionalidade do conteúdo, cuja fundamentação encontra coro na doutrina brasileira e Notas Técnicas elaboradas pelo Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor(Brasilcon), firmada pelo seu diretor-presidente (membro do Ministério Público e professor) Fernando Rodrigues Martins, e do Instituto de Defesa Coletiva, de Belo Horizonte, respectivamente publicadas em 27/7/2022 e 29/7/2022. Afinal, a garantia de R$ 600,00 (seiscentos reais) a qualquer família brasileira, sem considerar a situação sócio-econômica e individualizar as necessidades que comportam as despesas básicas de sobrevivência não representa interpretação harmônica com os valores constitucionais.
Pelo exposto, passo à análise do caso concreto,
sem incidência do Decreto n.11.567/2023, em controle difuso de constitucionalidade.
No caso em tela, cabe ainda enfrentar o disposto na Medida Provisória 2.215-10/2001, a qual dispõe sobre a reestruturação da remuneração dos militares das Forças Armadas e dá outras providências, prevendo em seu artigo 14, § 3º regra específica sobre o percentual de desconto na remuneração ou proventos dos militares, trazendo a possibilidade de todos os descontos efetuados pelos bancos no contracheque, não ultrapassarem o limite legal de 70% (setenta por cento).
Posteriormente à mencionada medida provisória, foi promulgada a Lei n. 10.820/2003, trazendo o patamar dos descontos em folha de pagamento ao montante de 35% (trinta e cinco por cento). Cabe destacar que, nos termos do Art. 1º, §1º da Lei 10.820/2003, dentre o limite de 35% (trinta e cinco por cento) estipulado para o desconto em folha de pagamento, 5% (cinco por cento) devem ser destinados exclusivamente para a amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito ou a utilização com a finalidade de saque por meio do cartão de crédito.
Importa consignar que, tais limites restaram alterados, acrescendo-se 5% aos percentuais máximos para contratação até então estipulados, consoante a Lei n. 14.131/20211, a qual converteu a Medida Provisória 1.006/2020, autorizando-se, assim, consignações de até 40% quando existente contratação de cartão de crédito:
Art. 1º Até 31 de dezembro de 2021, o percentual máximo de consignação nas hipóteses previstas no
inciso VI do
caput do art. 115 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991
, no
§ 1º do art. 1º
e no
§ 5º do art. 6º da Lei nº 10.820, de 17 de dezembro de 2003
, e no
§ 2º do art. 45 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990
, bem como em outras leis que vierem a sucedê-las no tratamento da matéria, será de 40% (quarenta por cento), dos quais 5% (cinco por cento) serão destinados exclusivamente para:
I - amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito; ou
II - utilização com finalidade de saque por meio do cartão de crédito.
Ressalvada a questão, o conflito aparente destas duas normas já foi enfrentado pela Des. Cristina Teresa Gaulia, no Agravo de Instrumento n.: 0006021-55.2021.8.19.0000, 5ª Câmara Cível TJ/RJ, j. 27.04.2021,
in verbis:
Como medida prática a evitar que o consumidor seja submetido a situações constrangedoras e iníquas, são frequentes as decisões com base na Lei 10.820/2003, que regula as autorizações de desconto em folha para empregados celetistas, aplicada por analogia aos servidores públicos, em razão do art. 2o, VIII da referida lei3 mencionar a expressão “vencimentos” e “soldos”, o que representa a verba recebida pelo servidor público e militar respectivamente, sendo o último caso aplicável à autora. (...)
Conclui-se, por conseguinte, que o total dos descontos nos vencimentos da autora decorrentes dos empréstimos por ela contratados, não deve ultrapassar o patamar de 30% sobre seu soldo bruto, afastando-se portanto a aplicação da Medida Provisória no 2215-10/2001, utilizada como fundamento para autorizar descontos em patamares de até 70%.
Nessa senda, necessário fazer-se um diálogo de fontes em favor do consumidor vulnerável, pena de remetê-lo a uma espécie de morte civil, eis que sem crédito não sobrevive o homo economicus na contemporânea sociedade globalizada e financeirizada.
Ainda sobre este julgado, as professoras Dra. Cláudia Lima Marques e Dra. Andréia F. Almeida Rangel, publicaram na Revista de Direito do Consumidor n. 138 um comentário sobre esta decisão, intitulado "O superendividamento do militar das Forças Armadas: inaplicabilidade da MP 2.215-10/2001 – Comentário ao Agravo de Instrumento no: 0006021-55.2021.8.19.0000", onde as mesmas afirmam que:
(...) julgado proferido traz a vanguarda da proteção do consumidor superendividado, encontra abrigo na recente Lei 14.181/2021 e representa um posicionamento de alicerce na dignidade da pessoa humana, uma vez que garantiu ao jurisdicionado o seu mínimo existencial.
A menção à Lei 14.181/2021 no trabalho acima, traz à baila o recente diploma legal, o qual foi promulgado com a finalidade de prevenir e tratar o consumidor superendividado.
DA TUTELA DE URGÊNCIA
Trata-se de pedido de tutela de urgência formulado nos autos de repactuação de dívidas sob o rito da Lei 14.181/21.
O requerimento de tutela de urgência merece acolhimento, notadamente porque a demora no recebimento da citação e consequente espera na designação de audiência de conciliação não pode atuar em prejuízo à parte demandante. Ademais, ao exame dos documentos colacionados com a inicial, verifico que parte significativa da renda está comprometida com os descontos praticados pelos empréstimos concedidos pela parte demandada.
A probabilidade do afirmado direito decorre dos argumentos expostos pela parte autora que, em sede de cognição sumária, verificam-se coerentes, na medida em que a continuidade dos descontos vinculados à conta bancária e à renda, na proporção efetuada atualmente, prejudica a sua própria subsistência, porque correspondentes a mais de 30% da renda auferida.
Neste sentido, a parte reservada ao pagamento das despesas de subsistência encontra identificação na proteção do mínimo existencial, enquanto direito fundamental social de defesa originário do princípio da dignidade da pessoa humana, assegurado na Constituição Federal, art. 1º, inciso III; e no Código de Defesa do Consumidor, art.6o, XII,
in verbis:
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
XII - a preservação do mínimo existencial, nos termos da regulamentação, na repactuação de dívidas e na concessão de crédito;
(Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021)
Como tal, o direito fundamental ao mínimo existencial independe de atuação legislativa, uma vez que revestido de eficácia imediata, consoante vasta doutrina de Ingo Wolgang Sarlet.1
Consoante bem delineado pelo douto Desembargador Aymoré Roque Pottes de Mello, quando do julgamento de pretensão similar nos autos do Agravo de Instrumento Nº 51630265020218217000, a manutenção dos descontos "
coloca em risco o postulado constitucional da dignidade da pessoa humana e o princípio de garantia do mínimo existencial, materializados na garantia de subsistência do autor-agravante e de sua família, posto que os valores creditados na sua conta-corrente são utilizados
integralmente
para abater as suas dívidas, não havendo sobra de qualquer dinheiro para garantir o seu
mínimo existencial.
(...)".
Nesta linha de entendimento, situa-se a jurisprudência infra ao preservar a dignidade do consumidor mediante a limitação dos descontos ao percentual de 30% da renda líquida, atualmente, 35%. Neste sentido:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER, CUMULADA COM PEDIDOS DE REVISÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS, ANTECIPAÇÃO DE TUTELA DE URGÊNCIA E EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. DESCONTOS DE EMPRÉSTIMOS CONSIGNADOS NA FOLHA DE PAGAMENTO E NÃO CONSIGNADOS NA CONTA-CORRENTE BANCÁRIA DO CONSUMIDOR SUPERENDIVIDADO. SITUAÇÃO DE
SUPERENDIVIDAMENTO
CARACTERIZADA. TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA DEFERIDA EM PARTE PELO JUÍZO A QUO, PARA ABRANGER OS EMPRÉSTIMOS CONSIGNADOS. IRRESIGNAÇÃO RECURSAL DO AUTOR DEVEDOR
SUPERENDIVIDADO
. APLICAÇÃO DA LEI FEDERAL Nº 14.181/2021 AO CASO CONCRETO. INCLUSÃO CONCERTADA DE DÉBITOS NÃO CONSIGNADOS DO DEVEDOR
SUPERENDIVIDADO
, A FIM DE PRESERVAR OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA GARANTIA DO
MÍNIMO
EXISTENCIAL
À SOBREVIVÊNCIA DO CONSUMIDOR EM SITUAÇÃO DE
SUPERENDIVIDAMENTO
. RECURSO PROVIDO EM PARTE. 1. A PESSOA NATURAL
SUPERENDIVIDADA
É AQUELA CUJA RENDA MENSAL ESTÁ SEVERAMENTE COMPROMETIDA, A PONTO DE PERDER A CAPACIDADE DE PAGAR AS SUAS DÍVIDAS, COLOCANDO EM RISCO A SUA PRÓPRIA SUBSISTÊNCIA. 2. EMBORA ADMITIDO O LANÇAMENTO A DÉBITO DIRETO EM CONTA-CORRENTE DO DEVEDOR
SUPERENDIVIDADO
, A JURISPRUDÊNCIA DO STJ E DO TJRS SINALIZAM A NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA GARANTIA DO
MÍNIMO
EXISTENCIAL
DO DEVEDOR
SUPERENDIVIDADO
À SUA SUBSISTÊNCIA PRÓPRIA. 3. CASO CONCRETO EM QUE OS DESCONTOS DE EMPRÉSTIMOS MENSAIS NÃO CONSIGNADOS LANÇADOS NA CONTA-CORRENTE DO SERVIDOR PÚBLICO MILITAR ESTADUAL
SUPERENDIVIDADO
CONSOMEM TODA A SUA REMUNERAÇÃO MENSAL
LÍQUIDA
, COMPROMETENDO A SUA DIGNIDADE E SUBSISTÊNCIA PESSOAL E VEDANDO-LHE O ACESSO A VALORES INDISPENSÁVEIS À SUA SOBREVIVÊNCIA. LIMITAÇÃO DOS LANÇAMENTOS A DÉBITO DIRETO DE EMPRÉSTIMOS NÃO CONSIGNADOS NA CONTA-CORRENTE DO AUTOR-AGRAVANTE A 30% DA SUA REMUNERAÇÃO MENSAL
LÍQUIDA
. MANUTENÇÃO DA DECISÃO RECORRIDA, COM AMPLIAÇÃO DOS SEUS EFEITOS PARA OS DÉBITOS (NÃO CONSIGNADOS). 4. NESTA MOLDURA, A FARTA PROVA DOCUMENTAL PRODUZIDA NO CADERNO RECURSAL INTEGRADO EVIDENCIA A SITUAÇÃO DE
SUPERENDIVIDAMENTO
DO AGRAVANTE, CONFERINDO PROBABILIDADE AO FUMUS BONIS JURIS E AO PERICULUM IN MORA, COM PERIGO DE DANO DE DIFÍCIL REPARAÇÃO E RISCO AO RESULTADO ÚTIL DO PROCESSO DE ORIGEM, NAS ALEGAÇÕES DEDUZIDAS NO PROCESSO DE ORIGEM E NESTE RECURSO, QUE DEMONSTRAM, À SACIEDADE, OS DESCONTOS OPERADOS NA SUA CONTA-CORRENTE E COLOCAM EM RISCO A SUA DIGNIDADE, SUBSISTÊNCIA E MANUTENÇÃO DO
MÍNIMO
EXISTENCIAL
GARANTIDOS NÃO SÓ PELAS CLÁUSULAS GERAIS DE TUTELA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, MAS, TAMBÉM, E MUITO ESPECIALMENTE, COM ALTERAÇÕES QUE LHE INTRODUZIRAM A LEI FEDERAL Nº 14.181/2021, DE 01/07/2021 (DOU DE 02/07/2021). 5. NO CASO CONCRETO E NO JULGAMENTO CONJUNTO DOS AGRAVOS DE INSTRUMENTO DE INTERESSES CONTRÁRIOS, PORTANTO, IMPENDE NÃO SÓ MANTER A DECISÃO RECORRIDA, MAS TAMBÉM ESTENDER OS SEUS EFEITOS, PARA ABRANGER OS DESCONTOS CONTRATUAIS MENSAIS LANÇADOS A DÉBITO NA CONTA-CORRENTE DO AUTOR-AGRAVANTE A 30% DA SUA REMUNERAÇÃO
LÍQUIDA
. PRECEDENTES DO STJ E DO TJRS. 6. A MULTA ARBITRADA NA ORIGEM É ADEQUADA E ATENDE À SUA FINALIDADE PROCESSUAL PREVENTIVA, SENDO DESCABIDA A SUA MAJORAÇÃO. NO CASO CONCRETO, OS SEUS EFEITOS TAMBÉM VÃO ESTENDIDOS AOS LANÇAMENTOS CONTRATUAIS MENSAIS A DÉBITO EM CONTA-CORRENTE. 7. RECURSO PROVIDO EM PARTE. M/AI 3.934 - S 22.10.2021 – P 37.(Agravo de Instrumento, Nº 51630265020218217000, Décima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Aymoré Roque Pottes de Mello, Julgado em: 22-10-2021)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. TUTELA DE URGÊNCIA. REVOGAÇÃO. LIMITAÇÃO DOS DESCONTOS CONSIGNADOS EM 40% DA REMUNERAÇÃO BRUTA. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DO INSS. MEDIDA PROVISÓRIA 1.006/2020, CONVERTIDA NA LEI Nº 14.131 DE 30.03.2021. CONFORME ENTENDIMENTO PACIFICADO PELO STJ, OS DESCONTOS EM FOLHA DE PAGAMENTO DEVEM OBEDECER AO PATAMAR DE 30% SOBRE A REMUNERAÇÃO BRUTA DO CONSUMIDOR, INCLUSIVE SOBRE PROVENTOS DE PENSÃO E APOSENTADORIA. A LIMITAÇÃO PREVISTA NO ORDENAMENTO JURÍDICO TEM COMO FINALIDADE EVITAR O ENDIVIDAMENTO DESENFREADO E GARANTIR O MÍNIMO EXISTENCIAL AO SERVIDOR, ASSEGURANDO A SUA PRÓPRIA SUBSISTÊNCIA E A DA SUA FAMÍLIA, COROLÁRIO DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. NO CASO DE CONSIGNAÇÕES EFETUADAS EM FOLHA DE PAGAMENTO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DO INSS, APÓS 30.03.2021, OS DESCONTOS CONSIGNADOS NÃO PODEM ULTRAPASSAR O LIMITE DE 40% DA RENDA MENSAL DO BENEFÍCIO DA PARTE SEGURADA, SENDO ATÉ 35% PARA AS OPERAÇÕES DE EMPRÉSTIMO PESSOAL, E ATÉ 5% PARA AS OPERAÇÕES DE CARTÃO DE CRÉDITO, CONFORME A MEDIDA PROVISÓRIA 1.006/2020, CONVERTIDA NA LEI Nº 14.131 DE 30.03.2021. NA ESPÉCIE, OS DESCONTOS CONSIGNADOS NO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DO INSS NÃO ULTRAPASSAM O LIMITE LEGAL DE 40% DA REMUNERAÇÃO BRUTA. TUTELA DE URGÊNCIA REVOGADA. RECURSO PROVIDO. UNÂNIME.(Agravo de Instrumento, Nº 50005771420228217000, Vigésima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Alberto Vescia Corssac, Julgado em: 30-03-2022)
Com efeito, a Lei n. 10.820/2003 trouxe o patamar dos descontos em folha de pagamento ao montante de 35% (trinta e cinco por cento). Cabe destacar que, nos termos do Art. 1º, §1º da Lei 10.820/2003, dentre o limite de 35% (trinta e cinco por cento) estipulado para o desconto em folha de pagamento, 5% (cinco por cento) devem ser destinados exclusivamente para a amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito ou a utilização com a finalidade de saque por meio do cartão de crédito.
Importa consignar que, tais limites restaram alterados, acrescendo-se 5% aos percentuais máximos para contratação até então estipulados, consoante a Lei n. 14.131/2021
1
, a qual converteu a Medida Provisória 1.006/2020, autorizando-se, assim, consignações de até 40% quando existente contratação de cartão de crédito:
Art. 1º Até 31 de dezembro de 2021, o percentual máximo de consignação nas hipóteses previstas no
inciso VI do
caput do art. 115 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991
, no
§ 1º do art. 1º
e no
§ 5º do art. 6º da Lei nº 10.820, de 17 de dezembro de 2003
, e no
§ 2º do art. 45 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990
, bem como em outras leis que vierem a sucedê-las no tratamento da matéria, será de 40% (quarenta por cento), dos quais 5% (cinco por cento) serão destinados exclusivamente para:
I - amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito; ou
II - utilização com finalidade de saque por meio do cartão de crédito.
Em vista disso, com base no art. 300, do CPC, DEFIRO parcialmente a tutela de urgência a fim de determinar que a parte
ré limite os descontos relativos a todos os empréstimos consignados a desconto em folha de pagamento e debito em automático na conta da parte autora de valores até 35% dos seus proventos (abatidos os valores da previdência e do IRPF), dividindo-se o percentual entre todas as demandadas até elaboração do plano de pagamento ao final do processo.
A
tutela de urgência compreende, em cognição sumária, o restabelecimento do mínimo existencial ao consumidor que detem descontos em folha e/ou conta-corrente em percentuais que comprometam sua sobrevivência, na forma da fundamentação supra. Daí por que não abrange eventuais obrigações pendentes, cujo pagamento deva ser efetuado mediante boleto bancário ou outra forma de pagamento voluntária.
Ademais, saliento que a presente decisão
não abrange
contratos com garantia real e/ou alienação fiduciária
, visto que não apresentam identidade com os pressupostos contidos no artigo 54-A do CDC.
Indefiro a suspensão indiscriminada de ações ou atos de constrição patrimonial, ante a impossibilidade de determinação genérica e desprovida de fundamentação.
Outrossim, que a(s) demandada(s) se abstenha(m) de incluir a parte autora nos cadastros restritivos de crédito ou emitir títulos para fins de protesto, enquanto pendente a lide. Caso já o tenham feito, seja SUSPENSO o efeito da restrição.
Fica a parte demandada cientificada sobre a impossibilidade de proceder a cobranças de forma abusiva.
DO CUMPRIMENTO DA ORDEM JUDICIAL
O DESCUMPRIMENTO desta decisão judicial importará incidência de multa de R$ 800,00 por dia de descumprimento até o limite da dívida pendente. A data inicial de contagem do prazo do descumprimento iniciará do protocolo de entrega do ofício/despacho.
Eventual notícia de descumprimento ou pretensão de cobrança, será apreciada, tão somente, quando da decisão de saneamento, não havendo necessidade de conclusão dos autos.
Ainda, ficam intimadas as requeridas a juntar aos autos cópia dos contratos firmados entre as partes e
extratos bancários em formato XLS
, caso ainda não o tenham feito, em face da inversão do ônus da prova em favor da parte autora que, desde já determino, uma vez verossímeis as alegações daquela, bem como o disposto no artigo 6°, inciso VIII do CDC.
Fica registrado que, em caso de eventual descumprimento de ordem judicial, a cobrança do valor da multa deverá ser promovida em ação autônoma no juízo competente, a fim de evitar tumulto processual.
DEPÓSITO JUDICIAL
O rito adotado pela Lei n. 14.181/2021 tem natureza especial e pressupõe a valorização da fase consensual oportunizando a construção do plano de pagamento com foco na globalidade das obrigações do consumidor. Nesta medida,
a ausência de previsão da possibilidade de consignação de valores, corresponde ausência de possibilidade de afirmação do montante do valor incontroverso em cognição sumária, notadamente porque a repactuação que ocorrerá ao final da ação pressupõe a aplicação das consequências previstas no artigo 54-D, parágrafo único do CDC (análise das condições de concessão do crédito) e elaboração do plano de pagamento frente às obrigações e ao orçamento do consumidor.
DA FASE CONCILIATÓRIA:
Observado que a fase conciliatória não ocorreu anteriormente ao ajuizamento da ação, SUSPENDO o feito, após o cumprimento da tutela de urgência deferida, para determinar a remessa dos autos ao CEJUSC POA, determinando seja aprazada audiência de conciliação/mediação, porquanto fase obrigatória da Lei 14.181/21, artigo 104-A.
Por fim, em consonância com a sistemática da repactuação de dívidas por superendividamento, a tutela de urgência se submete ao "condicionamento de seu efeitos à abstenção, pelo consumidor, de condutas que importem no agravamento de sua situação de superendividamento " (art. 104-A,§ 4.º, IV, do CDC).
Cite-se a parte demandada para comparecer à audiência de conciliação/mediação.
Não havendo entendimento, deverá apresentar contestação em 15 dias, contados da data da audiência.
Esta decisão vale como ofício, que deverá ser encaminhado pela parte autora.
Tratando-se de Juízo 100% Digital e em atenção aos princípios da celeridade e eficiência, as respostas remetidas por carta não serão anexadas ao processo.
Para maiores informações sobre o rito da Lei n. 14.181/2021, destaco a leitura da Cartilha sobre Superendividamento do Conselho Nacional de Justiça -
CARTILHA SOBRE O TRATAMENTO DO SUPERENDIVIDAMENTO DO CONSUMIDOR
Diligências legais.
4.
Adiante, registro que o relator está autorizado a não conhecer e a julgar monocraticamente o recurso quando houver jurisprudência dominante sobre a matéria em discussão, seja no âmbito do STF, do STJ e mesmo do próprio Tribunal de Justiça. A este respeito, o art. 932, incisos III e VIII, do CPC dispõem:
"Art. 932. Incumbe ao relator:
(...)
III - não conhecer de recurso inadmissível, prejudicado ou que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida;
(...)
VIII - exercer outras atribuições estabelecidas no regimento interno do tribunal.".
E no que respeita ao julgamento de mérito, monocraticamente, o Regimento Interno do Tribunal prevê em seu art. 206, XXXVI:
"Art. 206. Compete ao Relator:
(...)
XXXVI - negar ou dar provimento ao recurso quando houver jurisprudência dominante acerca do tema no Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça com relação, respectivamente, às matérias constitucional e infraconstitucional e deste Tribunal;".
Ainda neste sentido, o STJ editou a Súmula n° 568 e consolidou a possibilidade de julgamento monocrático quando a matéria em debate está consolidada na jurisprudência, como se vê:
"
Súmula 568.
O relator, monocraticamente e no Superior Tribunal de Justiça, poderá dar ou negar provimento ao recurso quando houver entendimento dominante acerca do tema.".
Passo ao exame do recurso, monocraticamente.
Sobre a alegada inexistência de superendividamento, tenho que não prospera a tese do recorrente.
A parte autora-agravada juntou aos autos cópia de seu contracheque (
evento 1, CHEQ6
) e contratos de empréstimos (
evento 1, CONTR7
,
evento 1, CONTR8
,
evento 1, CONTR9
e
evento 1, CONTR10
) demonstrando todos os mútuos referentes ao processo de repactuação de dívidas.
O comprometimento total de sua renda com empréstimos bancários é de 55,63%, considerando sua renda bruta e todas as dívidas. Somados a isto, a parte tem 9,55% de comprometimento de sua renda com descontos obrigatórios, de modo que sua renda está comprometida em aproximadamente 65,18%. Desta forma, a sobra mensal de renda da parte autora é de apenas 34,82% da sua renda. Assim, parcela substancial da remuneração mensal bruta de
MARCOS VINICIOS DA SILVA ENGRACIO
está comprometida, caracterizando a sua situação de superendividamento.
Sobre a caracterização da situação de superendividamento, BRUNO MIRAGEM refere que, "
Por superendividamento entenda-se a incapacidade do consumidor de pagamento de suas dívidas exigíveis, em face de descontrole financeiro decorrente de abuso de crédito ou situações imprevistas em sua vida pessoal
".
2
Assim, no caso concreto, está caracterizada a situação de superendividamento da parte autora-agravada, o que impõe o processamento da ação pelo rito próprio estabelecido no CDC e autoriza a concessão da tutela de urgência sediada nos termos do art. 300 do CPC. A verossimilhança das alegações está comprovada pela juntada de provas de que há sobra mensal de recursos insuficientes para a manutenção do mínimo existencial da autora e o risco de demora no provimento judicial, igualmente, está demonstrado já que a sobra mensal de dinheiro é insuficiente para o custeio das despesas mais elementares, como alimentação, habitação e saúde.
Passo seguinte, quanto ao mínimo existencial, adianto que entendo inaplicável o disposto no Decreto n° 11.150/2022 e atualizações. O Decreto foi publicado no Diário Oficial da União de 27/07/2022, com vigência a partir de 60 dias contados de sua publicação. O Decreto "
Regulamenta a preservação e o não comprometimento do mínimo existencial para fins de prevenção, tratamento e conciliação de situações de superendividamento em dívidas de consumo, nos termos do disposto na Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 - Código de Defesa do Consumidor".
Os artigos 3º e 4º estabelecem a definição do conceito de mínimo existencial e excluem diversos compromissos financeiros dos consumidores da base de cálculo para o cômputo de seu comprometimento de renda, para fins de reconhecimento de sua situação de superendividamento, respectivamente. Assim definem os citados artigos:
Art. 3º No âmbito da prevenção, do tratamento e da conciliação administrativa ou judicial das situações de superendividamento, considera-se mínimo existencial a renda mensal do consumidor pessoa natural equivalente a vinte e cinco por cento do salário mínimo vigente na data de publicação deste Decreto.
§ 1º A apuração da preservação ou do não comprometimento do mínimo existencial de que trata o caput será realizada considerando a base mensal, por meio da contraposição entre a renda total mensal do consumidor e as parcelas das suas dívidas vencidas e a vencer no mesmo mês.
§ 2º O reajustamento anual do salário mínimo não implicará a atualização do valor de que trata o caput.
§ 3º Compete ao Conselho Monetário Nacional a atualização do valor de que trata o caput.
Art. 4º Não serão computados na aferição da preservação e do não comprometimento do mínimo existencial as dívidas e os limites de créditos não afetos ao consumo.
Parágrafo único. Excluem-se ainda da aferição da preservação e do não comprometimento do mínimo existencial:
I - as parcelas das dívidas:
a) relativas a financiamento e refinanciamento imobiliário;
b) decorrentes de empréstimos e financiamentos com garantias reais;
c) decorrentes de contratos de crédito garantidos por meio de fiança ou com aval;
d) decorrentes de operações de crédito rural;
e) contratadas para o financiamento da atividade empreendedora ou produtiva, inclusive aquelas subsidiadas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES;
f) anteriormente renegociadas na forma do disposto no
Capítulo V do Título III da Lei nº 8.078, de 1990
;
g) de tributos e despesas condominiais vinculadas a imóveis e móveis de propriedade do consumidor;
h) decorrentes de operação de crédito consignado regido por lei específica; e
i) decorrentes de operações de crédito com antecipação, desconto e cessão, inclusive fiduciária, de saldos financeiros, de créditos e de direitos constituídos ou a constituir, inclusive por meio de endosso ou empenho de títulos ou outros instrumentos representativos;
II - os limites de crédito não utilizados associados a conta de pagamento pós-paga; e
III - os limites disponíveis não utilizados de cheque especial e de linhas de crédito pré-aprovadas."
Posteriormente, em 20/06/2023, foi publicado o Decreto n° 11.567/23 que alterou o art. 3º do Decreto 11.150/22 e aumentou o patamar mínimo considerado como mínimo existencial para R$600,00. Ainda assim, analisando detidamente a redação do Decreto 11.150/22, observo que seu propósito é neutralizar todo o aparato legislativo e o complexo de normas de prevenção, proteção, apoio e tratamento da situação de superendividamento do consumidor, na forma prevista na Lei n° 14.181/2021.
Como já analisado, a alteração promovida pela Lei n° 14.181/2021 no Código de Defesa do Consumidor introduziu diversas disposições legais visando a prevenção e o tratamento das situações de superendividamento.
Neste norte, o Código de Defesa do Consumidor ampliou os direitos dos consumidores e, neste ponto, impôs aos fornecedores diversos deveres de cuidados na prestação de serviços e de produtos, visando inibir situações de superendividamento. Também foram diversas as disposições acrescidas ao CDC para o tratamento de situações de superendividamento já consolidadas.
Na contramão das disposições do CDC, o Decreto n° 11.150/22, sob pretexto de regulamentar a preservação da situação de superendividamento e o não comprometimento do mínimo existencial, restringe a aplicação da Lei do Superendividamento, no campo prático, a situações remotas.
Além disso, ao regulamentar a Lei n° 14.181/2021, o faz criando restrições não contempladas na própria lei regulamentada e viola seus princípios norteadores. Dessa forma, sua aplicabilidade está comprometida no caso concreto, pois representa verdadeiro retrocesso aos direitos assegurados pela Lei n° 14.181/2021.
Assim, cito as principais inovações legislativas introduzidas no CDC, de modo a alcançar a prevenção e o tratamento das situações de superendividamento:
Art. 4º
A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:
[...]
X - prevenção e tratamento do superendividamento como forma de evitar a exclusão social do consumidor.
(Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021)
........................................................................................................................................
Art. 6º
São direitos básicos do consumidor:
[...]
XI - a garantia de práticas de crédito responsável, de educação financeira e de prevenção e tratamento de situações de superendividamento, preservado o mínimo existencial, nos termos da regulamentação, por meio da revisão e da repactuação da dívida, entre outras medidas;
(Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021)
XII - a preservação do mínimo existencial, nos termos da regulamentação, na repactuação de dívidas e na concessão de crédito;
(Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021)
-
A primeira garantia estabelecida pelo inciso XI do art. 6º, retro citado, prevê a prática de crédito responsável, com nítido objetivo de assegurar o mínimo existencial ao consumidor, como forma de prevenção à situação de superendividamento. Neste particular, de modo a que se alcance a concessão de crédito responsável ao segmento de consumidores endividados, é de rigor que se aplique a interpretação mais restritiva e protetiva dos interesses da parte mais vulnerável, exposta aos riscos da situação de superendividamento.
Além do mais, o CDC passou a dispor expressamente sobre prevenção e tratamento de situações de superendividamento em seu art. 54-A:
"Art. 54-A.
Este Capítulo dispõe sobre a prevenção do superendividamento da pessoa natural, sobre o crédito responsável e sobre a educação financeira do consumidor.
(Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021)
§ 1º
Entende-se por superendividamento a impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial, nos termos da regulamentação.
(Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021
§
2º As dívidas referidas no § 1º deste artigo englobam quaisquer compromissos financeiros assumidos decorrentes de relação de consumo, inclusive operações de crédito, compras a prazo e serviços de prestação continuada.
(Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021)
§ 3º
O disposto neste Capítulo não se aplica ao consumidor cujas dívidas tenham sido contraídas mediante fraude ou má-fé, sejam oriundas de contratos celebrados dolosamente com o propósito de não realizar o pagamento ou decorram da aquisição ou contratação de produtos e serviços de luxo de alto valor.
(Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021)
O agravante sustenta que a decisão recorrida é nula, por não observar o rito próprio estabelecido pela Lei Federal n° 14.181/2021. Refere que a Lei de Superendividamento estabelece a necessidade de prévia fase conciliatória, antes do ajuizamento da ação judicial. Neste sentido, não seria possível o deferimento de decisão judicial, porque necessária a prévia instauração de fase conciliatória extrajudicial.
O recurso não prospera no ponto. A Lei de Superendividamento estabeleceu rito próprio aos processo de repactuação de dívidas, sob fundamento de superendividamento, com a necessidade de instauração de fase conciliatória. Não obstante, a fase conciliatória pode se dar tanto na esfera administrativa, como na esfera judicial. No caso concreto, ao ajuizar a ação sem ter realizado a fase conciliatória de modo extrajudicial, esta fase realiza-se na esfera judicial, sem qualquer óbice. Aliás, o próprio legislador previu a conciliação na via judicial (art. 104-A, do CDC) antes mesmo da conciliação extrajudicial (art. 104-C, do CDC).
O art. 104-A do CDC dispõe que o tratamento de consumidor superendividado poderá se dar pelo processo de repactuação de dívidas, iniciada pela realização de audiência conciliatória, presidida pelo juiz ou por conciliador credenciado, com a participação de todos os credores de dívidas arrolados no art. 54-A do CDC. Nesta ocasião, deverá ser apresentada a proposta de plano de pagamento, que deve observar o prazo máximo de 5 anos, preservar o mínimo existencial do consumidor superendividado e preservar as garantias e as formas de pagamento originalmente contratadas. Além disso, os parágrafos do referido artigo estabelecem efeitos decorrentes do não comparecimento à conciliação, bem como atribuem ao acordo relativo ao plano de pagamento força de título executivo e proteção da coisa julgada. Assim dispõe o referido artigo:
Art. 104-A. A requerimento do consumidor superendividado pessoa natural, o juiz poderá instaurar processo de repactuação de dívidas, com vistas à realização de audiência conciliatória, presidida por ele ou por conciliador credenciado no juízo, com a presença de todos os credores de dívidas previstas no art. 54-A deste Código, na qual o consumidor apresentará proposta de plano de pagamento com prazo máximo de 5 (cinco) anos, preservados o mínimo existencial, nos termos da regulamentação, e as garantias e as formas de pagamento originalmente pactuadas.
§ 1º Excluem-se do processo de repactuação as dívidas, ainda que decorrentes de relações de consumo, oriundas de contratos celebrados dolosamente sem o propósito de realizar pagamento, bem como as dívidas provenientes de contratos de crédito com garantia real, de financiamentos imobiliários e de crédito rural.
(Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021)
§ 2º O não comparecimento injustificado de qualquer credor, ou de seu procurador com poderes especiais e plenos para transigir, à audiência de conciliação de que trata o caput deste artigo acarretará a suspensão da exigibilidade do débito e a interrupção dos encargos da mora, bem como a sujeição compulsória ao plano de pagamento da dívida se o montante devido ao credor ausente for certo e conhecido pelo consumidor, devendo o pagamento a esse credor ser estipulado para ocorrer apenas após o pagamento aos credores presentes à audiência conciliatória.
(Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021)
§ 3º No caso de conciliação, com qualquer credor, a sentença judicial que homologar o acordo descreverá o plano de pagamento da dívida e terá eficácia de título executivo e força de coisa julgada.
(Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021)
§ 4º Constarão do plano de pagamento referido no § 3º deste artigo:
(Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021)
I - medidas de dilação dos prazos de pagamento e de redução dos encargos da dívida ou da remuneração do fornecedor, entre outras destinadas a facilitar o pagamento da dívida;
(Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021)
II - referência à suspensão ou à extinção das ações judiciais em curso;
(Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021)
III - data a partir da qual será providenciada a exclusão do consumidor de bancos de dados e de cadastros de inadimplentes;
(Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021)
IV - condicionamento de seus efeitos à abstenção, pelo consumidor, de condutas que importem no agravamento de sua situação de superendividamento.
(Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021)
§ 5º O pedido do consumidor a que se refere o caput deste artigo não importará em declaração de insolvência civil e poderá ser repetido somente após decorrido o prazo de 2 (dois) anos, contado da liquidação das obrigações previstas no plano de pagamento homologado, sem prejuízo de eventual repactuação.
(Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021)
Em caso de não realização de acordo entre o autor e os credores, o processo avança para a fase judicial propriamente dita. Nesta fase, procede-se na revisão, integração e repactuação de dívidas. Aqui não há mais falar em plano de pagamentos (oriundo da fase conciliatória), mas de um plano judicial compulsório, que deverá observar os parâmetros estabelecidos nos parágrafos do art. 104-B, do CDC, que assim dispõe:
Art. 104-B. Se não houver êxito na conciliação em relação a quaisquer credores, o juiz, a pedido do consumidor, instaurará processo por superendividamento para revisão e integração dos contratos e repactuação das dívidas remanescentes mediante plano judicial compulsório e procederá à citação de todos os credores cujos créditos não tenham integrado o acordo porventura celebrado.
(Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021)
§ 1º Serão considerados no processo por superendividamento, se for o caso, os documentos e as informações prestadas em audiência.
(Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021)
§ 2º No prazo de 15 (quinze) dias, os credores citados juntarão documentos e as razões da negativa de aceder ao plano voluntário ou de renegociar.
(Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021)
§ 3º O juiz poderá nomear administrador, desde que isso não onere as partes, o qual, no prazo de até 30 (trinta) dias, após cumpridas as diligências eventualmente necessárias, apresentará plano de pagamento que contemple medidas de temporização ou de atenuação dos encargos.
(Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021)
§ 4º O plano judicial compulsório assegurará aos credores, no mínimo, o valor do principal devido, corrigido monetariamente por índices oficiais de preço, e preverá a liquidação total da dívida, após a quitação do plano de pagamento consensual previsto no art. 104-A deste Código, em, no máximo, 5 (cinco) anos, sendo que a primeira parcela será devida no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias, contado de sua homologação judicial, e o restante do saldo será devido em parcelas mensais iguais e sucessivas.
(Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021)
Finalmente, o Código de Defesa do Consumidor estabelece a competência concorrente e facultativa dos órgãos integrantes do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor para a realização da fase conciliatória, preventiva ao processo judicial de repactuação de dívidas e que deve observar, no que couber, as disposições estabelecidas pelo art. 104-A do CDC para regulação da fase conciliatória judicial. É o que se vê da redação do art. 104-C, do CDC:
Art. 104-C. Compete concorrente e facultativamente aos órgãos públicos integrantes do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor a fase conciliatória e preventiva do processo de repactuação de dívidas, nos moldes do art. 104-A deste Código, no que couber, com possibilidade de o processo ser regulado por convênios específicos celebrados entre os referidos órgãos e as instituições credoras ou suas associações.
(Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021)
§ 1º Em caso de conciliação administrativa para prevenir o superendividamento do consumidor pessoa natural, os órgãos públicos poderão promover, nas reclamações individuais, audiência global de conciliação com todos os credores e, em todos os casos, facilitar a elaboração de plano de pagamento, preservado o mínimo existencial, nos termos da regulamentação, sob a supervisão desses órgãos, sem prejuízo das demais atividades de reeducação financeira cabíveis.
(Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021)
§ 2º O acordo firmado perante os órgãos públicos de defesa do consumidor, em caso de superendividamento do consumidor pessoa natural, incluirá a data a partir da qual será providenciada a exclusão do consumidor de bancos de dados e de cadastros de inadimplentes, bem como o condicionamento de seus efeitos à abstenção, pelo consumidor, de condutas que importem no agravamento de sua situação de superendividamento, especialmente a de contrair novas dívidas.
(Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021)
Sobre a coexistência das fases conciliatórias judicial e extrajudicial, a doutrina é tranquila ao admitir essa situação, como se vê:
"Assim, a conciliação é a fase inicial e obrigatória do procedimento de repactuação das dívidas, pois a autocomposição tem se mostrado uma via adequada e eficaz para o tratamento adequado de conflitos oriundos do superendividamento, além de contribuir para a de judicialização.
O consumidor poderá requerer a conciliação das dívidas de consumo no Judiciário (art. 104-A) ou no Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (art. 104-C). A escolha caberá ao consumidor já que a competência para a conciliação é concorrente, de modo que a conciliação administrativa não poderá ser exigida como condição ou forma de limitação ao acesso do consumidor ao Poder Judiciário, o que, aliás, afrontaria o princípio constitucional fundamental da inafastabilidade da jurisdição.
(...)
Na existência de atendimento pré-processual nos tribunais, resta a possibilidade de ajuizar o "processo de repactuação por dívidas" do art. 104-A, caso em que será necessária a capacidade postulatória e apresentação do plano de pagamento com prazo máximo de 5 anos."dia
1
Observo, no ponto, que em momento algum o legislador vedou a concessão de antecipação dos efeitos da tutela de urgência, ou postergou sua apreciação para momento posterior à fase de conciliação. Neste quadrante, distribuído o processo judicial, ainda que pendente a fase conciliatória, é possível o exame do pedido de concessão de tutela de urgência, mesmo antes da realização da audiência de conciliação. Neste sentido é a jurisprudência desta Corte:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS CUMULADA COM PEDIDO DE LIMITAÇÃO DOS DESCONTOS. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL APOSENTADO. VIOLAÇÃO AO MÍNIMO EXISTENCIAL NÃO COMPROVADA. TUTELA DE URGÊNCIA. REVOGAÇÃO.
PRELIMINAR CONTRARRECURSAL DE INTEMPESTIVIDADE RECURSAL.
O art. 269, § 1º, do CPC, estabelece que o advogado poderá promover a intimação do advogado da parte adversa por meio do correio, juntando aos autos cópia do ofício de intimação e do aviso de recebimento.
Na espécie, a pate ré não havia sido citada ou intimada anteriormente, de modo que sequer possuía procurador constituído nos autos, o que impede o uso da faculdade prevista no art. 269, § 1º, do CPC, ou seja, intimação efetuada pela própria parte autora, por meio de seu advogado, consoante afirma o demandante no evento 15.
Portanto, em que pese tenha constado da decisão agravada que aquela valeria como ofício, considerando a ausência de intimação acerca do deferimento da liminar, é tempestiva a interposição do recurso.
PRELIMINAR CONTRARRECURSAL. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA. INOCORRÊNCIA.
A preliminar de ausência de impugnação específica dos fundamentos da decisão agravada deve ser afastada. Consoante se depreende das razões recursais, o recorrente pretende a reforma da decisão que deferiu a tutela de urgência, defendendo a regularidade dos descontos em conta corrente e discorrendo sobre os parâmetros para cumprimento da limitação dos descontos consignados em folha. Ainda, pede o afastamento da multa cominatória e a alteração da periodicidade de incidência. Desse modo, o recurso atende ao disposto no art. 1.016 do CPC, pois o agravante expôs os fatos, o direito e as razões do pedido de reforma.
PRELIMINAR DE NULIDADE DA DECISÃO RECORRIDA. INOCORRÊNCIA.
Não prospera a alegação de nulidade da decisão agravada, uma vez que a lei que instituiu o procedimento da ação por superendividamento não veda o deferimento de tutela de urgência, a qual, contudo deve seguir os requisitos dispostos no art. 104-A do CDC e no rt. 300 do CPC.
MÉRITO. TUTELA DE URGÊNCIA.
I - O art. 104-A do CDC, introduzido pela Lei n.º 14.181/2021(Lei do superendividamento), instituiu o processo para repactuação de dívidas, com vistas à realização de audiência conciliatória, na qual estarão presentes os credores e o consumidor apresentará proposta de plano de pagamento. Na ausência de conciliação em relação a quaisquer credores, o juiz, a pedido do consumidor, instaurará processo por superendividamento
para revisão e integração dos contratos e repactuação das dívidas remanescentes mediante plano judicial compulsório
(art. 104-B do CDC).
Visa-se à preservação do mínimo existencial da pessoa, conforme patamar estipulado no Decreto n.º 11.567/2023 — que alterou o art. 3º, do Decreto n.º 11.150/22 —
considera-se como mínimo existencial a renda mensal do consumidor pessoa natural equivalente a
R$ 600,00 (seiscentos reais)
.
Nesse contexto, a limitação dos descontos consignados e efetuados em conta bancária deferida com base no art. 104-A do CDC não se sustenta, pois não demonstrada a violação ao mínimo existencial nesse momento. Assim, impositiva a observância da legislação relativa à margem consignável de folha de pagamento,
descabendo o deferimento da tutela de urgência na extensão em que concedida na decisão agravada.
II - Em que pese esta Câmara possua entendimento de que aos servidores estaduais e municipais se aplica o limite de 30% de margem consignável, mantenho o percentual de 35%, sob pena de
reformatio in pejus
. Por outro lado, o limite de 35% deve incidir sobre a renda bruta, e não sobre a líquida como determinado na decisão agravada.
No caso, ocorre que os descontos consignados em folha de pagamento ultrapassam 38% da remuneração bruta (
evento 1, CHEQ3
), devendo ser mantida a limitação em 35% sobre a renda bruta, observada a ordem cronológica de contratação.
III - Descabe estender igual limitação de 35% da remuneração bruta aos empréstimos debitados em conta corrente. Aplicação da tese fixada no Tema 1085 do STJ:
São lícitos os descontos de parcelas de empréstimos bancários comuns em conta-corrente, ainda que utilizada para recebimento de salários, desde que previamente autorizados pelo mutuário e enquanto esta autorização perdurar, não sendo aplicável, por analogia, a limitação prevista no § 1º do art. 1º da Lei n. 10.820/2003, que disciplina os empréstimos consignados em folha de pagamento
.
MULTA COMINATÓRIA. REDUÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. PERIODICIDADE.
A imposição de
astreintes
é medida adotada para garantir o cumprimento da ordem judicial, aplicável somente em caso de procrastinação pela parte ré, devendo ser arbitrada em
quantum
razoável para ser efetivamente meio de coerção ao cumprimento da obrigação de fazer imposta na decisão.
Multa de R$ 500,00 por desconto que se mostra adequada, sendo inclusive inferior aos parâmetros adotados por esta 24ª Câmara Cível.
PRELIMINARES REJEITADAS E AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO EM PARTE. UNÂNIME.
(Agravo de Instrumento, Nº 53170133820238217000, Vigésima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Des. Jorge Alberto Vescia Corssac, Julgado em: 13-12-2023)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. EMPRÉSTIMOS CONSIGNADOS EM FOLHA DE PAGAMENTO E NA CONTA CORRENTE. LEI 14.181/21 - TRATAMENTO DAS PESSOAS EM SITUAÇÃO DE SUPERENDIVIDAMENTO. PRELIMINAR DE NULIDADE DA DECISÃO POR AUSÊNCIA DE AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO PRÉVIA À ANÁLISE DO PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA. REJEIÇÃO.
LIMITAÇÃO DOS DESCONTOS SEM DIFERENCIAÇÃO ENTRE CREDORES. GARANTIA DO MÍNIMO EXISTENCIAL. TUTELA DE URGÊNCIA DEFERIDA PARA O FIM DE RECALCULAR O VALOR DAS PARCELAS DOS EMPRÉSTIMOS CELEBRADOS ATÉ APRESENTAÇÃO DO PLANO FINAL DE PAGAMENTO. INAPLICABILIDADE DO TEMA 1.085 DO STJ. HIPÓTESE DE
DISTINGUISHING
. ASTREINTES. PREVISÃO LEGAL. POSSIBILIDADE DE FIXAÇÃO COM VISTAS AO EFETIVO CUMPRIMENTO DA ORDEM JUDICIAL. VALOR E PERIODICIDADE MANTIDOS. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. DECISÃO CONFIRMADA.
NÃO HÁ NULIDADE NA DECISÃO QUE CONCEDE TUTELA ANTECIPADA ANTES DA REALIZAÇÃO DA AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO PRÉVIA PREVISTA NA LEI 14.181/21, DESDE QUE PREENCHIDOS OS REQUISITOS DO ART. 300 DO CPC. COMPATIBILIDADE DAS REGRAS DO CPC E DO CDC.
MEDIDA LIMINAR DEFERINDO A LIMITAÇÃO DOS DESCONTOS EM FOLHA DE PAGAMENTO E NA CONTA CORRENTE DO DEVEDOR, COM O RECÁLCULO DAS PARCELAS MENSAIS CONTRATADAS, A FIM DE ASSEGURAR O MÍNIMO EXISTENCIAL DA PARTE AUTORA, EM SITUAÇÃO DE SUPERENDIVIDAMENTO. DEMONSTRAÇÃO DO COMPROMETIMENTO DE SUA RENDA MENSAL COM AS DÍVIDAS CONTRATADAS. RISCO CONCRETO DE DANO E PROBABILIDADE DO DIREITO INVOCADO QUANTO AO PEDIDO DE REPACTUAÇÃO DE ACORDO COM O PLANO FINAL DE PAGAMENTO A SER APRESENTADO E APROVADO PELOS CREDORES, EM CONFORMIDADE COM A LEI N. 14.181/2021. ENTENDIMENTO SEDIMENTADO NO STJ NO SENTIDO DA POSSIBILIDADE DE LIMITAR OS DESCONTOS DECORRENTES DE EMPRÉSTIMOS CONTRAÍDOS NO CONTRACHEQUE E NAS CONTAS-CORRENTES.NÃO INCIDÊNCIA DO TEMA 1.085 DO STJ AO CASO CONCRETO, PORQUE ENVOLVE TUTELA JUDICIAL QUE ASSEGURA O MÍNIMO EXISTENCIAL A DEVEDOR EM SITUAÇÃO DE SUPERENDIVIDAMENTO.
MANUTENÇÃO DA TUTELA ANTECIPADA CONCEDIDA NA ORIGEM, PRESENTES OS REQUISITOS DO ART. 300 DO CPC. LIMITAÇÃO DOS DESCONTOS QUE NÃO IMPLICA RESCISÃO OU CANCELAMENTO DOS CONTRATOS DE EMPRÉSTIMO, A AFASTAR ALEGAÇÃO DE IRREVERSIBILIDADE DO PROVIMENTO ANTECIPATÓRIO DEFERIDO. PREVISÃO LEGAL PARA PROTEÇÃO ESPECIAL DO CONSUMIDOR SUPERENDIVIDADO ESTABELECIDA NA LEGISLAÇÃO CITADA, QUE ALTEROU EM PARTE O CDC E DISPÔS SOBRE A PREVENÇÃO E TRATAMENTO DO SUPERENDIVIDAMENTO.
POSSÍVEL A FIXAÇÃO DE ASTREINTES COM VISTAS AO EFETIVO CUMPRIMENTO DA ORDEM JUDICIAL, CUJA PREVISÃO LEGAL ENCONTRA-SE NOS ARTS. 139, IV, E 537, AMBOS DO CPC. TRATANDO-SE DE MEDIDA COERCITIVA, O VALOR DAS ASTREINTES HÁ DE SER SUFICIENTE PARA IMPOR AO OBRIGADO O EFETIVO CUMPRIMENTO DO COMANDO JUDICIAL, PENA DE SE TORNAR INÓCUA. ESPECÍFICO CASO DOS AUTOS QUE RECOMENDA A MANUTENÇÃO DO VALOR ARBITRADO E A PERIODICIDADE ARBITRADA, POIS NECESSÁRIO CONSIDERAR QUE EVENTUAL DESCUMPRIMENTO DA ORDEM AGRAVARÁ AINDA MAIS A SITUAÇÃO DO CONSUMIDOR, CUJA DIGNIDADE JÁ SE ENCONTRA AFETADA COM O COMPROMETIMENTO DO MÍNIMO EXISTENCIAL. DECISÃO CONFIRMADA.
RECURSO IMPROVIDO.
(Agravo de Instrumento, Nº 53122907320238217000, Vigésima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Des. Ricardo Pippi Schmidt, Julgado em: 12-12-2023)
Assim, impõe-se a rejeição da nulidade da decisão recorrida.
Especificamente sobre a limitação dos descontos em folha de pagamento e dos lançamentos a débito em conta-corrente, embora exista discussão sobre o teto de endividamento voluntário de servidores públicos estaduais, servidores públicos federais, militares, aposentados e pensionistas do INSS e mesmo os trabalhadores da iniciativa privada, bem como seja suscitada a inexistência de limitação para descontos em folha de pagamento, entendo possível, sob a ótica da prevenção e tratamento de situação de superendividamento, a limitação imposta na decisão recorrida:
Em vista disso, com base no art. 300, do CPC, DEFIRO parcialmente a tutela de urgência a fim de determinar que a parte
ré limite os descontos relativos a todos os empréstimos consignados a desconto em folha de pagamento e debito em automático na conta da parte autora de valores até 35% dos seus proventos (abatidos os valores da previdência e do IRPF), dividindo-se o percentual entre todas as demandadas até elaboração do plano de pagamento ao final do processo.
A jurisprudência do STJ admite, de longa data, a possibilidade de limitação de descontos em conta-corrente como mecanismo de proteção e tratamento do consumidor em situação de superendividamento.
É o que se extrai do julgamento do REsp n° 1.584.501/SP, sob a relatoria do Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO
,
no qual a Terceira Turma do STJ, sob fundamentos de proteção de princípios da dignidade da pessoa humana e de garantia do mínimo existencial de devedor em situação de superendividamento afirmou a possibilidade de limitação de descontos realizados em conta-corrente do devedor a 30% da remuneração líquida. O objetivo da limitação é a preservação de valores mínimos para a garantia de subsistência pessoal e familiar, como se vê da ementa do julgado:
"RECURSO ESPECIAL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. RENEGOCIAÇÃO DE DÍVIDA. DESCONTO EM CONTA-CORRENTE. POSSIBILIDADE. LIMITAÇÃO A 30% DA REMUNERAÇÃO DO DEVEDOR. SUPERENDIVIDAMENTO. PRESERVAÇÃO DO MÍNIMO EXISTENCIAL. ASTREINTES. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DO DISPOSITIVO DE LEI FEDERAL VIOLADO. ÓBICE DA SÚMULA 284/STF.
1. Validade da cláusula autorizadora de desconto em conta-corrente para pagamento das prestações do contrato de empréstimo, ainda que se trate de conta utilizada para recebimento de salário.
2. Os descontos, todavia, não podem ultrapassar 30% (trinta porcento) da remuneração líquida percebida pelo devedor, após deduzidos os descontos obrigatórios (Previdência e Imposto de Renda).
3. Preservação do mínimo existencial, em consonância com o princípio da dignidade humana. Doutrina sobre o tema.
4. Precedentes específicos da Terceira e da Quarta Turma do STJ.
5. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO."
(REsp n° 1.584.501/SP, TERCEIRA TURMA, STJ, Relator: Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe: 13/10/2016).
No corpo do voto, o Ministro invocou importantes fundamentos constitucionais para fundamentar a decisão:
"Eminentes colegas, o recurso especial não merece ser provido.
Inicialmente, esclareço que o juízo de admissibilidade do presente recurso será realizado com base nas normas do CPC/1973, por ser a lei processual vigente na data de publicação do decisum ora impugnado (cf. Enunciado Administrativo n. 2/STJ).
Relatam os autos que a parte demandante, ora recorrida, pactuou com o banco ora recorrente uma confissão e renegociação de dívida no valor de R$ 122.209,21, na modalidade empréstimo consignado, a ser quitado mediante o desconto de 72 parcelas mensais no valor de R$ 1.697,35 (cf. fls. 16/20). Esse montante, contudo, equivale à quase totalidade dos proventos de aposentadoria percebidos pela ora recorrida, no valor de R$ 1.673,91 (cf. fl. 22), nada lhe restando para garantir a subsistência.
Ante esse fato, a ora recorrida ajuizou ação de revisão contratual, pretendendo a limitação dos descontos a 30% de seus proventos líquidos, dentre outros pedidos. O pedido de limitação dos descontos foi julgado procedente pelo juízo a quo, em sentença mantida pelo Tribunal de origem. Daí a interposição do presente recurso especial, em que o banco pretende, essencialmente, o restabelecimento do valor integral dos descontos.
A questão devolvida ao conhecimento desta instância especial deve ser abordada à luz do princípio da dignidade da pessoa humana, relacionando-se com o fenômeno do superendividamento, que tem sido uma preocupação atual do Direito do Consumidor em todo o mundo, decorrente da imensa facilidade de acesso ao crédito nos dias de hoje.
CLÁUDIA LIMA MARQUES, em seu Contratos no Código de Defesa do Consumidor ( São Paulo: Ed. RT, 2002. pp. 590-591), ao tecer considerações acerca da oferta em massa de produtos e serviços diante da hipossuficiência do consumidor, refere: "Uma vontade protegida pelo direito, vontade liberta das pressões e dos desejos impostos pela publicidade e por outros métodos agressivos de venda, em suma, uma vontade racional. Não há como negar que o consumo massificado de hoje, pós-industrial, está ligado faticamente a uma série de perigos para o consumidor, vale lembrar os fenômenos atuais de superendividamento, de práticas comerciais abusivas, de abusos contratuais, da existência de monopólios naturais dos serviços públicos concedidos ou privatizados, de falhas na concorrência, no mercado, na informação e na liberdade material do contratante mais fraco na elaboração e conclusão dos contratos. Apesar de todos estes perigos e dificuldades, o novo direito contratual visa concretizar a função social dos contratos, impondo parâmetros de transparência e boa-fé.
Alguns sistemas jurídicos já alcançaram soluções legislativas para resolver a situação, como é o caso do Direito francês que já legislou acerca do superendividamento.
Assim, no Code de la consommation (Código do consumo) , artigo L.313-12 está disposto o seguinte: Article L313-12: L'exécution des obligations du débiteur peut être, notamment en cas de licenciement, suspendue par ordonnance du juge d'instance dans les conditions prévues aux articles 1244-1 à 1244-3 du code civil. L'ordonnance peut décider que, durant le délai de grâce, les sommes dues ne produiront point intérêt. En outre, le juge peut déterminer dans son ordonnance les modalités de paiement des sommes qui seront exigibles au terme du délai de suspension, sans que le dernier versement puisse excéder de plus de deux ans le terme initialement prévu pour le remboursement du prêt ; il peut cependant surseoir à statuer sur ces modalités jusqu'au terme du délai de suspension.
A execução do devedor pode, em particular, em caso de demissão, ser suspensa por ordem do juiz, nas condições previstas nos artigos 1244-1 a 1244-3 do Código Civil. A ordem pode decidir que, durante o período de graça, os valores devidos não terão juros cobrados. Além disso, o juiz pode determinar a seu modo as condições de pagamento dos montantes que serão devidos no final do período de suspensão, o pagamento final não pode exceder mais de dois anos o prazo inicialmente previsto para o reembolso do empréstimo e pode, contudo, ser adiado neste ponto dependendo da decisão sobre estes termos, até que o fim do período de suspensão. (tradução livre de autoria de Francelize Alves Morking, contida no artigo intitulado "O reconhecimento das diferenças na materialização de direitos fundamentais com relação aos direitos do consumidor superendividado", publicado na Revista Paradigma, Ribeirão Preto-SP, ano XIX, n. 23, p. 17/40, jan./dez. 2014)
E, nos artigos 1244-1 ao 1244-3 do Code Civil , concede-se um período para que o devedor possa solver suas obrigações, podendo o julgador, diante das peculiaridades do caso concreto, conceder uma moratória com prazo de dois anos; período em que estarão suspensas as execuções contra o devedor, consoante o artigo 1244-3 do Code Civil, conforme explicita JOSÉ REINALDO DE LIMA LOPES, in Crédito ao consumidor e superendividamento – uma problemática geral, Revista do Direito do Consumidor nº 17, janeiro/ março de 1996, São Paulo: Ed. RT., p.60.
No Brasil, está em tramitação na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei n. 3.515/2015 (oriundo do Projeto de Lei do Senado n. 283/2012), dispondo acerca do superendividamento do consumidor e prevendo medidas judiciais para garantir o mínimo existencial ao consumidor endividado."
Nesta Corte estadual, também está consolidada a orientação de que possível a limitação de descontos em folha de pagamento e mesmo de débito em conta-corrente, como se vê dos seguintes julgados:
"APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO REVISIONAL. LIMITAÇÃO DOS DESCONTOS DAS PARCELAS DOS CONTRATOS. DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO.
- Consoante entendimento do STJ, os descontos em folha de pagamento/conta corrente devem obedecer ao patamar de 30% sobre a remuneração líquida do consumidor, após deduzidos os descontos legais.
- O polo passivo da ação é composto por mais de um banco ou financeira, dessa forma o juízo de origem determinou que "os empréstimos com consignação em folha de pagamento devem ser limitados em 30% da remuneração da parte após os descontos obrigatórios, isto é 961,86, devendo as instituições bancárias providenciar na adequação dos descontos das parcelas, no limite de até 7,5% dos vencimentos brutos do autor, fechando o percentual total de 30%, somados os descontos".
- De acordo com as informações colacionadas, a financeira apelante Crediare não ultrapassa o valor dos descontos em folha de pagamento, conforme estabelecido pelo juízo a quo.
APELO PROVIDO."
(Apelação Cível, Nº 50022065120198210073, Vigésima Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Desª. Ana Paula Dalbosco, Julgado em: 29-06-2021)
"APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DE LIMITAÇÃO DE DÉBITOS BANCÁRIOS COM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO.
CONFIGURADA HIPÓTESE DE SUPERENDIVIDAMENTO. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO DO BANCO EM CONCEDER CRÉDITO DESPROPORCIONAL A CONDIÇÃO DO CLIENTE PARA CUMPRIR AS CONTRATAÇÕES. LIMITAÇÃO A 30% DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO.
PEDIDO DE INDENIZAÇÃO NÃO ATENDIDO. NÃO CONFIGURADA ABALO MORAL. É CERTO DIZER QUE OS CONTRATOS FORAM FIRMADOS ESPONTANEAMENTE PELA DEMANDANTE.
APELO PROVIDO EM PARTE. UNÂNIME."
(Apelação Cìvel, Nº 5000469-93.2020.8.21.0035/RS, Décima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relatora: Desª. Katia Elenise Oliveira da Silva, Julgado em: 23-10-2020) - (grifei)
"AGRAVO DE INSTRUMENTO. EMPRÉSTIMO PESSOAL CONSIGNADO. REVISIONAL. LIMITAÇÃO DOS DESCONTOS. POSSIBILIDADE NO CASO. AUTORA IDOSA E APOSENTADA SEM RENDA EXTRA. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA. TUTELA DE URGÊNCIA. REQUISITO DA VEROSSIMILHANÇA.
1. Admissibilidade. O interesse recursal liga-se ao decaimento. Carece de interesse a parte que recorre a fim de obter o que a decisão lhe concedeu. No caso, a decisão determinou que a parte ré apresente os documentos relacionados pela autora na exordial.
2
. Limitação de descontos em conta-corrente. Embora lícito o desconto de valores em conta-corrente, para pagamento de contratos firmados, a supressão em patamar quase integral dos valores recebidos a título de aposentadoria atenta contra a dignidade da pessoa, podendo conduzir a uma condição de penúria.
Caso em que a Autora, idosa e aposentada, aufere aproximadamente um salário mínimo mensal, e teve praticamente todo o benefício descontado para pagamento de mútuo firmado junto às instituições financeiras. Na hipótese, o elemento verossimilhança se mostrou presente. Limitação dos descontos em conta-corrente ao percentual de 30% da remuneração líquida da parte consumidora. Precedentes.
3. Contexto dos autos e princípio da dignidade humana.
AGRAVO DE INSTRUMENTO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NA EXTENSÃO, PROVIDO."
(Agravo de Instrumento, Nº 70080743396, Vigésima Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Des. Alberto Delgado Neto, Julgado em: 28-05-2019)
"AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO REVISIONAL. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO.
SUSPENSÃO
DE
DESCONTOS
EM CONTA CORRENTE.
SUPERENDIVIDAMENTO
.
Desconto mensal promovido pela instituição financeira agravada em montante que compromete a integralidade dos rendimentos do agravante. Situação de
superendividamento
. Possibilidade de limitação em 30% da renda bruta (e não de simples
suspensão
/cancelamento, como pleiteado), excetuando-se os
descontos
obrigatórios.
Necessidade de assegurar ao devedor, à luz do princípio da dignidade humana, um mínimo existencial.
AGRAVO DE INSTRUMENTO PARCIALMENTE PROVIDO."
(Agravo de Instrumento, Nº 70076087220, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relatora: Desª. Mylene Maria Michel, Julgado em: 07-06-2018) - (grifei)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER, CUMULADA COM PEDIDOS DE REVISÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS, ANTECIPAÇÃO DE TUTELA DE URGÊNCIA E EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. DESCONTOS DE EMPRÉSTIMOS CONSIGNADOS NA FOLHA DE PAGAMENTO E NÃO CONSIGNADOS NA CONTA-CORRENTE BANCÁRIA DO CONSUMIDOR SUPERENDIVIDADO. SITUAÇÃO DE SUPERENDIVIDAMENTO CARACTERIZADA. TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA DEFERIDA EM PARTE PELO JUÍZO
A QUO
, PARA ABRANGER OS EMPRÉSTIMOS CONSIGNADOS. IRRESIGNAÇÃO RECURSAL DO AUTOR DEVEDOR SUPERENDIVIDADO. APLICAÇÃO DA LEI FEDERAL Nº 14.181/2021 AO CASO CONCRETO. INCLUSÃO CONCERTADA DE DÉBITOS NÃO CONSIGNADOS DO DEVEDOR SUPERENDIVIDADO, A FIM DE PRESERVAR OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA GARANTIA DO MÍNIMO EXISTENCIAL À SOBREVIVÊNCIA DO CONSUMIDOR EM SITUAÇÃO DE SUPERENDIVIDAMENTO. RECURSO PROVIDO EM PARTE.
1.
A PESSOA NATURAL SUPERENDIVIDADA É AQUELA CUJA RENDA MENSAL ESTÁ SEVERAMENTE COMPROMETIDA, A PONTO DE PERDER A CAPACIDADE DE PAGAR AS SUAS DÍVIDAS, COLOCANDO EM RISCO A SUA PRÓPRIA SUBSISTÊNCIA.
2.
EMBORA ADMITIDO O LANÇAMENTO A DÉBITO DIRETO EM CONTA-CORRENTE DO DEVEDOR SUPERENDIVIDADO, A JURISPRUDÊNCIA DO STJ E DO TJRS SINALIZAM A NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA GARANTIA DO MÍNIMO EXISTENCIAL DO DEVEDOR SUPERENDIVIDADO À SUA SUBSISTÊNCIA PRÓPRIA.
3.
CASO CONCRETO EM QUE OS DESCONTOS DE EMPRÉSTIMOS MENSAIS NÃO CONSIGNADOS LANÇADOS NA CONTA-CORRENTE DO SERVIDOR PÚBLICO MILITAR ESTADUAL SUPERENDIVIDADO CONSOMEM TODA A SUA REMUNERAÇÃO MENSAL LÍQUIDA, COMPROMETENDO A SUA DIGNIDADE E SUBSISTÊNCIA PESSOAL E VEDANDO-LHE O ACESSO A VALORES INDISPENSÁVEIS À SUA SOBREVIVÊNCIA. LIMITAÇÃO DOS LANÇAMENTOS A DÉBITO DIRETO DE EMPRÉSTIMOS NÃO CONSIGNADOS NA CONTA-CORRENTE DO AUTOR-AGRAVANTE A 30% DA SUA REMUNERAÇÃO MENSAL LÍQUIDA. MANUTENÇÃO DA DECISÃO RECORRIDA, COM AMPLIAÇÃO DOS SEUS EFEITOS PARA OS DÉBITOS (NÃO CONSIGNADOS).
4.
NESTA MOLDURA, A FARTA PROVA DOCUMENTAL PRODUZIDA NO CADERNO RECURSAL INTEGRADO EVIDENCIA A SITUAÇÃO DE SUPERENDIVIDAMENTO DO AGRAVANTE, CONFERINDO PROBABILIDADE AO
FUMUS BONIS JURIS
E AO
PERICULUM IN MORA
, COM PERIGO DE DANO DE DIFÍCIL REPARAÇÃO E RISCO AO RESULTADO ÚTIL DO PROCESSO DE ORIGEM, NAS ALEGAÇÕES DEDUZIDAS NO PROCESSO DE ORIGEM E NESTE RECURSO, QUE DEMONSTRAM, À SACIEDADE, OS DESCONTOS OPERADOS NA SUA CONTA-CORRENTE E COLOCAM EM RISCO A SUA DIGNIDADE, SUBSISTÊNCIA E MANUTENÇÃO DO MÍNIMO EXISTENCIAL GARANTIDOS NÃO SÓ PELAS CLÁUSULAS GERAIS DE TUTELA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, MAS, TAMBÉM, E MUITO ESPECIALMENTE, COM ALTERAÇÕES QUE LHE INTRODUZIRAM A LEI FEDERAL Nº 14.181/2021, DE 01/07/2021 (DOU DE 02/07/2021).
5.
NO CASO CONCRETO E NO JULGAMENTO CONJUNTO DOS AGRAVOS DE INSTRUMENTO DE INTERESSES CONTRÁRIOS, PORTANTO, IMPENDE NÃO SÓ MANTER A DECISÃO RECORRIDA, MAS TAMBÉM ESTENDER OS SEUS EFEITOS, PARA ABRANGER OS DESCONTOS CONTRATUAIS MENSAIS LANÇADOS A DÉBITO NA CONTA-CORRENTE DO AUTOR-AGRAVANTE A 30% DA SUA REMUNERAÇÃO LÍQUIDA. PRECEDENTES DO STJ E DO TJRS.
6.
A MULTA ARBITRADA NA ORIGEM É ADEQUADA E ATENDE À SUA FINALIDADE PROCESSUAL PREVENTIVA, SENDO DESCABIDA A SUA MAJORAÇÃO. NO CASO CONCRETO, OS SEUS EFEITOS TAMBÉM VÃO ESTENDIDOS AOS LANÇAMENTOS CONTRATUAIS MENSAIS A DÉBITO EM CONTA-CORRENTE.
7. RECURSO PROVIDO EM PARTE.
M/AI 3.934 - S 22.10.2021 – P 37.
(Agravo de Instrumento, Nº 5163026-50.2021.8.21.7000/RS, Décima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Des. Aymoré Roque Pottes de Mello, Julgado em: 29-10-2021)
Desta forma, no caso concreto, estando caracterizada a situação de superendividamento da parte autora é caso de manter a decisão recorrida nos seus exatos termos.
No que se refere à fixação de multa por descumprimento, o corréu-agravante sustenta ter sido fixada em excesso.
Neste ponto, destaco que o art. 537 do CPC autoriza a fixação de multa como mecanismo coercitivo para forçar o devedor ao cumprimento de obrigação de fazer ou obrigação de não fazer que lhe tenha sido imposta pelo Juízo. Sua fixação está autorizada, inclusive, na fase de conhecimento, como se vê da redação do referido artigo:
“Art. 537. A multa independe de requerimento da parte e poderá ser aplicada na fase de conhecimento, em tutela provisória ou na sentença, ou na fase de execução, desde que seja suficiente e compatível com a obrigação e que se determine prazo razoável para cumprimento do preceito.”
No caso, a multa foi fixada de modo a forçar os corréus ao cumprimento da ordem de limitação dos descontos consignados em folha de pagamento e de lançamentos a débito em conta-corrente do autor.
No caso concreto, a despeito da alegação do recorrente de fixação de multa diária, a decisão recorrida fixou multa em R$ 800,00 por dia de descumprimento e limitada ao valor do débito em aberto submetido ao processo de repactuação de dívidas. Assim, está assegurada a proporcionalidade e razoabilidade da fixação das
astreintes
, não se cogitando de sua redução.
Sobre a fixação de
astreintes
em casos similares, a jurisprudência desta Corte de Justiça orienta-se no mesmo sentido,
verbis
:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS.
SUPERENDIVIDAMENTO
. MULTA FIXADA PELO JUÍZO DE ORIGEM PARA O CASO DE DESCUMPRIMENTO DA ORDEM JUDICIAL.
ASTREINTES
MANTIDAS.
MULTA DIÁRIA QUE FOI FIXADA EM OBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE, BEM COMO LIMITADA AO VALOR DA DÍVIDA PENDENTE.
PRECEDENTES DESTE TRIBUNAL A RESPEITO DA VIABILIDADE DO VALOR DA ASTREINTE FIXADA, NÃO COMPORTANDO ONEROSIDADE EXCESSIVA OU ENRIQUECIMENTO ILÍCITO.
HIPÓTESE QUE O CUMPRIMENTO DA DETERMINAÇÃO, NO PRAZO ATRIBUÍDO, AFASTA A INCIDÊNCIA DA MULTA.
INTELIGÊNCIA DO ART. 537, DO CPC.
AGRAVO DE INSTRUMENTO NÃO PROVIDO, EM DECISÃO MONOCRÁTICA.
(Agravo de Instrumento, Nº 51310392520238217000, Décima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Des. Fernando Antônio Jardim Porto, Julgado em: 16-05-2023)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS. SUPERENDIVIDAMENTO
.
PROGRAM.
EXPEDIÇÃO DE OFICIO AO INSS. AUSÊNCIA DE PEDIDO ADMINISTRATIVO. NÃO CONHECIMENTO. INOVAÇÃO RECURSAL.
1. Deixa-se de conhecer os pontos referentes à expedição de ofício ao INSS e a ausência de pedido administrativo prévio, uma vez que estes tópicos não foram analisados pelo juízo
a quo
até o momento, hipótese que afronta ao Princípio do Duplo Grau de Jurisdição, caracterizando-se como inovação recursal.
LIMITAÇÃO DE DESCONTOS EM FOLHA DE PAGAMENTO E CONTA-CORRENTE.
DISTINGUISHING
.
1. Inobstante a licitude da cláusula que prevê os descontos em folha de pagamento, acaso excedidos os limites legais, entende-se pela limitação da sua eficácia, em respeito ao
princípio da dignidade humana
. Tal limitação tem como finalidade evitar o endividamento desenfreado e garantir o
mínimo existencial
ao consumidor, assegurando a sua própria subsistência e a da sua família, corolário do princípio da dignidade da pessoa humana.
2. Em razão destas premissas, o Conselho Nacional de Justiça reconheceu a classificação das ações de repactuação de dívidas (
superendividamento
), com o objetivo principal de mapear e avaliar o número de processos judiciais com demandas semelhantes.
3.O COMAG (Conselho da Magistratura), aprovou a criação do Projeto de Gestão de
Superendividamento
, órgão fracionário na Justiça de Primeiro Grau, responsável pelo julgamento das demandas que versem especificamente sobre as situações representadas pela Lei de
superendividamento
.
4. As ações de repactuação de dívidas, objetivam retirar os consumidores do
status
de endividamento e garantir o pagamento dos débito de maneira menos onerosa.
5. As medidas liminares de limitação aplicadas as estas ações, possuem fulcro na Lei n° 10.820/2003, recentemente alterada pela Lei nº 14.431/2022, mais especificamente no §1º do art. 1º, bem como, em seu art. 6º, ambos dispõem sobre a autorização para descontos em prestações em folha de pagamento.
6. Em relação aos descontos realizados em conta-corrente, o entendimento esposado por este Colegiado, até então, era no sentido de aderir ao tema 1.085 do STJ, no qual, firmou-se a tese de ser inaplicável a limitação prevista na Lei 10.820/2003 para casos de empréstimo bancário com pagamento por débito em conta (REsp n. 1.863.973/SP).
7. Considerando que a presente ação busca a repactuação de dívidas, com base na Lei do
Superendividamento
, distingue-se esta das demandas abrangidas pelo Tema 1.085 do Superior Tribunal de Justiça (
distinguishing
) invocado pela casa bancária em seu recurso (art. 489, §1º, inc. VI, do CPC).
8. No caso concreto, realizado o exame dos vencimentos e descontos realizados no contracheque do consumidor, bem como, analisado todas as particularidades do caso, constata-se que a parte autora se encaixa no perfil de superendividada, sendo merecedora de direitos de proteção.
9. Urgência e evidência caracterizadas, cabível a medida de limitação de descontos em 35% sobre os rendimentos líquidos da parte consumidora, em ambas modalidades.
PARÂMETRO DE ORDEM PARA A LIMITAÇÃO DOS DESCONTOS.
1. O entendimento consolidado neste Tribunal de Justiça é de admitir a limitação dos descontos com base na ordem cronológica da contratação. Precedentes.
2. Esta metodologia visa limitar apenas aqueles descontos que efetivamente ultrapassaram o limite estipulado de 35%, sendo legítimos aqueles realizados antes da quebra desta margem.
MULTA POR DESCUMPRIMENTO.
1. A fixação de multa diária para o caso de descumprimento de ordem judicial, consoante o disposto no artigo 537 Código de Processo Civil, não constitui ato judicial suscetível de ocasionar lesão grave e de difícil reparação ao credor, considerando o fato de a penalidade ser imposta apenas se descumprida a medida.
2. Conforme assentado em Recurso Especial Representativo da Controvérsia (REsp nº 1.333.988), a decisão que comina
astreintes
não preclui, não fazendo tampouco coisa julgada, podendo seus valores ser revistos a qualquer tempo.
3. No presente caso, a multa no patamar em que estabelecido pelo juízo
a quo
apenas será cobrada em caso de descumprimento injustificável do comando judicial no prazo legalmente estabelecido, ou seja, a própria instituição financeira agravante é quem irá decidir se terá que pagar a multa ou não.
AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO.
(Agravo de Instrumento, Nº 52511227020238217000, Vigésima Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relatora: Desª. Ana Paula Dalbosco, Julgado em: 21-11-2023)
Neste sentido, mantenho a multa fixada pelo Magistrado singular por dia de descumprimento, limitada ao limite da dívida pendente, para inibir eventual desobediência quanto à obrigação atribuída ao corréu-agravante.
Assim, nego provimento ao recurso também neste ponto.
O corréu-agravante
defende que o cumprimento da decisão recorrida deve se dar pela expedição de ofícios ao ao órgão pagador. A pretensão não prospera. Isto porque não se pode cogitar a respeito da substituição da obrigação do corréu-agravante de dar cumprimento a uma ordem a ele direcionada.
A responsabilidade pelo cumprimento da ordem judicial proferida na origem é daqueles a quem a ordem é direcionada, isto é elementar. Ainda mais, conforme já referido, não se trata de ordens impossíveis de serem cumpridas pelos credores, estando o cumprimento ao seu alcance.
Neste sentido, o ônus de dar cumprimento à decisão recorrida, bem como a responsabilidade por eventual descumprimento não pode ser transferido a terceiros.
Diante do exposto, com fundamento no art. 932, incisos III e VIII, do CPC, combinado com o art. 206, inc. XXXVI, do Regimento Interno, nego provimento ao agravo de instrumento interposto, nos termos da fundamentação.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Diligências legais.
2
. Sarlet, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais sociais, mínimo existencial e direito privado, p. 99.Jacintho, Jussara Maria Moreno. Dignidade humana: princípio constitucional. Curitiba: Juruá, 2006. p. 207.
2
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