Cooperativa De Economia E Credito Mutuo Dos Servidores Publicos Municipais De Porto Alegre x Eurico Aurivan Rodrigues Pereira e outros
ID: 278390112
Tribunal: TJRS
Órgão: Secretaria da 11ª Câmara Cível
Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO
Nº Processo: 5027947-60.2025.8.21.7000
Data de Disponibilização:
26/05/2025
Advogados:
CLARISSA PIRES DA COSTA
OAB/RS XXXXXX
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ÁLISSON RAFAEL FRAGA DA COSTA
OAB/RS XXXXXX
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ADRIANA ALEXANDRA LAURINDO DE CASTILHOS RAMOS
OAB/RS XXXXXX
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PAULO EDUARDO SILVA RAMOS
OAB/RS XXXXXX
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LUIZ HENRIQUE CABANELLOS SCHUH
OAB/RS XXXXXX
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VENER RIBEIRO RODRIGUES
OAB/RS XXXXXX
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Agravo de Instrumento Nº 5027947-60.2025.8.21.7000/RS
TIPO DE AÇÃO:
Superendividamento
RELATOR
: Desembargador AMADEO HENRIQUE RAMELLA BUTTELLI
AGRAVANTE
: COOPERATIVA DE ECONOMIA E CREDITO MUTUO DO…
Agravo de Instrumento Nº 5027947-60.2025.8.21.7000/RS
TIPO DE AÇÃO:
Superendividamento
RELATOR
: Desembargador AMADEO HENRIQUE RAMELLA BUTTELLI
AGRAVANTE
: COOPERATIVA DE ECONOMIA E CREDITO MUTUO DOS SERVIDORES PUBLICOS MUNICIPAIS DE PORTO ALEGRE
ADVOGADO(A)
: ÁLISSON RAFAEL FRAGA DA COSTA (OAB RS074259)
AGRAVADO
: EURICO AURIVAN RODRIGUES PEREIRA
ADVOGADO(A)
: VENER RIBEIRO RODRIGUES (OAB RS109520)
INTERESSADO
: BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL S/A - BANRISUL
INTERESSADO
: FACTA FINANCEIRA S.A. CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO
ADVOGADO(A)
: PAULO EDUARDO SILVA RAMOS
ADVOGADO(A)
: ADRIANA ALEXANDRA LAURINDO DE CASTILHOS RAMOS
INTERESSADO
: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF
EMENTA
AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS. SUPERENDIVIDAMENTO.
JULGAMENTO MONOCRÁTICO.
POSSIBILIDADE. É CABÍVEL O NÃO CONHECIMENTO E O JULGAMENTO MONOCRÁTICO DE RECURSOS CUJA MATÉRIA POSSUI JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE NOS TRIBUNAIS SUPERIORES E NO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, NA FORMA DO ART. 932, INCISOS iii E VIII, DO CPC, COMBINADO COM O ARTIGO 206, XXXVI DO REGIMENTO INTERNO E NA FORMA PRECONIZADA NA SÚMULA 568 DO STJ.
inexistência de dano irreparável, face a não comprovação do superendividamento.
conforme provas juntadas aos autos (contracheque e extrato bancário), restou caracterizada a situação de superendividamento.
o superendividamento resta configurado quando reconhecida a impossibilidade de o consumidor de boa-fé adimplir todas as dívidas que contraiu, sem comprometer o mínimo existencial assegurado para sua sobrevivência. LEI N.º 14.181/2021.
CASO CONCRETO EM QUE a soma dos descontos legais, dos descontos consignados autorizados em FOLHA DE PAGAMENTO E dos lançamentos a débito em conta-corrente BANCÁRIA ULTRAPASSAM O LIMITE RAZOÁVEL PARA QUE a parte autora-AGRAVADa MANTENHA SUA SUBSISTÊNCIA, caracterizando inequívoca situação de superendividamento.
a lei federal 14.181/2021 introduz no código de defesa do consumidor ferramentas para prevenção e tratamento das situações de superendividamento. concessão da tutela de urgência que, no caso concreto, e com suporte na jurisprudência do stj e desta corte, visa assegurar a dignidade e subsistência pessoal e familiar do consumidor superendividado. garantia de acesso a valores indispensáveis para o custeio das despesas mais elementares da subsistência, tais como alimentação habitação e saúde.
manutenção da decisão recorrida, pois amparada em princípios constitucionais de preservação da dignidade da pessoa humana e garantia de acesso ao mínimo existencial para subsistência do devedor superendividado. precedentes desta corte e do stj.
PEDIDO DE LIMITAÇÃO DOS DESCONTOS OBSERVADA A ORDEM CRONOLÓGICA. DESCABIMENTO.
NO PROCESSO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS OCORRE UMA ESPÉCIE DE CONCURSO DE CREDORES, DE MODO QUE TODAS AS DÍVIDAS ABRANGIDAS PELA AÇÃO JUDICIAL DEVEM SER CONSIDERADAS DA MESMA FORMA, INDEPENDENTE DA ORDEM CRONOLÓGICA DE CELEBRAÇÃO. EM REGRA, TODOS OS CONTRATOS POSSUEM ORIGEM LÍCITA E A DISTRIBUIÇÃO IGUALITÁRIA DA MARGEM SALARIAL DISPONÍVEL ASSEGURA A CONTINUIDADE, AINDA QUE LIMITADA, DA EXECUÇÃO DE TODOS OS CONTRATOS SUBMETIDOS AO PROCESSO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS. DECISÃO AGRAVADA QUE DEVE SER MANTIDA NO PONTO.
RECURSO DESPROVIDO.
DECISÃO MONOCRÁTICA
1.
Trata-se de agravo de instrumento interposto por COOPERATIVA DE ECONOMIA E CREDITO MUTUO DOS SERVIDORES PUBLICOS MUNICIPAIS DE PORTO ALEGRE
contra decisão (
evento 10, DESPADEC1
) proferida nos autos da AÇÃO DE LIMITAÇÃO DE DESCONTOS COM BASE NA LEI DO SUPERENDIVIDAMENTO C/C PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA movida por
EURICO AURIVAN RODRIGUES PEREIRA
perante o Projeto de Gestão de Superendividamento.
Nas razões de recurso (
evento 1, INIC1
), tece considerações da análise dos fatos, sustentando a necessidade de concessão de efeito suspensivo, em razão do risco de lesão grave e de difícil reparação, especialmente porque "
a parte Agravada se trata de servidora e que está sob regimento da Decreto Estadual nº 43.574/2005 que determina o limitador de 70% da remuneração disponível, para efeito de descontos em folha de pagamento
". Fala que não está comprovado o superendividamento, inexistindo dano irreparável. Ainda, refere que "
o respeitável juízo não se manifestou acerca da forma como este percentual limitador será distribuído entre as Partes Rés
", sendo necessário que seja especificado como será o cumprimento da medida determinada. "
Entende que a maneira mais justa seria pela ordem cronológica de contratação, já que o referido processo trata de contratações com instituições financeiras distintas, devendo respeitar o credor da operação de consignação mais antiga, pois somente os que excederem o limite serão abusivos e irregulares.
" Requer o provimento do recurso.
É o relatório.
2.
Recebo o recurso, porque atendidos os requisitos formais de admissibilidade.
3.
Inicialmente, cumpre referir que a decisão agravada foi proferida nos seguintes termos:
Defiro a gratuidade judiciária.
Anoto, todavia, que a concessão da benesse é modulada e restrita a determinados atos processuais, na forma do permissivo legal disposto no parágrafo 5º do artigo 98 do Código de Processo Civil.
A esse respeito, adianto que a vedação imposta pelo parágrafo 3º do artigo 104-B do Código de Defesa do Consumidor poderá ser relativizada, em caso de violação do dever de cooperação e lealdade processual, permitindo-se eventual oneração do credor com relação às despesas necessárias ao procedimento de repactuação, as quais poderão ser incluídas na sucumbência em ação de procedência.
Recebo a inicial com base na tutela legal prevista na Lei 14.181/21, tendo em vista que a causa de pedir noticiando o superendividamento do consumidor.
DO JUÍZO UNIVERSAL DA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
Presente o juízo universal da instituição bancária nos casos de superendividamento.
Não obstante a competência para processar e julgar precipuamente caiba à Justiça Federal por força do artigo 109, I da CF, a exceção é destinada às causas que evolvam "falência, acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho".
Nesse contexto, a regra de exceção da competência constitucional preserva a reunião de ações materiais em respeito ao juízo universal, nos termos do entendimento do Superior Tribunal de Justiça, em julgamento ao Conflito de Competência n
o
193.066 - DF (2022/0362595-2), de Relatoria do Min. Marco Buzzi:
CONFLITO DE COMPETÊNCIA - CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - AÇÃO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS - SUPERENDIVIDAMENTO - CONCURSO DE CREDORES PREVISTO NOS ARTIGOS 104-A, B E C, DO CDC, NA REDAÇÃO CONFERIDA PELA LEI 14.181/21 - POLO PASSIVO COMPOSTO POR DIVERSOS CREDORES BANCÁRIOS, DENTRE ELES, A CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - EXCEÇÃO À REGRA DE COMPETÊNCIA PREVISTA NO ART. 109, I, DA CF/88 - EXEGESE DO COL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL DEFINIDA EM REPERCUSSÃO GERAL – DECLARAÇÃO DE COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM DO DISTRITO FEDERAL.
1. O Superior Tribunal de Justiça é competente para o conhecimento e processamento do presente incidente, pois apresenta controvérsia acerca do exercício da jurisdição entre juízos vinculados a Tribunais diversos, nos termos do artigo 105, I, "d", da Constituição Federal.
2. A discussão subjacente ao conflito consiste na declaração do juízo competente para o processar e julgar ação de repactuação de dívidas decorrentes do superendividamento do consumidor, em que é parte, além de outras instituições financeiras privadas, a Caixa Econômica Federal.
3. A alteração promovida no Código de Defesa do Consumidor, por meio do normativo legal n.o 14.181/2021, de 1o de julho de 2021, supriu lacuna legislativa a fim de oferecer à pessoa física, em situação de vulnerabilidade (superendividamento), a possibilidade de, perante seus credores, rediscutir, repactuar e, finalmente, cumprir suas obrigações contratuais/financeiras.
4. Cabe à Justiça comum estadual e/ou distrital processar e julgar as demandas oriundas de ações de repactuação de dívidas decorrentes de superendividamento - ainda que exista interesse de ente federal - porquanto a exegese do art. 109, I, do texto maior, deve ser teleológica de forma a alcançar, na exceção da competência da Justiça Federal, as hipóteses em que existe o concurso de credores.
5. Conflito conhecido para declarar a competência do r. juízo comum do Distrito Federal e Territórios para processar e julgar a ação de repactuação de dívidas por superendividamento, recomendando-se ao respectivo juízo, ante à delicada condição de saúde do interessado, a máxima brevidade no exame do feito.
Além disso, embasou sua fundamentação trazendo outras decisões do STJ no mesmo sentido, destacando-se aqui: CC 194.750/SP, Min. Paulo de Tarso Sanseverino; CC 192.823/SP, Min. Moura Ribeiro; CC 190.947, Min. Maria Isabel Gallotti.
DA FASE CONCILIATÓRIA:
Observado que a fase conciliatória não ocorreu anteriormente ao ajuizamento da ação, SUSPENDO o feito, após o cumprimento da tutela de urgência deferida, se deferida, para DETERMINAR a remessa dos autos ao
CEJUSC
, determinando seja aprazada audiência de conciliação/mediação, porquanto fase obrigatória da Lei 14.181/21, artigo 104-A.
Registro que, de fato, a fase consensual do procedimento é compulsória e prévia, de acordo com o artigo 104-A do CDC.
Excepcionalmente, evidenciada a necessidade, este Juízo tem analisado a tutela de urgência como forma de assegurar a preservação do mínimo existencial.
Por essa razão, consigno que
É OBRIGATÓRIA A PRESENÇA DO CONSUMIDOR
NA AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO/MEDIAÇÃO
, pela aplicação do princípio da cooperação, notadamente, porque fase compulsória do procedimento,
sob pena de possibilidade da reapreciação da tutela de urgência,
uma vez que esta se submete ao "
condicionamento de seu efeitos à abstenção, pelo consumidor, de condutas que importem no agravamento de sua situação de superendividamento
" (art. 104-A,§ 4.º, IV, do CDC).
A ausência deverá ser justificada comprovadamente e de forma prévia ao ato, salvo situação excepcional a ser apreciada.
A ausência injustificada da parte autora importará na revogação da tutela de urgência.
Outrossim, FICAM OS CREDORES ADVERTIDOS, desde já, que a
ausência injustificada
, bem como o
comparecimento do representante do credor sem poderes reais e plenos para transigir
ou, ainda,
a falta de proposta ou de proposta inviável dos credores
, contrariam a finalidade da norma e podem autorizar a aplicação de sanção, em especial e por analogia, do art. 104-A, § 2.º, do CDC, nos termos dos Enunciados n. 36
1
, n. 37
2
, n.º38
3
e n. 39
4
todos do FONAMEC (Fórum Nacional da Mediação e Conciliação).
Para composição, saliento às partes que:
1) A modificação da forma de pagamento pactuada no acordo, com a previsão de desconto em conta-corrente de débitos que foram contratados de forma originária mediante
pagamento por consignação em folha de pagamento
, altera o equilíbrio da relação originariamente pactuada, ante a possibilidade da incidência do Tema 1085 do STJ.
No entanto,
com a concordância expressa o consumidor
, na ausência de margem consignável em folha de pagamento, fica autorizado, TEMPORARIAMENTE, o pagamento mediante desconto em conta-corrente, desde que mantida a natureza da obrigação originária.
2) A pactuação deve observar as informações trazidas pela parte demandante no
plano preliminar
apresentado, especialmente, a parcela disponível para pagamento dos credores, observado o mínimo existencial. Eventual modificação nas possibilidades deverá ser justificada nos autos, sempre que possível, de forma prévia à audiência, com retificação do plano preliminar.
Cite-se a parte demandada para comparecer à audiência de conciliação/mediação.
Não havendo entendimento, deverá apresentar contestação em 15 dias, contados da data da audiência.
Consigno que, nos termos do CPC, a citação será feita preferencialmente por meio eletrônico, no prazo de até 2 (dois) dias úteis, contado da decisão que a determinar, por meio dos endereços eletrônicos indicados pelo citando.
Ainda de acordo com o diploma legal as empresas privadas são obrigadas a manter cadastro nos sistemas de processo em autos eletrônicos, para efeito de recebimento de citações e intimações, as quais serão efetuadas preferencialmente por esse meio.
Ante a ausência de confirmação, no prazo de até 3 (três) dias úteis, contados do recebimento da citação eletrônica, expeça-se Carta AR de citação pelo correio, nos termos do art. 246, §1°-A.
Tendo em vista que se considera ato atentatório à dignidade da justiça, passível de multa de até 5% (cinco por cento) do valor da causa, deixar de confirmar no prazo legal, sem justa causa, o recebimento da citação recebida por meio eletrônico, o réu deverá justificar a falta de confirmação no prazo da contestação.
DA TUTELA DE URGÊNCIA
Trata-se de pedido de tutela de urgência formulado nos autos de repactuação de dívidas sob o rito da Lei 14.181/21.
Consoante determina a Lei 14.181/21, a audiência de conciliação é fase obrigatória, nos termos do artigo 104-A, tratando-se do primeiro ato a ser realizado.
Nada impede
, todavia, que o pedido de tutela de urgência possa ser apreciado tão logo distribuída a ação, até porque, a fase consensual é requisito para a fase de mérito, e não para a fase de cognição sumária.
Nesse sentido:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS. SUPERENDIVIDAMENTO. DECISÃO QUE DEFERIU A LIMITAÇÃO DE DESCONTOS EM TUTELA DE URGÊNCIA. PRELIMINAR DE NULIDADE DA DECISÃO POR VIOLAÇÃO AO ART. 489, §1º, III, DO CPC: A decisão agravada apresenta fundamentos que são coerentes e se conectam diretamente com o caso concreto, observando suas particularidades, de modo que não há nulidade a ser reconhecida. POSSIBILIDADE DO DEFERIMENTO DA TUTELA ANTES DA AUDIÊNCIA CONCILIATÓRIA: Uma vez instaurado o processo, não há obstáculo legal ao deferimento da tutelas antecipatória que, no caso concreto, se deu como meio de assegurar a perfeita eficácia da função jurisdicional e a proteção do consumidor em situação de superendividamento (...). AGRAVO DE INSTRUMENTO PARCIALMENTE CONHECIDO E DESPROVIDO.(Agravo de Instrumento, Nº 50725947720248217000, Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Roberto José Ludwig, Julgado em: 18-03-2024)
Na lição de Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero:
"(...) Toda e qualquer providência capaz de alcançar um resultado prático à parte pode ser antecipada. Vale dizer: o pedido de tutela de urgência - satisfativa ou cautelar - não está limitado à proteção de apenas determinadas situações substanciais. A atipicidade da tutela de urgência, como da tutela jurisdicional geral, está ligada à necessidade de se oferecer uma cobertura o mais completa possível às situações substanciais carentes de proteção (...)".
5
Outrossim, incidente o artigo 318 do Código de Processo Civil a autorizar a prestação jurisdicional de cognição sumária no procedimento especial instaurado para tratamento do superendividamento, como forma de
assegurar o resultado útil do processo e a preservação do mínimo existencial
:
Art.318: Aplica-se a todas as causas o procedimento comum, salvo disposição em contrário deste Código ou de lei.
Parágrafo único. O procedimento comum aplica-se subsidiariamente aos demais procedimentos especiais e ao processo de execução.
Daí porque, o requerimento de tutela de urgência merece acolhimento, notadamente porque
a demora no recebimento da citação e consequente espera na designação de audiência de conciliação não pode atuar em prejuízo à parte demandante
.
Ademais, ao exame dos documentos colacionados com a inicial (
evento 1, CHEQ5
), verifico que
parte significativa da renda da parte requerente está comprometida
com os descontos praticados pelos empréstimos concedidos pela parte demandada, na forma consignada.
A probabilidade do afirmado direito decorre dos argumentos expostos pela parte autora que, em sede de cognição sumária, verificam-se coerentes, na medida em que a continuidade dos descontos vinculados à conta bancária e à renda, na proporção efetuada atualmente,
prejudica a sua própria subsistência
,
porque correspondentes a mais de 50% da renda livre auferida (renda bruta - 35%)
.
Neste sentido, a parte reservada ao pagamento das despesas de subsistência encontra identificação na proteção do mínimo existencial, enquanto direito fundamental social de defesa originário do princípio da dignidade da pessoa humana, assegurado na Constituição Federal, art. 1º, inciso III; e no Código de Defesa do Consumidor, art.6o, XII,
in verbis:
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
XII - a preservação do mínimo existencial, nos termos da regulamentação, na repactuação de dívidas e na concessão de crédito;
(Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021)
Como tal, o direito fundamental ao mínimo existencial independe de atuação legislativa, uma vez que revestido de eficácia imediata, consoante vasta doutrina de Ingo Wolfgang Sarlet.
Consoante bem delineado pelo douto Desembargador Aymoré Roque Pottes de Mello, quando do julgamento de pretensão similar nos autos do Agravo de Instrumento Nº 51630265020218217000, a manutenção dos descontos "
coloca em risco o postulado constitucional da dignidade da pessoa humana e o princípio de garantia do mínimo existencial, materializados na garantia de subsistência do autor-agravante e de sua família, posto que os valores creditados na sua conta-corrente são utilizados
integralmente
para abater as suas dívidas, não havendo sobra de qualquer dinheiro para garantir o seu
mínimo existencial.
(...)".
Nesta linha de entendimento, situa-se a jurisprudência infra ao preservar a dignidade do consumidor mediante a limitação dos descontos ao percentual de 35% da renda. Neste sentido:
AGRAVO INTERNO. AGRAVO DE INSTRUMENTO PARCIALMENTE PROVIDO EM JULGAMENTO MONOCRÁTICO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DECLARATÓRIA. PEDIDO DE
LIMITAÇÃO
DE
DESCONTOS
. EMPRÉSTIMOS PESSOAIS CONSIGNADOS PARA BENEFICIÁRIOS DO INSS. EMPRÉSTIMOS PESSOAIS NÃO CONSIGNADOS.
DESCONTOS
DE EMPRÉSTIMOS CONSIGNADOS NA FOLHA DE PAGAMENTO DO CONSUMIDOR
SUPERENDIVIDADO
. SITUAÇÃO DE
SUPERENDIVIDAMENTO
CARACTERIZADA. 1. MARGEM CONSIGNÁVEL EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO VINCULADO AO INSS. A MARGEM CONSIGNÁVEL DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS VINCULADOS AO INSS É DE
35
% PARA CONTRATOS DE EMPRÉSTIMO PESSOAL CONSIGNADO, NA FORMA DA RECENTE LEI FEDERAL N° 14.131/2021 ("LEI DO
SUPERENDIVIDAMENTO
DO CIDADÃO"). 2. TUTELA DE URGÊNCIA. A PRETENSÃO FUNDAMENTADA NA SITUAÇÃO DE
SUPERENDIVIDAMENTO
DO CONSUMIDOR NÃO IMPLICA EM ÓBICE À CONCESSÃO DE TUTELA DE URGÊNCIA PELA PREVISÃO LEGAL SOBRE A POSSIBILIDADE DE REQUERIMENTO DE CONCILIAÇÃO PARA REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS. 3. SITUAÇÃO DE
SUPERENDIVIDAMENTO
. A PESSOA NATURAL
SUPERENDIVIDADA
É AQUELA CUJA RENDA MENSAL ESTÁ SEVERAMENTE COMPROMETIDA, A PONTO DE PERDER A CAPACIDADE DE PAGAR AS SUAS DÍVIDAS, COLOCANDO EM RISCO A SUA PRÓPRIA SUBSISTÊNCIA E A DE SUA FAMÍLIA. 4. PROCEDIMENTALIZADOS, NA FORMA DA LEI, OS
DESCONTOS
MENSAIS CONSIGNADOS EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DE CONSUMIDORA
SUPERENDIVIDADA
, A JURISPRUDÊNCIA DO STJ E DO TJRS SINALIZAM A NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA GARANTIA DO MÍNIMO EXISTENCIAL DA DEVEDORA
SUPERENDIVIDADA
À SUA SUBSISTÊNCIA PRÓPRIA. 5. NA ESPÉCIE, OS
DESCONTOS
MENSAIS DE TODOS OS EMPRÉSTIMOS CONSIGNADOS E NÃO CONSIGNADOS DEVIDOS PELA CONSUMIDORA
SUPERENDIVIDADA
CONSOMEM A INTEGRALIDADE DA SUA REMUNERAÇÃO MENSAL LÍQUIDA, COMPROMETENDO A SUA DIGNIDADE E SUBSISTÊNCIA PESSOAL E VEDANDO-LHE O ACESSO A VALORES INDISPENSÁVEIS À SUA SOBREVIVÊNCIA.
LIMITAÇÃO
DOS
DESCONTOS
CONSIGNADOS EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO A
35
% E LANÇAMENTOS A DÉBITO DIRETO DE EMPRÉSTIMOS NÃO CONSIGNADOS NA CONTA-CORRENTE DA AUTORA-AGRAVANTE A 30% DA SUA REMUNERAÇÃO MENSAL LÍQUIDA. REFORMA PARCIAL DA DECISÃO RECORRIDA, COM RESTRIÇÃO DOS SEUS EFEITOS, ATINGINDO TAMBÉM OS DÉBITOS NÃO CONSIGNADOS, COM
LIMITAÇÃO
A 30% DA REMUNERAÇÃO DA AUTORA-AGRAVADA. 6. NO CASO CONCRETO, PORTANTO, IMPENDE MANTER A DECISÃO RECORRIDA QUANTO À
LIMITAÇÃO
DOS
DESCONTOS
CONSIGNADOS EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, EXCLUSIVAMENTE EM RELAÇÃO AOS CONTRATOS CONSIGNADOS, E TAMBÉM AMPLIAR OS SEUS EFEITOS, PARA ESTABELECER A
LIMITAÇÃO
DOS DÉBITOS LANÇADOS EM CONTA-CORRENTE A 30% DA REMUNERAÇÃO LÍQUIDA, EXCLUSIVAMENTE EM RELAÇÃO AOS CONTRATOS DE EMPRÉSTIMO NÃO CONSIGNADO. PRECEDENTES DO STJ E DO TJRS. 7. AGRAVO DE INSTRUMENTO PARCIALMENTE PROVIDO DE PLANO, COM FUNDAMENTO NO ART. 932, INC. VIII, DO CPC, COMBINADO COM O ART. 206, INC. XXXVI, DO RITJRS. RECURSO DESPROVIDO.M/AG 5.095 – S 24.03.2023 – P 126.(Agravo de Instrumento, Nº 51553675320228217000, Décima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Aymoré Roque Pottes de Mello, Julgado em: 24-03-2023)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. TUTELA DE URGÊNCIA. REVOGAÇÃO. LIMITAÇÃO DOS DESCONTOS CONSIGNADOS EM 40% DA REMUNERAÇÃO BRUTA. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DO INSS. MEDIDA PROVISÓRIA 1.006/2020, CONVERTIDA NA LEI Nº 14.131 DE 30.03.2021. CONFORME ENTENDIMENTO PACIFICADO PELO STJ, OS DESCONTOS EM FOLHA DE PAGAMENTO DEVEM OBEDECER AO PATAMAR DE 30% SOBRE A REMUNERAÇÃO BRUTA DO CONSUMIDOR, INCLUSIVE SOBRE PROVENTOS DE PENSÃO E APOSENTADORIA. A LIMITAÇÃO PREVISTA NO ORDENAMENTO JURÍDICO TEM COMO FINALIDADE EVITAR O ENDIVIDAMENTO DESENFREADO E GARANTIR O MÍNIMO EXISTENCIAL AO SERVIDOR, ASSEGURANDO A SUA PRÓPRIA SUBSISTÊNCIA E A DA SUA FAMÍLIA, COROLÁRIO DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. NO CASO DE CONSIGNAÇÕES EFETUADAS EM FOLHA DE PAGAMENTO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DO INSS, APÓS 30.03.2021, OS DESCONTOS CONSIGNADOS NÃO PODEM ULTRAPASSAR O LIMITE DE 40% DA RENDA MENSAL DO BENEFÍCIO DA PARTE SEGURADA, SENDO ATÉ 35% PARA AS OPERAÇÕES DE EMPRÉSTIMO PESSOAL, E ATÉ 5% PARA AS OPERAÇÕES DE CARTÃO DE CRÉDITO, CONFORME A MEDIDA PROVISÓRIA 1.006/2020, CONVERTIDA NA LEI Nº 14.131 DE 30.03.2021. NA ESPÉCIE, OS DESCONTOS CONSIGNADOS NO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DO INSS NÃO ULTRAPASSAM O LIMITE LEGAL DE 40% DA REMUNERAÇÃO BRUTA. TUTELA DE URGÊNCIA REVOGADA. RECURSO PROVIDO. UNÂNIME.(Agravo de Instrumento, Nº 50005771420228217000, Vigésima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Alberto Vescia Corssac, Julgado em: 30-03-2022)
Com efeito, a Lei n. 10.820/2003 trouxe o patamar dos
descontos em folha de pagamento ao montante de 35% (trinta e cinco por cento)
. Cabe destacar que, nos termos do Art. 1º, §1º da Lei 10.820/2003, dentre o limite de 35% (trinta e cinco por cento) estipulado para o desconto em folha de pagamento, 5% (cinco por cento) deveriam ser destinados exclusivamente para a amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito ou a utilização com a finalidade de saque por meio do cartão de crédito.
Todavia, importa consignar que tais limites restaram alterados, acrescendo-se 5% aos percentuais máximos para contratação até então estipulados, consoante a Lei n. 14.131/2021
1
, a qual converteu a Medida Provisória 1.006/2020, autorizando-se, assim,
consignações de até 40%
quando existente contratação de cartão de crédito:
Art. 1º Até 31 de dezembro de 2021, o percentual máximo de consignação nas hipóteses previstas no
inciso VI do
caput do art. 115 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991
, no
§ 1º do art. 1º
e no
§ 5º do art. 6º da Lei nº 10.820, de 17 de dezembro de 2003
, e no
§ 2º do art. 45 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990
, bem como em outras leis que vierem a sucedê-las no tratamento da matéria, será de 40% (quarenta por cento), dos quais 5% (cinco por cento) serão destinados exclusivamente para:
I - amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito; ou
II - utilização com finalidade de saque por meio do cartão de crédito.
DO CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE - DECRETO 11.567/2023
A leitura do Decreto n.11.567, de 19 de junho de 2023, confrontou o superprincípio da dignidade da pessoa, cuja função precípua era conferir-lhe unidade material.
6
Nessa senda, o princípio da dignidade atua como fundamento à proteção do consumidor superendividado e criador do direito ao mínimo existencial, cuja previsão infraconstitucional foi sedimentada pelo Poder Legislativo na Lei n.14.181/21, que atualizou o Código de Defesa do Consumidor, instalando um microssistema de crédito ao consumo.
Para além da redação do regulamento determinado no Código do Consumidor atualizado, artigo 6
o
, XI, a eficácia horizontal direta dos direitos fundamentais nas relações privadas para a preservação da dignidade da pessoa era avanço doutrinário e jurisprudencial pátrios já reconhecidos, a partir da previsão do art. 5
o
, parágrafo 1
o
da CF/88.
7
A respeito da vigência do Decreto em apreço, duas demandas pendem de julgamento no STF, respectivamente, a ADPF 1.005 e a ADPF 1.006, sob o fundamento da inconstitucionalidade do conteúdo, cuja fundamentação encontra coro na doutrina brasileira e Notas Técnicas elaboradas pelo Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor(Brasilcon), firmada pelo seu diretor-presidente (membro do Ministério Público e professor) Fernando Rodrigues Martins, e do Instituto de Defesa Coletiva, de Belo Horizonte, respectivamente publicadas em 27/7/2022 e 29/7/2022. Afinal, a garantia de R$ 600,00 (seiscentos reais) a qualquer família brasileira, sem considerar a situação sócio-econômica e individualizar as necessidades que comportam as despesas básicas de sobrevivência não representa interpretação harmônica com os valores constitucionais.
Pelo exposto, passo à análise do caso concreto,
sem incidência do Decreto n.11.567/2023, em controle difuso de constitucionalidade.
Com base no artigo 300, do Código de Processo Civil,
DEFIRO parcialmente a tutela de urgência
a fim de determinar que:
a) A parte
ré LIMITE
os descontos relativos a todos os empréstimos consignados com desconto em folha de pagamento e empréstimos não consignados com débito automático na conta-corrente da parte autora ao percentual máximo de
35% dos proventos desta (abatidos os valores da previdência, IRPF e pensão alimentícia)
,
percentual que pode ser acrescido de
5%, em se tratando de dívida de cartão de crédito cujo pagamento decorre de débito em conta;
b) Outrossim, DETERMINO que o (os) credor (res) se
abstenha(m) de incluir a parte autora nos cadastros restritivos de crédito ou emitir títulos para fins de protesto
, enquanto pendente a lide. Caso já o tenham feito, seja SUSPENSO o efeito da restrição.
Advirto que:
A tutela de urgência compreende, em cognição sumária, o restabelecimento do mínimo existencial ao consumidor que detem descontos em folha e/ou conta-corrente em percentuais que comprometam sua sobrevivência, na forma da fundamentação supra.
Daí por que NÃO
abrange eventuais obrigações pendentes, cujo pagamento deva ser efetuado mediante boleto bancário ou outra forma de pagamento voluntária.
Ademais, saliento que a presente decisão
NÃO
abrange
contratos com garantia real e/ou alienação fiduciária
, visto que não apresentam identidade com os pressupostos contidos no artigo 54-A do CDC.
Ainda,
INDEFIRO
a
suspensão indiscriminada de ações ou atos de constrição patrimonial
, ante a impossibilidade de determinação genérica e desprovida de fundamentação.
Fica a parte demandada CIENTIFICADA sobre a impossibilidade de proceder a cobranças
de forma abusiva
.
Fica a parte demandante CIENTIFICADA sobre a
vedação da prática de condutas que importem no agravamento de sua situação de superendividamento
, sob pena de REVOGAÇÃO DA TUTELA AQUI DEFERIDA.
DO CUMPRIMENTO DA ORDEM JUDICIAL
O DESCUMPRIMENTO desta decisão judicial importará incidência de multa de R$ 500,00 por cada desconto indevido até o limite da dívida pendente. Saliento que a presente decisão, deverá ser cumprida no prazo máximo de 30 dias. A data inicial de contagem do prazo do descumprimento iniciará do protocolo de entrega do ofício/despacho.
Esta decisão vale como ofício, que deverá ser encaminhado pela parte autora.
DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA
Ainda, ficam intimadas as requeridas a juntar aos autos cópia dos contratos firmados entre as partes e
extratos bancários em formato XLS
, caso ainda não o tenham feito, em face da inversão do ônus da prova em favor da parte autora que, desde já determino, uma vez verossímeis as alegações daquela, bem como o disposto no artigo 6°, inciso VIII do CDC.
Fica registrado que, em caso de eventual descumprimento de ordem judicial, a cobrança do valor da multa deverá ser promovida em ação autônoma, a fim de evitar tumulto processual.
DA INDICAÇÃO DAS DESPESAS DE SUBSISTÊNCIA
Outrossim, intimo a parte autora para que anexe aos autos comprovantes das despesas de subsistência (alimentação, luz, água, etc.), tendo em vista que serão objeto de análise quando da segunda fase do procedimento.
DEPÓSITO JUDICIAL
O rito adotado pela Lei n. 14.181/2021 tem natureza especial e pressupõe a valorização da fase consensual oportunizando a construção do plano de pagamento com foco na globalidade das obrigações do consumidor. Nesta medida,
a ausência de previsão da possibilidade de consignação de valores, corresponde ausência de possibilidade de afirmação do montante do valor incontroverso em cognição sumária, notadamente porque a repactuação que ocorrerá ao final da ação pressupõe a aplicação das consequências previstas no artigo 54-D, parágrafo único do CDC (análise das condições de concessão do crédito) e elaboração do plano de pagamento frente às obrigações e ao orçamento do consumidor.
Tratando-se de Juízo 100% Digital e em atenção aos princípios da celeridade e eficiência, as respostas remetidas por carta não serão anexadas ao processo.
Por fim, cabe ressaltar que o sistema E-proc disponibiliza, no menu principal, a opção substabelecimento com reserva ou sem reserva, viabilizando ao procurador a atualização do cadastro de advogados, para recebimento de intimações,
sendo de responsabilidade do procurador tal gerenciamento e cadastro dos profissionais
, na forma do art. 2º da Lei 11.419/2006.
Sendo a parte Entidade, a retificação/alteração dos procuradores cabe apenas à própria, em atualização cadastral, ou ao procurador.
Para maiores informações sobre o rito da Lei n. 14.181/2021, destaco a leitura da Cartilha sobre Superendividamento do Conselho Nacional de Justiça -
CARTILHA SOBRE O TRATAMENTO DO SUPERENDIVIDAMENTO DO CONSUMIDOR
4.
De início, registro que o relator está autorizado a julgar monocraticamente o recurso quando houver jurisprudência dominante sobre a matéria em discussão, seja no âmbito do STF, do STJ e mesmo do próprio Tribunal de Justiça. A este respeito, o art. 932, VIII, do CPC dispõe:
"Art. 932. Incumbe ao relator:
(...)
VIII - exercer outras atribuições estabelecidas no regimento interno do tribunal.".
Neste sentido, o Regimento Interno do Tribunal prevê em seu art. 206, XXXVI:
"Art. 206. Compete ao Relator:
(...)
XXXVI - negar ou dar provimento ao recurso quando houver jurisprudência dominante acerca do tema no Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça com relação, respectivamente, às matérias constitucional e infraconstitucional e deste Tribunal;".
Ainda neste sentido, o STJ editou a Súmula n° 568 e consolidou a possibilidade de julgamento monocrático quando a matéria em debate está consolidada na jurisprudência, como se vê:
"
Súmula 568.
O relator, monocraticamente e no Superior Tribunal de Justiça, poderá dar ou negar provimento ao recurso quando houver entendimento dominante acerca do tema.".
Passo ao exame do recurso, monocraticamente.
5.
Sobre a alegada inexistência de dano irreparável, face a não comprovação do superendividamento, tenho que também não prospera a tese do recorrente.
A parte autora-agravada juntou aos autos cópia de seus contracheques (
evento 1, CHEQ5
e
evento 1, CHEQ6
), bem como documento constante no
evento 1, INFBEN7
, demonstrando todos os descontos em folha de pagamento e demais relacionados a contratos bancários, submetidas ao processo de repactuação de dívidas.
Dos documentos juntados na origem, o comprometimento total de sua renda com empréstimos bancários é de 39,46%, considerando sua renda bruta. Ainda, os descontos obrigatórios comprometem o montante de 8,62%, perfazendo o total de 48.08%. Desta forma, a sobra mensal de renda da parte autora é de apenas 51,92% da sua renda. Assim, parcela substancial da remuneração mensal bruta da parte autora-agravada está comprometida, caracterizando a sua situação de superendividamento.
Nesse ínterim, friso que a parte agravada possui a função de Gari e conforme contracheque, o valor líquido que recebe para suprir suas necessidades com alimentação, moradia, saúde, transporte e educação é de apenas R$2.640,82.
Sobre a caracterização da situação de superendividamento, BRUNO MIRAGEM refere que, "
Por superendividamento entenda-se a incapacidade do consumidor de pagamento de suas dívidas exigíveis, em face de descontrole financeiro decorrente de abuso de crédito ou situações imprevistas em sua vida pessoal
".
2
Assim, no caso concreto, está caracterizada a situação de superendividamento da parte autora-agravada, o que impõe o processamento da ação pelo rito próprio estabelecido no CDC e autoriza a concessão da tutela de urgência sediada nos termos do art. 300 do CPC. A verossimilhança das alegações está comprovada pela juntada de provas de que há sobra mensal de recursos insuficientes para a manutenção do mínimo existencial da autora e o risco de demora no provimento judicial, igualmente, está demonstrado já que a sobra mensal de dinheiro é insuficiente para o custeio das despesas mais elementares, como alimentação, habitação e saúde.
Passo seguinte, quanto ao mínimo existencial, adianto que entendo inaplicável o disposto no Decreto n° 11.150/2022 e atualizações. O Decreto foi publicado no Diário Oficial da União de 27/07/2022, com vigência a partir de 60 dias contados de sua publicação. O Decreto "
Regulamenta a preservação e o não comprometimento do mínimo existencial para fins de prevenção, tratamento e conciliação de situações de superendividamento em dívidas de consumo, nos termos do disposto na Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 - Código de Defesa do Consumidor".
Os artigos 3º e 4º estabelecem a definição do conceito de mínimo existencial e excluem diversos compromissos financeiros dos consumidores da base de cálculo para o cômputo de seu comprometimento de renda, para fins de reconhecimento de sua situação de superendividamento, respectivamente. Assim definem os citados artigos:
Art. 3º No âmbito da prevenção, do tratamento e da conciliação administrativa ou judicial das situações de superendividamento, considera-se mínimo existencial a renda mensal do consumidor pessoa natural equivalente a vinte e cinco por cento do salário mínimo vigente na data de publicação deste Decreto.
§ 1º A apuração da preservação ou do não comprometimento do mínimo existencial de que trata o caput será realizada considerando a base mensal, por meio da contraposição entre a renda total mensal do consumidor e as parcelas das suas dívidas vencidas e a vencer no mesmo mês.
§ 2º O reajustamento anual do salário mínimo não implicará a atualização do valor de que trata o caput.
§ 3º Compete ao Conselho Monetário Nacional a atualização do valor de que trata o caput.
Art. 4º Não serão computados na aferição da preservação e do não comprometimento do mínimo existencial as dívidas e os limites de créditos não afetos ao consumo.
Parágrafo único. Excluem-se ainda da aferição da preservação e do não comprometimento do mínimo existencial:
I - as parcelas das dívidas:
a) relativas a financiamento e refinanciamento imobiliário;
b) decorrentes de empréstimos e financiamentos com garantias reais;
c) decorrentes de contratos de crédito garantidos por meio de fiança ou com aval;
d) decorrentes de operações de crédito rural;
e) contratadas para o financiamento da atividade empreendedora ou produtiva, inclusive aquelas subsidiadas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES;
f) anteriormente renegociadas na forma do disposto no
Capítulo V do Título III da Lei nº 8.078, de 1990
;
g) de tributos e despesas condominiais vinculadas a imóveis e móveis de propriedade do consumidor;
h) decorrentes de operação de crédito consignado regido por lei específica; e
i) decorrentes de operações de crédito com antecipação, desconto e cessão, inclusive fiduciária, de saldos financeiros, de créditos e de direitos constituídos ou a constituir, inclusive por meio de endosso ou empenho de títulos ou outros instrumentos representativos;
II - os limites de crédito não utilizados associados a conta de pagamento pós-paga; e
III - os limites disponíveis não utilizados de cheque especial e de linhas de crédito pré-aprovadas."
Posteriormente, em 20/06/2023, foi publicado o Decreto n° 11.567/23 que alterou o art. 3º do Decreto 11.150/22 e aumentou o patamar mínimo considerado como mínimo existencial para R$600,00. Ainda assim, analisando detidamente a redação do Decreto 11.150/22, observo que seu propósito é neutralizar todo o aparato legislativo e o complexo de normas de prevenção, proteção, apoio e tratamento da situação de superendividamento do consumidor, na forma prevista na Lei n° 14.181/2021.
Como já analisado, a alteração promovida pela Lei n° 14.181/2021 no Código de Defesa do Consumidor introduziu diversas disposições legais visando a prevenção e o tratamento das situações de superendividamento.
Neste norte, o Código de Defesa do Consumidor ampliou os direitos dos consumidores e, neste ponto, impôs aos fornecedores diversos deveres de cuidados na prestação de serviços e de produtos, visando inibir situações de superendividamento. Também foram diversas as disposições acrescidas ao CDC para o tratamento de situações de superendividamento já consolidadas.
Na contramão das disposições do CDC, o Decreto n° 11.150/22, sob pretexto de regulamentar a preservação da situação de superendividamento e o não comprometimento do mínimo existencial, restringe a aplicação da Lei do Superendividamento, no campo prático, a situações remotas.
Além disso, ao regulamentar a Lei n° 14.181/2021, o faz criando restrições não contempladas na própria lei regulamentada e viola seus princípios norteadores. Dessa forma, sua aplicabilidade está comprometida no caso concreto, pois representa verdadeiro retrocesso aos direitos assegurados pela Lei n° 14.181/2021.
Assim, cito as principais inovações legislativas introduzidas no CDC, de modo a alcançar a prevenção e o tratamento das situações de superendividamento:
Art. 4º
A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:
[...]
X - prevenção e tratamento do superendividamento como forma de evitar a exclusão social do consumidor.
(Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021)
........................................................................................................................................
Art. 6º
São direitos básicos do consumidor:
[...]
XI - a garantia de práticas de crédito responsável, de educação financeira e de prevenção e tratamento de situações de superendividamento, preservado o mínimo existencial, nos termos da regulamentação, por meio da revisão e da repactuação da dívida, entre outras medidas;
(Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021)
XII - a preservação do mínimo existencial, nos termos da regulamentação, na repactuação de dívidas e na concessão de crédito;
(Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021)
-
A primeira garantia estabelecida pelo inciso XI do art. 6º, retro citado, prevê a prática de crédito responsável, com nítido objetivo de assegurar o mínimo existencial ao consumidor, como forma de prevenção à situação de superendividamento. Neste particular, de modo a que se alcance a concessão de crédito responsável ao segmento de consumidores endividados, é de rigor que se aplique a interpretação mais restritiva e protetiva dos interesses da parte mais vulnerável, exposta aos riscos da situação de superendividamento.
Além do mais, o CDC passou a dispor expressamente sobre prevenção e tratamento de situações de superendividamento em seu art. 54-A:
"Art. 54-A.
Este Capítulo dispõe sobre a prevenção do superendividamento da pessoa natural, sobre o crédito responsável e sobre a educação financeira do consumidor.
(Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021)
§ 1º
Entende-se por superendividamento a impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial, nos termos da regulamentação.
(Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021
§
2º As dívidas referidas no § 1º deste artigo englobam quaisquer compromissos financeiros assumidos decorrentes de relação de consumo, inclusive operações de crédito, compras a prazo e serviços de prestação continuada.
(Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021)
§ 3º
O disposto neste Capítulo não se aplica ao consumidor cujas dívidas tenham sido contraídas mediante fraude ou má-fé, sejam oriundas de contratos celebrados dolosamente com o propósito de não realizar o pagamento ou decorram da aquisição ou contratação de produtos e serviços de luxo de alto valor.
(Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021)
6.
Especificamente sobre a limitação dos descontos em folha de pagamento e dos lançamentos a débito em conta-corrente, embora exista discussão sobre o teto de endividamento voluntário de servidores públicos estaduais, servidores públicos federais, militares, aposentados e pensionistas do INSS e mesmo os trabalhadores da iniciativa privada, bem como seja suscitada a inexistência de limitação para descontos em folha de pagamento, entendo possível, sob a ótica da prevenção e tratamento de situação de superendividamento, a limitação imposta na decisão recorrida:
a) A parte
ré LIMITE
os descontos relativos a todos os empréstimos consignados com desconto em folha de pagamento e empréstimos não consignados com débito automático na conta-corrente da parte autora ao percentual máximo de
35% dos proventos desta (abatidos os valores da previdência, IRPF e pensão alimentícia)
,
percentual que pode ser acrescido de
5%, em se tratando de dívida de cartão de crédito cujo pagamento decorre de débito em conta;
b) No caso em discussão,
esta limitação também se aplica aos descontos no cheque especial
, dividindo-se o percentual entre todos os credores demandados até elaboração do plano de pagamento ao final do processo.
A jurisprudência do STJ admite, de longa data, a possibilidade de limitação de descontos em conta-corrente como mecanismo de proteção e tratamento do consumidor em situação de superendividamento.
É o que se extrai do julgamento do REsp n° 1.584.501/SP, sob a relatoria do Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO
,
no qual a Terceira Turma do STJ, sob fundamentos de proteção de princípios da dignidade da pessoa humana e de garantia do mínimo existencial de devedor em situação de superendividamento afirmou a possibilidade de limitação de descontos realizados em conta-corrente do devedor a 30% da remuneração líquida. O objetivo da limitação é a preservação de valores mínimos para a garantia de subsistência pessoal e familiar, como se vê da ementa do julgado:
"RECURSO ESPECIAL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. RENEGOCIAÇÃO DE DÍVIDA. DESCONTO EM CONTA-CORRENTE. POSSIBILIDADE. LIMITAÇÃO A 30% DA REMUNERAÇÃO DO DEVEDOR. SUPERENDIVIDAMENTO. PRESERVAÇÃO DO MÍNIMO EXISTENCIAL. ASTREINTES. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DO DISPOSITIVO DE LEI FEDERAL VIOLADO. ÓBICE DA SÚMULA 284/STF.
1. Validade da cláusula autorizadora de desconto em conta-corrente para pagamento das prestações do contrato de empréstimo, ainda que se trate de conta utilizada para recebimento de salário.
2. Os descontos, todavia, não podem ultrapassar 30% (trinta porcento) da remuneração líquida percebida pelo devedor, após deduzidos os descontos obrigatórios (Previdência e Imposto de Renda).
3. Preservação do mínimo existencial, em consonância com o princípio da dignidade humana. Doutrina sobre o tema.
4. Precedentes específicos da Terceira e da Quarta Turma do STJ.
5. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO."
(REsp n° 1.584.501/SP, TERCEIRA TURMA, STJ, Relator: Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe: 13/10/2016).
No corpo do voto, o Ministro invocou importantes fundamentos constitucionais para fundamentar a decisão:
"Eminentes colegas, o recurso especial não merece ser provido.
Inicialmente, esclareço que o juízo de admissibilidade do presente recurso será realizado com base nas normas do CPC/1973, por ser a lei processual vigente na data de publicação do decisum ora impugnado (cf. Enunciado Administrativo n. 2/STJ).
Relatam os autos que a parte demandante, ora recorrida, pactuou com o banco ora recorrente uma confissão e renegociação de dívida no valor de R$ 122.209,21, na modalidade empréstimo consignado, a ser quitado mediante o desconto de 72 parcelas mensais no valor de R$ 1.697,35 (cf. fls. 16/20). Esse montante, contudo, equivale à quase totalidade dos proventos de aposentadoria percebidos pela ora recorrida, no valor de R$ 1.673,91 (cf. fl. 22), nada lhe restando para garantir a subsistência.
Ante esse fato, a ora recorrida ajuizou ação de revisão contratual, pretendendo a limitação dos descontos a 30% de seus proventos líquidos, dentre outros pedidos. O pedido de limitação dos descontos foi julgado procedente pelo juízo a quo, em sentença mantida pelo Tribunal de origem. Daí a interposição do presente recurso especial, em que o banco pretende, essencialmente, o restabelecimento do valor integral dos descontos.
A questão devolvida ao conhecimento desta instância especial deve ser abordada à luz do princípio da dignidade da pessoa humana, relacionando-se com o fenômeno do superendividamento, que tem sido uma preocupação atual do Direito do Consumidor em todo o mundo, decorrente da imensa facilidade de acesso ao crédito nos dias de hoje.
CLÁUDIA LIMA MARQUES, em seu Contratos no Código de Defesa do Consumidor ( São Paulo: Ed. RT, 2002. pp. 590-591), ao tecer considerações acerca da oferta em massa de produtos e serviços diante da hipossuficiência do consumidor, refere: "Uma vontade protegida pelo direito, vontade liberta das pressões e dos desejos impostos pela publicidade e por outros métodos agressivos de venda, em suma, uma vontade racional. Não há como negar que o consumo massificado de hoje, pós-industrial, está ligado faticamente a uma série de perigos para o consumidor, vale lembrar os fenômenos atuais de superendividamento, de práticas comerciais abusivas, de abusos contratuais, da existência de monopólios naturais dos serviços públicos concedidos ou privatizados, de falhas na concorrência, no mercado, na informação e na liberdade material do contratante mais fraco na elaboração e conclusão dos contratos. Apesar de todos estes perigos e dificuldades, o novo direito contratual visa concretizar a função social dos contratos, impondo parâmetros de transparência e boa-fé.
Alguns sistemas jurídicos já alcançaram soluções legislativas para resolver a situação, como é o caso do Direito francês que já legislou acerca do superendividamento.
Assim, no Code de la consommation (Código do consumo) , artigo L.313-12 está disposto o seguinte: Article L313-12: L'exécution des obligations du débiteur peut être, notamment en cas de licenciement, suspendue par ordonnance du juge d'instance dans les conditions prévues aux articles 1244-1 à 1244-3 du code civil. L'ordonnance peut décider que, durant le délai de grâce, les sommes dues ne produiront point intérêt. En outre, le juge peut déterminer dans son ordonnance les modalités de paiement des sommes qui seront exigibles au terme du délai de suspension, sans que le dernier versement puisse excéder de plus de deux ans le terme initialement prévu pour le remboursement du prêt ; il peut cependant surseoir à statuer sur ces modalités jusqu'au terme du délai de suspension.
A execução do devedor pode, em particular, em caso de demissão, ser suspensa por ordem do juiz, nas condições previstas nos artigos 1244-1 a 1244-3 do Código Civil. A ordem pode decidir que, durante o período de graça, os valores devidos não terão juros cobrados. Além disso, o juiz pode determinar a seu modo as condições de pagamento dos montantes que serão devidos no final do período de suspensão, o pagamento final não pode exceder mais de dois anos o prazo inicialmente previsto para o reembolso do empréstimo e pode, contudo, ser adiado neste ponto dependendo da decisão sobre estes termos, até que o fim do período de suspensão. (tradução livre de autoria de Francelize Alves Morking, contida no artigo intitulado "O reconhecimento das diferenças na materialização de direitos fundamentais com relação aos direitos do consumidor superendividado", publicado na Revista Paradigma, Ribeirão Preto-SP, ano XIX, n. 23, p. 17/40, jan./dez. 2014)
E, nos artigos 1244-1 ao 1244-3 do Code Civil , concede-se um período para que o devedor possa solver suas obrigações, podendo o julgador, diante das peculiaridades do caso concreto, conceder uma moratória com prazo de dois anos; período em que estarão suspensas as execuções contra o devedor, consoante o artigo 1244-3 do Code Civil, conforme explicita JOSÉ REINALDO DE LIMA LOPES, in Crédito ao consumidor e superendividamento – uma problemática geral, Revista do Direito do Consumidor nº 17, janeiro/ março de 1996, São Paulo: Ed. RT., p.60.
No Brasil, está em tramitação na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei n. 3.515/2015 (oriundo do Projeto de Lei do Senado n. 283/2012), dispondo acerca do superendividamento do consumidor e prevendo medidas judiciais para garantir o mínimo existencial ao consumidor endividado."
Nesta Corte estadual, também está consolidada a orientação de que possível a limitação de descontos em folha de pagamento e mesmo de débito em conta-corrente, como se vê dos seguintes julgados:
"APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO REVISIONAL. LIMITAÇÃO DOS DESCONTOS DAS PARCELAS DOS CONTRATOS. DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO.
- Consoante entendimento do STJ, os descontos em folha de pagamento/conta corrente devem obedecer ao patamar de 30% sobre a remuneração líquida do consumidor, após deduzidos os descontos legais.
- O polo passivo da ação é composto por mais de um banco ou financeira, dessa forma o juízo de origem determinou que "os empréstimos com consignação em folha de pagamento devem ser limitados em 30% da remuneração da parte após os descontos obrigatórios, isto é 961,86, devendo as instituições bancárias providenciar na adequação dos descontos das parcelas, no limite de até 7,5% dos vencimentos brutos do autor, fechando o percentual total de 30%, somados os descontos".
- De acordo com as informações colacionadas, a financeira apelante Crediare não ultrapassa o valor dos descontos em folha de pagamento, conforme estabelecido pelo juízo a quo.
APELO PROVIDO."
(Apelação Cível, Nº 50022065120198210073, Vigésima Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Desª. Ana Paula Dalbosco, Julgado em: 29-06-2021)
"APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DE LIMITAÇÃO DE DÉBITOS BANCÁRIOS COM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO.
CONFIGURADA HIPÓTESE DE SUPERENDIVIDAMENTO. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO DO BANCO EM CONCEDER CRÉDITO DESPROPORCIONAL A CONDIÇÃO DO CLIENTE PARA CUMPRIR AS CONTRATAÇÕES. LIMITAÇÃO A 30% DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO.
PEDIDO DE INDENIZAÇÃO NÃO ATENDIDO. NÃO CONFIGURADA ABALO MORAL. É CERTO DIZER QUE OS CONTRATOS FORAM FIRMADOS ESPONTANEAMENTE PELA DEMANDANTE.
APELO PROVIDO EM PARTE. UNÂNIME."
(Apelação Cìvel, Nº 5000469-93.2020.8.21.0035/RS, Décima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relatora: Desª. Katia Elenise Oliveira da Silva, Julgado em: 23-10-2020) - (grifei)
"AGRAVO DE INSTRUMENTO. EMPRÉSTIMO PESSOAL CONSIGNADO. REVISIONAL. LIMITAÇÃO DOS DESCONTOS. POSSIBILIDADE NO CASO. AUTORA IDOSA E APOSENTADA SEM RENDA EXTRA. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA. TUTELA DE URGÊNCIA. REQUISITO DA VEROSSIMILHANÇA.
1. Admissibilidade. O interesse recursal liga-se ao decaimento. Carece de interesse a parte que recorre a fim de obter o que a decisão lhe concedeu. No caso, a decisão determinou que a parte ré apresente os documentos relacionados pela autora na exordial.
2
. Limitação de descontos em conta-corrente. Embora lícito o desconto de valores em conta-corrente, para pagamento de contratos firmados, a supressão em patamar quase integral dos valores recebidos a título de aposentadoria atenta contra a dignidade da pessoa, podendo conduzir a uma condição de penúria.
Caso em que a Autora, idosa e aposentada, aufere aproximadamente um salário mínimo mensal, e teve praticamente todo o benefício descontado para pagamento de mútuo firmado junto às instituições financeiras. Na hipótese, o elemento verossimilhança se mostrou presente. Limitação dos descontos em conta-corrente ao percentual de 30% da remuneração líquida da parte consumidora. Precedentes.
3. Contexto dos autos e princípio da dignidade humana.
AGRAVO DE INSTRUMENTO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NA EXTENSÃO, PROVIDO."
(Agravo de Instrumento, Nº 70080743396, Vigésima Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Des. Alberto Delgado Neto, Julgado em: 28-05-2019)
"AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO REVISIONAL. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO.
SUSPENSÃO
DE
DESCONTOS
EM CONTA CORRENTE.
SUPERENDIVIDAMENTO
.
Desconto mensal promovido pela instituição financeira agravada em montante que compromete a integralidade dos rendimentos do agravante. Situação de
superendividamento
. Possibilidade de limitação em 30% da renda bruta (e não de simples
suspensão
/cancelamento, como pleiteado), excetuando-se os
descontos
obrigatórios.
Necessidade de assegurar ao devedor, à luz do princípio da dignidade humana, um mínimo existencial.
AGRAVO DE INSTRUMENTO PARCIALMENTE PROVIDO."
(Agravo de Instrumento, Nº 70076087220, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relatora: Desª. Mylene Maria Michel, Julgado em: 07-06-2018) - (grifei)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER, CUMULADA COM PEDIDOS DE REVISÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS, ANTECIPAÇÃO DE TUTELA DE URGÊNCIA E EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. DESCONTOS DE EMPRÉSTIMOS CONSIGNADOS NA FOLHA DE PAGAMENTO E NÃO CONSIGNADOS NA CONTA-CORRENTE BANCÁRIA DO CONSUMIDOR SUPERENDIVIDADO. SITUAÇÃO DE SUPERENDIVIDAMENTO CARACTERIZADA. TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA DEFERIDA EM PARTE PELO JUÍZO
A QUO
, PARA ABRANGER OS EMPRÉSTIMOS CONSIGNADOS. IRRESIGNAÇÃO RECURSAL DO AUTOR DEVEDOR SUPERENDIVIDADO. APLICAÇÃO DA LEI FEDERAL Nº 14.181/2021 AO CASO CONCRETO. INCLUSÃO CONCERTADA DE DÉBITOS NÃO CONSIGNADOS DO DEVEDOR SUPERENDIVIDADO, A FIM DE PRESERVAR OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA GARANTIA DO MÍNIMO EXISTENCIAL À SOBREVIVÊNCIA DO CONSUMIDOR EM SITUAÇÃO DE SUPERENDIVIDAMENTO. RECURSO PROVIDO EM PARTE.
1.
A PESSOA NATURAL SUPERENDIVIDADA É AQUELA CUJA RENDA MENSAL ESTÁ SEVERAMENTE COMPROMETIDA, A PONTO DE PERDER A CAPACIDADE DE PAGAR AS SUAS DÍVIDAS, COLOCANDO EM RISCO A SUA PRÓPRIA SUBSISTÊNCIA.
2.
EMBORA ADMITIDO O LANÇAMENTO A DÉBITO DIRETO EM CONTA-CORRENTE DO DEVEDOR SUPERENDIVIDADO, A JURISPRUDÊNCIA DO STJ E DO TJRS SINALIZAM A NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA GARANTIA DO MÍNIMO EXISTENCIAL DO DEVEDOR SUPERENDIVIDADO À SUA SUBSISTÊNCIA PRÓPRIA.
3.
CASO CONCRETO EM QUE OS DESCONTOS DE EMPRÉSTIMOS MENSAIS NÃO CONSIGNADOS LANÇADOS NA CONTA-CORRENTE DO SERVIDOR PÚBLICO MILITAR ESTADUAL SUPERENDIVIDADO CONSOMEM TODA A SUA REMUNERAÇÃO MENSAL LÍQUIDA, COMPROMETENDO A SUA DIGNIDADE E SUBSISTÊNCIA PESSOAL E VEDANDO-LHE O ACESSO A VALORES INDISPENSÁVEIS À SUA SOBREVIVÊNCIA. LIMITAÇÃO DOS LANÇAMENTOS A DÉBITO DIRETO DE EMPRÉSTIMOS NÃO CONSIGNADOS NA CONTA-CORRENTE DO AUTOR-AGRAVANTE A 30% DA SUA REMUNERAÇÃO MENSAL LÍQUIDA. MANUTENÇÃO DA DECISÃO RECORRIDA, COM AMPLIAÇÃO DOS SEUS EFEITOS PARA OS DÉBITOS (NÃO CONSIGNADOS).
4.
NESTA MOLDURA, A FARTA PROVA DOCUMENTAL PRODUZIDA NO CADERNO RECURSAL INTEGRADO EVIDENCIA A SITUAÇÃO DE SUPERENDIVIDAMENTO DO AGRAVANTE, CONFERINDO PROBABILIDADE AO
FUMUS BONIS JURIS
E AO
PERICULUM IN MORA
, COM PERIGO DE DANO DE DIFÍCIL REPARAÇÃO E RISCO AO RESULTADO ÚTIL DO PROCESSO DE ORIGEM, NAS ALEGAÇÕES DEDUZIDAS NO PROCESSO DE ORIGEM E NESTE RECURSO, QUE DEMONSTRAM, À SACIEDADE, OS DESCONTOS OPERADOS NA SUA CONTA-CORRENTE E COLOCAM EM RISCO A SUA DIGNIDADE, SUBSISTÊNCIA E MANUTENÇÃO DO MÍNIMO EXISTENCIAL GARANTIDOS NÃO SÓ PELAS CLÁUSULAS GERAIS DE TUTELA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, MAS, TAMBÉM, E MUITO ESPECIALMENTE, COM ALTERAÇÕES QUE LHE INTRODUZIRAM A LEI FEDERAL Nº 14.181/2021, DE 01/07/2021 (DOU DE 02/07/2021).
5.
NO CASO CONCRETO E NO JULGAMENTO CONJUNTO DOS AGRAVOS DE INSTRUMENTO DE INTERESSES CONTRÁRIOS, PORTANTO, IMPENDE NÃO SÓ MANTER A DECISÃO RECORRIDA, MAS TAMBÉM ESTENDER OS SEUS EFEITOS, PARA ABRANGER OS DESCONTOS CONTRATUAIS MENSAIS LANÇADOS A DÉBITO NA CONTA-CORRENTE DO AUTOR-AGRAVANTE A 30% DA SUA REMUNERAÇÃO LÍQUIDA. PRECEDENTES DO STJ E DO TJRS.
6.
A MULTA ARBITRADA NA ORIGEM É ADEQUADA E ATENDE À SUA FINALIDADE PROCESSUAL PREVENTIVA, SENDO DESCABIDA A SUA MAJORAÇÃO. NO CASO CONCRETO, OS SEUS EFEITOS TAMBÉM VÃO ESTENDIDOS AOS LANÇAMENTOS CONTRATUAIS MENSAIS A DÉBITO EM CONTA-CORRENTE.
7. RECURSO PROVIDO EM PARTE.
M/AI 3.934 - S 22.10.2021 – P 37.
(Agravo de Instrumento, Nº 5163026-50.2021.8.21.7000/RS, Décima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Des. Aymoré Roque Pottes de Mello, Julgado em: 29-10-2021)
Desta forma, no caso concreto, estando caracterizada a situação de superendividamento da parte autora é caso de manter a decisão recorrida nos seus exatos termos.
7. Pedido de limitação dos descontos por ordem cronológica.
Adiante, o corréu-agravante se insurge quanto a forma de distribuição da margem salarial disponível para descontos em folha de pagamento e lançamentos a débito em conta-corrente da autora-agravada. Preconiza que seja estabelecido o critério de antiguidade das avenças, de modo que os contratos mais antigos tenham prioridade para o adimplemento, seja por desconto em folha de pagamento ou por débito em conta, em detrimento aos contratos mais modernos.
Adianto que o recurso também não prospera neste ponto. Na ação de repactuação de dívidas, não se discute especificamente se a margem consignável em folha de pagamento do consumidor foi extrapolada ou não, de modo que a ordem de anterioridade dos contratos com desconto em folha de pagamento, e mesmo com pagamento por débito em conta, é irrelevante. Na ação de repactuação de dívidas, consideram-se de forma igualitária todos os débitos do consumidor que se enquadrem nas hipóteses legais, como uma espécie de concurso de credores, e se procede à limitação da execução de cada um dos contratos de modo que se possa preservar a garantia do mínimo existencial para o consumidor superendividado.
Além disso, a base de cálculo para a limitação dos pagamentos mensais, seja por desconto em folha de pagamento, seja por débito em conta, também é definida pelo Juízo e visando preservar a garantia do mínimo existencial do consumidor superendividado, como no caso concreto, em que estabelecida a limitação dos descontos consignados em folha de pagamento e dos débitos lançados a desconto em conta-corrente da parte autora a 35% da sua remuneração mensal bruta, abatidos os descontos mensais da previdência, do Imposto de Renda e pensão, percentual que pode ser acrescido de 5%, em se tratando de dívida de cartão de crédito cujo pagamento decorre de débito em conta.
8. Diante do exposto, com fundamento no art. 932, VIII, do CPC, combinado com o art. 206, inc. XXXVI, do Regimento Interno, nego provimento ao agravo de instrumento interposto, nos termos da fundamentação.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Diligências legais.
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. E N U N C I A D O Nº36Deverá constar, na notificação encaminhada aoscredores, a advertência de que o não comparecimentoinjustificado à audiência de conciliação ou a presençade procurador sem poderes especiais e plenos paratransigir acarretará a aplicação, por força de lei, dassanções previstas no art. 104-A, parágrafo 2º, do Códigode Defesa do Consumidor.ENUNCIADOS | CADERNO DE ENUNCIADOS 1 7Enunciado aprovado naassembleia realizada em14/04/2023, em BeloHorizonte/MG, no 13ºEncontro do FONAMEC.Enunciado aprovado naassembleia realizada em14/04/2023, em BeloHorizonte/MG, no 13ºEncontro do FONAMEC.Justificativa: A expressa notificação prévia e padronizada dos credores sobre apossibilidade de incidência das sanções contidas no art.104-A, parágrafo 2o doCDC, assegura a preservação do princípio da ampla defesa, do contraditório eda não surpresa. Da mesma forma, contribui com o desenvolvimento dacultura de pacificação social e priorização das soluções autocompositivas,valores fundantes da Resolução n.125 do Conselho Nacional de Justiça e da Lein.14.181/21, que atualizou o Código de Defesa do Consumidor.
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. E N U N C I A D O Nº37Cabe ao Juiz Coordenador do CEJUSC a aplicação, porforça de lei, das sanções previstas no art. 104-A, § 2º, doCódigo de Defesa do Consumidor, em caso de ausênciainjustificada de qualquer credor ou de seu procuradorcom poderes especiais e plenos para transigir àaudiência conciliatória do superendividamento.Justificativa: A expressa previsão legal contida no art.104-A, § 2º do CDCautoriza o Juiz coordenador do CEJUSC a aplicar as sanções contempladas nodiploma, porque incidentes ex vi lege. Além disso, a previsão legal, do pontode vista topológico, está situada na fase consensual e independe da existênciade processo judicial ajuizado (art.104-B, caput) ou capacidade postulatória doconsumidor-devedor.
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. E N U N C I A D O Nº38Em caso de não comparecimento injustificado dequalquer credor à audiência de conciliação préprocessualdo superendividamento, o Juiz Coordenadordo CEJUSC poderá homologar a proposta de sujeiçãocompulsória desse credor ao plano de pagamento dadívida se o montante devido ao credor ausente for certoe conhecido pelo consumidor, consoante previsão do art.104-A, parágrafo 2º, do Código de Defesa doConsumidor.Justificativa: A expressa previsão legal contida no art.104-A, § 2º do CDCautoriza o Juiz coordenador do CEJUSC a aplicar as sanções contempladas nodiploma, porque incidentes ex vi lege. Por “montante devido” e valor “certo econhecido pelo consumidor” sugere-se a demonstração e registro em ata deaudiência, de acordo com as informações prestadas pelo consumidor, paraapreciação pelo Juiz coordenador do Cejusc.
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. E N U N C I A D O Nº39A simples apresentação de procuração com poderesespeciais para transigir não elide a aplicação dasuspensão da exigibilidade do débito e a interrupção dosencargos da mora, caso o procurador não apresenteefetivas propostas de negociação para a formalização doplano de pagamento, em atenção ao dever decooperação, devendo constar tal advertência nanotificação encaminhada aos credores.Justificativa: A ausência injustificada, bem como o comparecimento dorepresentante do credor sem poderes reais e plenos para transigir ou, ainda, afalta de proposta dos credores, contrariam a finalidade da norma e autorizama aplicação de sanção, em especial do art. 104-A, § 2.º, do CDC.A lei não criou o dever de compor, pois violaria o princípio da autonomiaprivada. Contudo, uma das funções exercidas pela boa-fé, de criação dedeveres anexos, endereça o dever de cooperar e o dever de cuidado com ooutro, o cocontratante. No superendividamento, nasce um dever derenegociar, de repactuar, de cooperar vivamente para ajudar o leigo a sair daruína, desde que preenchidos os pressupostos legais. Logo, os credores têm afunção de boa-fé de apresentar propostas e contribuir para a construção doplano de pagamento voluntário. O tratamento diferenciado ao credor quecoopera na fase consensual é identificado ao longo da legislação, a exemploda prioridade de pagamento aos credores que compuseram nesta fase, dapossibilidade de homologação de plano de pagamento apresentado peloconsumidor na hipótese do Enunciado 04, por expressa previsão legal.O Código de Processo Civil de 2015 foi embasado em vários princípios, estandoentre ele o princípio da cooperação das partes, artigo 6.º e o princípio da boafé,artigo 5º. Na essência, significa que o legislador, ao instaurar procedimentode tratamento do superendividamento do consumidor, privilegiou a atuaçãopró-ativa, exigindo a presença qualificada dos credores na construção doplano de pagamento consensual. Nesse sentido, veja-se que o diploma legalem análise destinou tratamento diferenciado aos credores quando previurecebimento preferencial do pagamento no plano consensual, artigo 104-B doCDC.
5
. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sergio Cruz; MITIDIERO, Daniel. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL: comentado. 2ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, p. 382.
7
. Sarlet, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais sociais, mínimo existencial e direito privado, p. 99.Jacintho, Jussara Maria Moreno. Dignidade humana: princípio constitucional. Curitiba: Juruá, 2006. p. 207.
2
. MIRAGEM, Bruno. Curso de Direito do Consumidor. 8 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2020, p. 538-539
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