Processo nº 0008430-88.2019.8.11.0002
ID: 293095488
Tribunal: TJMT
Órgão: Segunda Câmara Criminal
Classe: APELAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 0008430-88.2019.8.11.0002
Data de Disponibilização:
09/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
WESLEU ROBERT DE AMORIM
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 0008430-88.2019.8.11.0002 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Crimes do Sistema Nacional de Armas] Relator: Des(a). …
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 0008430-88.2019.8.11.0002 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Crimes do Sistema Nacional de Armas] Relator: Des(a). RUI RAMOS RIBEIRO Turma Julgadora: [DES(A). RUI RAMOS RIBEIRO, DES(A). JORGE LUIZ TADEU RODRIGUES, DES(A). JUANITA CRUZ DA SILVA CLAIT DUARTE] Parte(s): [MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (APELADO), JOELSON ZACARIAS ANUNCIACAO - CPF: 406.515.331-04 (APELANTE), WESLEU ROBERT DE AMORIM - CPF: 567.468.141-49 (ADVOGADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (VÍTIMA)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). RUI RAMOS RIBEIRO, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR MAIORIA, DESPROVEU O RECURSO, NOS TERMOS DO VOTO DO REVISOR, DESEMBARGADOR JORGE LUIZ TADEU RODRIGUES, ACOMPANHADO PELA DOUTA VOGAL CONVOCADA, DESEMBARGADORA JUANITA CRUZ DA SILVA CLAIT DUARTE. FICOU VENCIDO O DOUTO RELATOR, DESEMBARGADOR RUI RAMOS RIBEIRO, QUE VOTOU PELO PROVIMENTO. E M E N T A EMENTA DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. DISPARO DE ARMA DE FOGO EM VIA PÚBLICA. ART. 15 DA LEI Nº 10.826/2003. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. CONFISSÃO PARCIAL EM JUÍZO E CONFISSÃO INTEGRAL NA FASE POLICIAL. PROVA TESTEMUNHAL HARMÔNICA. DEPOIMENTO DE VÍTIMA FALECIDA COMO PROVA IRREPETÍVEL. MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO. RECURSO DESPROVIDO. I. Caso em exame: 1. Apelação criminal interposta contra sentença proferida pelo Juízo da 4ª Vara Criminal de Várzea Grande-MT, que julgou procedente a denúncia e condenou o apelante, como incurso no art. 15 da Lei nº 10.826/03, à pena de 02 anos de reclusão em regime aberto e 20 dias-multa, substituída por restritivas de direitos, além de indenização no valor de R$ 3.000,00. II. Questão em discussão: 2. A questão em discussão consiste em verificar se o conjunto probatório constante dos autos é suficiente para sustentar a condenação do réu pelo crime de disparo de arma de fogo. III. Razões de decidir: 3. A materialidade do delito é comprovada por documentos oficiais: Auto de Prisão em Flagrante, Termo de Apreensão, Boletim de Ocorrência e Laudo Pericial que atesta a eficiência do armamento apreendido (revólver calibre .38 com três munições deflagradas e três intactas). 4. A autoria delitiva recai sobre o apelante, sendo confirmada por (I) depoimentos prestados por policiais militares na fase investigativa, (II) relato extrajudicial da testemunha Eduardo Neves da Silva – vítima e comunicante do fato –, (III) confissão espontânea prestada pelo acusado na delegacia e (IV) apreensão da arma utilizada na conduta criminosa. 5. A confissão extrajudicial do apelante, admitindo ter realizado os disparos, mesmo retratada parcialmente em juízo, permanece dotada de valor probatório, por estar confirmada por outros elementos dos autos, nos termos do Enunciado Orientativo nº 11 da Turma de Câmaras Criminais Reunidas do Tribunal de Justiça de Mato Grosso. 6. O depoimento da testemunha Eduardo, ainda que colhido exclusivamente na fase inquisitorial, constitui prova irrepetível em razão de seu falecimento, sendo plenamente admissível e apto a fundamentar a condenação, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça e precedentes do próprio Tribunal. 7. A alegação defensiva de insuficiência probatória não encontra respaldo diante da solidez e coerência do acervo probatório. IV. Dispositivo e tese: 8. Recurso desprovido. Tese de julgamento: “A confissão realizada na fase inquisitorial, ainda que não reiterada em juízo, possui valor probatório quando corroborada por outros elementos constantes dos autos.” “O depoimento colhido na fase investigativa pode ser validamente utilizado como prova irrepetível quando a testemunha estiver impossibilitada de depor em juízo, especialmente em razão de falecimento.” “A autoria e a materialidade do crime de disparo de arma de fogo restam configuradas pela conjugação de prova documental, testemunhal e confissão extrajudicial.” Dispositivos relevantes citados: Lei nº 10.826/2003, art. 15; CPP, art. 155. Jurisprudências relevantes citadas: (AgRg no HC n. 949.389/ES, relator Ministro Otávio de Almeida Toledo (Desembargador Convocado do TJSP), Sexta Turma, julgado em 5/3/2025, DJEN de 11/3/2025.); (N.U 0000263-70.2012.8.11.0053, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, PAULO SERGIO CARREIRA DE SOUZA, Segunda Câmara Criminal, Julgado em 22/04/2025, Publicado no DJE 25/04/2025); (N.U 1002945-67.2022.8.11.0008, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, MARCOS MACHADO, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 19/11/2024, Publicado no DJE 22/11/2024). R E L A T Ó R I O Trata-se de recurso de apelação criminal interposto por Joelson Zacarias Anunciação contra decisão proferida pelo juízo da 4ª Vara Criminal de Várzea Grande/MT. No caso, a sentença ora combatida julgou procedente a denúncia ofertada e condenou o réu por disparo de arma de fogo (art. 15 da Lei 10.826/03), à pena de 02 (dois) anos de reclusão em regime aberto e mais 20 (vinte) dias-multa fixados no mínimo, substituída por restritivas de direito a ser imposta pelo juízo da execução e indenização no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais). (ID 245766673). Irresignada, a defesa interpôs o apelo tempestivamente. Desta feita, em síntese, pleiteou: a) absolvição por insuficiência probatória; (ID 245766685). Após a devida intimação, aportaram aos autos as contrarrazões (ID 245766687). Por fim, a Douta Procuradoria Geral de Justiça através do eminente procurador, Domingos Sávio de Barros Arruda, opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso (ID 255054198), sintetizando a seguinte ementa: RECURSO DE APELAÇÃO CRIMINAL. DISPARO DE ARMA DE FOGO. CONDENAÇÃO. IRRESIGNAÇÃO DEFENSIVA. PRETENDIDA A ABSOLVIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS COMPROVADAS. PELO IMPROVIMENTO DO RECURSO. É o relatório. V O T O R E L A T O R Ressai dos autos que no dia 17/04/2019, por volta das 21h, na Rua Vila Nova, bairro Santa Clara, em Várzea Grande-MT, o denunciado Joelson Zacarias Anunciação chegou em sua residência, aparentemente embriagado. Ao passar em frente à casa de seu vizinho Eduardo Neves da Silva, ele urinou na porta da residência. Eduardo, que estava em frente à sua casa, presenciou a situação e repreendeu Joelson. Nesse momento, conforme o relato de Eduardo, Joelson sacou uma arma de fogo da cintura e efetuou 03 (três) disparos para o alto. Para melhor compreensão, transcrevo a denúncia: “Segundo foi apurado, no dia 17/04/2019, por volta das 21h00, na Rua Vila Nova, bairro Santa Clara, Várzea Grande-MT, o denunciado Joelson Zacarias Anunciação executou três disparos com o revólver marca taurus .38 SPL nº 2057868, em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Infere-se dos autos que, no dia 17/04/2019, o acusado portava o revólver marca taurus .38 SPL com seis munições, enquanto caminhava pela Rua Vila Nova, bairro Santa Clara, em Várzea Grande-MT. Ato contínuo, por volta das 21h00, o denunciado parou defronte a residência sediada na quadra 6 da referida via pública e após ser repreendido por um morador em razão de ter urinado em sua edificação, executou três disparos para o alto com a referida arma de fogo e deixou o local. A polícia militar foi acionada e promoveu a prisão em flagrante do acusado, cujo revólver marca taurus .38 SPL nº 2057868, com três munições deflagradas e outras três intactas (fl. 14), foi apreendido e periciado no Laudo nº 2.3.2019.35745-01 (fls. 64/65-v), que atestou sua eficiência para a execução de disparo. Ante o exposto, o Ministério Público denuncia Joelson Zacarias Anunciação como incurso na conduta tipificada no art. 15 da Lei nº 10.826/2003”. A sentença foi prolatada nos seguintes termos: (ID 245766673) “A denúncia é procedente. A materialidade encontra-se no Inquérito Policial através do Auto de prisão em flagrante; termo de depoimentos; boletim de ocorrência; termo de apreensão; e relatório da Autoridade Policial. A existência do crime está comprovada. A autoria está demonstrada nas provas colhidas nos autos. As provas são firmes em apontar que o acusado praticou o crime a si imputado na denúncia. Em juízo o acusado negou a prática delitiva, alegando que “[...] chegou tarde em casa de um aniversário e os vizinhos estavam com som alto; que pediu para abaixar o som pois iria dormir; que fechou o portão e foi se deitar; que encostou uma viatura na sua porta perguntando se tinha disparado arma de fogo, o que foi negado; que não se dava bem com o vizinho e acha que devido a isso chamou a policia para o mesmo; que possuia um revolver clandestino que comprará para sua proteção com uma sacola de munição; que foi para delegacia e foi dormir no batalhão; que passou por custódia no dia seguinte e foi liberado; na época dos fatos já estava na reserva remunerada; que as munições deflagradas era de meses atrás; que tinha tomado cerveja na casa da tia; que a confissão da delegacia não foi desse fato, foi de 03 meses atrás, quando percebeu no terreno ao lado da sua casa pessoas andando, que disparou os tiros em razão disso, depois disso ouviu alguém correndo e logo ficou silencio; que tomou banho e foi dormir; que guardava as munições deflagradas pois podia mandar recarrehar [...]” (id. 159619668). O PM Lindomar Rodrigues Pereira afirmou em Juízo, em síntese: “[...] que não se recorda do nome do acusado; que se recorda que o acusado estava embriagado e mijou perto da residência do vizinho; que não se recorda de ter prendido arma com o acusado; que houve disparo, pois a ocorrência chegou com essa informação, mas não viu nem ouviu disparo; que foi feito uma busca na residência do acusado procurando a arma; que o acusado estava embriagado mas não foi feito etilometro; que a história do disparo foi repassada pela familia da vítima; que o acusado não reagiu a prisão; não se recorda se o acusado confirmou o disparo [...]”. (id. 141987706). O mesmo ratificou os termos do BO e reconheceu sua assinatura. O PM Anderson Fermiano de Figueiredo afirmou em Juízo que não se recorda dos fatos narrados na denúncia. Ficou evidenciado que o acusado disparou um tiro, o mesmo negou a prática do crime em juízo, mas confessou em sede policial dizendo “que efetuou disparos pra cima, que adquiriu o revólver há cerca de um ano pelo valor de R$ 1.500,00 de um desconhecido e não sabe se a arma está registrada no nome de alguém”. A referida arma foi apreendida junto ao flagrante, como se vê no id. 126365622, fls. 19, a qual foi periciada e constatou-se ser de uso permitido e eficiente para a produção de tiros (id. 126365622 fls. 77). Quanto às circunstâncias legais genéricas. Nada a ser reconhecido. CONCLUSÃO Ante o exposto, julgo procedente o pedido contido na denúncia e condeno o acusado Joelson Zacarias Anunciação, qualificado nos autos, por infringir o art. 15, da Lei 10.826/03. Atento às regras do artigo 59 e 68 do Código Penal, passo a dosar-lhe a pena. DOSIMETRIA E FIXAÇÃO DA PENA A culpabilidade está evidenciada. A culpabilidade normativa welzeliana do “poder de agir de maneira diversa”, adotada pelo direito brasileiro, exsurge do comportamento do réu, pois, poderia motivar pelo direito e agir de acordo as normas jurídicas, no entanto agiu de forma deliberada contrariamente a norma jurídica. No caso não se afasta a imputabilidade, por o agente ter consciência do agir ilícito e auto determinar-se de acordo essa ilicitude; não havendo fatores biopsicológicos para a exclusão de sua culpabilidade; agiu portando potencial consciência da ilicitude, pois, fator externo algum influenciou no conhecimento de suas ações ser contrária ao direito; e laborou em conduta que restou clara a exigibilidade de conduta diversa da qual incorreu, pois, nenhum fator externo justifica suas ações. É reincidente. Não existem os elementos suficientes nos autos para se aquilatar quanto a sua conduta social. Da mesma forma faltam elementos suficientes para análise de sua personalidade. Os motivos e circunstâncias da conduta delitiva do réu lhes são desfavoráveis. Verifico a situação econômica do réu como boa, com renda mensal de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), é patrocinado por i. Advogado. Disparar arma de fogo. Tudo isso sopesado, fixo sua pena base no mínimo legal, ou seja, em 02 (dois) anos de reclusão; cuja pena torno em concreta e definitiva à míngua de quaisquer outras circunstâncias ou causas capazes de diminuí-la ou aumentá-la. Levados pelos mesmos critérios acima, com suporte na proporcionalidade entre a pena corporal e a de multa, fixo sua pena pecuniária em 20 (vinte) dias-multa, no valor mínimo legal, ou seja, em 1/30 do salário mínimo vigente à época dos fatos, com a correção monetária, quando do efetivo pagamento. Consoante o art. 33, §2.o, alínea c, do Código Penal, o acusado deverá iniciar o cumprimento da pena a si imposta sob a égide do regime aberto, por ser réu primário. Nos termos do art. 44, do Código Penal, substituo a pena privativa de liberdade por restritivas de direito, por ser reincidente.” O apelante busca sua absolvição por insuficiência probatória, sustentando que não há provas produzidas sob o crivo do contraditório e da ampla defesa que comprovem a prática do crime que lhe foi imputado. Após análise meticulosa dos autos, conheço do recurso e dou-lhe provimento, pelas razões a seguir expostas. A materialidade do delito de disparo de arma de fogo está demonstrada pelo auto de apreensão do revólver calibre .38 e respectivas munições, bem como pelo laudo pericial que atestou a eficiência da arma para produzir disparos. No entanto, quanto à autoria, verifico que as provas produzidas em juízo, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, não são suficientes para embasar um decreto condenatório. O elemento central para configuração do crime previsto no artigo 15 da Lei nº 10.826/2003 é o efetivo disparo de arma de fogo. Nesse sentido, é imprescindível que exista prova robusta de que o apelante, de fato, realizou os disparos na data e circunstâncias descritas na denúncia. Conforme se extrai dos depoimentos prestados em juízo pelos policiais militares Lindomar Rodrigues Pereira e Anderson Fermiano Figueiredo, ambos foram unânimes em afirmar que não presenciaram nem ouviram os disparos supostamente efetuados pelo apelante. O policial Lindomar chegou a declarar expressamente que "houve disparo, pois a ocorrência chegou com essa informação, mas não viu nem ouviu disparo" e que "a história do disparo foi repassada pela família da vítima", enquanto o policial Anderson afirmou não se recordar dos fatos narrados na denúncia. Observo que a única pessoa que teria efetivamente presenciado os disparos seria o vizinho Eduardo Neves da Silva, que, conforme consta nos autos, faleceu antes de prestar depoimento em juízo. Assim, sua versão sobre os fatos, colhida apenas na fase investigativa, não foi submetida ao contraditório e à ampla defesa. Nesse contexto, não se pode desconsiderar o que dispõe o artigo 155 do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei nº 11.690/2008: "O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas." Embora o apelante tenha confessado na fase policial que "efetuou disparos para cima", em juízo ele esclareceu que tal confissão se referia a disparos efetuados meses antes do fato em apuração, quando percebeu pessoas suspeitas próximas à sua residência. Não se pode desprezar essa versão, sobretudo quando não existem outras provas judicializadas que a contradizem de forma conclusiva. A apreensão da arma de fogo com três munições deflagradas e três intactas, por si só, não comprova que os disparos foram efetuados na data e circunstâncias narradas na denúncia, especialmente quando o próprio apelante admite ter efetuado disparos em ocasião pretérita e mantido as cápsulas deflagradas. Por fim, analisando a perícia, apontou-se três cartuchos do calibre 38 e mais três intactos, porém, não se detalha se os disparos teriam sido recentes ou não. Procurando a prova produzida na fase judicial, encontrei o interrogatório do réu que nega o disparo, aduziu que tratava-se em face da compreensão na fase pré-processual de que estaria se referindo a outra oportunidade não muito precisa. A prova testemunhal, os policiais mencionaram que não se recordam do fato, conforme explicado acima. Com efeito, tais imprecisões não encontra prova segura para condenação diante do tipo penal incriminador, art. 15 da Lei 10.826/03. Nesse contexto, verifico que os fatos constantes nos autos se enquadram no tipo penal do porte ilegal de arma de fogo. Todavia, a Súmula 453 do Supremo Tribunal Federal prevê: “Não se aplicam à segunda instância o art. 384 e parágrafo único do Código de Processo Penal, que possibilitam dar nova definição jurídica ao fato delituoso, em virtude de circunstância elementar não contida, explícita ou implicitamente, na denúncia ou queixa”. Por essa razão, a absolvição é a medida que se impõe. Assim, embora existam indícios da prática delitiva na fase policial, tais elementos não foram corroborados por provas produzidas em juízo, com o devido respeito ao contraditório e à ampla defesa, o que impede a formação de um juízo de certeza necessário para a condenação criminal. O princípio do in dubio pro reo, corolário da presunção de inocência, impõe que, na dúvida, a decisão seja sempre favorável ao réu. No caso em apreço, diante da fragilidade do conjunto probatório judicializado, não resta outro caminho senão a absolvição do apelante. Ante o exposto, em dissonância com o parecer ministerial, conheço da apelação interposta e, no mérito, a provejo. Via de consequência, absolvo Joelson Zacarias Anunciação nos termos do art. 386, II do Código de Processo Penal. É como voto. V O T O V E N C E D O R VOTO DIVERGENTE EXMO. SR. DES. JORGE LUIZ TADEU RODRIGUES Egrégia Câmara: Peço vênia ao eminente relator e, respeitosamente, encaminho minha divergência. Com o objetivo de evitar tautologia, adoto o relatório apresentado pelo eminente Relator. Visando evitar rodeios, passo a transcrever meu posicionamento. A denúncia narra que (ID n. 245766188): “(...) Segundo foi apurado, no dia 17/04/2019, por volta das 21h00, na Rua Vila Nova, bairro Santa Clara, Várzea Grande-MT, o denunciado Joelson Zacarias Anunciação executou três disparos com o revólver marca taurus .38 SPL nº 2057868, em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Da Narrativa do Fato Delituoso Infere-se dos autos que, no dia 17/04/2019, o acusado portava o revólver marca taurus .38 SPL com seis munições, enquanto caminhava pela Rua Vila Nova, bairro Santa Clara, em Várzea Grande-MT. Ato contínuo, por volta das 21h00, o denunciado parou defronte a residência sediada na quadra 6 da referida via pública e após ser repreendido por um morador em razão de ter urinado em sua edificação, executou três disparos para o alto com a referida arma de fogo e deixou o local. A polícia militar foi acionada e promoveu a prisão em flagrante do acusado, cujo revólver marca taurus .38 SPL nº 2057868, com três munições deflagradas e outras três intactas (fl. 14), foi apreendido e periciado no Laudo nº 2.3.2019.35745-01 (fls. 64/65-v), que atestou sua eficiência para a execução de disparo. Ante o exposto, o Ministério Público denuncia Joelson Zacarias Anunciação como incurso na conduta tipificada no art. 15 da Lei nº 10.826/2003. (...)” Ato contínuo, após regular tramitação, o Juízo de primeiro grau, julgando procedente a denúncia oferecida, condenou o apelante pela prática do crime previsto no art. 15 da Lei 10.826/03. Analisando detidamente os autos, com base nos elementos fáticos-probatórios constantes no processo, formulo entendimento divergente do eminente Relator, porquanto entendo não estarem presentes os requisitos legais para a absolvição do apelante. A materialidade do delito restou sobejadamente comprovada nos autos pelo Auto de Prisão em Flagrante Delito (ID n. 245766189 – pág. 03), Termo de Apreensão (ID n. 245766189 – pág. 19), pelo Boletim de Ocorrência nº 2019.117472 (ID n. 245766189 – pág. 20/22) e Laudo Pericial nº 2.3.2019.35745-01 (ID n. 245766189 – pág. 75/78). Por sua vez, no que tange à autoria, esta restou plenamente demonstrada e recai sobre o apelante, conforme se extrai do robusto conjunto probatório produzido nos autos. Na fase extrajudicial, os Policiais Militares Anderson Fermiano de Figueiredo e Lindomar Rodrigues Pereira prestaram depoimentos semelhantes. Para evitar repetições, transcrevo, a seguir, o relato do PM Anderson, que reflete, em essência, o conteúdo das declarações de ambos, nas quais consignaram: “QUE, nesta data, por volta das 21:00 hs, o depoente, juntamente com o SGT PM LINDOMAR foram acionados para atender ocorrência de disparo de arma de fogo, no bairro Santa Clara, nesta cidade; QUE, chegando no local, o solicitante EDUARDO informou que seu vizinho JOELSON ZACARIAS ANUNCIAÇÃO, sargento PM reformado, havia urinado em frente à sua residência na presença de seus familiares, sendo repreendido; QUE, JOELSON não gostou de ser chamado a atenção e disse VOU TESTAR MINHA ARMA; QUE, em seguida, na via pública, sacou um revólver e efetuou três disparos para o alto; QUE, então, a guarnição foi até à residência de JOELSON e o mesmo negou ter efetuado disparos para o alto; QUE, JOELSON estava em visível estado de embriaguez, com forte odor etílico e olhos avermelhados; QUE, na sua cintura, foi localizado um revólver calibre 38, contendo 03 munições intactas e 03 munições deflagradas; QUE, a arma está registrada em nome de terceira pessoa (CIPRINA MOURA, RG 616982 SSP), porém, JOELSON informou que é o proprietário do revólver; QUE, diante dos fatos, o conduzido foi encaminhado para esta Central de Flagrantes para as providências cabíveis. (...)” (destaquei) Em Juízo, a testemunha PM Anderson Fermiano de Figueiredo, inicialmente, declarou não se recordar dos acontecimentos com precisão. No entanto, após ser confrontado com o teor de seu depoimento prestado na fase investigativa, lido pelo representante do Ministério Público, passou a rememorar, ainda que parcialmente, os fatos ocorridos. Ressalte-se que a ocorrência se deu no ano de 2019, enquanto a audiência de instrução foi realizada apenas em 2024, o que justifica, em parte, a dificuldade de memorização apresentada pela testemunha no primeiro momento. Tal circunstância, contudo, não compromete a credibilidade da prova, sendo plenamente compreensível diante do tempo decorrido entre os fatos e a oitiva judicial, especialmente tratando-se de testemunha que, como agente público, atua em diversas ocorrências. Vejamos: “(...) Promotor: É, a respeito de um fato verificado no dia 17 de abril de 2019, por volta das 21 horas, na rua Vila Nova, bairro Santa Clara em Varia Grande, envolvendo acusado Joelson Zacarias Anunciação e um registro de disparo de arma de fogo. Que que o senhor se recorda desse fato? Anderson: Não me recordo. Promotor: Não se recorda de ter promovido prisão em flagrante nessa circunstância? O senhor figura eu como condutor. Anderson: Não lembro. Promotor: Senhor conhece essa pessoa de Zacarias, o acusado? Anderson: Não. Promotor: Joelson Zacarias Anunciação. Anderson: Não, não o conheço. Promotor: Bom, eu vou ler, o senhor chegou a ler o boletim de ocorrência? Anderson: não. Promotor: Tá. Eu vou ler um trecho só da circunstância que teria sido retratada, que antecedeu esse fato, se acaso isso faz o senhor às vezes se recordar de alguma informação, que eu acho até que é um fato um pouco peculiar. (..). O senhor se recorda desse dessa ocorrência? Anderson: Lembro dessa parte. Essa daí foi quem, é só o relato do da vítima. Promotor: Sim, mas o senhor esse recorde tem atendido uma ocorrência que a vítima (inaudível) Anderson: sim, agora lembrei, lembrei. Promotor: Tá. E o que mais que o senhor lembrou? Anderson: Não, só eu, eu lembro só dessa parte que a gente chegou para atender ocorrência. Ele relatou os fatos e a gente e parece que ele morava próximo assim de frente da casa dele e a gente foi até a residência a qual ele se identificou, uma coisa assim. Aí vagamente eu lembro de detalhes. Promotor: Você lembra de ter aprendido arma de fogo nessa oportunidade? Anderson: Eu não lembro se na gente chegou de aprender arma de fogo. Lembro que ele falou que tinha ameaça, que houve ameaça, mas tipo assim, quem falou foi a vítima, né? O solicitante. Promotor: Não, mas aí eu queria, queria verificar que o senhor se lembra de ter aprendido uma arma de fogo? Se lembra do estado do acusado quando o senhor foi lá atender a ocorrência? Anderson: Se eu não me engano, ele tava embriagado. Promotor: Agora, a questão da arma em si, que se tratava essa arma, se a arma foi apreendida, se tinha sinal de execução de disparo com essa arma, tinha munição deflagrada? Anderson: não lembro. (...)” (negritei) De igual forma, o Policial Militar Lindomar Rodrigues Pereira, ao ser inquirido na fase judicial, inicialmente não se recordou da ocorrência apenas pelo nome do denunciado. Todavia, após contextualização, rememorou os fatos envolvendo o referido acusado, também policial militar, esclarecendo que: “(...) Promotor: A respeito de um fato verificado no dia 17 de abril de 2019, por volta das 21 horas, na rua Vila Nova, bairro Santa Clara, em Varzea Grande, movendo o acusado Joelson Zacarias Anunciação, é compreendendo disparos e porte de arma de fogo. Que que o senhor se recorda desse fato? Lindomar: João Zacarias. Promotor: Anunciação. Lindomar: Eu não me recordo desse nome não. Promotor: Vê tem alguma coisa no boletim de ocorrência. Então aqui consta que, a ocorrência teria sido motivada inclusive é pela notícia de que o acusado ele teria urinado na casa da pessoa que fez o registro da ocorrência. E aí isso levou a então a circunstância associada à arma de fogo e acionar a guarnição da Polícia Militar. Lindomar: Sim, esse daí, esse daí deve ser um policial, né? Esse Joelson aí? que eu me recordo de uma situação é parecida com esse daí que. Promotor: hum. Lindomar: veio para nós que o, é, mijou, o moço tava embriagado, mijou, não foi na porta da residência. Promotor: Ah, tá. Lindomar: foi na frente da casa dele, né? Mas tava, provavelmente tava família lá próximo. Aí fomos chamados para essa ocorrência lá e ele tava bravo lá, não sei, entendeu? Promotor: Tá. Mas o senhor recorde de ter aprendido alguma arma com essa pessoa? Lindomar: Eu não me recordo muito não, doutor. Mas, não recordo não. Promotor: Tá, eu vou pedir então, se possível para exibir pro sargento Lindomar o boletim de ocorrência, só para aferir se se é a assinatura dele que consta, se se recorda, é o ID. ó, eu vou pedir até a página que tá a assinatura. Só um momento aqui no chat que fica mais fácil. Também posso também pegar um print aqui, mas acho que é até melhor exibir direto do processo. (...) É, pode ser a parte de cima e correndo para a assinatura se ele se recorda de ter lavrado, ou pelo menos a assinatura dele, se é dele que consta lá mesmo ou é de outro policial. (...) Sergento Lindo Omar, verifica se o senhor se recorda desse boletim de ocorrência em específico e se relaciona nessa ocorrência ou pelo menos essa senatoria do senhor tem exibido na tela. Pode, pode é descer, porque eu preciso só que ele saiba se é, se a assinatura dele. Lindomar: Sim. Promotor: essa assinatura do senhor. Tá bom. Lindomar: é sim senhor. Promotor: Perfeito. A respeito de apreensão de arma, notícia de execução de disparo com arma de fogo por essa pessoa, o senhor não se recorda? Lindomar: Não. É, a o disparo houve, né? Que eu não tô lembrado, se eu aprendi essa arma, provavelmente poderia ser um 38. Promotor: Tá, mas como, como, por que o senhor diz que houve o dispo? Por que o senhor consegue afirmar isso? Lindomar: Não, porque foi assim, é, a ocorrência veio para nós que houve um disparo de fogo, arma de fogo, né? Promotor: Ah, tá. Lindomar: Aí, chegamos no local, o cara, segundo a informação, o cara tava bêbado, mijou na na porta da casa dele, mas na frente de uma residência que ele tava uma família. Senhor entendeu? Promotor: Então, mas assim, o a ocorrência chegou com a informação que havia ocorrido o disparo de arma de fogo, mas visualizar o disparo o senhor não viu? Lindomar: Não, senhor. Promotor: Nem ouviu? Lindomar: Não, nem ouvi. Promotor: Tá. Aí o senhor não se recorda se quando chegou lá no local o senhor aprendeu alguma arma de fogo com o acusado. Lindomar: Isso eu não me recordo bem. Eu sei que nós. Promotor: Ah, por favor, prossiga. Pode prosseguir. Lindomar: Eu sei que nós fomos fazer uma busca na residência dessa pessoa, parece, para ir atrás dessa arma. Promotor: tá. É, e qual era o estado dele quando o senhor chegou lá? O senhor se recorda pelo menos disso? Lindomar: Ele tava, provavelmente embriagado, ne. Que eu não, porque nós não fizemos etilômetro né? Se não me engano, parece que não fizemos etilômetro, mas provavelmente tava embriagado. Ele tava embriagado. Promotor: Tá. E a vítima, é, a vítima aqui consta como Eduardo Neves, enfim, a pessoa que registrou a ocorrência. Quem o senhor atendeu lá confirmou esse relato de que havia de que o acusado, o Joelson Zacarias, havia executado o disparo de arma de fogo? Lindomar: É, a vítima falou que que estava, é viu a arma e viu o e disparo, né? Segundo informação, parece que foi na frente deles lá, né? O tiro foi para cima. (...) Defesa: É, Sargento Lindomar, é, o senhor ficou sabendo do disparo de arma de fogo por este vizinho chamado Eduardo. O senhor não presenciou, correto? Lindomar: Não, não senhor. Defesa: E a história que quem do disparo como ocorreu, como deixou de ocorrer, foi repassado por esse Eduardo, correto? Lindomar: Sim, foi pelo familiar, né, que denunciou. Defesa: certo. O réu, quando o senhor chegou lá, identificou a pessoa, ele é reagiu à prisão, ele se tornou dificultoso? Lindomar: Não, não, não. Defesa: É, acompanhou vocês? Precisou de ir algemado? Lindomar: Não. Defesa: O senhor sabe se ele confirmou o disparo ou não? Lindomar: É, no, no (inaudível) de ir algemado, eu não não me recordo. Certo? Defesa: Certo. É, ele chegou a confirmar o disparo pro senhor ou não? Lindomar: Ele ele tava embriagado, né. Assim, eu não me recordo disso aí, que ele confirmou. (...)” (destaquei) A testemunha Eduardo Neves da Silva, vizinho do apelante e responsável por comunicar o fato criminoso à autoridade policial, embora não tenha sido ouvida em juízo para confirmar suas declarações, prestou, na fase extrajudicial, um depoimento minucioso, relatando com riqueza de detalhes as circunstâncias em que o crime foi praticado pelo apelante, conforme se observa: “QUE, conhece JOELSON há muito tempo, desde que era pequeno, pois sempre foram vizinhos naquele bairro, nesta cidade; QUE. JOELSON é problemático e várias vezes já efetuou disparos para o alto no bairro, sendo que inclusive já efetuou disparos contra seu amigo MARCOS, atingindo-o na lateral do abdômen; QUE, JOELSON só vive embriagado e armado; QUE, todos do bairro tem medo de JOELSON por saber que ele é policial; QUE, na data de hoje o depoente estava em frente a sua residência, quando JOELSON chegou e urinou na porta da residência vizinha; QUE, JOELSON estava com uma mulher e ela disse para ele não fazer aquilo; QUE, então, JOELSON disse: VOU TESTAR MINHA ARMA; QUE, então, o depoente presenciou quando JOELSON sacou a arma da cintura e efetuou três disparos para o alto; QUE, o depoente se assustou e entrou correndo em casa, sendo que depois acionou a PM; QUE, o depoente teme por sua vida, pois JOELSON efetuou disparos para cima sem que o depoente tenha falado nada, já que, como dito, foi a própria mulher que estava com ele que o reclamou; QUE, JOELSON ameaça de morte várias pessoas do bairro. (...)” (negritei) Por sua vez, ao ser interrogado perante a autoridade policial, o denunciado, ora apelante, confessou a autoria delitiva, admitindo que efetuou disparos de arma de fogo para o alto e que havia adquirido o revólver há cerca de um ano, pelo valor de R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais), de um indivíduo desconhecido. “(...) QUE, confessa que efetuou disparos para cima; QUE, adquiriu o revólver há cerca de um ano, pelo valor de R$ 1.500,00 de um desconhecido; QUE, não sabe se a arma está registrada em nome de alguém. Nada mais disse, nem lhe foi perguntado, pelo que determinou a autoridade que se encerrasse o presente auto às 00:25 horas, que vai devidamente assinado.” Em sede judicial, o apelante alterou a versão anteriormente apresentada, passando a negar a autoria delitiva, porém acabou confessando parcialmente, no que diz respeito a posse da arma e a existência de 03 (três) capsulas deflagradas, justamente, coincidente com os três disparos noticiados pela testemunha Eduardo, que fora o denunciante. “(...) Joelson: Não, senhor, não disparei arma de fogo nenhum. É que eu cheguei tarde da, esse horário, eu cheguei da rua, cheguei lá de minha tia no aniversário do aniversário dela, cheguei em casa. Eles estavam com som alto na calçada deles lá. Aí eu pedi que era para eles dar uma baixada, desse uma baixada no som lá, que eu iria dormir, né? Aí peguei, entrei para dentro, entrei para dentro de minha casa, tranquei meu portão e fui dormir. Aí não demorou, encostou a viatura lá na porta de minha casa, lá bateu palma lá, eu saí, eu saí, ele falou se tinha acontecido disparo lá de arma de fogo, chamaram a polícia para mim se eu tinha disparado arma de fogo. Não, pura mentira, não disparei arma de fogo nenhuma. Cheguei, na hora que eu cheguei, ele tava com som alto aí na calçada deles aí eu só pedi, por gentileza, se eles pudesse abaixar mais o som, que eu iria dormir, que iria dormir. Eu, mas o rapaz lá, mas não, já não, não se dava bem, não se dava bem não. Ele parece que não tem, ele não gostava de mim também, não. Nós não trocava muita ideia. Acho que foi por causa de vida, ele chamou a polícia para mim. A polícia chegou lá, é porque tem tinha comprado um revolvinho clandestino lá, peguei, peguei, falou - Senhor, tem arma de fogo aí?. Tem um revólver clandestino que eu comprei pra minha pra minha proteção. Sou sou policial militar para minha proteção. Peguei, entreguei, entreguei a arma para eles. Entreguei a arma para eles e sacolinha de munição que eu tinha entreguei para ele, foram embora. Aí me levaram para levar pro Cisco da 31 de março, fizeram o BO, fizemos o BO tudinho. Aí fui dormir lá na no batalhão ao lado da praça (inaudível) lá, dormi lá no dia seguinte, acho que até era uma época da semana santa, parece, no dia seguinte passei pela uma audiência de custódia no Fórum de Várzea Grande. Daí a doutora A juíza me liberou. Juiz: Na época o senhor ainda estava na ativa ou não? Joelson: Não, não, Senhor já tava RR no R na reserva remunerada já, eu aposentei em 2013. (...) Promotor: É, deixa eu só esclarecer uma coisa, seu Joelson, é, por que que tinha três munições deflagradas? Joelson: Tinha sim doutor lá no CISC do parque do lago, falei que tinha deflagrado, tinha deflagrado três munição, mas de uns meses atrás. Promotor: Meses atrás? Joelson: É, que tava na sacolinha. Tava na sacolinha com as outras munição intacta, mas não foi aquele dia não. Promotor: Tá, o senhor tava embriagado? Joelson: Sim, eu tinha tomado um negócio no aniversário lá da casa de minha tia lá. Tinha tomado um uma cerveja lá. Não tava totalmente embriagado. Estava lucido. Sabia o que tava fazendo. Promotor: Entendi. Sr. Joelson. Mas é que lá na delegacia, lá na central de flagrantes, o senhor falou o seguinte, que confessa que efetuou disparos para cima. Joelson: Uhum. Promotor: Aí no ID de 126365622, página 13. O senhor ainda complementou que adquiriu o revólver há cerca de 1 ano pelo valor de mil e quinhentos reais de um desconhecido. Joelson: Hum. Promotor: Que não sabe se a arma está registrada em nome de alguém. Então aqui o senhor confessou a execução do disparo, isso lá na delegacia. Joelson: Mas não foi aquele dia não, doutor. (...)” No caso em apreço, a negativa de autoria, apresentada somente em Juízo, não se sustenta diante do conjunto probatório robusto coligido nos autos. A despeito da tentativa do apelante de se eximir da responsabilidade penal, os elementos de convicção apontam no sentido contrário. Em sede judicial, embora tenha negado a realização dos disparos, o réu apresentou confissão parcial ao reconhecer a posse da arma de fogo, a existência de três munições deflagradas em seu poder e o consumo de bebida alcoólica na data dos fatos, durante uma comemoração de aniversário. Ao ser indagado pelo juízo de origem quanto à confissão anteriormente prestada na fase policial – ocasião em que admitira ter efetuado os disparos –, o acusado não refutou o conteúdo da declaração, tendo, ao contrário, manifestado anuência ao confirmar, com a expressão “uhum”, o teor da narrativa inquisitorial. Trata-se, portanto, de confissão parcial realizada sob o crivo do contraditório, a qual, embora limitada em juízo à admissão da posse da arma e da embriaguez, não pode ser analisada de forma isolada. Deve-se levar em consideração, também, a confissão integral prestada pelo acusado na fase extrajudicial, ocasião em que, de forma espontânea, admitiu ter realizado os disparos de arma de fogo. Tal confissão anterior, ainda que não reiterada em juízo, permanece dotada de valor probatório, sobretudo por estar em consonância com os demais elementos de prova colhidos sob contraditório judicial. A propósito, cumpre destacar o Enunciado Orientativo nº 11 da Turma de Câmaras Criminais Reunidas deste Egrégio Tribunal de Justiça, segundo o qual: “A confissão feita no inquérito policial, embora retratada em juízo, tem valor probatório sempre que confirmada por outros elementos de prova”. No caso em apreço, a versão apresentada na fase inquisitorial encontra ampla confirmação nos demais elementos coligidos aos autos. Conforme amplamente demonstrado, o Policial Militar Lindomar Rodrigues Pereira declarou que a guarnição foi acionada após receber denúncia de que o acusado, em visível estado de embriaguez, havia efetuado disparos de arma de fogo nas imediações da residência da testemunha Eduardo Neves da Silva. Diante da gravidade da notícia, os policiais se dirigiram ao local indicado e, após colhidas as informações preliminares, identificaram o apelante como o responsável pelos disparos. Nas diligências subsequentes, os agentes ingressaram na residência do réu, onde localizaram e apreenderam, conforme termo de apreensão constante dos autos (ID n. 245766189 – pág. 19), um revólver calibre .38, marca Taurus, nº de série 2057868, com três munições deflagradas e três intactas, corroborando a dinâmica descrita pela testemunha. Ao ser inquirido em juízo, o PM Lindomar reconheceu sua assinatura no depoimento prestado na fase investigativa e confirmou que a testemunha ocular viu e ouviu os disparos efetuados pelo réu. Ainda que não tenha recordado com precisão se houve a apreensão da arma, tal ponto encontra respaldo documental no auto de apreensão regularmente lavrado, o qual evidencia a apreensão do armamento com as munições compatíveis aos disparos. Acresce que o próprio policial, em juízo, reafirmou aspectos centrais da ocorrência, referindo-se ao estado de embriaguez do acusado e ao conteúdo da narrativa da vítima, que teria presenciado o réu sacar a arma e efetuar os disparos. Tais declarações, embora permeadas por naturais limitações de memória em razão do lapso temporal entre os fatos (ocorridos em 2019) e a audiência (realizada apenas em 2024), mantêm-se coesas e coerentes com os demais elementos probatórios. Outrossim, embora a testemunha Eduardo Neves da Silva não tenha comparecido à fase judicial em razão de seu falecimento, é importante destacar que seu depoimento prestado na fase investigativa constitui prova de natureza irrepetível, nos termos do artigo 155 do Código de Processo Penal, sendo plenamente admissível sua valoração para fins de formação do juízo condenatório. A jurisprudência pátria tem reiteradamente assentado que, quando a colheita da prova ocorre de forma legítima na fase inquisitorial e sua repetição se mostra inviável por circunstância superveniente – como no caso do falecimento da testemunha –, é perfeitamente possível sua utilização pelo magistrado, mormente quando em consonância com os demais elementos dos autos. Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que “o depoimento da vítima, mesmo colhido na fase inquisitorial, pode ser utilizado se irrepetível, conforme jurisprudência desta Corte.” (AgRg no HC n. 949.389/ES, relator Ministro Otávio de Almeida Toledo (Desembargador Convocado do TJSP), Sexta Turma, julgado em 5/3/2025, DJEN de 11/3/2025.). Comungando com este entendimento, este Egrégio Tribunal de Justiça assim decidiu: “(...) 4. O depoimento prestado na fase inquisitorial por testemunha ocular do delito, ainda que não confirmado judicialmente em virtude de seu falecimento, foi corroborado por outros elementos dos autos e outras testemunhas na fase judicial, que confirmaram a ocorrência de uma discussão acalorada com a vítima e o apelado, momentos antes dos fatos, revelando coesão e robustez de indícios mínimos de autoria e prova da materialidade. 5. A parte final do art. 155 do CPP admite a valoração de provas colhidas na fase investigatória, desde que cautelares, não repetíveis ou antecipadas. O falecimento da testemunha caracteriza hipótese de irrepetibilidade, legitimando o aproveitamento da prova anteriormente produzida. (...)” (N.U 0000263-70.2012.8.11.0053, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, PAULO SERGIO CARREIRA DE SOUZA, Segunda Câmara Criminal, Julgado em 22/04/2025, Publicado no DJE 25/04/2025) (destaquei) “(...) O falecimento da testemunha presencial impossibilita a sua inquirição em Juízo, a tornar o seu depoimento, em sede policial, prova irrepetível, a permitir sua utilização, pelo Juízo singular, nos termos do art. 155 do CPP, notadamente se corroborado por agentes policiais, em Juízo. (...)” (N.U 1002945-67.2022.8.11.0008, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, MARCOS MACHADO, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 19/11/2024, Publicado no DJE 22/11/2024) (negritei) Como visto, a ausência do testemunho em juízo, por motivo de força maior, não impede a sua apreciação de suas declarações, sobretudo quando o conteúdo apresentado na fase pré-processual se harmoniza com o restante do acervo probatório, preservando-se, assim, sua validade e eficácia para fundamentar a condenação. Conclui-se, portanto, que tanto a materialidade quanto a autoria do crime de disparo de arma de fogo, tipificado no artigo 15 da Lei nº 10.826/03, foram devidamente comprovadas. O conjunto probatório apresenta-se coeso e harmônico, demonstrando que o recorrente foi surpreendido na posse da arma utilizada na prática delitiva, sendo que a apreensão do armamento, acompanhada de seis munições (três intactas e três deflagradas), é plenamente compatível com os disparos narrados pela testemunha e confirmados pelos demais elementos de prova constantes dos autos. Diante da solidez das provas produzidas ao longo da instrução, não subsiste qualquer dúvida razoável quanto à responsabilização penal do apelante, razão pela qual impõe-se a manutenção da sentença condenatória tal como proferida, mostrando-se incabível qualquer reforma em seu conteúdo. Ante o exposto, em consonância com o parecer da Procuradoria-Geral de Justiça, CONHEÇO do apelo interposto pela Defesa de Joelson Zacarias Anunciação e, no mérito, NEGO-LHE PROVIMENTO, mantendo incólume a sentença penal condenatória. É como voto. V O T O S V O G A I S VOTO DIVERGENTE EXMO. SR. DES. JORGE LUIZ TADEU RODRIGUES Egrégia Câmara: Peço vênia ao eminente relator e, respeitosamente, encaminho minha divergência. Com o objetivo de evitar tautologia, adoto o relatório apresentado pelo eminente Relator. Visando evitar rodeios, passo a transcrever meu posicionamento. A denúncia narra que (ID n. 245766188): “(...) Segundo foi apurado, no dia 17/04/2019, por volta das 21h00, na Rua Vila Nova, bairro Santa Clara, Várzea Grande-MT, o denunciado Joelson Zacarias Anunciação executou três disparos com o revólver marca taurus .38 SPL nº 2057868, em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Da Narrativa do Fato Delituoso Infere-se dos autos que, no dia 17/04/2019, o acusado portava o revólver marca taurus .38 SPL com seis munições, enquanto caminhava pela Rua Vila Nova, bairro Santa Clara, em Várzea Grande-MT. Ato contínuo, por volta das 21h00, o denunciado parou defronte a residência sediada na quadra 6 da referida via pública e após ser repreendido por um morador em razão de ter urinado em sua edificação, executou três disparos para o alto com a referida arma de fogo e deixou o local. A polícia militar foi acionada e promoveu a prisão em flagrante do acusado, cujo revólver marca taurus .38 SPL nº 2057868, com três munições deflagradas e outras três intactas (fl. 14), foi apreendido e periciado no Laudo nº 2.3.2019.35745-01 (fls. 64/65-v), que atestou sua eficiência para a execução de disparo. Ante o exposto, o Ministério Público denuncia Joelson Zacarias Anunciação como incurso na conduta tipificada no art. 15 da Lei nº 10.826/2003. (...)” Ato contínuo, após regular tramitação, o Juízo de primeiro grau, julgando procedente a denúncia oferecida, condenou o apelante pela prática do crime previsto no art. 15 da Lei 10.826/03. Analisando detidamente os autos, com base nos elementos fáticos-probatórios constantes no processo, formulo entendimento divergente do eminente Relator, porquanto entendo não estarem presentes os requisitos legais para a absolvição do apelante. A materialidade do delito restou sobejadamente comprovada nos autos pelo Auto de Prisão em Flagrante Delito (ID n. 245766189 – pág. 03), Termo de Apreensão (ID n. 245766189 – pág. 19), pelo Boletim de Ocorrência nº 2019.117472 (ID n. 245766189 – pág. 20/22) e Laudo Pericial nº 2.3.2019.35745-01 (ID n. 245766189 – pág. 75/78). Por sua vez, no que tange à autoria, esta restou plenamente demonstrada e recai sobre o apelante, conforme se extrai do robusto conjunto probatório produzido nos autos. Na fase extrajudicial, os Policiais Militares Anderson Fermiano de Figueiredo e Lindomar Rodrigues Pereira prestaram depoimentos semelhantes. Para evitar repetições, transcrevo, a seguir, o relato do PM Anderson, que reflete, em essência, o conteúdo das declarações de ambos, nas quais consignaram: “QUE, nesta data, por volta das 21:00 hs, o depoente, juntamente com o SGT PM LINDOMAR foram acionados para atender ocorrência de disparo de arma de fogo, no bairro Santa Clara, nesta cidade; QUE, chegando no local, o solicitante EDUARDO informou que seu vizinho JOELSON ZACARIAS ANUNCIAÇÃO, sargento PM reformado, havia urinado em frente à sua residência na presença de seus familiares, sendo repreendido; QUE, JOELSON não gostou de ser chamado a atenção e disse VOU TESTAR MINHA ARMA; QUE, em seguida, na via pública, sacou um revólver e efetuou três disparos para o alto; QUE, então, a guarnição foi até à residência de JOELSON e o mesmo negou ter efetuado disparos para o alto; QUE, JOELSON estava em visível estado de embriaguez, com forte odor etílico e olhos avermelhados; QUE, na sua cintura, foi localizado um revólver calibre 38, contendo 03 munições intactas e 03 munições deflagradas; QUE, a arma está registrada em nome de terceira pessoa (CIPRINA MOURA, RG 616982 SSP), porém, JOELSON informou que é o proprietário do revólver; QUE, diante dos fatos, o conduzido foi encaminhado para esta Central de Flagrantes para as providências cabíveis. (...)” (destaquei) Em Juízo, a testemunha PM Anderson Fermiano de Figueiredo, inicialmente, declarou não se recordar dos acontecimentos com precisão. No entanto, após ser confrontado com o teor de seu depoimento prestado na fase investigativa, lido pelo representante do Ministério Público, passou a rememorar, ainda que parcialmente, os fatos ocorridos. Ressalte-se que a ocorrência se deu no ano de 2019, enquanto a audiência de instrução foi realizada apenas em 2024, o que justifica, em parte, a dificuldade de memorização apresentada pela testemunha no primeiro momento. Tal circunstância, contudo, não compromete a credibilidade da prova, sendo plenamente compreensível diante do tempo decorrido entre os fatos e a oitiva judicial, especialmente tratando-se de testemunha que, como agente público, atua em diversas ocorrências. Vejamos: “(...) Promotor: É, a respeito de um fato verificado no dia 17 de abril de 2019, por volta das 21 horas, na rua Vila Nova, bairro Santa Clara em Varia Grande, envolvendo acusado Joelson Zacarias Anunciação e um registro de disparo de arma de fogo. Que que o senhor se recorda desse fato? Anderson: Não me recordo. Promotor: Não se recorda de ter promovido prisão em flagrante nessa circunstância? O senhor figura eu como condutor. Anderson: Não lembro. Promotor: Senhor conhece essa pessoa de Zacarias, o acusado? Anderson: Não. Promotor: Joelson Zacarias Anunciação. Anderson: Não, não o conheço. Promotor: Bom, eu vou ler, o senhor chegou a ler o boletim de ocorrência? Anderson: não. Promotor: Tá. Eu vou ler um trecho só da circunstância que teria sido retratada, que antecedeu esse fato, se acaso isso faz o senhor às vezes se recordar de alguma informação, que eu acho até que é um fato um pouco peculiar. (..). O senhor se recorda desse dessa ocorrência? Anderson: Lembro dessa parte. Essa daí foi quem, é só o relato do da vítima. Promotor: Sim, mas o senhor esse recorde tem atendido uma ocorrência que a vítima (inaudível) Anderson: sim, agora lembrei, lembrei. Promotor: Tá. E o que mais que o senhor lembrou? Anderson: Não, só eu, eu lembro só dessa parte que a gente chegou para atender ocorrência. Ele relatou os fatos e a gente e parece que ele morava próximo assim de frente da casa dele e a gente foi até a residência a qual ele se identificou, uma coisa assim. Aí vagamente eu lembro de detalhes. Promotor: Você lembra de ter aprendido arma de fogo nessa oportunidade? Anderson: Eu não lembro se na gente chegou de aprender arma de fogo. Lembro que ele falou que tinha ameaça, que houve ameaça, mas tipo assim, quem falou foi a vítima, né? O solicitante. Promotor: Não, mas aí eu queria, queria verificar que o senhor se lembra de ter aprendido uma arma de fogo? Se lembra do estado do acusado quando o senhor foi lá atender a ocorrência? Anderson: Se eu não me engano, ele tava embriagado. Promotor: Agora, a questão da arma em si, que se tratava essa arma, se a arma foi apreendida, se tinha sinal de execução de disparo com essa arma, tinha munição deflagrada? Anderson: não lembro. (...)” (negritei) De igual forma, o Policial Militar Lindomar Rodrigues Pereira, ao ser inquirido na fase judicial, inicialmente não se recordou da ocorrência apenas pelo nome do denunciado. Todavia, após contextualização, rememorou os fatos envolvendo o referido acusado, também policial militar, esclarecendo que: “(...) Promotor: A respeito de um fato verificado no dia 17 de abril de 2019, por volta das 21 horas, na rua Vila Nova, bairro Santa Clara, em Varzea Grande, movendo o acusado Joelson Zacarias Anunciação, é compreendendo disparos e porte de arma de fogo. Que que o senhor se recorda desse fato? Lindomar: João Zacarias. Promotor: Anunciação. Lindomar: Eu não me recordo desse nome não. Promotor: Vê tem alguma coisa no boletim de ocorrência. Então aqui consta que, a ocorrência teria sido motivada inclusive é pela notícia de que o acusado ele teria urinado na casa da pessoa que fez o registro da ocorrência. E aí isso levou a então a circunstância associada à arma de fogo e acionar a guarnição da Polícia Militar. Lindomar: Sim, esse daí, esse daí deve ser um policial, né? Esse Joelson aí? que eu me recordo de uma situação é parecida com esse daí que. Promotor: hum. Lindomar: veio para nós que o, é, mijou, o moço tava embriagado, mijou, não foi na porta da residência. Promotor: Ah, tá. Lindomar: foi na frente da casa dele, né? Mas tava, provavelmente tava família lá próximo. Aí fomos chamados para essa ocorrência lá e ele tava bravo lá, não sei, entendeu? Promotor: Tá. Mas o senhor recorde de ter aprendido alguma arma com essa pessoa? Lindomar: Eu não me recordo muito não, doutor. Mas, não recordo não. Promotor: Tá, eu vou pedir então, se possível para exibir pro sargento Lindomar o boletim de ocorrência, só para aferir se se é a assinatura dele que consta, se se recorda, é o ID. ó, eu vou pedir até a página que tá a assinatura. Só um momento aqui no chat que fica mais fácil. Também posso também pegar um print aqui, mas acho que é até melhor exibir direto do processo. (...) É, pode ser a parte de cima e correndo para a assinatura se ele se recorda de ter lavrado, ou pelo menos a assinatura dele, se é dele que consta lá mesmo ou é de outro policial. (...) Sergento Lindo Omar, verifica se o senhor se recorda desse boletim de ocorrência em específico e se relaciona nessa ocorrência ou pelo menos essa senatoria do senhor tem exibido na tela. Pode, pode é descer, porque eu preciso só que ele saiba se é, se a assinatura dele. Lindomar: Sim. Promotor: essa assinatura do senhor. Tá bom. Lindomar: é sim senhor. Promotor: Perfeito. A respeito de apreensão de arma, notícia de execução de disparo com arma de fogo por essa pessoa, o senhor não se recorda? Lindomar: Não. É, a o disparo houve, né? Que eu não tô lembrado, se eu aprendi essa arma, provavelmente poderia ser um 38. Promotor: Tá, mas como, como, por que o senhor diz que houve o dispo? Por que o senhor consegue afirmar isso? Lindomar: Não, porque foi assim, é, a ocorrência veio para nós que houve um disparo de fogo, arma de fogo, né? Promotor: Ah, tá. Lindomar: Aí, chegamos no local, o cara, segundo a informação, o cara tava bêbado, mijou na na porta da casa dele, mas na frente de uma residência que ele tava uma família. Senhor entendeu? Promotor: Então, mas assim, o a ocorrência chegou com a informação que havia ocorrido o disparo de arma de fogo, mas visualizar o disparo o senhor não viu? Lindomar: Não, senhor. Promotor: Nem ouviu? Lindomar: Não, nem ouvi. Promotor: Tá. Aí o senhor não se recorda se quando chegou lá no local o senhor aprendeu alguma arma de fogo com o acusado. Lindomar: Isso eu não me recordo bem. Eu sei que nós. Promotor: Ah, por favor, prossiga. Pode prosseguir. Lindomar: Eu sei que nós fomos fazer uma busca na residência dessa pessoa, parece, para ir atrás dessa arma. Promotor: tá. É, e qual era o estado dele quando o senhor chegou lá? O senhor se recorda pelo menos disso? Lindomar: Ele tava, provavelmente embriagado, ne. Que eu não, porque nós não fizemos etilômetro né? Se não me engano, parece que não fizemos etilômetro, mas provavelmente tava embriagado. Ele tava embriagado. Promotor: Tá. E a vítima, é, a vítima aqui consta como Eduardo Neves, enfim, a pessoa que registrou a ocorrência. Quem o senhor atendeu lá confirmou esse relato de que havia de que o acusado, o Joelson Zacarias, havia executado o disparo de arma de fogo? Lindomar: É, a vítima falou que que estava, é viu a arma e viu o e disparo, né? Segundo informação, parece que foi na frente deles lá, né? O tiro foi para cima. (...) Defesa: É, Sargento Lindomar, é, o senhor ficou sabendo do disparo de arma de fogo por este vizinho chamado Eduardo. O senhor não presenciou, correto? Lindomar: Não, não senhor. Defesa: E a história que quem do disparo como ocorreu, como deixou de ocorrer, foi repassado por esse Eduardo, correto? Lindomar: Sim, foi pelo familiar, né, que denunciou. Defesa: certo. O réu, quando o senhor chegou lá, identificou a pessoa, ele é reagiu à prisão, ele se tornou dificultoso? Lindomar: Não, não, não. Defesa: É, acompanhou vocês? Precisou de ir algemado? Lindomar: Não. Defesa: O senhor sabe se ele confirmou o disparo ou não? Lindomar: É, no, no (inaudível) de ir algemado, eu não não me recordo. Certo? Defesa: Certo. É, ele chegou a confirmar o disparo pro senhor ou não? Lindomar: Ele ele tava embriagado, né. Assim, eu não me recordo disso aí, que ele confirmou. (...)” (destaquei) A testemunha Eduardo Neves da Silva, vizinho do apelante e responsável por comunicar o fato criminoso à autoridade policial, embora não tenha sido ouvida em juízo para confirmar suas declarações, prestou, na fase extrajudicial, um depoimento minucioso, relatando com riqueza de detalhes as circunstâncias em que o crime foi praticado pelo apelante, conforme se observa: “QUE, conhece JOELSON há muito tempo, desde que era pequeno, pois sempre foram vizinhos naquele bairro, nesta cidade; QUE. JOELSON é problemático e várias vezes já efetuou disparos para o alto no bairro, sendo que inclusive já efetuou disparos contra seu amigo MARCOS, atingindo-o na lateral do abdômen; QUE, JOELSON só vive embriagado e armado; QUE, todos do bairro tem medo de JOELSON por saber que ele é policial; QUE, na data de hoje o depoente estava em frente a sua residência, quando JOELSON chegou e urinou na porta da residência vizinha; QUE, JOELSON estava com uma mulher e ela disse para ele não fazer aquilo; QUE, então, JOELSON disse: VOU TESTAR MINHA ARMA; QUE, então, o depoente presenciou quando JOELSON sacou a arma da cintura e efetuou três disparos para o alto; QUE, o depoente se assustou e entrou correndo em casa, sendo que depois acionou a PM; QUE, o depoente teme por sua vida, pois JOELSON efetuou disparos para cima sem que o depoente tenha falado nada, já que, como dito, foi a própria mulher que estava com ele que o reclamou; QUE, JOELSON ameaça de morte várias pessoas do bairro. (...)” (negritei) Por sua vez, ao ser interrogado perante a autoridade policial, o denunciado, ora apelante, confessou a autoria delitiva, admitindo que efetuou disparos de arma de fogo para o alto e que havia adquirido o revólver há cerca de um ano, pelo valor de R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais), de um indivíduo desconhecido. “(...) QUE, confessa que efetuou disparos para cima; QUE, adquiriu o revólver há cerca de um ano, pelo valor de R$ 1.500,00 de um desconhecido; QUE, não sabe se a arma está registrada em nome de alguém. Nada mais disse, nem lhe foi perguntado, pelo que determinou a autoridade que se encerrasse o presente auto às 00:25 horas, que vai devidamente assinado.” Em sede judicial, o apelante alterou a versão anteriormente apresentada, passando a negar a autoria delitiva, porém acabou confessando parcialmente, no que diz respeito a posse da arma e a existência de 03 (três) capsulas deflagradas, justamente, coincidente com os três disparos noticiados pela testemunha Eduardo, que fora o denunciante. “(...) Joelson: Não, senhor, não disparei arma de fogo nenhum. É que eu cheguei tarde da, esse horário, eu cheguei da rua, cheguei lá de minha tia no aniversário do aniversário dela, cheguei em casa. Eles estavam com som alto na calçada deles lá. Aí eu pedi que era para eles dar uma baixada, desse uma baixada no som lá, que eu iria dormir, né? Aí peguei, entrei para dentro, entrei para dentro de minha casa, tranquei meu portão e fui dormir. Aí não demorou, encostou a viatura lá na porta de minha casa, lá bateu palma lá, eu saí, eu saí, ele falou se tinha acontecido disparo lá de arma de fogo, chamaram a polícia para mim se eu tinha disparado arma de fogo. Não, pura mentira, não disparei arma de fogo nenhuma. Cheguei, na hora que eu cheguei, ele tava com som alto aí na calçada deles aí eu só pedi, por gentileza, se eles pudesse abaixar mais o som, que eu iria dormir, que iria dormir. Eu, mas o rapaz lá, mas não, já não, não se dava bem, não se dava bem não. Ele parece que não tem, ele não gostava de mim também, não. Nós não trocava muita ideia. Acho que foi por causa de vida, ele chamou a polícia para mim. A polícia chegou lá, é porque tem tinha comprado um revolvinho clandestino lá, peguei, peguei, falou - Senhor, tem arma de fogo aí?. Tem um revólver clandestino que eu comprei pra minha pra minha proteção. Sou sou policial militar para minha proteção. Peguei, entreguei, entreguei a arma para eles. Entreguei a arma para eles e sacolinha de munição que eu tinha entreguei para ele, foram embora. Aí me levaram para levar pro Cisco da 31 de março, fizeram o BO, fizemos o BO tudinho. Aí fui dormir lá na no batalhão ao lado da praça (inaudível) lá, dormi lá no dia seguinte, acho que até era uma época da semana santa, parece, no dia seguinte passei pela uma audiência de custódia no Fórum de Várzea Grande. Daí a doutora A juíza me liberou. Juiz: Na época o senhor ainda estava na ativa ou não? Joelson: Não, não, Senhor já tava RR no R na reserva remunerada já, eu aposentei em 2013. (...) Promotor: É, deixa eu só esclarecer uma coisa, seu Joelson, é, por que que tinha três munições deflagradas? Joelson: Tinha sim doutor lá no CISC do parque do lago, falei que tinha deflagrado, tinha deflagrado três munição, mas de uns meses atrás. Promotor: Meses atrás? Joelson: É, que tava na sacolinha. Tava na sacolinha com as outras munição intacta, mas não foi aquele dia não. Promotor: Tá, o senhor tava embriagado? Joelson: Sim, eu tinha tomado um negócio no aniversário lá da casa de minha tia lá. Tinha tomado um uma cerveja lá. Não tava totalmente embriagado. Estava lucido. Sabia o que tava fazendo. Promotor: Entendi. Sr. Joelson. Mas é que lá na delegacia, lá na central de flagrantes, o senhor falou o seguinte, que confessa que efetuou disparos para cima. Joelson: Uhum. Promotor: Aí no ID de 126365622, página 13. O senhor ainda complementou que adquiriu o revólver há cerca de 1 ano pelo valor de mil e quinhentos reais de um desconhecido. Joelson: Hum. Promotor: Que não sabe se a arma está registrada em nome de alguém. Então aqui o senhor confessou a execução do disparo, isso lá na delegacia. Joelson: Mas não foi aquele dia não, doutor. (...)” No caso em apreço, a negativa de autoria, apresentada somente em Juízo, não se sustenta diante do conjunto probatório robusto coligido nos autos. A despeito da tentativa do apelante de se eximir da responsabilidade penal, os elementos de convicção apontam no sentido contrário. Em sede judicial, embora tenha negado a realização dos disparos, o réu apresentou confissão parcial ao reconhecer a posse da arma de fogo, a existência de três munições deflagradas em seu poder e o consumo de bebida alcoólica na data dos fatos, durante uma comemoração de aniversário. Ao ser indagado pelo juízo de origem quanto à confissão anteriormente prestada na fase policial – ocasião em que admitira ter efetuado os disparos –, o acusado não refutou o conteúdo da declaração, tendo, ao contrário, manifestado anuência ao confirmar, com a expressão “uhum”, o teor da narrativa inquisitorial. Trata-se, portanto, de confissão parcial realizada sob o crivo do contraditório, a qual, embora limitada em juízo à admissão da posse da arma e da embriaguez, não pode ser analisada de forma isolada. Deve-se levar em consideração, também, a confissão integral prestada pelo acusado na fase extrajudicial, ocasião em que, de forma espontânea, admitiu ter realizado os disparos de arma de fogo. Tal confissão anterior, ainda que não reiterada em juízo, permanece dotada de valor probatório, sobretudo por estar em consonância com os demais elementos de prova colhidos sob contraditório judicial. A propósito, cumpre destacar o Enunciado Orientativo nº 11 da Turma de Câmaras Criminais Reunidas deste Egrégio Tribunal de Justiça, segundo o qual: “A confissão feita no inquérito policial, embora retratada em juízo, tem valor probatório sempre que confirmada por outros elementos de prova”. No caso em apreço, a versão apresentada na fase inquisitorial encontra ampla confirmação nos demais elementos coligidos aos autos. Conforme amplamente demonstrado, o Policial Militar Lindomar Rodrigues Pereira declarou que a guarnição foi acionada após receber denúncia de que o acusado, em visível estado de embriaguez, havia efetuado disparos de arma de fogo nas imediações da residência da testemunha Eduardo Neves da Silva. Diante da gravidade da notícia, os policiais se dirigiram ao local indicado e, após colhidas as informações preliminares, identificaram o apelante como o responsável pelos disparos. Nas diligências subsequentes, os agentes ingressaram na residência do réu, onde localizaram e apreenderam, conforme termo de apreensão constante dos autos (ID n. 245766189 – pág. 19), um revólver calibre .38, marca Taurus, nº de série 2057868, com três munições deflagradas e três intactas, corroborando a dinâmica descrita pela testemunha. Ao ser inquirido em juízo, o PM Lindomar reconheceu sua assinatura no depoimento prestado na fase investigativa e confirmou que a testemunha ocular viu e ouviu os disparos efetuados pelo réu. Ainda que não tenha recordado com precisão se houve a apreensão da arma, tal ponto encontra respaldo documental no auto de apreensão regularmente lavrado, o qual evidencia a apreensão do armamento com as munições compatíveis aos disparos. Acresce que o próprio policial, em juízo, reafirmou aspectos centrais da ocorrência, referindo-se ao estado de embriaguez do acusado e ao conteúdo da narrativa da vítima, que teria presenciado o réu sacar a arma e efetuar os disparos. Tais declarações, embora permeadas por naturais limitações de memória em razão do lapso temporal entre os fatos (ocorridos em 2019) e a audiência (realizada apenas em 2024), mantêm-se coesas e coerentes com os demais elementos probatórios. Outrossim, embora a testemunha Eduardo Neves da Silva não tenha comparecido à fase judicial em razão de seu falecimento, é importante destacar que seu depoimento prestado na fase investigativa constitui prova de natureza irrepetível, nos termos do artigo 155 do Código de Processo Penal, sendo plenamente admissível sua valoração para fins de formação do juízo condenatório. A jurisprudência pátria tem reiteradamente assentado que, quando a colheita da prova ocorre de forma legítima na fase inquisitorial e sua repetição se mostra inviável por circunstância superveniente – como no caso do falecimento da testemunha –, é perfeitamente possível sua utilização pelo magistrado, mormente quando em consonância com os demais elementos dos autos. Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que “o depoimento da vítima, mesmo colhido na fase inquisitorial, pode ser utilizado se irrepetível, conforme jurisprudência desta Corte.” (AgRg no HC n. 949.389/ES, relator Ministro Otávio de Almeida Toledo (Desembargador Convocado do TJSP), Sexta Turma, julgado em 5/3/2025, DJEN de 11/3/2025.). Comungando com este entendimento, este Egrégio Tribunal de Justiça assim decidiu: “(...) 4. O depoimento prestado na fase inquisitorial por testemunha ocular do delito, ainda que não confirmado judicialmente em virtude de seu falecimento, foi corroborado por outros elementos dos autos e outras testemunhas na fase judicial, que confirmaram a ocorrência de uma discussão acalorada com a vítima e o apelado, momentos antes dos fatos, revelando coesão e robustez de indícios mínimos de autoria e prova da materialidade. 5. A parte final do art. 155 do CPP admite a valoração de provas colhidas na fase investigatória, desde que cautelares, não repetíveis ou antecipadas. O falecimento da testemunha caracteriza hipótese de irrepetibilidade, legitimando o aproveitamento da prova anteriormente produzida. (...)” (N.U 0000263-70.2012.8.11.0053, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, PAULO SERGIO CARREIRA DE SOUZA, Segunda Câmara Criminal, Julgado em 22/04/2025, Publicado no DJE 25/04/2025) (destaquei) “(...) O falecimento da testemunha presencial impossibilita a sua inquirição em Juízo, a tornar o seu depoimento, em sede policial, prova irrepetível, a permitir sua utilização, pelo Juízo singular, nos termos do art. 155 do CPP, notadamente se corroborado por agentes policiais, em Juízo. (...)” (N.U 1002945-67.2022.8.11.0008, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, MARCOS MACHADO, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 19/11/2024, Publicado no DJE 22/11/2024) (negritei) Como visto, a ausência do testemunho em juízo, por motivo de força maior, não impede a sua apreciação de suas declarações, sobretudo quando o conteúdo apresentado na fase pré-processual se harmoniza com o restante do acervo probatório, preservando-se, assim, sua validade e eficácia para fundamentar a condenação. Conclui-se, portanto, que tanto a materialidade quanto a autoria do crime de disparo de arma de fogo, tipificado no artigo 15 da Lei nº 10.826/03, foram devidamente comprovadas. O conjunto probatório apresenta-se coeso e harmônico, demonstrando que o recorrente foi surpreendido na posse da arma utilizada na prática delitiva, sendo que a apreensão do armamento, acompanhada de seis munições (três intactas e três deflagradas), é plenamente compatível com os disparos narrados pela testemunha e confirmados pelos demais elementos de prova constantes dos autos. Diante da solidez das provas produzidas ao longo da instrução, não subsiste qualquer dúvida razoável quanto à responsabilização penal do apelante, razão pela qual impõe-se a manutenção da sentença condenatória tal como proferida, mostrando-se incabível qualquer reforma em seu conteúdo. Ante o exposto, em consonância com o parecer da Procuradoria-Geral de Justiça, CONHEÇO do apelo interposto pela Defesa de Joelson Zacarias Anunciação e, no mérito, NEGO-LHE PROVIMENTO, mantendo incólume a sentença penal condenatória. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 03/06/2025
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