Processo nº 5007512-38.2024.8.08.0024
ID: 314936275
Tribunal: TJES
Órgão: Vitória - Comarca da Capital - 2ª Vara Cível
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 5007512-38.2024.8.08.0024
Data de Disponibilização:
03/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
FABRICIO CALIARI BELO
OAB/ES XXXXXX
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ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PODER JUDICIÁRIO Juízo de Vitória - Comarca da Capital - 2ª Vara Cível Rua Leocádia Pedra dos Santos, 80, Enseada do Suá, VITÓRIA - ES - CEP: 29050-370 Telefone:(27) 31980633…
ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PODER JUDICIÁRIO Juízo de Vitória - Comarca da Capital - 2ª Vara Cível Rua Leocádia Pedra dos Santos, 80, Enseada do Suá, VITÓRIA - ES - CEP: 29050-370 Telefone:(27) 31980633 PROCESSO Nº 5007512-38.2024.8.08.0024 PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) REQUERENTE: FABRICIO VALENTIM ZANZARINI REQUERIDO: GOL LINHAS AEREAS S.A. Advogado do(a) REQUERENTE: FABRICIO CALIARI BELO - ES31351 Advogado do(a) REQUERIDO: LOYANNA DE ANDRADE MIRANDA MENEZES - MG111202 SENTENÇA Trata-se de ação indenizatória ajuizada por FABRICIO VALENTIM ZANZARINI em face de GOL LINHAS AÉREAS S/A. Segundo a narrativa autoral, no dia 01/10/2023, o demandante adquiriu passagem aérea, ida e volta, no trecho Vitória (VIX) – São José dos Pinhais (SJP), com voos marcados para os dias 21/12/2023 (ida) e 26/12/2023 (retorno), sob a reserva identificada como HCKJXH, ao custo de R$ 1.366,92. Em 22/11/2023, foi surpreendido com a comunicação do cancelamento do voo inicial, que sairia de Vitória para São Paulo (Congonhas), sendo reacomodado em voo com destino ao Rio de Janeiro (Galeão). No entanto, ao desembarcar no Galeão, foi informado do cancelamento do segundo trecho e reacomodado em voo operado pela LATAM, chegando ao destino final com atraso significativo. Narra que os vouchers fornecidos para alimentação – R$ 25,00 para café da manhã e R$ 40,00 para almoço – foram insuficientes, obrigando-o a arcar com despesas adicionais. No retorno, em 25/12/2023, ao tentar realizar o check-in, foi informado de que sua reserva havia sido cancelada por “no-show”, embora sustentasse ter comparecido ao voo originalmente agendado. Aduz que após contatos frustrados com a central de atendimento (protocolos 7545426 e 7545736), foi compelido a adquirir nova passagem pelo valor de R$ 2.253,65, e apenas em 16/02/2024 obteve o reembolso após reiteradas solicitações e longa espera, com registros de atendimento sob os protocolos 7654581, 8137837, 8342791 e 8346448. Por tais razões, requer a procedência da demanda com a condenação da ré ao pagamento de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), a título de danos morais. Com a inicial vieram os documentos de ID nº 38702431. Comprovante de recolhimento de custas no ID nº 42834791. Contestação apresentada pela empresa GOL LINHAS AÉREAS S/A no ID nº 48651230, na qual confirmou a ocorrência de alterações no voo contratado por reajuste da malha aérea, salientando que a comunicação foi realizada com antecedência mínima legal de 72 horas, em estrita observância à Resolução nº 400/2016 da ANAC. A ré sustentou que as alterações decorreram de necessidade operacional e força maior, afastando, portanto, qualquer ilícito ou falha na prestação de serviço. Defendeu que o atraso enfrentado na conexão no Galeão se deu por causas operacionais alheias à vontade da companhia e que, de qualquer modo, houve a prestação de assistência material e reacomodação do autor em outro voo – inclusive operado por companhia diversa – sem qualquer ônus. Réplica no ID nº 49360417. Intimadas para especificarem as provas que pretendem produzir, a parte ré pleiteou o julgamento antecipado da lide (ID nº 53758019); o requerente, por sua vez, não se manifestou quanto ao referido despacho. Relatados, DECIDO. I - DO MÉRITO 1. Do julgamento antecipado do mérito Compulsando os autos, chego a conclusão que o feito encontra-se pronto para julgamento, na forma do art. 355, inciso I, do CPC, mormente considerando que a matéria fática apresentada já foi devidamente demonstrada pelos documentos que instruem os autos, não havendo necessidade de produção de outras provas. 2. Da incidência do Código de Defesa do Consumidor e o Ato Ilícito Em linhas iniciais, tem-se sob exame hipótese de típica relação de consumo, em que requerente e requerida enquadram-se, respectivamente, nas figuras de consumidor e fornecedor de serviços, sob a égide dos artigos 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Isso porque, consoante a jurisprudência do C. STJ: “O STF, no julgamento do RE nº 636.331/RJ, com repercussão geral reconhecida, fixou a seguinte tese jurídica: Nos termos do artigo 178 da Constituição da República, as normas e os tratados internacionais limitadores da responsabilidade das transportadoras aéreas de passageiros, especialmente as Convenções de Varsóvia e Montreal, têm prevalência em relação ao Código de Defesa do Consumidor. Referido entendimento tem aplicação apenas aos pedidos de reparação por danos materiais. As indenizações por danos morais decorrentes de extravio de bagagem e de atraso de voo não estão submetidas à tarifação prevista na Convenção de Montreal, devendo-se observar, nesses casos, a efetiva reparação do consumidor preceituada pelo CDC. Precedentes. Incidência da Súmula 83 do STJ" (AgInt no REsp 1.863.697/RS, Relator MINISTRO MARCO BUZZI, Quarta Turma, julgado em 26/9/2022, DJe de 29/9/2022).” Assim sendo, o sistema de responsabilidade civil adotado pelo Código de Defesa do Consumidor é a responsabilidade objetiva (contratual e extracontratual) que se funda na teoria do risco da atividade: a existência do dano e do nexo de causalidade entre o fato e o dano impõem ao fornecedor o dever de indenizar (CDC 6º VI, 12 a 25). Por isso, em havendo responsabilização da requerida, a sua responsabilidade civil é objetiva, baseada na teoria do risco do negócio profissional que empreende, como mencionado acima, conforme prevê o art. 14, do Código de Defesa do Consumidor, in verbis: Artigo 14— o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços...". § 1º - "O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: I— O modo de seu fornecimento; II— O resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam; (...). A requerida responde independentemente da existência de culpa, sendo que a responsabilidade se aperfeiçoa mediante o concurso de três pressupostos: a) defeito do serviço; b) evento danoso; c) relação de causalidade entre o defeito do serviço e do dano. Em apertada síntese, o ponto fulcral da demanda é: se houve dano moral em razão do cancelamento do voo adquirido pelo requerente e, em caso positivo, o seu quantum. No tocante a inversão do ônus da prova, é cediço que, via de regra, a distribuição do ônus da prova é feita nos moldes do art. 373 do CPC, cabendo ao autor a obrigação de provar os fatos constitutivos de seu direito e ao réu demonstrar a existência dos fatos extintivos, impeditivos ou modificativos da pretensão do requerente. No entanto, em determinadas hipóteses esta regra é excepcionada pela própria lei ou diante das peculiaridades do caso concreto, conforme disposto no § 1º, do art. 373 do CPC, segundo o qual “nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.” Do mesmo modo no Código de Defesa do Consumidor, ao tratar do consumo de produtos ou serviços, transferindo para o demandado o ônus de comprovar que inexiste defeito na prestação de seus serviços, artigo 14, § 3º do CDC. Ademais, cumpre ressaltar que, em se tratando de relação de consumo, na hipótese de falha na prestação de serviços, isto é, de fato do serviço, como in casu, a inversão do ônus da prova é ope legis, nos termos do art. 14, §3º, inciso I, do CDC, incumbindo ao consumidor apenas a produção de prova de primeira aparência, cabendo ao prestador do serviço comprovar que prestou de forma adequada e segura os serviços contratados. Neste particular, colaciono os ensinamentos de Sergio Cavalieri Filho, em Programa de Responsabilidade Civil, in verbis: “Dispõe o §3º do art. 12 do Código de Defesa do Consumidor: ‘O fabricante, o construtor, o produtor ou o importador só não será responsabilizado quando provar [...]’. No mesmo sentido o §3º do art. 14: “O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar [...]’. Temos aí, induvidosamente, uma inversão do ônus da prova quanto ao defeito do produto ou do serviço, porquanto em face da prova de primeira aparência, caberá ao fornecedor provar que o defeito inexiste ou a ocorrência de qualquer causa de exclusão de responsabilidade. Essa inversão do ônus da prova – cumpre ressaltar – não é igual àquela que está prevista no art. 6º, VIII. Aqui a inversão é ope legis, isto é, por força de lei; ao passo que ali a inversão é ope iudicis, que, a critério do juiz, poderá ser feita quando a alegação for verossímil ou quando o consumidor for hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência.”1 Saliento, outrossim, que a Segunda Seção do Egrégio Superior Tribunal de Justiça já se manifestou sobre o tema, no julgamento do REsp 802.832/MG, senão vejamos: TRECHO DO VOTO DO MINISTRO RELATOR PAULO DE TARSO SANSEVERINO, NO RESP 802.832/MG: Inicialmente, deve-se estabelecer uma diferenciação entre duas modalidades de inversão do ônus da prova prevista pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), podendo ela decorrer da lei (ope legis) ou de determinação judicial (ope judicis). Na primeira hipótese, a própria lei – atenta às peculiaridades de determinada relação jurídica –excepiona previamente a regra geral de distribuição do ônus da prova. Constituem exemplos desta situação as hipóteses prevista pelos enunciados normativos dos arts. 12, §3º, II e 14, §3º, I, do CDC, atribuindo ao fornecedor o ônus de comprovar, na responsabilidade civil por acidentes de consumo - fato do produto (art. 12) ou fato do serviço (art. 14), a inexistência do defeito, encargo que, segundo a regra geral do art. 333, I, do CP, seria do consumidor demandante. Nessas duas hipóteses, não se coloca a questão de estabelecer qual o momento adequado para inversão do ônus da prova, pois a inversão foi feita pelo próprio legislador ("ope legis") e, naturalmente, as partes, antes mesmo da formação da relação jurídico-processual, já devem conhecer o ônus probatório que lhe foi atribuído por lei. Ressalte-se que este julgado já foi ratificado em outros arestos do mesmo Tribunal Superior, senão vejamos: CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS EM DECORRÊNCIA DE RELAÇÃO DE CONSUMO. ALEGAÇÃO DO RÉU DE QUE OS REQUISITOS PARA A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA NÃO ESTÃO PRESENTES. RECORRIBILIDADE IMEDIATA COM BASE NO ART. 1.015, XI, DO CPC/15. POSSIBILIDADE. REGRA DE CABIMENTO DO AGRAVO DE INSTRUMENTO QUE SE INTERPRETA EM CONJUNTO COM O ART. 373, §1º, DO CPC/15. AGRAVO DE INSTRUMENTO CABÍVEL NAS HIPÓTESES DE DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÔNUS DA PROVA E DE INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. INSTITUTOS DISTINTOS, MAS SEMELHANTES QUANTO À NATUREZA, JUSTIFICATIVA, MOMENTO DE APLICAÇÃO E EFEITOS. INDISPENSÁVEL NECESSIDADE DE PERMITIR À PARTE A DESINCUMBÊNCIA DO ÔNUS DE PROVAR QUE, POR DECISÃO JUDICIAL, FORA IMPOSTO NO CURSO DO PROCESSO. 1- Ação proposta em 20/08/2015. Recurso especial interposto em 21/09/2017 e atribuído à Relatora em 13/03/2018. 2- O propósito recursal é definir se cabe agravo de instrumento, com base nos arts. 1.015, XI e 373, §1º, do CPC/15, contra a decisão interlocutória que versa sobre a inversão do ônus da prova nas ações que tratam de relação de consumo. 3- No direito brasileiro, o ônus da prova é disciplinado a partir de uma regra geral prevista no art. 373, I e II, do CPC/15, denominada de distribuição estática do ônus da prova, segundo a qual cabe ao autor provar o fato constitutivo do direito e cabe ao réu provar o fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, admitindo-se, ainda, a existência de distribuição estática do ônus da prova de forma distinta da regra geral, caracterizada pelo fato de o próprio legislador estabelecer, previamente, a quem caberá o ônus de provar fatos específicos, como prevê, por exemplo, o art. 38 do CDC. 4- Para as situações faticamente complexas insuscetíveis de prévia catalogação pelo direito positivo, a lei, a doutrina e a jurisprudência passaram a excepcionar a distribuição estática do ônus da prova, criando e aplicando regras de distribuição diferentes daquelas estabelecidas em lei, contexto em que surge a regra de inversão do ônus da prova prevista no art. 6º, VIII, do CDC, e a teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, reiteradamente aplicada por esta Corte mesmo antes de ser integrada ao direito positivo, tendo ambas - inversão e distribuição dinâmica - a característica de permitir a modificação judicial do ônus da prova (modificação ope judicis). 5- As diferentes formas de se atribuir o ônus da prova às partes se reveste de acentuada relevância prática, na medida em que a interpretação conjunta dos arts. 1.015, XI, e 373, §1º, do CPC/15, demonstra que nem todas as decisões interlocutórias que versem sobre o ônus da prova são recorríveis de imediato, mas, sim, apenas àquelas proferidas nos exatos moldes delineados pelo art. 373, §1º, do CPC/15. 6- O art. 373, §1º, do CPC/15, contempla duas regras jurídicas distintas, ambas criadas para excepcionar à regra geral, sendo que a primeira diz respeito à atribuição do ônus da prova, pelo juiz, em hipóteses previstas em lei, de que é exemplo a inversão do ônus da prova prevista no art. 6º, VIII, do CDC, e a segunda diz respeito à teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, incidente a partir de peculiaridades da causa que se relacionem com a impossibilidade ou com a excessiva dificuldade de se desvencilhar do ônus estaticamente distribuído ou, ainda, com a maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário. 7- Embora ontologicamente distintas, a distribuição dinâmica e a inversão do ônus têm em comum o fato de excepcionarem a regra geral do art. 373, I e II, do CPC/15, de terem sido criadas para superar dificuldades de natureza econômica ou técnica e para buscar a maior justiça possível na decisão de mérito e de se tratarem de regras de instrução que devem ser implementadas antes da sentença, a fim de que não haja surpresa à parte que recebe o ônus no curso do processo e também para que possa a parte se desincumbir do ônus recebido. [...] (REsp n. 1.729.110/CE, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 2/4/2019, DJe de 4/4/2019.) Dito isso, verifico que o autor produziu a prova de primeira aparência que lhe é exigida, vez que trouxe aos autos documentos que estavam sob o seu alcance, razão pela qual inverto o ônus da prova. 3. Dano moral Em suma, a parte autora sustenta que suportou prejuízos de natureza extrapatrimonial em razão do cancelamento do voo que sairia de Vitória para São Paulo (Congonhas), sendo reacomodado em voo com destino ao Rio de Janeiro (Galeão), bem como que ao desembarcar no Galeão, foi informado a respeito de outro cancelamento, desta vez com relação ao segundo trecho, e novamente reacomodado em voo operado pela LATAM, chegando ao destino final com atraso significativo. Especificamente em relação ao overbooking, que é a prática de vender passagens aéreas em quantidade superior ao de assentos existentes no avião com o intuito de minimizar os prejuízos decorrentes do cancelamento de reservas, o entendimento dominante da jurisprudência é pelo reconhecimento da sua abusividade, surgindo daí a responsabilidade objetiva da companhia aérea, devendo ser reconhecido o dever de indenizar (TJES. APELAÇÃO CÍVEL n. 0037609-19.2018.8.08.0024. Rel. Des. Julio Cesar Costa de Oliveira. 1ª Câmara Cível, data: 02/03/2023.) Os Tribunais pátrios também reconhecem a abusividade de outra prática comum das companhias aéreas, conhecida como “no-show”, vejamos: AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL - AÇÃO CONDENATÓRIA - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE DEU PROVIMENTO AO RECLAMO DA PARTE ADVERSA. INSURGÊNCIA DA DEMANDADA. 1. "Por ser uma conduta abusiva, configura ato ilícito causador de danos morais o cancelamento unilateral da passagem de volta, em razão do não comparecimento para embarque no trecho de ida (no-show), porquanto essa prática é rechaçada pelo Código de Defesa do Consumidor." (AgInt no AREsp 1447599/RJ, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, DJe 27/06/2019). Precedentes de ambas as Turmas que integram a Segunda Seção desta Corte. 2. Agravo interno desprovido. (AgInt no REsp n. 1.906.573/DF, relator Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 31/5/2021, DJe de 4/6/2021.) No presente caso, destaca-se em primeiro que o requerente compareceu ao voo agendado para o trajeto inicial, de modo que o cancelamento do trecho de volta com base na suposta ausência do consumidor não possui nenhum amparo legal, seja pela própria abusividade da prática conhecida como “no-show” (conforme o julgado acima), mas também porque o não comparecimento sequer ocorreu no caso dos autos. Outrossim, nos casos de atraso, cancelamento, interrupção do serviço e preterição, a Resolução n. 400 da ANAC, impõe os seguintes deveres ao transportador: Art. 20. O transportador deverá informar imediatamente ao passageiro pelos meios de comunicação disponíveis: I - que o voo irá atrasar em relação ao horário originalmente contratado, indicando a nova previsão do horário de partida; e II - sobre o cancelamento do voo ou interrupção do serviço. § 1º O transportador deverá manter o passageiro informado, no máximo, a cada 30 (trinta) minutos quanto à previsão do novo horário de partida do voo nos casos de atraso. § 2º A informação sobre o motivo do atraso, do cancelamento, da interrupção do serviço e da preterição deverá ser prestada por escrito pelo transportador, sempre que solicitada pelo passageiro. Art. 21. O transportador deverá oferecer as alternativas de reacomodação, reembolso e execução do serviço por outra modalidade de transporte, devendo a escolha ser do passageiro, nos seguintes casos: I - atraso de voo por mais de quatro horas em relação ao horário originalmente contratado; II - cancelamento de voo ou interrupção do serviço; III - preterição de passageiro; e IV - perda de voo subsequente pelo passageiro, nos voos com conexão, inclusive nos casos de troca de aeroportos, quando a causa da perda for do transportador. [...] Art. 26. A assistência material ao passageiro deve ser oferecida nos seguintes casos: I - atraso do voo; II - cancelamento do voo; III - interrupção de serviço; ou IV - preterição de passageiro. Art. 27. A assistência material consiste em satisfazer as necessidades do passageiro e deverá ser oferecida gratuitamente pelo transportador, conforme o tempo de espera, ainda que os passageiros estejam a bordo da aeronave com portas abertas, nos seguintes termos: I - superior a 1 (uma) hora: facilidades de comunicação; II - superior a 2 (duas) horas: alimentação, de acordo com o horário, por meio do fornecimento de refeição ou de voucher individual; e III - superior a 4 (quatro) horas: serviço de hospedagem, em caso de pernoite, e traslado de ida e volta. In casu, o autor demonstrou que após solicitar o cancelamento das passagens para o trecho de volta no dia 25/12/2023, apenas obteve o devido reembolso pela companhia aérea ré no dia 16/02/2024 (ID nº 38702431), ou seja, ultrapassados quase 02 (dois) meses da solicitação. Neste ponto, registro que o prazo de 12 (doze) meses para o reembolso de passagens aéreas pelas companhias, aplica-se tão somente àqueles cancelamentos havidos em função da pandemia, isto é, no período de 19 de março de 2020 a 31 de dezembro de 2021, nos termos do art. 3º da Lei n. 14.034/2020. Mesmo com posterior remanejamento dos passageiros, fato é que a logística programada pelos consumidores fica prejudicada. Mesmo que não fosse o caso, evidente que o atraso de aproximadamente 05 (cinco) horas no voo do requerente traduz-se como fortuito interno, o que não exclui a responsabilidade da requerida. Estabelecida a responsabilidade da requerida, passo ao exame do dano moral alegado gerados pelo supracitado ilícito, que guarda correspondência com a norma constitucional vigente no artigo 5º, incisos V e X, da Constituição Federal. Arnoldo Medeiros da Fonseca conceituou: "Dano moral, na esfera do direito, é todo sofrimento humano resultante de lesão de direitos estranhos ao patrimônio, encarado como complexo de relações jurídicas com valor econômico. Assim, por exemplo, envolvem danos morais as lesões a direitos políticos, a direitos personalíssimos ou inerentes à personalidade humana (como direito à vida, à liberdade, à honra, ao nome, à liberdade de consciência ou de palavra), a direitos de família (resultantes da qualidade de esposo, de pai ou de parente), causadores de sofrimento moral ou dor física, sem atenção aos seus possíveis reflexos no campo econômico" (in Repertório Enciclopédico do Direito Brasileiro, vol. 14, verbete Dano Moral)." Então, especificamente, quanto ao abalo moral experimentado pelo autor, verifico que, no caso concreto, é de fácil verificação que a situação pela qual passa a parte autora. A aflição e os transtornos suportados em razão dos sucessivos cancelamentos, além da confiança depositada na ré, bem como na expectativa frustrada de chegar ao seu destino no dia e horário previstos para tanto, demonstrando ainda negligência, descuido por parte da requerida. Convém destacar ainda os seguintes julgados, nos quais foram reconhecidas o dano moral pretendido pelo consumidor lesado em virtude do atraso pela realocação do voo: Apelação. Ação de indenização por danos materiais e moral. Transporte aéreo internacional. Overbooking. Sentença de parcial procedência. Recurso da parte autora. 1. Juros moratórios. Termo inicial. Evento danoso. Determinação constante da sentença. Falta de interesse recursal do autor quanto ao ponto. 2. Overbooking. Reacomodação do passageiro em aeronave diversa, atrasando sua chegada ao destino em 96 (noventa e seis) horas, em relação ao horário contratado. Responsabilidade objetiva da companhia aérea em reparar os danos causados (CDC, art. 14; CC, arts. 734 e 737). 3. Dano moral. Dano in re ipsa. Valor da indenização de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) arbitrado em sentença que deve ser majorado para 20.000,00 (vinte mil reais), consideradas as peculiaridades do caso concreto, e os precedentes desta C. Câmara. 4. Sentença reformada, para majorar a indenização por dano moral, condenando-se a ré ao pagamento de honorários advocatícios de 20% sobre o valor da condenação (indenização por danos material e moral). Recurso parcialmente provido na parte conhecida. (TJSP. Apelação Cível n. 1002059-63.2023.8.26.0704. Rel. Des. Elói Estevão Troly. 15ª Câmara de Direito Privado, data: 08/05/2024.) EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - PRETENSÃO INDENIZATÓRIA - TRANSPORTE AÉREO - IMPOSSIBILIDADE DE EMBARQUE NO PRIMEIRO VOO DO TRECHO - ALEGAÇÃO DE OVERBOOKING - FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO - DEVER DE INFORMAÇÃO DA COMPANHIA AÉREA - DESCUMPRIMENTO - AUSÊNCIA DE AVISO PRÉVIO - DANO MORAL - VIOLAÇÃO À INTEGRIDADE PSÍQUICA - QUANTUM INDENIZATÓRIO - EXTENSÃO DOS DANOS. 1. Caracteriza-se o defeito na prestação dos serviços, quando a companhia aérea se obriga a transportar o passageiro ao destino final, por ocasião da venda de passagens, mas não permite o embarque no primeiro voo do trecho. 2. O deslocamento inútil do consumidor até o aeroporto, impedido de realizar o primeiro voo do trecho com destino internacional, causam no passageiro sentimento de frustração e de impotência que repercutem na sua integridade psíquica, configurando, assim, dano moral indenizável. 3. Fixação do valor da indenização com observância à extensão do prejuízo comprovado. (TJMG - Apelação Cível 1.0000.24.171501-0/001, Relator(a): Des.(a) Marcelo de Oliveira Milagres, 18ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 16/04/2024, publicação da súmula em 16/04/2024) Outrossim, a jurisprudência também reconhece a pertinência da verificação da perda do tempo útil do consumidor em situações semelhantes. Pela teoria do desvio produtivo, o desgaste psicológico impingido ao consumidor, que lhe consome tempo para obter uma solução razoável para o problema criado pela companhia aérea, configura dano moral indenizável. Neste sentido: TJMG - Apelação Cível 1.0000.23.081901-3/001, Relator(a): Des.(a) Luiz Artur Hilário , 9ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 07/11/2023, publicação da súmula em 08/11/2023; TJMG - Apelação Cível 1.0000.23.204464-4/001, Relator(a): Des.(a) Sérgio André da Fonseca Xavier , 18ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 07/11/2023, publicação da súmula em 07/11/2023. Tal verba é devida neste caso concreto, lembrando que, restritamente, o constrangimento suportado pelo requerente não pode ser compensado pela indenização em dinheiro, pois não é esta a sua função, mas sim a de dar à vítima uma alegria que possa minorar o seu sofrimento. E como "não existem critérios objetivos para cálculo da expiação pecuniária do dano moral, que, por definição mesma nada tem com eventuais repercussões econômicas do ilícito", o julgador deve considerar a gravidade da situação, o constrangimento experimentado, a situação econômica das partes, as reais circunstâncias do caso, a verificação da intensidade da culpa, observados os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, devendo atender à gravidade da lesão, à sua repercussão na esfera dos lesados e ao potencial econômico social do lesante. Mesmo que seu propósito seja o de penalizar o ofensor, contudo, não se pode promover o locupletamento ilícito do ofendido. Por outro lado, tenho que a estável situação econômica da requerida, é notória. Assim, utilizando-se do princípio processual da proporcionalidade e sopesando os critérios a saber: a gravidade da situação, o constrangimento experimentado, a situação econômica das partes, as reais circunstâncias do caso, a verificação da intensidade da culpa, devendo atender à gravidade da lesão, a sua repercussão na esfera dos lesados e ao potencial econômico social do lesante, tenho o réu agiu negligentemente, razão pela qual fixo a indenização por dano moral na quantia de R$ 10.000,00 (dez mil reais). II - DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS Com as inovações trazidas pelo Novo Código de Processo Civil, Lei 13.105, que entrou em vigor em 18/03/2016, passou a dispor que: Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor. § 1o São devidos honorários advocatícios na reconvenção, no cumprimento de sentença, provisório ou definitivo, na execução, resistida ou não, e nos recursos interpostos, cumulativamente. § 2o Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, atendidos: I - o grau de zelo do profissional; II - o lugar de prestação do serviço; III - a natureza e a importância da causa; IV - o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço. […] Assim, considerando a previsão legal, bem como o tempo de duração do processo, fixo os honorários em 20% (vinte por cento) sobre o valor da condenação, na forma do §2º do artigo ora mencionado. III - DISPOSITIVO Ante o exposto, na forma do artigo 487, inciso I do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTE o pedido autoral, para: a) CONDENAR a ré ao pagamento do valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), a título de danos morais, corrigido monetariamente a partir da data desta sentença (Súmula 362 do STJ), e acrescido de juros de mora desde a data da citação. A correção monetária e os juros de mora incidirão de acordo com os artigos 389 e 406 do Código Civil, observando-se as alterações introduzidas pela Lei nº 14.905/2024, da seguinte forma: i) até o dia 29/08/2024 (dia anterior à entrada em vigor da referida lei), a atualização monetária será realizada com base na Tabela Prática do TJES (INPC), e os juros de mora serão de 1% ao mês; ii) a partir do dia 30/08/2024 (data da vigência da Lei nº 14.905/2024), o índice de correção monetária será o IPCA, e os juros de mora seguirão a taxa SELIC, deduzindo o índice de atualização monetária, na forma do art. 406, § 1º, do Código Civil, com alteração dada pela Lei nº 14.905/2024. Caso a taxa legal (SELIC) apresente resultado negativo, será considerado percentual igual a zero para fins de cálculo dos juros de mora no período de referência (art. 406, § 3º, do Código Civil, com a redação dada pela lei nº 14.905/2024). CONDENO a parte requerida ao pagamento de custas processuais e honorários sucumbenciais, que fixo em 20% (vinte por cento), sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, §2º do CPC. DILIGÊNCIAS PARA A SECRETARIA Vindo aos autos recurso, deve a secretaria certificar a tempestividade e o preparo para, ao depois, intimar o recorrido para apresentar suas contrarrazões, caso queira, no prazo de 15 (quinze) dias, consoante arts. 1.010, § 1º c/c art. 1.003 e art. 219, todos do CPC. Apresentada resposta ou não, certifique-se e remetam os autos ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, com as cautelas de estilo. Caso não seja interposto recurso, certifique-se o trânsito em julgado. Após, deverá a SECRETARIA DO JUÍZO emitir o Relatório de Situação das custas, por meio do sistema eletrônico disponível no sítio oficial do Tribunal de Justiça, antes do arquivamento definitivo do processo; Decorrido o prazo legal de 10 (dez) dias após o trânsito em julgado, sem o devido pagamento das custas e/ou despesas processuais, nos termos do art. 17, inciso II, e § 2º, da Lei Estadual nº 9.974/2013, com redação dada pela Lei nº 12.177/2024, proceda-se, pela Secretaria, ao seguinte: 1) PROMOVA-SE a comunicação da inadimplência à Procuradoria Geral do Estado, mediante o devido lançamento no Cadastro de Inadimplentes do Poder Judiciária – CADIN, nos moldes do art. 7º, parágrafo único, do Ato Normativo Conjunto nº 011/2025; 2) Em seguida, providencie-se o imediato arquivamento definitivo dos autos, independentemente de qualquer manifestação ou despacho adicional, nos termos do referido Ato Normativo e da legislação estadual aplicável. Ressalta-se expressamente que, nos termos da Lei nº 9.974/2013, com a redação dada pela Lei 12.177/2024, não há necessidade de intimação prévia da parte para o pagamento das custas complementares ou finais, sendo suficiente o marco do trânsito em julgado para início do prazo legal. Tampouco se deve aguardar qualquer manifestação da Fazenda Pública após a comunicação da inadimplência: realizada a comunicação, deve-se proceder imediatamente à baixa do processo. A remessa de processo às Contadorias Judiciais para cálculo de custas está expressamente dispensada nos processos eletrônicos, devendo a emissão ser realizada diretamente pela parte interessada, conforme previsto nos artigos 1º e 2º do Ato Normativo. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Diligencie-se. VITÓRIA-ES, na data da assinatura eletrônica. DANIELLE NUNES MARINHO Juíza de Direito
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