Processo nº 5148425-97.2025.8.21.7000
ID: 294697618
Tribunal: TJRS
Órgão: Secretaria da 22ª Câmara Cível
Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO
Nº Processo: 5148425-97.2025.8.21.7000
Data de Disponibilização:
10/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
SANDRA FLORES GONCALVES
OAB/RS XXXXXX
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Agravo de Instrumento Nº 5148425-97.2025.8.21.7000/RS
TIPO DE AÇÃO:
Consulta
RELATORA
: Desembargadora IRIS HELENA MEDEIROS NOGUEIRA
AGRAVANTE
: MARIA DE DEUS OLIVEIRA SOUZA
ADVOGADO(A)
: SANDRA FLO…
Agravo de Instrumento Nº 5148425-97.2025.8.21.7000/RS
TIPO DE AÇÃO:
Consulta
RELATORA
: Desembargadora IRIS HELENA MEDEIROS NOGUEIRA
AGRAVANTE
: MARIA DE DEUS OLIVEIRA SOUZA
ADVOGADO(A)
: SANDRA FLORES GONCALVES (OAB RS086028)
EMENTA
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO À SAÚDE (ECA E IDOSO). AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. FORNECIMENTO DE ATENDIMENTO MULTIDISCIPLINAR. HOME CARE. AUSÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS DO ARTIGO 300 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL/2015. EMENDA DA INICIAL. NECESSIDADE. LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO COM A UNIÃO.
1. Para o deferimento da tutela antecipada a que alude o artigo 300 do Novo Código de Processo Civil, devem estar preenchidos requisitos essenciais, que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. Hipótese em que não restou evidenciada a verossimilhança do direito invocado.
2. O serviço de
home
care
, em linhas gerais, constitui desdobramento de atendimento especializado que seria fornecido durante internação de serviço hospitalar, o que não parece se amoldar ao caso concreto. Hipótese em que a parte autora necessita de auxílio para atividades básicas diárias, cuja dispensação pode ser realizada por
cuidador
ou por pessoa da família. O fornecimento do tratamento indicado, seja via internação, ou via
home
care
, que demanda considerável mobilização de recursos, deve ser determinado quando devidamente fundamentada sua necessidade.
3. A Carta de 1988 define que o dever de prestar assistência à saúde é compartilhado entre a
União
, os Estados-membros, Distrito Federal e os Municípios, e a distribuição de atribuições entre os entes federativos por normas infraconstitucionais, no âmbito da gestão interna do Sistema Único de Saúde, não elide a responsabilidade solidária imposta pela Constituição Federal: o fornecimento gratuito de medicamentos e demais serviços de saúde constitui responsabilidade solidária da
União
, dos Estados e dos Municípios, derivada do artigo 196 da Constituição Federal c/c o art. 241 da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul.
4. O atendimento domiciliar, home care, no âmbito do SUS, encontra previsão legal na Lei nº 10.424/02 e na Portaria nº 2.048/2009 do Ministério da Saúde, bem como, de acordo com a Portaria nº 825, de 26/04/2016, o serviço enquadra-se como "Serviço de Atendimento Domiciliar - SAD", cujo financiamento provém de recursos federais. Outrossim, a Portaria GM/MS 3.005/2024, que instituiu o Programa Melhor em Casa - PMeC, com finalidade de promover e fomentar o uso do Serviço de Atenção Domiciliar (SAD) na esfera do SUS, e aborda a participação da União. Assim, tratando-se de serviço cujo financiamento se dá através de verba federal, necessária a inclusão da União no polo passivo da demanda.
5. Necessidade de oportunizar à parte autora a inclusão da União no polo passivo, sob pena de extinção do feito, nos termos do artigo 115, parágrafo único, do Código de Processo Civil.
AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO, COM DISPOSIÇÕES DE OFÍCIO.
DECISÃO MONOCRÁTICA
Vistos.
Trata-se de agravo de instrumento interposto por
MARIA DE DEUS OLIVEIRA SOUZA
, contra a decisão que, nos autos da ação ordinária ajuizada contra ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL e MUNICÍPIO DE SÃO SEPÉ / RS, indeferiu a antecipação da tutela para fornecimento de
home care
.
Em suas razões destacou que tem diabetes
mellitus
tipo 2 há 44 anos, possuindo sequelas na visão, bem como sofreu fraturas de braço e joelho, assim como foi acometida de AVC. Alegou que tem dificuldades para engolir, bem como possui transtorno de ansiedade. Referiu que necessita de cuidados diários e ininterruptos de técnica de enfermagem 24 horas por dia, todos os dias da semana, acompanhamento de enfermeira pelo menos 3 vezes na semana. Além fisioterapia 5 x na semana, pois frequentemente tem pneumonia por seu estado acamada, onde precisa de fisioterapia respiratória e como não se movimenta sozinha, precisa de fisioterapia motora, para evitar escaras na pele. Referiu que além dos profissionais, equipamentos que uma pessoa com a deficiência que ela possui necessita: 1 cama hospitalar; 1 cadeira de banho; 1 cadeiras de rodas; Cilindro de oxigênio. Enfatizou que, além de todos os cuidados necessários que o quadro da idosa exige, faz uso de fraldas geriátricas, e utiliza a seguinte medicação: Insulina Humana Nph 40/30/16, Sinvastatina 40 mg, Espironolactona 25 mg, Clonazepam 2,5 mg, Ácido Acetilsalisilico, Digoxina, Amitripitilina 25mg, Ciclobenzapina, Alois 10mg, Donila, Canabidiol, e clopidogrel 75 mg. Destacou que a única avaliação da Agravante foi realizada pelo Natjus sem sequer enviar ao domicilio da Agravante profissional habilitado para realização de estudo social e para ver realmente a situação da saúde da Agravante. Referiu que o programa melhor em casa, atenção domiciliar só existem no papel. Ponderou sobre o preenchimento dos requisitos legais para o deferimento do pedido. Ao final, pugnou pelo provimento do recurso, com a reforma da decisão, além da concessão da antecipação dos efeitos da tutela recursal, bem como o benefício da gratuidade judiciária.
Vieram os autos conclusos para julgamento.
É breve o relato.
DECIDO.
Inicialmente, concedo o benefício da assistência judiciária gratuita à parte agravante, tão-somente para fins de processamento do recurso, considerando que o juízo
a quo
ainda não se manifestou sobre o pedido de concessão do benefício.
Recebo a irresignação, eis que preenchidos os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade.
O recurso comporta julgamento monocrático, na forma do artigo 206, inc. XXXVI
1
, do Regimento Interno do TJRS, combinado com o artigo 932, inc. VIII
2
, do Código de Processo Civil.
A Saúde é direito social de todos e dever do Estado,
lato sensu
considerado, abrangendo de modo indistinto todos os entes federados (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), na forma do art. 6º, do art. 23, inciso II, e do art. 196, todos da Constituição Federal:
Art. 6º - São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
[...]
Art. 23 - É competência comum da
União
, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: [...]
II – cuidar da
saúde
e assistência pública ...)
[...]
Art. 196 - A
saúde
é direito de todos e dever do
Estado
, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
A Carta de 1988 define que o dever de prestar assistência à saúde é compartilhado entre a União, os Estados-membros, Distrito Federal e os Municípios, e a distribuição de atribuições entre os entes federativos por normas infraconstitucionais, no âmbito da gestão interna do Sistema Único de Saúde, não elide a responsabilidade solidária imposta pela Constituição Federal: o fornecimento gratuito de medicamentos e demais serviços de saúde constitui responsabilidade solidária da União, dos Estados e dos Municípios, derivada do artigo 196 da Constituição Federal c/c o art. 241 da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul.
Outrossim, ao menos em cognição sumária, a matéria encontra amparo no Tema 793 da Corte Suprema, que assim reza:
Os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde, e diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro. (grifo nosso)
No caso dos autos, o atendimento domiciliar postulado, no âmbito do SUS, encontra previsão legal na Lei nº 10.424/02 e na Portaria nº 2.048/2009 do Ministério da Saúde.
No mesmo sentido, de acordo com a Portaria nº 825, de 26/04/2016, o serviço de
home care
enquadra-se como "Serviço de Atendimento Domiciliar - SAD", cujo financiamento provém de recursos federais.
Logo, tratando-se de serviço cujo financiamento se dá através de verba federal, necessária a inclusão da União no polo passivo da demanda.
A propósito, trago a lume os seguintes precedentes:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO MONOCRÁTICA. DIREITO À SAÚDE. IDOSO. GARANTIA CONSTITUCIONAL. TRATAMENTO INCORPORADO AO SUS E DE FINANCIAMENTO FEDERAL: SERVIÇO DE HOME CARE. TEMA Nº 1.234 DO STF. INAPLICABILIDADE. EXCEÇÃO EXPRESSA ACERCA DE PROCEDIMENTOS TERAPÊUTICOS, EM REGIME DOMICILIAR. APLICABILIDADE DO TEMA Nº 793 DO STF. LITISCONSÓRCIO PASSIVO COM A
UNIÃO
NECESSÁRIO. EMENDA À INICIAL JÁ SOLICITADA. - O Serviço de Home Care enquadra-se como "procedimentos terapêuticos, em regime domiciliar", sendo inaplicável, portanto, a tese fixada no Tema nº 1.234 do STF, uma vez que exceção expressa. Todavia, mantém-se a necessidade de observância àquela do Tema nº 793 da Suprema Corte. - Nas causas em que o procedimento estiver incorporado ao SUS e for de financiamento federal, há necessidade de que o polo passivo observe a repartição de responsabilidades, devendo ser incluída a
União
no feito. Situação dos autos em que a emenda à inicial já foi realizada pela parte autora. TUTELA RECURSAL. NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS EXIGIDOS PELO ART. 300 DO CPC. ATENDIMENTO POR MEIO DE
CUIDADOR
. AUSÊNCIA DA PROBABILIDADE DO DIREITO. INDEFERIMENTO. - O requisito da probabilidade do direito, exigido pelo art. 300 do CPC, não se mostra presente quando o pleito para o fornecimento de serviço de Home Care abarca mero
cuidador
. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO. DETERMINAÇÃO, DE OFÍCIO, DE REMESSA À JUSTIÇA FEDERAL.(Agravo de Instrumento, Nº 52116468820248217000, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marilene Bonzanini, Julgado em: 19-11-2024)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO À SAÚDE (ECA E IDOSO). AÇÃO DECLARATÓRIA. TUTELA DE URGÊNCIA. PRETENSÃO DE FORNECIMENTO DE TRATAMENTO MULTIDISCIPLINAR DOMICILIAR (HOME CARE). TÉCNICO DE ENFERMAGEM. FISIOTERAPEUTA. AUTORA DIAGNOSTICADA COM ALZHEIMER. 1. DOS REQUISITOS DA TUTELA PROVISÓRIA. (...) 4. HOME CARE. FINANCIAMENTO FEDERAL. NECESSIDADE DE INCLUSÃO DA
UNIÃO
NO POLO PASSIVO. Serviço de Atenção Domiciliar vindicado pela parte autora que é financiado pela
União
Federal, configurando hipótese de litisconsórcio passivo necessário com o referido ente federado. Retificação do polo passivo que deverá ser possibilitada pelo julgador de origem, sob pena de extinção do processo, nos termos dos arts. 114 e
115
, parágrafo único, do CPC. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO, COM DISPOSIÇÃO DE OFÍCIO.(Agravo de Instrumento, Nº 50554509020248217000, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Mylene Maria Michel, Julgado em: 15-10-2024)
APELAÇÕES CÍVEIS. DIREITO À SAÚDE (ECA E IDOSO). ESTADO E MUNICÍPIO DE CANOAS. PARTE AUTORA DIAGNOSTICADA COM ISQUEMIA CORTICAL DIFUSA E EPILEPSIA, CUJO TRATAMENTO REQUER A DISPENSAÇÃO DO SERVIÇO DE "HOME CARE". SAÚDE. TRATAMENTO MULTIDISCIPLINAR. PROCESSO SENTENCIADO APÓS A DATA DE 17-04-2023. ATENÇÃO DOMICILIAR - SAD. FINANCIAMENTO PELA
UNIÃO
. PORTARIA Nº 825/2016 DO MINISTÉRIO DA SAÚDE. TRATAMENTO INCORPORADO AO SUS. AQUISIÇÃO CENTRALIZADA PELO MINISTÉRIO DA SAÚDE. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. DETERMINAÇÃO DE INTIMAÇÃO DA PARTE AUTORA PARA INCLUIR A
UNIÃO
NO POLO PASSIVO DO FEITO, SOB PENA DE EXTINÇÃO. SOLUÇÃO AJUSTADA AO QUE DECIDIU O EG. STF NO TEMA 793 DA REPERCUSSÃO GERAL E, RECENTEMENTE, EM ANÁLISE DE TUTELA PROVISÓRIA INCIDENTAL DEFERIDA NO RE Nº 1.366.243/SC (TEMA 1.234/STF), APÓS O JULGAMENTO DO IAC Nº 14 PELO STJ. Ao reinterpretar o Tema 793 da repercussão geral, em 22-03-2022, e, mais recentemente, por ocasião da análise de tutela provisória incidental postulada no bojo do RE nº 1.366.243/SC (Tema 1.234), o Supremo Tribunal Federal reafirmou que, "nas demandas judiciais envolvendo medicamentos ou tratamentos padronizados: a composição do polo passivo deve observar a repartição de responsabilidades estruturada no Sistema Único de Saúde, ainda que isso implique deslocamento de competência, cabendo ao magistrado verificar a correta formação da relação processual". Situação concreta em que se discute a dispensação de tratamento padronizado cujo financiamento cabe à
União
, devendo-se, determinar a reinclusão da
União
no polo passivo da demanda, na forma do art.
115
, parágrafo único, do CPC, bem como o ulterior retorno dos autos à Justiça Federal, onde deverá se dar o processamento do feito.Mantida, contudo, a tutela de urgência deferida em cognição sumária, até nova análise pelo juízo competente ou até a extinção do feito, caso ocorra, em atenção ao disposto no art. 64, § 4º, do CPC. AMBOS OS RECURSOS PROVIDOS EM PARTE. DETERMINADA A DEVOLUÇÃO DOS AUTOS À JUSTIÇA FEDERAL.(Apelação / Remessa Necessária, Nº 50050289220208210003, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Miguel Ângelo da Silva, Julgado em: 12-09-2024)
Não se pode olvidar, outrossim, a Portaria GM/MS 3.005/2024, que instituiu o Programa Melhor em Casa - PMeC, com finalidade de promover e fomentar o uso do Serviço de Atenção Domiciliar (SAD) na esfera do SUS, e aborda a participação da União, como bem mencionado pela digna Desembargadora Isabel Dias Almeira, nos autos do gravo de Instrumento Nº 5011095-58.2025.8.21.7000/RS, "especialmente no que diz com a gestão do Programa em âmbito nacional e repasse de recursos financeiros":
Art. 545-A.
Fica instituído o Programa Melhor em Casa (PMeC) com o objetivo de fomentar a utilização do SAD no âmbito do SUS.
Parágrafo único. O PMeC complementa os cuidados realizados na APS e nos serviços de urgência, substitutivos ou complementares à internação hospitalar, estabelecendo regras para o gerenciamento e a operacionalização das Equipes Multiprofissionais de Atenção Domiciliar (EMAD) e das Equipes Multiprofissionais de Apoio (EMAP).
Art. 545-B.
O PMeC será executado, de modo tripartite, pela
União
, por intermédio do Ministério da Saúde, pelos estados, pelo Distrito Federal e pelos municípios
.
§ 1º A adesão ao PMeC será realizada pelos municípios, estados ou Distrito Federal interessados mediante solicitação de habilitação e homologação de equipes do SAD.
[...]
Art. 545-E.
Cabe ao Ministério da Saúde:
I - Homologar a habilitação SAD/PMeC feita pelos estados, conforme as regras deste Capítulo;
II -
Fazer a gestão do PMeC em âmbito nacional, incluindo monitoramento e avaliação
;
III - Prestar assessoria técnica aos demais entes;
IV - Transferir incentivo financeiro aos municípios que tiverem equipes homologadas, para auxílio do custeio do SAD/PMeC; e
V - Produzir materiais de apoio técnico, promover educação permanente e realizar e fomentar pesquisas para aprimoramento contínuo da AD. " (NR)
Destaco, ainda, precedente do próprio Tribunal Regional Federal da 4ª Região apontando a necessidade de processamento e julgamento das ações relativas a tratamento domiciliar (home care) junto à Justiça Federal, devido a legitimidade passiva
ad causam
da União em razão de sua responsabilidade financeira para o custeio do tratamento:
PREVIDENCIÁRIO. PRESTAÇÃO DE SAÚDE. TRATAMENTO DOMICILIAR (HOME CARE). PREVISÃO LEGAL. POSSIBILIDADE. ASSISTÊNCIA CONTÍNUA DE ENFERMAGEM. VEDAÇÃO. SOLIDARIEDADE PASSIVA. RESPONSABILIDADE FINANCEIRA. 1.
Uma vez que a
União
possui responsabilidade financeira de, em tese, prover custeio ao atendimento domiciliar, compete à Justiça Federal o processamento e julgamento de ações que buscam o fornecimento de serviços dessa natureza.
2. É admitido o atendimento domiciliar no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), nas modalidades legalmente previstas, uma vez evidenciada a sua imprescindibilidade para o paciente. 3. Deve o requerente suportar o ônus probatório, em razão de sua condição clínica, mediante a demonstração da existência ou ausência de evidência científica quanto ao resultado pretendido na afirmação do direito à saúde. 4. É vedado o fornecimento de assistência contínua de enfermagem (artigo 26, inciso II, da Portaria nº 963/2013, do Ministério da Saúde). 5. Não obstante a dispensação seja exigível dos réus solidariamente, compete à
União
o ressarcimento administrativo integral das despesas eventualmente promovidas pelos demais litisconsortes. (TRF4, AG 5024262-37.2024.4.04.0000, 5ª Turma, Relator OSNI CARDOSO FILHO, julgado em 27/11/2024)
Assim, deve o juízo
a quo
oportunizar à parte autora a inclusão da União no polo passivo, sob pena de extinção do feito, nos termos do artigo 115, parágrafo único, do Código de Processo Civil.
No que diz respeito à questão de fundo do recurso
, para o deferimento da tutela antecipada a que alude o art. 300 do Novo Código de Processo Civil, devem estar preenchidos requisitos essenciais, que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
Nesse sentido, destaco o magistério de Luiz Guilherme Marinoni e outros
3
:
(...)
3. Probabilidade do direito
. (...) A probabilidade que autoriza o emprego da técnica antecipatória para a tutela dos direitos é a probabilidade lógica – que é aquela que surge da confrontação das alegações e das provas com os elementos disponíveis nos autos, sendo provável a hipótese que encontra maior grau de confirmação e menor grau de refutação nesses elementos. O juiz tem que se convencer de que o direito é provável para conceder tutela provisória.
4. Perigo na demora.
A fim de caracterizar a urgência capaz de justificar a concessão de tutela provisória, o legislador falou em “perigo de dano” (provavelmente querendo se referir à tutela antecipada) e “risco ao resultado útil do processo” (provavelmente querendo se referir à tutela cautelar). (...). Assim, é preciso ler as expressões perigo de dano e risco ao resultado útil do processo como alusões ao perigo da demora. Vale dizer: há urgência quando a demora pode comprometer a realização imediata ou futura do direito.
(...)
Ainda, Teresa Arruda Alvim Wambier
et al
ensinam que, “
para a concessão da tutela de urgência cautelar e da tutela de urgência satisfativa (antecipação de tutela) exigem-se os mesmos e idênticos requisitos: fumus boni iuris e periculum in mora. O NCPC avançou positivamente ao abandonar a gradação que o CPC/73 pretendia fazer entre os requisitos para a cautelar e a antecipação de tutela, sugerindo um “fumus” mais robusto para a concessão dessa última.
” (...) “
O juízo de plausibilidade ou de probabilidade – que envolvem dose significativa de subjetividade – ficam, a nosso ver, num segundo plano, dependendo do
periculum
evidenciado. Mesmo em situações que o magistrado não vislumbre uma maior probabilidade do direito invocado, dependendo do bem em jogo e da urgência demonstrada (princípio da proporcionalidade), deverá ser deferida a tutela de urgência, mesmo que satisfativa.
”
4
Outrossim, sobre o tema, trago a lume a lição de Daniel Amorim Assumpção Neves
5
:
No art. 300, caput, do Novo CPC é confirmado esse entendimento com a unificação do requisito como perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
Numa primeira leitura, pode-se concluir que o perigo de dano se mostraria mais adequado à tutela antecipada, enquanto o risco ao resultado útil do processo, à tutela cautelar. A distinção, entretanto, não deve ser prestigiada porque, nos dois casos, o fundamento será o mesmo: a impossibilidade de espera da concessão da tutela definitiva sob pena de grave prejuízo ao direito a ser tutelado e de tornar-se o resultado final inútil em razão do tempo.
(...)
Em outras palavras, tanto na tutela cautelar quanto na tutela antecipada de urgência caberá à parte convencer o juiz de que, não sendo protegida imediatamente, de nada adiantará uma proteção futura, em razão do perecimento de seu direito.
A propósito destaco o seguinte precedente desta Corte:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO INDENIZATÓRIA. TUTELA DE URGÊNCIA.
A concessão de tutela de urgência exige a presença da probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo (art. 300 do NCPC).
Em sede de cognição sumária não restou demonstrada a injustiça das cobranças realizadas via mensagens e ligações telefônicas efetuadas pelo réu. Interlocutória confirmada. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO, por decisão monocrática. (Agravo de Instrumento Nº 70076767656, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marlene Marlei de Souza, Julgado em 23/03/2018)
No caso dos autos, não verifico a verossimilhança do direito invocado.
Isso, porque, ao menos em sede de cognição sumária, não vislumbro nos autos, de forma clara e inequívoca, a necessidade de a parte demandante receber o tratamento requerido.
Embora pelo relato trazido das razões recursais, não se infere haver risco e necessidades imediatas que justifiquem a concessão de tutela de urgência para fornecimento da internação, ou
home care
, pretendidos.
O serviço de
home care
, em linhas gerais, constitui desdobramento de atendimento especializado que seria fornecido durante internação de serviço hospitalar, o que não parece se amoldar ao caso concreto.
Conforme se infere dos autos, a parte autora necessita de auxílio para atividades básicas diárias, cuja dispensação pode ser realizada por cuidador ou por pessoa da família.
Gize-se, ainda, conforme dispõe o Estatuto do Idoso, mais especificamente do artigo 3°, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, e tantos outros direitos, não é uma obrigação única do Estado, mas, sobretudo, é obrigação familiar,
in verbis:
Art. 3
o
É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.
Outrossim, há evidências nos autos, conforme se infere da nota técnica acostada no
processo 5000423-37.2025.8.21.0130/RS, evento 24, NOTATEC1
, no sentido de que "com os elementos técnicos existentes nos documentos e relatórios médicos anexados ao processo é possível atender as necessidades de baixa complexidade da paciente com a modalidade de atendimento domiciliar AD1 com visitas a serem definidas pela equipe da unidade básica de sáude conforme quadro clinico atual da paciente e treinamento do cuidador, NÃO havendo evidências que corroborem com a indicação de internação domiciliar em modalidade de HOME CARE 24h/dia assim com as frequências da equipe multiprofissional, materiais e insumos solicitados. Pelos elementos anexados não é possível estabelecer critérios de urgência na demanda".
O fornecimento do tratamento indicado, seja via internação, ou via
home care
, que demanda considerável mobilização de recursos, deve ser determinado quando devidamente fundamentada sua necessidade.
A propósito:
AGRAVO
DE INSTRUMENTO. DIREITO À SAÚDE (ECA E IDOSO). AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. ESTADO E MUNICÍPIO DE CACEQUI. PARTE AUTORA DIAGNOSTICADA COM PARALISIA CEREBRAL, EPILEPSIA, ESCOLIOSE E INFECÇÃO RESPIRATÓRIA DE REPETIÇÃO. PRETENSÃO DE TRATAMENTO MULTIDISCIPLINAR DOMICILIAR (
HOME
CARE
). POSSIBILIDADE DE JULGAMENTO MONOCRÁTICO. ART. 932, III E VIII, DO CPC. ART. 206, XXXVI, DO RITJRS. (...) 3. TUTELA PROVISÓRIA. REVOGAÇÃO. DISPÕE O ART. 300 DO CPC QUE A TUTELA DE URGÊNCIA SERÁ CONCEDIDA QUANDO HOUVER ELEMENTOS QUE EVIDENCIEM A PROBABILIDADE DO DIREITO E O PERIGO DE DANO OU O RISCO AO RESULTADO ÚTIL DO PROCESSO, REQUISITOS QUE DEVEM ESTAR PRESENTES DE FORMA SIMULTÂNEA. HIPÓTESE EM QUE OS PEDIDOS AUTORAIS MAIS POSSUEM RELAÇÃO COM CUIDADOS DIÁRIOS QUE DEVEM SER TOMADOS COM A AUTORA (TROCA DE FRALDAS, CONTROLE DA MEDICAÇÃO E ALIMENTAÇÃO ORAL, TROCA DE DECÚBITO) DO QUE COM SUBSTITUIÇÃO DE INTERNAÇÃO HOSPITALAR, EVIDENCIANDO NECESSIDADE, NÃO DE TÉCNICO DE ENFERMAGEM 24H, MAS DE
CUIDADOR
. INCIDÊNCIA, ADEMAIS, DO DISPOSTO NO ART. 14 DA PORTARIA Nº 825/2016 DO MINISTÉRIO DA SAÚDE.
AGRAVO
DE INSTRUMENTO PROVIDO.(
Agravo
de Instrumento, Nº 52688907220248217000, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Mylene Maria Michel, Julgado em: 25-09-2024)
AGRAVO
DE INSTRUMENTO. DIREITO À SAÚDE (ECA E IDOSO). AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA PARA FORNECIMENTO DE ATENDIMENTO
HOME
CARE
. A CONCESSÃO DO PLEITO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA É POSSÍVEL QUANDO HOUVER A PRESENÇA DE ELEMENTOS QUE EVIDENCIEM A PROBABILIDADE DO DIREITO E O PERIGO DE DANO OU O RISCO AO RESULTADO ÚTIL DO PROCESSO (CPC, ART. 300). O SERVIÇO DE
HOME
CARE
É UMA ALTERNATIVA SUBSTITUTIVA E/OU COMPLEMENTAR À INTERNAÇÃO HOSPITALAR, AO PAR QUE O ATENDIMENTO PRESTADO POR
CUIDADORES
, SIM, É DESTINADO ÀS NECESSIDADES DA VIDA COTIDIANA (PORTARIA Nº 825/2016/MS, ART. 2º). NO CASO EM ANÁLISE, EM QUE PESE NÃO HAVER DÚVIDA ACERCA DO
ESTADO
DE SAÚDE DELICADO SUPORTADO PELA PARTE
AGRAVADA
, VERIFICA-SE QUE A SUA CONDIÇÃO NÃO SE ENQUADRA COMO ANÁLOGA À INTERNAÇÃO HOSPITALAR, O QUE IMPÕE A REFORMA DA DECISÃO
AGRAVADA
.
AGRAVO
DE INSTRUMENTO PROVIDO.(
Agravo
de Instrumento, Nº 53886219620238217000, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Cláudio Luís Martinewski, Julgado em: 13-03-2024)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREVIDÊNCIA PÚBLICA. PORTADORA DE PARKINSON E RECENTE
AVC
ISQUÊMICO. FORNECIMENTO DE HOME CARE 24H. ALCANCE E LIMITES. CASO CONCRETO. DESCABIMENTO. NO CASO,
NÃO
RESTA
EFETIVAMENTE
COMPROVADO
QUE A
AUTORA
NECESSITA
DE
SERVIÇO
DE
TRATAMENTO
MÉDICO
DOMICILIAR
EQUIPARADO
A
INTERNAÇÃO
HOSPITALAR
. AUSENTES, PORTANTO, OS REQUISITOS DO ART. 300, DO CPC PARA SE JUSTIFICAR, EM COGNIÇÃO SUMÁRIA, A TAL DISPENSAÇÃO TÃO ONEROSA AOS COFRES PÚBLICOS. RECURSO DESPROVIDO. (Agravo de Instrumento, Nº 51682875920228217000, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liselena Schifino Robles Ribeiro, Julgado em: 26-08-2022)
DIREITO Á SAÚDE. HOME CARE. ANTECIPAÇÃO DA TUTELA. DESCABIMENTO. SITUAÇÃO FÁTICA INDEFINIDA. VEROSSIMILHANÇA. ART. 273, CPC. INEXISTÊNCIA. Descabida a concessão de antecipação da tutela quando a situação fática apresenta-se indefinida - confronto entre atendimento hospitalar ou doméstico e seus custos -, necessitando de maiores esclarecimentos. Com isso, vedado falar em verossimilhança, óbvio requisito, art. 273, CPC, à antecipação da tutela. (Agravo de Instrumento Nº 70067082214, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Armínio José Abreu Lima da Rosa, Julgado em 29/10/2015)
Gize-se, por derradeiro, que não há notícias de que o nosocômio esteja negando atendimento ao ora agravante, caso o quadro clínico apresentado pela parte exija intervenção especializada.
Prudente se mostra indeferir, por ora, o desiderato do agravante, pois somente após a dilação probatória é que existirão elementos nos autos para, eventualmente, alterar a convicção.
Ante o exposto, na forma artigo 206, inc. XXXVI, do Regimento Interno do TJRS, combinado com o artigo 932, inc. VIII, do CPC, NEGO PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO.
Comunique-se.
Intimem-se.
Diligências pertinentes.
1. Art. 206. Compete ao Relator:(...)XXXVI – negar ou dar provimento ao recurso quando houver jurisprudência dominante acerca do tema no Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça com relação, respectivamente, às matérias constitucional e infraconstitucional e deste Tribunal;
2. Art. 932. Incumbe ao relator:(...)VIII - exercer outras atribuições estabelecidas no regimento interno do tribunal.
3. Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: Ed. Thomson Reuters, 2018, p. 412.
4. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil: artigo por artigo. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2015, pp. 498/499.
5. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo, Ed. JusPodium, 2016, pág. 476.
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