Processo nº 0007494-06.2020.8.11.0042
ID: 299614257
Tribunal: TJMT
Órgão: Quarta Câmara Criminal
Classe: APELAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 0007494-06.2020.8.11.0042
Data de Disponibilização:
16/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
GABRIEL DE CASTRO BORGES REIS
OAB/GO XXXXXX
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AMANDA DE CASTRO BORGES REIS
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 0007494-06.2020.8.11.0042 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Decorrente de Violência Doméstica, Violência Doméstica …
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 0007494-06.2020.8.11.0042 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Decorrente de Violência Doméstica, Violência Doméstica Contra a Mulher] Relator: Des(a). LIDIO MODESTO DA SILVA FILHO Turma Julgadora: [DES(A). LIDIO MODESTO DA SILVA FILHO, DES(A). HELIO NISHIYAMA, DES(A). JUVENAL PEREIRA DA SILVA] Parte(s): [HALLAN DIAS FERNANDES - CPF: 031.407.141-57 (APELANTE), AMANDA DE CASTRO BORGES REIS - CPF: 083.907.836-65 (ADVOGADO), GABRIEL DE CASTRO BORGES REIS - CPF: 083.481.826-40 (ADVOGADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (APELADO), PAULA FERREIRA DOS SANTOS (VÍTIMA), PAULA FERREIRA DOS SANTOS - CPF: 001.428.872-93 (VÍTIMA)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUARTA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). JUVENAL PEREIRA DA SILVA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE NEGOU PROVIMENTO AO RECURSO, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR. E M E N T A DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. LESÃO CORPORAL NO CONTEXTO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR. LEGÍTIMA DEFESA. INSUFICIÊNCIA DA TESE DEFENSIVA. VERSÃO DA VÍTIMA AMPARADA POR LAUDO PERICIAL. EXCLUDENTE DE ILICITUDE INAPLICÁVEL. RECURSO DESPROVIDO. I. Caso em exame: Apelação Criminal interposta contra sentença condenatória por lesão corporal qualificada (art. 129, § 9º, CP) em contexto de violência doméstica, pleiteando a reforma da sentença, sustentando a absolvição por atipicidade da conduta, aduzindo que o apelante agiu em legítima defesa, e, alternativamente, o reconhecimento da excludente de punibilidade, alegando lesões corporais recíprocas. II. Questão em discussão: Há duas questões em discussão: (i) verificar a existência dos requisitos legais para o reconhecimento da legítima defesa privilegiada pelo apelante; (ii) analisar a aplicabilidade da excludente de punibilidade fundamentada em lesões corporais recíprocas entre as partes. III. Razões de decidir: 1. A legítima defesa exige agressão injusta atual ou iminente, uso moderado dos meios necessários e animus defendendi, elementos não comprovados nos autos, pois a versão do apelante não se harmoniza com as provas e o relato da vítima. 2. A palavra da vítima, em crimes de violência doméstica, possui especial valor probatório quando firme, coerente e corroborada por outros elementos, como o laudo pericial, que confirma a existência de lesões compatíveis com a agressão descrita. 3. A alegação de lesões corporais recíprocas não encontra respaldo na prova, que demonstra desproporcionalidade e ausência de moderação na conduta do apelante, afastando a excludente de ilicitude. 4. O conjunto probatório revela autoria e materialidade suficientes para a condenação, não sendo possível a absolvição pelo princípio in dubio pro reo diante da robustez das evidências. IV. Dispositivo e tese: Recurso desprovido. Tese de julgamento: “1. A legítima defesa exige a presença cumulativa da agressão injusta atual ou iminente, uso moderado dos meios necessários e animus defendendi. 2. A palavra da vítima tem valor probatório especial em casos de violência doméstica, especialmente quando corroborada por laudo pericial. 3. A excludente de punibilidade por lesões corporais recíprocas deve ser afastada se houver desproporcionalidade e ausência de moderação na reação. 4. A condenação por lesão corporal no contexto da Lei n. 11.340/06 é mantida quando amparada em provas robustas”. Dispositivos relevantes citados: art. 129, § 9º, do Código Penal; art. 25, do Código Penal; Lei n. 11.340/2006; arts. 386, incisos III, VI e VII, do Código de Processo Penal. Jurisprudência relevante citada: TJMT – Apelação Criminal 10025467820228110027, Rel. Des. Helio Nishiyama, j. 03/09/2024; TJSP – Apelação Criminal 1501517-93.2021.8.26.0530, Rel. Nogueira Nascimento, j. 30/11/2023; TJMT – Apelação Criminal 0011194-44.2016.8.11.0037, Rel. Des. Luiz Ferreira da Silva, j. 06/10/2021; TJMT – N.U 1006690-84.2021.8.11.0042, Rel. Des. Orlando de Almeida Perri, j. 08/10/2024; TJMT – N.U 1002212-65.2022.8.11.0020, Rel. Des. Pedro Sakamoto, j. 13/08/2024. R E L A T Ó R I O EXMO. SR. DES. LÍDIO MODESTO DA SILVA FILHO Egrégia Câmara: Trata-se de Apelação Criminal interposta por HALLAN DIAS FERNANDES, em face da sentença prolatada pelo juízo da 1ª Vara Especializada de Violência Doméstica e Familiar contra a mulher de Cuiabá (MT), que julgou procedentes os pedidos constantes da denúncia e condenou nas sanções do artigo 129, § 9º (lesão corporal), do Código Penal com efeitos da Lei n. 11.340/06, à pena de 4 (quatro) meses e 02 (dois) dias de detenção, em regime inicial aberto (Id. 264498846). Inconformada, a Defesa interpôs recurso de apelação e, em suas razões recursais (Id. 2822453252), busca a reforma da sentença, sustentando a absolvição por atipicidade da conduta, aduzindo que o apelante agiu em legítima defesa, e, alternativamente, o reconhecimento da excludente de punibilidade, alegando lesões corporais recíprocas. Em sede de contrarrazões, o Ministério Público manifestou-se pelo desprovimento ao recurso interposto (Id. 2822453252). O parecer da Procuradoria-Geral de Justiça, de lavra da d. Procuradora Rosana Marra, é pelo desprovimento do recurso para que a sentença recorrida seja integralmente ratificada em seus termos (Id. 285922865). É o relatório. V O T O R E L A T O R EXMO. SR. DES. LÍDIO MODESTO DA SILVA FILHO Egrégia Câmara: Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso interposto. Para melhor compreensão das pretensões recursais, necessária a transcrição de parte do que consta na denúncia acerca dos fatos: (...). Consta dos autos que, no dia 23.02.2020 por volta das 22:00 horas, na residência particular situada à Rua Araripe, s/n, quitinete de esquina, Bairro: Planalto, nesta cidade e comarca de Cuiabá.MT, o denunciado HALLAN DIAS FERNANDES ofendeu a integridade corporal da vítima Paula Ferreira dos Santos, sua namorada, causando-lhe, de conseguinte, as lesões corporais apontadas no Laudo Pericial em anexo. Da narrativa: Primeiramente, extrai-se do caderno informativo que a vítima e o denunciado namoravam havia cerca de 03 (três) anos; da relação, não adveio filho. Emerge dos autos que, no dia em testilha o increpado fora dormir na residência da ofendida e, em decorrência de uma briga do dia anterior, o agressor passou a ofender-lhe a honra, momento em que a vítima nervosa, desferiu um tapa contra ele. Em seguida, o implicado revidou, desferindo contra Paula, diversos socos em sua cabeça, tapas no rosto, bem como chegou a colocar os dedos em seus olhos. Ainda, para defender-se dele, a agredida mordeu o braço de HALLAN, bem como seus dedos, quando este tentou tapar sua boca para impedi-la de gritar. É do presente feito, que a vítima tentou fugir do local, todavia, o agressor lhe impediu, tendo em vista que reteve as chaves da motocicleta dela, momento em que Paula acionou a Guarnição da Policia Militar. O Boletim de Ocorrência se encontra acostado às 03/IP; e o Laudo Pericial, com Mapa Topográfico, está em anexo. Ante o exposto, tenho por bem denunciar, como de fato DENUNCIO, HALLAN DIAS FERNANDES como incurso no artigo 129, § 9, do Código Penal Brasileiro, com os efeitos da Lei n° 11.340/2006, razão pela qual requeiro que recebida e autuada esta, seja ele citado para apresentar resposta escrita, conforme artigo 396 do CPP, prosseguindo o feito em seus ulteriores atos, nos termos do artigo 400 do CPP, com oitiva da vítima e testemunhas abaixo arroladas e subsequente interrogatório, até sentença final condenatória. (Id. 264498798 – p. 88-90). Por esses fatos, o apelante foi denunciado e, ao término da regular instrução criminal, condenado pela prática do crime de lesão corporal, nos termos do art. 129, § 9º, do CP, com os efeitos da Lei n. 11.340/2006, sendo que contra esta decisão agora recorre inconformado perante esta instância revisora, nos termos já relatados. Conforme consignado no relatório, o apelante pleiteia a reforma da decisão requerendo sua absolvição, sob o argumento de ter agido em legítima defesa e, de forma alternativa, postula o reconhecimento da excludente de punibilidade, alegando a existência de lesões corporais recíprocas, com fundamento no artigo 386, incisos III, VI e/ou VII, do Código de Processo Penal. a) Da absolvição por atipicidade da conduta, alegada legítima defesa: A defesa sustenta a aplicação do princípio in dubio pro reo, alegando insuficiência das provas para fundamentar a condenação. Argumenta que as ações foram reativas e proporcionais, destinadas a repelir agressões injustas perpetradas pela vítima, e que diante da incerteza deve prevalecer a presunção de inocência, requerendo a absolvição por ausência de provas que demonstrem a prática dolosa de lesões pelo recorrente, o qual teria agido em legítima defesa. No caso em apreço, a autoria e materialidade delitivas estão suficientemente comprovadas por meio do Auto de Prisão em Flagrante Delito (Id. 264498798 – p. 08-09); Boletim de Ocorrência n. 2020.55881, 2021.175549 (Id. 264498798, 264498807 – p. 10-11, 108-109); Termos de Depoimentos n. 2548/2020, 2549/2020 (Id. 264498798 – p. 14-17); Termo de Declaração n. 2547/2020 (Id. 264498798 – p. 22-23); Termo de Qualificação, Vida Pregressa e Interrogatório n. 2552/2020 (Id. 264498798 – p. 28-31); Laudo Pericial de Lesão Corporal n. 1.1.02.2020.005022-01 da vítima (Id. 264498798 – p. 82-87); Relatório de Antecedentes Criminais para Instrução Processual (Id. 264498847 – p. 181-182); e depoimentos colhidos em juízo. Em sede policial, a ofendida P. F. dos Santos, relatou que: (...). QUE namora com HALLAN DIAS FERNANDES há 03 anos; QUE HALLAN é agressivo e muito nervoso e foi assim desde o início do namoro; QUE HALLAN é usuário de maconha; QUE HALLAN já agrediu a declarante diversas vezes e é a segunda vez que registra boletim de ocorrência; QUE residem em casas separadas porém dormem constantemente juntos; QUE ontem(23/02/2020) por volta de 22h00min HALLAN chegou na casa da declarante para dormir porém por conta de uma briga no dia anterior HALLAN começou a xingar a declarante de "vagabunda", "biscate"; QUE a declarante alega ter ficado nervosa após os xingamentos e desferiu um tapa no rosto de HALLAN e HALLAN revidou desferindo vários murros na cabeça da declarante, tapas no rosto e chegou a colocar os dedos em seus olhos; QUE para se defender PAULA mordeu os braços de HALLAN quando ele estava com os dedos em seus olhos e mordeu os dedos do suspeito quando ele tentou tampar a boca para declarante não gritar; QUE PAULA tentou sair de casa para fugir das agressões porém HALLAN reteve chave da motocicleta e a impedia de sair; QUE então PAULA ligou para a polícia informando o ocorrido; QUE NÃO HOUVE AMEAÇA; QUE NÃO DESEJA MEDIDA PROTETIVA DE URGÊNCIA; Nada mais disse, (...). (Id. 264498798 – p. 22-23). Em juízo, a ofendida P. F. dos Santos relatou que o apelante proferiu expressões ofensivas contra ela. Em dado momento, ao perceber que o apelante havia pegado o capacete, a ofendida reagiu com um tapa no rosto para se defender, ocasião em que o apelante investiu contra ela, aplicando-lhe uma técnica de enforcamento conhecida como “mata-leão”, tentando segurá-la para não sair. Para se desvencilhar, a vítima mordeu o braço do agressor, conseguiu sair do local e acionou a autoridade policial. Verifica-se nos autos o seguinte relato: (...). Ministério Público: Boa tarde, dona Paula? É qual que é o relacionamento da senhora atualmente com Hallan Dias Fernandes? Vítima: Atualmente, nenhum. Ministério Público: No ano de 2020, vocês eram namorados? Moravam juntos? Vítima: Nós éramos namorados. Ministério Público: Namorados, não chegaram a conviver juntos assim numa mesma casa? Vítima: De certa forma, de certa forma, mas não morar junto, morar junto como casados. Sempre como namorado. Ministério Público: Tá certo, aham, tá. Então esse processo se refere aqui a um fato, segundo consta, o ocorrido no dia 23/02/2020. Consta que nesse dia, por volta das 22:00, o Hallan Dias Fernandes agrediu fisicamente a senhora, ofendeu a integridade da senhora, causando lesões corporais. Então ele está respondendo a esse processo que tem no crime de lesões corporais. Hoje a audiência judicial é muito importante, que a senhora fale a verdade e conte com detalhes aí o que aconteceu, por favor? Vítima: Certo. É, não me lembro a data em específico, no ano sim, foi em 2020, eu estava na minha casa e quando no certo determinado horário o Hallan chegou, já disferindo palavrões, ofensas, me xingando, me ofendendo, me chamando de “vagabunda” de termos bem pejorativos mesmo. E aí ele, num determinado momento, não sei, a gente estava sentado do lado, na lateral da cama, quando de repente ele foi para pegar o capacete e antes dele desferir a primeira “capacetada”, eu já me descontive e meti o tapa no rosto dele, para já me defender da primeira “capacetada” que eu já iria levar. E aí foi quando ele partiu para cima de mim mesmo e eu saí correndo para fora. Ele tentou me segurar de várias formas, como ele sempre fez. E não me deixando sair. Quando eu consegui sair, eu liguei para a polícia, e a polícia chegou lá para então registrar o boletim de ocorrência. Ministério Público: Perfeito. Em meio a discussão pelo que a senhora contou. Então a primeira ação física, assim, quem começou a agredir quem, quem foi? Vítima: Não. Foi ele que já ia me agredir, independente de eu bater, de eu ter dado, desferido o primeiro tapa em legítima defesa para me defender. Sim, foi eu que dei o primeiro tapa. Ministério Público: Com o golpe de capecete. Vítima: Não, não. Foi ele me desferiu com o golpe com o capacete. Ministério Público: Né, perfeito. E nesse momento a senhora reagiu? Vítima: E nesse momento eu reagi. Ministério Público: Essa lesão que apresentou na mão da senhora foi em razão de se defender da “capacetada”? Vítima: Exatamente, exatamente, e do mata-leão também que ele me deu. Tanto que eu lembro que eu dei uma mordida no braço dele, porque ele colocou a mão no meu pescoço, tentando me enforcar. Eu fui, era a única maneira que eu tinha de me libertar daquilo. Era realmente mordendo. E aí eu dei uma mordida nele. Ministério Público: Perfeitamente. Está certíssimo. Da minha parte somente isso. Mais pessoas vão falar com a senhora tá bom? Obrigado. (...). Advogado da Defesa: (...). a defesa está satisfeita, sem nada a formular. (...). (Id. 264498836) (grifos meus). O apelante Hallan Dias Fernandes, em juízo, negou ter agredido a vítima, alegando que a discussão entre ambos se restringiu a palavras. Relatou que ao pegar o capacete para se retirar, foi agredido pela vítima, que lhe desferiu tapas, socos e uma “capacetada”, bem como quebrando os objetos da casa. Nesse momento, passou a segurá-la pelas mãos na tentativa de acalmá-la, pois acreditava que ela estava em surto. Relatou ainda que: (...). Hallan: Aconteceu que a gente tava, a gente começou a discutir né verbalmente, sobre o relacionamento que já não estava muito legal, e aí começamos a ofender por palavras né, todas as partes, eu e ela. E no momento que eu peguei a chave da minha moto, e pegando o capacete para voltar para minha casa. É no momento que eu peguei minha chave e meu capacete pra voltar pra casa, ela avançou em mim com tapas e socos, e aí começou a me bater. Pegou meu capacete, eu ia pegar o capacete, ela já pegou o capacete antes de mim, começou a me dar “capacetada”, começou a quebrar as coisas dentro de casa, foi então que eu segurei ela pelas mãos. E aí para que ela não ficasse, para que ela não quebrasse, que ela que ela parasse de bater e parar de quebrar as coisas, eu fiquei segurando ela. Eu não sei quem, se ela tinha acionado a polícia, em qual momento que havia acionado a polícia. Fiquei aguardando a polícia chegar no local porque ela estava apresentando um quadro bem surto. Estava apresentando, que estava em um quadro de surto, não sei falar direito como que ela estava, meio histérico, quebrando as coisas. E aí eu fiquei esperando para ela não ficar sozinha em casa até a guarnição então chegar no local. Magistrada: Tá. Aqui para mim, no laudo dela, diz que ela está com um lado ferido e ter da mão direita, é isso? Hallan: Eu não sei, senhora, ela tava quebrando tudo. Magistrada: Você ficou segurando a boca? Hallan: Não senhora. Nenhum momento. Magistrada: Como que ela machucou a boca? Hallan: Eu não sei, não tem essa informação para passar, ela estava quebrando tudo capacete lá. Dando, bofeteando tudo lá na casa. Quebrando louça de cozinha, quebrando, amassando moto com capacete. Magistrada: (ruído) Hallan: Esse dia foi Magistrada: Você tem exame de corpo de delito? Hallan: Sim senhora. ruído... Hallan: Só com a mordida no braço e nas mãos, eu acho que. (...). Magistrada: O senhor é? Que o senhor, se defender necessariamente o senhor teria que agredir ela? Hallan: Eu não agredi ela. Magistrada: Só segurou? Hallan: Só segurei ela. Magistrada: Mas estava com o machucado na boca dela. Aqui ela falou que o senhor ficou segurando a boca dela. (...). Magistrada: Quero saber se foi isso mesmo, que foi às mordidas, ela falou que mordeu para se defender, não procede? Hallan: Não. Não, ela estava me agredindo, ela começou a agressão. Magistrada: Tá, ela falou que teve que dar um tapa na cara, e a mordida foi depois que começou a ser agredir, não foi então? Hallan: Não. Não teve agressão da minha parte. Ela começou a me bofetear, pegou o capacete, e começou a me dar capaceteada. Magistrada: Deixo ver onde está, onde que o capacete pegou no senhor? Hallan: Aonde? No corpo, ela pegou na região das minhas costas, da minha cabeça. Magistrada: Tem um negocinho na cabeça, nas costas não tem, daí tem no dedo e no braço, é isso, ela que fez? Hallan: Sim senhora. Magistrada: Não foi da decorrência de ter agredido. Hallan: Não, não agredido. Magistrada: Ela foi agredida. Tem que aqui no laudo, ela machucou. Alguém bateu nela desse jeito, está aqui no laudo machucada, (...). você não está obrigado a responder. O senhor quer falar mais alguma coisa? Hallan: Não. Magistrada: Não tem mais perguntas, com a palavra Ministério Público? Ministério Público: Sem perguntas Excelência. (...). Advogado da Defesa: O relato dele foi muito fidedigno à comprovação das provas dos autos, doutora, então a gente, a defesa também, nada mais. (...). (Id. 264498844). Nos termos do art. 25, do Código Penal, considera-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. A configuração dessa excludente de ilicitude pressupõe, cumulativamente, os seguintes requisitos: (i) agressão injusta; (ii) atualidade ou iminência da agressão; (iii) uso moderado dos meios necessários à repulsa; e (iv) ânimo defensivo, também denominado animus defendendi. No presente caso, embora o apelante Hallan Dias Fernandes alegue legítima defesa, afirmando ter sido agredido pela vítima por meio de tapa, socos e “capacetada”, e que as lesões descritas no laudo pericial seriam resultado de sua reação ao segurar a vítima pelas mãos, observa-se que tal versão defensiva é isolada nos autos e carece de verossimilhança. Ao contrário do que afirma o apelante, a vítima confirmou em juízo os fatos relatados na fase policial. Conforme o laudo de exame de corpo de delito, a lesão na mão decorreu de seu ato defensivo para repelir a “capacetada” desferida pelo apelante, assim como a lesão no braço resultou da aplicação do golpe conhecido como “mata-leão”, tendo sido enforcada, vindo a morder o braço do apelante para se libertar. A versão da vítima encontra amparo no Laudo Pericial de Lesão Corporal n. 1.1.02.2020.005022-01 (Id. 264498798 – p. 82-87), que atestou Equimose na mucosa labial superior e Escoriação no terceiro quirodáctilo da mão direita. Neste sentido, é o entendimento desta Câmara, ao afastar a legítima defesa quando os elementos evidenciam a desproporcionalidade dos meios empregados e a ausência do animus defendendi: (...) Para o reconhecimento da excludente de ilicitude da legítima defesa é necessária a presença cumulativa dos seguintes requisitos: a) agressão injusta atual ou iminente; b) proteção a direito próprio ou de terceiro; c) uso moderado dos meios necessários para repelir a ação; e d) presença de um ânimo de defesa (animus defendendi). A desproporcionalidade dos meios empregados afasta o elemento subjetivo da excludente e evidencia a intenção lesiva da conduta. (TJ-MT - APELAÇÃO CRIMINAL: 10025467820228110027, Relator: HELIO NISHIYAMA, Data de Julgamento: 03/09/2024). Isto posto, em casos de violência doméstica, o depoimento da vítima possui especial relevância, circunstância que, aliada às demais provas dos autos, não permite a absolvição com base no princípio in dubio pro reo. A propósito, nesse sentido: Inviável a absolvição do réu com fundamento na ausência de provas, quando o conjunto probatório dos autos é firme a evidenciar que ele agiu com dolo na produção do resultado lesivo. Ainda mais se corroborado por outras provas orais e laudo pericial que comprovam as lesões corporais perpetradas, sobretudo quando não demonstrado que o réu agiu amparado pela excludente de ilicitude da legítima defesa e que a vítima deu início às agressões. (...) (N.U 1011940-25.2022.8.11.0055, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, PAULO DA CUNHA, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 29/08/2023, Publicado no DJE 04/09/2023) (grifos meus). LESÃO CORPORAL GRAVE E LESÃO CORPORAL. AUTORIA E MATERIALIDADE. PROVA. SUFICIÊNCIA. LEGÍTIMA DEFESA. POSSIBILIDADE DE AGRESSÃO. INSUFICIÊNCIA. CONDENAÇÃO. NECESSIDADE. RECURSO IMPROVIDO. 1. Para a caracterização da legítima defesa é necessária a atualidade ou iminência da injusta agressão a ser repelida, não se configurando, portanto, com a mera possibilidade de agressão. 2. Recurso improvido, mantendo-se a r. sentença por seus próprios e jurídicos fundamentos. (TJSP - Apelação Criminal: 1501517-93.2021.8.26.0530, Rel. Nogueira Nascimento, 12ª Câmara de Direito Criminal, j. em 30/11/2023, Data de Publicação: 30/11/2023). É descabido cogitar em excludente de ilicitude da legítima defesa, porquanto o apelante não se desincumbiu de demonstrar que agiu com a utilização moderada dos meios necessários para repelir injusta agressão atual ou iminente a seu direito ou de outrem. 3. Apelo desprovido. (TJMT - 0011194-44.2016.8.11.0037MT, Rel. Des. LUIZ FERREIRA DA SILVA, Segunda Câmara Criminal, j. em 06/10/2021, Data de Publicação: 13/10/2021) (grifos meus). Cumpre destacar que as declarações da vítima, conforme mencionadas, adquirem significativo valor probatório, pois não há qualquer indício nos autos de que tenham a intenção de incriminar um inocente, mas apenas de relatar a conduta ilícita ocorrida. No âmbito do Direito Penal, a palavra da vítima pode ter um peso significativo, especialmente em crimes que ocorrem, muitas vezes, sem testemunhas diretas ou provas materiais robustas. A jurisprudência brasileira tem considerado, em diversas situações, a palavra da vítima como elemento de prova suficiente para a condenação, desde que esta seja coerente, firme e acompanhada de outros indícios. Importa destacar que as declarações da vítima foram coerentes, harmoniosas e reiteradas, tanto na fase inquisitorial quanto em juízo, evidenciando plena credibilidade. A propósito, perfilhando esse entendimento: Direito Penal e Processual Penal. Apelação criminal. Lesão corporal e ameaça no âmbito da violência doméstica e familiar. Insuficiência probatória não configurada. Condenação mantida. Recurso desprovido. I. Caso em exame. Recurso de apelação interposto por Roger Manoel da Silva contra sentença que o condenou à pena de 1 ano e 2 meses de reclusão e 1 mês e 5 dias de detenção, em regime aberto, por lesão corporal e ameaça, no contexto de violência doméstica e familiar (arts. 129, § 13º e 147 do CP), em razão de agressão e ameaças contra sua ex-companheira. II. Questão em discussão. A questão em discussão consiste em saber se as provas apresentadas são insuficientes para justificar a condenação do recorrente pelos crimes de lesão corporal e ameaça, em conformidade com o disposto nos artigos 129, § 13º, e 147 do Código Penal, ambos em contexto de violência doméstica (Lei nº 11.340/2006). III. Razões de decidir. A palavra da vítima, em casos de violência doméstica, possui especial valor probante, sendo suficiente para respaldar a condenação quando corroborada por outros elementos de prova. As provas testemunhais, o laudo pericial e as declarações prestadas pelas partes confirmam a autoria e materialidade dos delitos. A versão apresentada pelo recorrente não encontra amparo no conjunto probatório, sendo a negativa de autoria dissociada dos elementos dos autos. As ameaças proferidas pelo réu causaram temor à vítima, o que configura o crime de ameaça, nos termos do art. 147 do Código Penal. IV. Dispositivo e tese. Recurso desprovido. Sentença condenatória mantida. Tese de julgamento: "Nos crimes de violência doméstica, a palavra da vítima, corroborada por outros elementos de prova, é suficiente para a condenação. Ameaças que causam temor configuram o delito previsto no art. 147 do Código Penal." Dispositivos relevantes citados: Código Penal, arts. 129, § 13º, e 147; Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha). Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg no REsp nº 2.062.933/PR, rel. Min. Rogério Schietti Cruz, 6ª Turma, j. 14.08.2023; TJ/MT, N.U. 0028023-85.2016.8.11.0042. (N.U 1006690-84.2021.8.11.0042, Rel. Des. ORLANDO DE ALMEIDA PERRI, Primeira Câmara Criminal, j. em 08/10/2024, Publicado no DJE 11/10/2024). (grifos meus). APELAÇÃO CRIMINAL - VIOLÊNCIA DOMÉSTICA - LESÃO CORPORAL - CONDENAÇÃO - RECURSO DEFENSIVO - PRETENDIDA ABSOLVIÇÃO POR INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA - INVIABILIDADE - DECLARAÇÕES COERENTES DA VÍTIMA CORROBORADAS POR PROVA PERICIAL - RESPONSABILIZAÇÃO PENAL MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO. No contexto da violência doméstica, a palavra da ofendida tem especial valor probatório, mormente quando narra os fatos de forma coerente e harmônica em todas as oportunidades em que é ouvida e está corroborada por laudo pericial, que descreve a existência de lesões corporais compatíveis com as agressões relatadas. Se os elementos probatórios colhidos durante a instrução processual evidenciam que o apelante ofendeu a integridade física da sua companheira durante uma discussão motivada por ciúmes, inviável a sua absolvição por insuficiência de provas. (N.U 1002212-65.2022.8.11.0020, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, PEDRO SAKAMOTO, Quarta Câmara Criminal, Julgado em 13/08/2024, Publicado no DJE 16/08/2024) (grifos meus). Diante desse contexto e em oposição ao que foi alegado pelo apelante, entendo que a autoria e a materialidade do delito de lesão corporal estão claramente comprovadas pelo conjunto de provas presentes nos autos, não havendo qualquer dúvida quanto à dinâmica do crime e à responsabilidade penal do réu. b) Do reconhecimento da excludente de punibilidade em razões de lesões corporais recíprocas: Ainda que a nobre defesa sustente a tese de agressões mútuas, é evidente que tal argumento provém exclusivamente da versão defensiva, sem encontrar qualquer suporte mínimo nos elementos probatórios disponíveis. Apesar da alegação da defesa, resta evidente que a excludente de punibilidade fundada em lesões corporais recíprocas não encontra respaldo. O laudo pericial (Id. 264498798 – p. 82-87) constatou hematomas na vítima, quais sejam, lesões no lábio superior (equimose na mucosa labial superior) e na mão direita (escoriação no terceiro quirodáctilo da mão direita), incompatíveis com a versão do apelante, que afirmou ter exercido força física apenas para contê-la. Ademais, evidencia-se a desproporcionalidade da força empregada, considerando-se a diferença física entre homem e mulher, não se identificando moderação na conduta do apelante, requisito indispensável previsto no artigo 25, do CP. O depoimento da vítima e a perícia contradizem a narrativa defensiva, demonstrando que a violência praticada excedeu os limites da moderação e da necessidade. Cumpre ressaltar que, nos termos do artigo 156, do Código de Processo Penal, o ônus de comprovar as alegações recai sobre a defesa. No caso em apreço, não há qualquer elemento probatório que corrobore a existência de agressões injustas perpetradas pela vítima. Ainda que o acusado tenha negado a prática delitiva, apresentando uma versão defensiva, não logrou produzir elementos probatórios consistentes que pudessem corroborar sua narrativa ou afastar as provas constantes nos autos. Pelo contrário, os elementos de prova, de forma coerente e harmônica, indicam inequivocamente sua autoria na prática de violência contra a vítima. Ademais, restou comprovada nos autos a materialidade do fato e a autoria delitiva atribuída ao apelante, bem como demonstrado o conjunto probatório, afastando-se o reconhecimento de lesões corporais recíprocas diante da reação desproporcional ao tapa desferido pela vítima em ato defensivo para repelir a “capacetada”. Além disso, a vítima agiu unicamente para cessar as agressões, confirmando que a lesão na mão decorreu do ato defensivo à “capacetada”, bem como mordendo o réu diante do enforcamento aplicado por meio do “mata-leão”, em resposta instintiva à desproporcionalidade da força empregada pelo acusado. Portanto, a alegação de lesões mútuas e consequente exclusão da punibilidade não merece acolhimento, uma vez que o ordenamento jurídico exige simultaneidade e proporcionalidade para a configuração da legítima defesa recíproca. Nesse sentido: APELAÇÃO CRIMINAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. LESÃO CORPORAL. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. IN DUBIO PRO REO NÃO CARACTERIZADO. 1. Nos crimes de violência doméstica e familiar contra a mulher a palavra da vítima possui relevância para fundamentar o decreto condenatório, mormente quando corroborada por demais elementos de provas, como no caso dos autos. 2. Não comprovada anterior agressão da vítima ao acusado, não há que se falar em agressões recíprocas e dúvida acerca da lesão corporal. 3. Recurso conhecido e desprovido”. (TJDF 0004701-62.2019.8.07.0003, Rel. CESAR LOYOLA, j. em 10/02/2022, 1ª Turma Criminal, Data de Publicação: 03/03/2022) (grifos meus). (...). Tendo em vista que no âmbito da violência doméstica e familiar contra a mulher deve ser dado especial relevo à palavra da vítima, especialmente quando corroborada por outras provas acostadas ao feito, e demonstradas a materialidade e a autoria das infrações penais, impõe-se a manutenção da condenação do agente. (TJ-MT 00124997420198110064 MT, Relator: PEDRO SAKAMOTO, Data de Julgamento: 08/11/2022, Segunda Câmara Criminal, Data de Publicação: 11/11/2022) (grifos meus). Dessa forma, com base nas declarações da vítima, corroboradas pelo laudo pericial constante nos autos, verifica-se que a versão apresentada pelo apelante é incompatível com o conjunto probatório. As lesões constatadas na vítima não se coadunam com a alegação de que ele teria apenas tentado segurá-la, evidenciando que o apelante agiu de maneira desproporcional ao agredi-la. Além disso, não há provas ou indícios que deslegitimem a narrativa da ofendida, cuja versão se mantém coerente e é amplamente corroborada pelos registros lavrados pela autoridade policial e exame de corpo de delito que confirmam a ocorrência das agressões praticadas pelo acusado. Ressalto que alicerçado no Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero n. 27/2021/CNJ, em que se firmou posicionamento de aumentar o espectro de proteção da mulher vítima em situação de violência doméstica e familiar, esta relatoria tem por praxe verificar, em cada caso concreto, eventuais necessidades específicas a serem adotadas em favor das vítimas vulneráveis. Assim, não merece acolhimento o pedido de absolvição fundamentado em lesões recíprocas ou na excludente de ilicitude por legítima defesa, devendo ser mantida a condenação conforme a decisão prolatada. Ante o exposto, em consonância com o parecer ministerial, NEGO PROVIMENTO ao recurso interposto por HALLAN DIAS FERNANDES, mantendo incólume a decisão de origem. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 10/06/2025
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