Processo nº 5003568-56.2023.8.24.0076
ID: 298359790
Tribunal: TJSC
Órgão: Diretoria de Recursos e Incidentes
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 5003568-56.2023.8.24.0076
Data de Disponibilização:
13/06/2025
Polo Passivo:
Advogados:
SANDRA REGINA MIRANDA SANTOS
OAB/SP XXXXXX
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THIAGO TAVARES ABREU
OAB/MG XXXXXX
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ALLEF BATISTA OLIVEIRA
OAB/MG XXXXXX
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Apelação Nº 5003568-56.2023.8.24.0076/SC
APELANTE
: CASTELLER MOVEIS SOB MEDIDA LTDA (AUTOR)
ADVOGADO(A)
: THIAGO TAVARES ABREU (OAB MG207319)
ADVOGADO(A)
: ALLEF BATISTA OLIVEIRA (OAB MG207541)
APE…
Apelação Nº 5003568-56.2023.8.24.0076/SC
APELANTE
: CASTELLER MOVEIS SOB MEDIDA LTDA (AUTOR)
ADVOGADO(A)
: THIAGO TAVARES ABREU (OAB MG207319)
ADVOGADO(A)
: ALLEF BATISTA OLIVEIRA (OAB MG207541)
APELANTE
: PEAK SOCIEDADE DE EMPRESTIMO ENTRE PESSOAS S.A. (RÉU)
ADVOGADO(A)
: SANDRA REGINA MIRANDA SANTOS (OAB SP146105)
DESPACHO/DECISÃO
CASTELLER MOVEIS SOB MEDIDA LTDA e PEAK SOCIEDADE DE EMPRESTIMO ENTRE PESSOAS S.A. interpuseram recursos de apelação contra a sentença prolatada pelo 8º Juízo da Vara Estadual de Direito Bancário que, nos autos da ação revisional de contrato bancário ajuizada, julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais.
Em suas razões recursais, requer a parte autora, em síntese, a limitação da taxa de juros remuneratórios à média de mercado divulgada pelo Bacen, sem qualquer acréscimo e, ainda, a majoração dos honorários advocatícios (
evento 57, APELAÇÃO1
).
A instituição financeira, por sua vez, alega, preliminarmente, a incompetência territorial, aduzindo que, de acordo com disposição contratual, o foro competente é uma das varas cíveis do Foro Central da Comarca de São Paulo. Ainda em caráter preliminar, defende a revogação da gratuidade de justiça concedida à parte autora e a inaplicabilidade das disposições do CDC. No mérito, defende a observância ao princípio da
pacta sunt servanda
, a legalidade da taxa de juros remuneratórios pactuada e, por fim, o descabimento da descaracterização da mora. Requer, assim, o provimento do recurso com a consequente reforma da sentença impugnada (
evento 74, APELAÇÃO1
).
Apresentadas contrarrazões (
evento 77, CONTRAZAP1
e
evento 80, CONTRAZAP1
), os autos ascenderam a este Tribunal de Justiça.
Esse é relatório.
De início, imperioso registrar que o presente reclamo comporta julgamento monocrático, nos termos do que dispõe o art. 932 do CPC e art. 132, XV, do Regimento Interno do Tribunal de Justiça de Santa Catarina.
Dito isso, passa-se à análise do recurso.
1. Recurso da parte ré
1.1 Incompetência territorial e inaplicabilidade do CDC
A análise da arguição de incompetência do Juízo passa necessariamente pelo enfrentamento da alegada impossibilidade das normas consumeristas incidirem na hipótese.
Isso porque, como destacado pela apelante, o contrato firmado entre as partes realmente elegeu como foro de eleição a "comarca de São Paulo" (cláusula 13.11,
evento 1, CONTR6
).
Todavia, a jurisprudência da Corte Superior e deste Tribunal consolidou-se no sentido de que a Lei n. 8.078/1990 é aplicável a hipóteses como a presente, à luz da teoria finalista mitigada.
Nesse sentido, confira-se os seguintes precedentes do Superior Tribunal de Justiça:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. SÚMULA 182/STJ. NÃO INCIDÊNCIA. RECONSIDERAÇÃO DA DECISÃO DA PRESIDÊNCIA DO STJ. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO REVISIONAL. CONTRATO BANCÁRIO. LEGISLAÇÃO CONSUMERISTA. INCIDÊNCIA DA TEORIA FINALISTA MITIGADA. VULNERABILIDADE. EXISTÊNCIA. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO INTERNO PROVIDO PARA CONHECER DO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.1. Nos termos da jurisprudência consolidada nesta Corte Superior, "a teoria finalista deve ser mitigada nos casos em que a pessoa física ou jurídica, embora não se enquadre nas categorias de fornecedor ou destinatário final do produto, apresenta-se em estado de vulnerabilidade ou hipossuficiência técnica, autorizando a aplicação das normas previstas no Código de Defesa do Consumidor" (AgInt no AREsp 1.856.105/RJ, Relator Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Terceira Turma, julgado em 2/5/2022, DJe de 5/5/2022). Incidência da Súmula 83/STJ.2. Na hipótese, o Tribunal de origem, ao apreciar a controvérsia, decidiu aplicar a legislação consumerista à hipótese, com fundamento na teoria finalista mitigada, e consignou estar presente a vulnerabilidade da parte agravada. Nesse contexto, rediscutir a existência ou não de vulnerabilidade técnica da agravada demandaria o reexame do conjunto fático-probatório dos autos, o que esbarra na Súmula 7 do STJ.3. Agravo interno provido para reconsiderar a decisão agravada e, em novo exame, conhecer do agravo para negar provimento ao recurso especial.(AgInt no AREsp n. 2.509.742/RJ, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 2/9/2024, DJe de 13/9/2024.)
AGRAVO INTENO NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL, PROCESSUAL CIVIL E CONSUMIDOR. EMBARGOS À EXECUÇÃO. LEGISLAÇÃO CONSUMERISTA.INCIDÊNCIA DA TEORIA FINALISTA MITIGADA. VULNERABILIDADE TÉCNICA, JURÍDICA E ECONÔMICA. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. POSSIBILIDADE.REVISÃO DO JULGADO. IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNICA DO ENUNCIADO N.º 7/STJ.1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça flui no sentido de que, reconhecida a vulnerabilidade técnica, jurídica ou fática, é possível a incidência da legislação consumerista.2. Rever o acórdão recorrido e acolher a pretensão recursal demandaria a alteração das premissas fático-probatórias estabelecidas pelo acórdão recorrido, com o revolvimento das provas carreadas aos autos, o que é vedado em sede de recurso especial, nos termos do Enunciado n.º 7 do STJ.3. Não apresentação de argumentos novos capazes de infirmar os fundamentos que alicerçaram a decisão agravada.4. AGRAVO INTERNO CONHECIDO E DESPROVIDO.(AgInt no REsp n. 1.836.805/PR, relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 20/6/2022, DJe de 22/6/2022.
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA. CONTRATO DE GESTÃO DE PAGAMENTOS. CHARGEBACKS. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. IMPOSSIBILIDADE. RELAÇÃO DE CONSUMO. AUSÊNCIA. UTILIZAÇÃO DOS SERVIÇOS PARA DESEMPENHO DE ATIVIDADE ECONÔMICA. AUSÊNCIA DE VULNERABILIDADE. SÚMULA 7/STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. NÃO CONHECIMENTO.1. Ação de cobrança ajuizada em 13/05/2019, da qual foi extraído o presente recurso especial interposto em 31/08/2021 e concluso ao gabinete em 15/06/2022.2. O propósito recursal consiste em definir se o Código de Defesa do Consumidor é aplicável à relação jurídica firmada entre as partes, oriunda de contrato de gestão de pagamentos on-line.3. Há duas teorias acerca da definição de consumidor: a maximalista ou objetiva, que exige apenas a existência de destinação final fática do produto ou serviço, e a finalista ou subjetiva, mais restritiva, que exige a presença de destinação final fática e econômica. O art. 2º do CDC ao definir consumidor como "toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final" adota o conceito finalista.4. Nada obstante, a jurisprudência do STJ, pautada em uma interpretação teleológica do dispositivo legal, adere à teoria finalista mitigada ou aprofundada, a qual viabiliza a aplicação da lei consumerista sobre situações em que, apesar do produto ou serviço ser adquirido no curso do desenvolvimento de uma atividade empresarial, haja vulnerabilidade técnica jurídica ou fática da parte adquirente frente ao fornecedor.5. Nessas situações, a aplicação do Código de Defesa do Consumidor fica condicionada à demonstração efetiva da vulnerabilidade da pessoa frente ao fornecedor. Então, incumbe ao sujeito que pretende a incidência do diploma consumerista comprovar a sua situação peculiar de vulnerabilidade.6. Na hipótese dos autos, a aplicação da teoria finalista não permite o enquadramento da recorrente como consumidora, porquanto realiza a venda de ingressos on-line e contratou a recorrida para a prestação de serviços de intermediação de pagamentos. Ou seja, os serviços prestados pela recorrida se destinam ao desempenho da atividade econômica da recorrente. Ademais, a Corte de origem, com base nas provas constantes do processo, concluiu que a recorrente não é vulnerável frente à recorrida, de modo que a alteração dessa conclusão esbarra no óbice da Súmula 7 do STJ.7. A incidência da Súmula 7 desta Corte acerca do tema que se supõe divergente impede o conhecimento da insurgência veiculada pela alínea "c" do art. 105, III, da CF.8. Recurso especial conhecido e não provido.(REsp n. 2.020.811/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 29/11/2022, DJe de 1/12/2022).
Na mesma senda, deste egrégio Tribunal de Justiça:
DIREITO BANCÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. REVISÃO DE CONTRATO BANCÁRIO. JUROS REMUNERATÓRIOS. SEGURO.
I. CASO EM EXAME
1. TRATA-SE DE AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO DE EMPRÉSTIMO PARA CAPITAL DE GIRO SOB ALEGAÇÃO DE ONEROSIDADE EXCESSIVA. A SENTENÇA JULGOU PROCEDENTES OS PEDIDOS DA INICIAL PARA LIMITAR OS JUROS REMUNERATÓRIOS À TAXA MÉDIA DE MERCADO ACRESCIDA DE 50%, AFASTAR O SEGURO, E DETERMINAR A REPETIÇÃO DO INDÉBITO NA FORMA SIMPLES.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
2. A QUESTÃO EM DISCUSSÃO CONSISTE EM SABER SE: (I) HOUVE CARÊNCIA DE AÇÃO; (II) É CABÍVEL A INCIDÊNCIA DO CDC E A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA; (III) HOUVE CERCEAMENTO DE DEFESA; (IV) OS JUROS REMUNERATÓRIOS PACTUADOS SÃO ABUSIVOS; (V) HOUVE VENDA CASADA NA CONTRATAÇÃO DO SEGURO (VI) HÁ SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA.
III. RAZÕES DE DECIDIR
3. A PRELIMINAR DE INÉPCIA DA INICIAL RESTOU AFASTADA.
4. APLICAÇÃO DA TEORIA FINALISTA MITIGADA AO PRESENTE LITÍGIO, NOTADAMENTE PORQUE RESTOU DEMONSTRADA A VULNERABILIDADE DA PESSOA JURÍDICA. PORTANTO, É CABÍVEL A INCIDÊNCIA DO CDC E A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA.
[...]
(TJSC, Apelação n. 5009229-59.2024.8.24.0018, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Rodolfo Tridapalli, Terceira Câmara de Direito Comercial, j. 05-06-2025).
APELAÇÃO. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO BANCÁRIO. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DO BANCO E RECURSO ADESIVO DA AUTORA.
APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. TEORIA FINALISTA MITIGADA. PESSOA JURÍDICA HIPOSSUFICIENTE. POSSIBILIDADE DE REVISÃO CONTRATUAL.
INSTITUIÇÃO FINANCEIRA QUE, MESMO INTIMADA, DEIXOU DE JUNTAR OS CONTRATOS AOS AUTOS. INCIDÊNCIA DO ART. 400 DO CPC. PRESUNÇÃO DE VERACIDADE DAS ALEGAÇÕES INICIAIS. LIMITAÇÃO DOS JUROS REMUNERATÓRIOS À TAXA MÉDIA DE MERCADO. AFASTAMENTO DA CAPITALIZAÇÃO DE JUROS, DA COMISSÃO DE PERMANÊNCIA E DE ENCARGOS ACESSÓRIOS. MANUTENÇÃO.
RECURSO ADESIVO DA PARTE AUTORA. PEDIDO DE DESCARACTERIZAÇÃO DA MORA. CONTRATOS ENCERRADOS. AUSÊNCIA DE INADIMPLEMENTO OU COBRANÇA. INEXISTÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL. PEDIDO INÓCUO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. FIXAÇÃO COM BASE NO VALOR DA CAUSA. AUSÊNCIA DE CONDENAÇÃO LÍQUIDA OU DE ELEMENTOS PARA AFERIÇÃO DO PROVEITO ECONÔMICO. CRITÉRIO ADEQUADO. MANUTENÇÃO.
HONORÁRIOS RECURSAIS. MAJORAÇÃO DEVIDA. ART. 85, § 11, DO CPC.
RECURSOS CONHECIDOS E DESPROVIDOS.
(TJSC, Apelação n. 5007433-27.2021.8.24.0054, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Getúlio Corrêa, Segunda Câmara de Direito Comercial, j. 03-06-2025).
E, de minha relatoria:
APELAÇÃO E RECURSO ADESIVO. AÇÃO REVISIONAL. CONTRATOS DE MÚTUO, CRÉDITO ROTATIVO E CAPITAL DE GIRO. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS.
APELAÇÃO DO BANCO. PLEITO DE AFASTAMENTO DA LEGISLAÇÃO CONSUMERISTA. REJEIÇÃO. APLICABILIDADE DA LEI N. 8.078/1990 À HIPÓTESE. INCIDÊNCIA DA TEORIA FINALISTA MITIGADA. VULNERABILIDADE PRESENTE. APELO NÃO ATENDIDO NO PONTO.
[...]APELAÇÃO E RECURSO ADESIVO CONHECIDOS E PARCIALMENTE PROVIDOS.
(TJSC, Apelação n. 0311096-69.2015.8.24.0033, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Soraya Nunes Lins, Quinta Câmara de Direito Comercial, j. 27-03-2025) - grifou-se.
No caso em apreço, verifica-se que a parte autora é uma pequena empresa de móveis sob medida, localizada em cidade do interior do Estado de Santa Catarina (Turvo), com capital social de R$ 30.000,00 (trinta mil reais).
O contrato é de baixo valor e foi firmado para a obtenção de recursos financeiros com a Peak Sociedade de Empréstimo entre Pessoas S.A. para a implementação da atividade econômica da empresa.
Assim, embora a requerente não seja destinatária final do serviço, já que o crédito recebido é empregado no fomento ou para alavancar a atividade empresarial, é inegável que a autora está em situação de vulnerabilidade frente à ré.
Ademais, o contrato firmado entre as partes se caracteriza como de adesão, não havendo a possibilidade do contratante discutir, no momento da contratação, as suas cláusulas, estando exposta à prática comercial abusiva, o que a deixa em situação de desvantagem em relação à sociedade de empréstimo.
De outro lado, a parte ré é uma intermediadora financeira, com capital social de mais de um milhão de reais, com atuação nacional e que possui todo aparato técnico, tecnológico, jurídico e econômico.
Nesse lume, apesar de a autora ser uma empresa e utilizar-se dos serviços aqui discutidos para alavancar seus negócios, não se cuida de serviço que faça parte de sua especialidade, sendo vulnerável nesta situação específica (AREsp 1795827, Rel. Min. RAUL ARAÚJO, DJe 02/06/2021).
Portanto, evidente a vulnerabilidade da parte autora perante a ré.
Dessa forma, o contrato será examinado à luz dos princípios norteadores do Direito do consumidor, fato que viabiliza a revisão das cláusulas eivadas de nulidade (arts. 6º, V, e 51, IV, do CDC), sem que se possa cogitar de violação ao princípio "pacta sunt servanda", com prevalência do princípio da relatividade do contrato como forma de assegurar o equilíbrio da relação contratual.
Nesse contexto, no tocante à competência territorial, embora haja cláusula de eleição de foro, verifica-se que a presente ação foi proposta na sede da parte autora, parte hipossuficiente na relação jurídica, sendo este o local mais apropriado para assegurar-lhe o pleno acesso à justiça e o exercício do contraditório e da ampla defesa.
Ressalte-se que, mesmo quando presentes os requisitos de validade da cláusula de eleição de foro, sua eficácia pode ser mitigada em situações nas quais a manutenção da cláusula implique evidente prejuízo à parte que figura como hipossuficiente, especialmente quando a demanda é ajuizada no seu domicílio, o que guarda consonância com a boa-fé objetiva e o princípio da facilitação da defesa do direito em juízo.
Ademais, a cláusula em questão, ainda que válida, não prevalece sobre o princípio do acesso à justiça, particularmente em hipóteses nas quais o ajuizamento da demanda no foro do domicílio do autor não causa qualquer prejuízo processual relevante à parte adversa, como no caso.
Com isso, rejeita-se tanto a preliminar de incompetência como a assertiva de que a parte autora não estaria sob a proteção da Lei n. 8.078/1990.
1.2 Revogação da gratuidade de justiça
Inicialmente, destaca-se que o inconformismo manifestado pela ré, no que tange à concessão da justiça gratuita à parte autora, não merece acolhimento.
Da análise dos autos, verifica-se que a concessão do benefício foi impugnada na contestação e analisada na sentença pelo Juízo
a quo,
o qual manteve a concessão da benesse, nos seguintes termos:
No caso em comento, a parte impugnante se limitou a infirmar o benefício pleiteado pela parte contrária, sem comprovar que realmente possui condições financeiras para arcar com as despesas processuais, ônus que lhe cabia.
Nessas condições, segue preponderando a presunção legal de hipossuficiência, mesmo porque a lei se contenta com a insuficiência econômica, requisito que não se confunde com o estado de miserabilidade.
Conforme ponderado pelo Juízo
a quo
, não há provas nos autos de que a parte autora tenha condições financeiras para afastar o deferimento da benesse.
Dessa forma, inexistindo nos autos prova hábil a derruir a declaração de hipossuficiência firmada pela parte autora, ônus que compete à demandada impugnante, há que ser rejeitado o pedido de revogação do benefício concedido.
Nesse contexto, conforme já manifestado em outras oportunidade por este Tribunal, "
a impugnação apresentada em contestação, reiterada em sede recursal, é genérica e não apresenta indícios de capacidade financeira da autora em suportar as custas e despesas processuais [...] deveria o impugnante comprovar a inexistência dos requisitos essenciais à sua concessão, o que não ocorreu no caso
" (TJSC, Apelação Cível n. 0314579-14.2015.8.24.0064, de São José, rela. Desembargadora Haidée Denise Grin, Sétima Câmara de Direito Civil, j. em 12-5-2022).
Sendo assim, à míngua de comprovação em sentido diverso, rechaça-se a impugnação e mantém-se a concessão da benesse.
1.3 Relativização do
pacta sunt servanda
Inicialmente, registra-se que a matéria não comporta mais discussões na medida em que a Súmula 297 do Superior Tribunal de Justiça estabeleceu que "O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras".
A partir disso, o artigo 6º do CDC é aplicado aos contratos bancários como forma de exceção e relativização ao princípio
pacta sunt servanda
.
A finalidade dessa relativização, necessário que se diga, não é a de modificar livremente as cláusulas e não observar a autonomia das vontades, mas unicamente de resguardar a função social do contrato e a boa-fé objetiva, com vistas à manutenção do equilíbrio contratual.
Como reiteradamente decidido na Câmara, "o contrato é passível de revisão pela superveniência de fatos extraordinários e, também, por causas simultâneas à sua formação. No caso, a pretensão de reequilíbrio contratual está amparada na alegação de nulidade de cláusulas iníquas ou abusivas, a teor do artigo 6º, incisos IV e V, e artigo 51, inciso IV, ambos do Código de Defesa do Consumidor" (TJSC, Apelação Cível n. 0318013-40.2017.8.24.0064, de São José, rel. Jânio Machado, Quinta Câmara de Direito Comercial, j. 05-03-2020).
À vista disso, é possível a revisão do contrato bancário quando a parte indicar as cláusulas e práticas comerciais que considera abusivas.
1.4 Descaracterização dos efeitos da mora
Sustenta a apelante que não há abusividade na cobrança dos juros remuneratórios e, por consequência, não deve ser descaracterizada a mora.
O entendimento assente do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que a mora do devedor é descaracterizada quando ocorre a cobrança de encargo abusivo típico do período da normalidade contratual (juros remuneratórios e capitalização dos juros). Nessa perspectiva:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL E BANCÁRIO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL DE CLÁUSULAS DE CONTRATO BANCÁRIO. INCIDENTE DE PROCESSO REPETITIVO. JUROS REMUNERATÓRIOS. CONFIGURAÇÃO DA MORA. JUROS MORATÓRIOS. INSCRIÇÃO/MANUTENÇÃO EM CADASTRO DE INADIMPLENTES.DISPOSIÇÕES DE OFÍCIO. DELIMITAÇÃO DO JULGAMENTO
[...] I - JULGAMENTO DAS QUESTÕES IDÊNTICAS QUE CARACTERIZAM A MULTIPLICIDADE.
[...] ORIENTAÇÃO 2 - CONFIGURAÇÃO DA MORA a) O reconhecimento da abusividade nos encargos exigidos no período da normalidade contratual (juros remuneratórios e capitalização) descarateriza a mora; b) Não descaracteriza a mora o ajuizamento isolado de ação revisional, nem mesmo quando o reconhecimento de abusividade incidir sobre os encargos inerentes ao período de inadimplência contratual. [...] (REsp n. 1.061.530/RS, relatora Ministra Nancy Andrighi, Segunda Seção, julgado em 22/10/2008, DJe de 10/3/2009.)
Nesse sentido, o Tema 28 da aludida Corte dispõe:
"O reconhecimento da abusividade nos encargos exigidos no período de normalidade contratual (juros remuneratórios e capitalização) descaracteriza a mora."
A propósito:
APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO EM ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DA PARTE RÉ. RECONVENÇÃO. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDENCIA. INSURGÊNCIA DA INSTITUIÇÃO BANCÁRIA. 1. RECURSO DA PARTE RÉ. SUSTANTADA NECESSIDADE DE EXTINÇÃO DA AÇÃO DE BUSCA ANTE A DESCARACTERIZAÇÃO DA MORA. ACOLHIMENTO. REVOGAÇÃO DA SÚMULA 66 DESTE TRIBUNAL. APLICABILIDADE DO ENTENDIMENTO FIRMADO PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA NO RESP. N. 1.061.530/RS. TEMA REPETITIVO N. 28. JUROS REMUNERATÓRIOS MUITO ACIMA DA TAXA MÉDIA DE MERCADO. ABUSIVIDADE NO PERÍODO DA NORMALIDADE QUE, POR SI SÓ, DESCARACTERIZA A MORA. SENTENÇA CASSADA. EXTINÇÃO DO PROCESSO QUE SE IMPÕE. (...). RECURSO DO RÉU CONHECIDO E PROVIDO. RECURSO DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJSC, Apelação Cível n. 5004669-63.2022.8.24.0012, rel. Newton Varella Junior, Sexta Câmara de Direito Comercial, j. 29-02-2024).
Nessa senda, já decidiu este Órgão Fracionário:
APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. INSTRUMENTO PARTICULAR DE CONFISSÃO DE DÍVIDA. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. IRRESIGNAÇÃO DA PARTE EMBARGANTE. GRATUIDADE DA JUSTIÇA. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS APTOS A COMPROVAR A HIPOSSUFICIÊNCIA DAS PARTES. BENESSE NÃO CONCEDIDA. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INAPLICABILIDADE À HIPÓTESE. CONFISSÃO DE DÍVIDA DECORRENTE DE CÉDULAS DE CRÉDITO BANCÁRIO. CAPITAL DE GIRO. FOMENTO DE ATIVIDADE EMPRESARIAL. EMPRESA QUE NÃO SE ENQUADRA COMO DESTINATÁRIA FINAL DO SERVIÇO. PRECEDENTES. CERCEAMENTO DE DEFESA ANTE O JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. INOCORRÊNCIA. PROVA DOCUMENTAL SUFICIENTE AO DESLINDE DA CONTROVÉRSIA E FORMAÇÃO DO CONVENCIMENTO DO MAGISTRADO. SUSCITADA NECESSIDADE DE JUNTADA DA VIA ORIGINAL DAS CÉDULAS DE CRÉDITO BANCÁRIO RELACIONADAS AO TÍTULO EXEQUENDO, SOB PENA DE EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO. TESE REFUTADA. POSSIBILIDADE DE REVISÃO DOS PACTOS ANTERIORES QUE NÃO DERRUI A CERTEZA, LIQUIDEZ E EXIGIBILIDADE DO INSTRUMENTO DE CONFISSÃO DE DÍVIDA. TÍTULO DE CRÉDITO, ADEMAIS, NÃO PASSÍVEL DE CIRCULAÇÃO. PRECEDENTES DO STJ E DESTA CORTE. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. ENCARGO PERMITIDO NOS CONTRATOS FIRMADOS A PARTIR DE 31/3/2000, DESDE QUE EXPRESSAMENTE PACTUADO. SÚMULA 539 DO STJ. TAXA DE JUROS ANUAL SUPERIOR AO DUODÉCUPLO DA TAXA MENSAL. EXPRESSÃO NUMÉRICA SUFICIENTE A PERMITIR A INCIDÊNCIA DO ENCARGO. EX VI DA SÚMULA 541 DO STJ.
DESCARACTERIZAÇÃO DOS EFEITOS DA MORA. RECENTE REVOGAÇÃO EXPRESSA DA SÚMULA N. 66 DO GRUPO DE CÂMARAS DE DIREITO COMERCIAL. ADESÃO AO ENTENDIMENTO CONSOLIDADO NO STJ. TEMA REPETITIVO N. 28. RECONHECIMENTO DE ABUSIVIDADE DOS ENCARGOS DA NORMALIDADE. DESCARACTERIZAÇÃO DA MORA QUE SE IMPÕE.
RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.
(TJSC, Apelação n. 0303686-13.2017.8.24.0025, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Rocha Cardoso, Quinta Câmara de Direito Comercial, j. 05-12-2024) - grifou-se.
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL. CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO. EMPRÉSTIMO PESSOAL NÃO CONSIGNADO. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. RECURSO DA AUTORA.
JUROS REMUNERATÓRIOS. FIXAÇÃO EM PERCENTUAL SUBSTANCIALMENTE ACIMA DA MÉDIA DE MERCADO À ÉPOCA DA CONTRATAÇÃO. ABUSIVIDADE RECONHECIDA. LIMITAÇÃO DO ENCARGO PELO JUÍZO A QUO À TAXA MÉDIA DO BANCO CENTRAL DO BRASIL COM ACRÉSCIMO DE 50%. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE AMPARO LEGAL E JURISPRUDENCIAL. EXATA TAXA INFORMADA PELO BACEN QUE MELHOR RESTAURA O EQUILÍBRIO CONTRATUAL. TESE RECURSAL ACOLHIDA PARA AFASTAR A INCIDÊNCIA DO ACRÉSCIMO IMPOSTO NA ORIGEM.
DESCARACTERIZAÇÃO DOS EFEITOS DA MORA. VIABILIDADE. COBRANÇA ABUSIVA NA NORMALIDADE CONTRATUAL. ORIENTAÇÃO 2 DO STJ NO RECURSO ESPECIAL REPETITIVO N. 1.061.530/RS. DECISUM RETOCADO NO PONTO.
REPETIÇÃO DO INDÉBITO. DEVOLUÇÃO DE VALORES. CORREÇÃO MONETÁRIA. ALMEJADA A INCIDÊNCIA PELO IGPM. IMPOSSIBILIDADE. INDEXADOR PELO INPC. PROVIMENTO N. 13/1995 DA CORREGEDORIA-GERAL DA JUSTIÇA DESTE TRIBUNAL. PRECEDENTES DESTA CORTE. SENTENÇA IRRETOCADA.
ENCARGOS SUCUMBENCIAIS. ACOLHIMENTO PARCIAL DO APELO NO PONTO. MODIFICAÇÃO DA SENTENÇA NESTA INSTÂNCIA. REDIMENSIONAMENTO DA SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA RECONHECIDA EM PRIMEIRO GRAU. CARACTERIZAÇÃO DA SUCUMBÊNCIA MÍNIMA DA ACIONANTE. INTELIGÊNCIA DO ART. 86, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI ADJETIVA CIVIL. RESPONSABILIDADE DA RÉ PELA INTEGRALIDADE DAS CUSTAS PROCESSUAIS E DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DEVIDOS AOS PROCURADORES DA PARTE ADVERSA. ARBITRAMENTO DA VERBA HONORÁRIA POR EQUIDADE. RECHAÇADO O PLEITO DE MAJORAÇÃO AO TETO MÁXIMO DA TABELA ORGANIZADA PELO CONSELHO SECCIONAL DA OAB. TABELA PROFISSIONAL DE HONORÁRIOS QUE POSSUI CARÁTER MERAMENTE ORIENTADOR, SEM EFEITO VINCULATIVO. FIXAÇÃO REALIZADA CONFORME OS CRITÉRIOS ESTABELECIDOS NO ART. 85, § 2º, DA LEI INSTRUMENTAL CIVIL. QUANTIA ESTABELECIDA NA ORIGEM SUFICIENTE PARA A REMUNERAÇÃO PROFISSIONAL NA HIPÓTESE. SENTENÇA AJUSTADA EM PARTE.
PREQUESTIONAMENTO. DESNECESSIDADE DE O JULGADOR SE MANIFESTAR SOBRE TODAS AS MATÉRIAS E TODOS OS DISPOSITIVOS APONTADOS PELAS PARTES QUANDO NÃO SE MOSTRAREM RELEVANTES PARA O DESLINDE DA CONTROVÉRSIA.
RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.
(TJSC, Apelação n. 5004283-24.2024.8.24.0930, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Luiz Felipe Schuch, Quinta Câmara de Direito Comercial, j. 14-11-2024) - grifou-se.
Segundo se infere do caso concreto, constatou-se abusividade na taxa de juros remuneratórios pactuada entre as partes, de modo que resulta descaracterizada a mora.
O apelo, portanto, deve ser desprovido nesse ponto.
2. Recurso comum às partes
2.1 Juros remuneratórios
No que se refere à taxa de juros remuneratórios, verifica-se que o magistrado de origem promoveu a revisão das taxas prevista no contrato impugnado por considerá-las demasiadamente acima da média de mercado.
A sociedade de empréstimo recorrente defende a possibilidade de cobrança da taxa contratada, alegando, para tanto, que a taxa média de mercado é apenas um parâmetro de aferição e não um limitador. A parte autora, por sua vez, pleiteia a limitação à média de mercado, sem qualquer acréscimo.
No tocante à matéria, o entendimento jurisprudencial desta Corte é pacífico ao orientar que, para aferir a abusividade dos juros remuneratórios, deve-se utilizar como parâmetro a taxa média de mercado divulgada pelo Banco Central do Brasil.
O verbete sumular 648 do Supremo Tribunal Federal, que ensejou a divulgação da Súmula Vinculante 7, e a Súmula 296 do Superior Tribunal de Justiça, estabelecem:
Súmula Vinculante 7 do STF: "A norma do § 3º do art. 192 da Constituição, revogada pela EC 40/2003, que limitava a taxa de juros reais a 12% ao ano, tinha sua aplicabilidade condicionada à edição de lei complementar".
Súmula 296 do STJ: "Os juros remuneratórios, não cumuláveis com a comissão de permanência, são devidos no período de inadimplência, à taxa média de mercado estipulada pelo Banco Central do Brasil, limitada ao percentual contratado".
Sobre a questão, o Grupo de Câmaras de Direito Comercial deste egrégio Tribunal de
Justiça editou os seguintes enunciados:
Enunciado I - Nos contratos bancários, com exceção das cédulas e notas de crédito rural, comercial e industrial, não é abusiva a taxa de juros remuneratórios superior a 12 % (doze por cento) ao ano, desde que não ultrapassada a taxa média de mercado à época do pacto, divulgada pelo Banco Central do Brasil.
Enunciado IV - Na aplicação da taxa média de mercado, apurada pelo Banco Central do Brasil, serão observados os princípios da menor onerosidade ao consumidor, da razoabilidade e da proporcionalidade.
De acordo com a orientação adotada no julgamento do REsp. 1.061.530/RS, sob o rito do art. 543-C do CPC/73, de relatoria Ministra Nancy Andrighi, "é admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada - art. 51, § 1°, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante as peculiaridades do julgamento em concreto."
Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça, após discussões sobre o tema e ao analisar caso concreto, externou o entendimento de que "
a taxa média de mercado apurada pelo Banco Central para cada segmento de crédito é referencial útil para o controle da abusividade, mas o simples fato de a taxa efetiva cobrada no contrato estar acima da taxa média de mercado não significa, por si só, abuso.
Ao contrário, a média de mercado não pode ser considerada o limite, justamente porque é média; incorpora as menores e maiores taxas praticadas pelo mercado, em operações de diferentes níveis de risco. Foi expressamente rejeitada a possibilidade de o Poder Judiciário estabelecer aprioristicamente um teto para taxa de juros, adotando como parâmetro máximo o dobro ou qualquer outro percentual em relação à taxa média.
O caráter abusivo da taxa de juros contratada haverá de ser demonstrado de acordo com as peculiaridades de cada caso concreto (...)
" (STJ, REsp n. 1.821.182/RS, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, j. em 23-6-2022, DJe de 29-6-2022 – grifou-se).
Esmiuçando a situação apresentada, a Corte Superior concluiu que a utilização das taxas divulgadas pelo Banco Central do Brasil como balizador único para a indicação da prática de juros abusivos não se mostra a medida mais acertada, devendo ser analisado cada caso e suas particularidades, levado em consideração alguns critérios como “o custo da captação dos recursos no local e época do contrato; o valor e o prazo do financiamento; as fontes de renda do cliente; as garantias ofertadas; a existência de prévio relacionamento do cliente com a instituição financeira; análise do perfil de risco de crédito do tomador; a forma de pagamento da operação, entre outros aspectos.”
Deixou-se claro, portanto, que não cabe ao Poder Judiciário intervir no mercado financeiro para tabelar ou mesmo fixar limites máximos de taxa de juros, de modo geral e abstrato, mas tão somente corrigir eventuais abusos a serem demonstrados diante das circunstâncias concretas.
No caso em análise, trata-se de contrato de empréstimo firmado em 21/09/2022, no qual foram pactuados juros de 5,27% ao mês e 85,21% ao ano. Em consulta ao site do Banco Central do Brasil, ente governamental que presta informações sobre as operações de crédito praticadas no mercado financeiro, segundo a Circular n. 2.957, de 30/12/1999 (www.bcb.gov.br), constata-se, na tabela "
Taxa média de juros das operações de crédito com recursos livres - Pessoas jurídicas - Conta garantida
", que, ao tempo da contratação, o percentual médio encontrado para a negociação era de 3,19% ao mês e 45,72%% ao ano.
Como já explanado, o simples cotejo da média de mercado com a taxa pactuada, por si só, não indica abusividade, sendo imperioso considerar as particularidades do contrato celebrado entre as partes.
Conforme delineado pelo Tribunal Superior, compete à contratante, neste caso específico em que a taxa pactuada de fato está “muito acima” da média de mercado, apresentar elementos plausíveis capazes de justificar a adoção da taxa cobrada.
Nessa perspectiva, da detida análise do caderno processual, verifica-se que a sociedade de empréstimo recorrente não se desincumbiu de tal ônus, vez que não há nos autos qualquer indício de prova dos riscos oferecidos pelo tomador do empréstimo (SCORE financeiro, negativações anteriores, eventual inscrição no rol de inadimplentes etc.), dos custos da captação dos recursos à época do contrato, das garantias ofertadas, enfim, nada que demonstre minimamente a necessidade da cobrança de taxas tão exorbitantes.
Consoante alhures mencionado, o Juízo de origem reconheceu a abusividade das taxas, todavia, promoveu a readequação para o patamar equivalente ao dobro da taxa média, entendimento que não deve prevalecer, em que pesem os respeitosos fundamentos lançados na sentença recorrida.
Em casos semelhantes, extrai-se desta Corte:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO DE EMPRÉSTIMO PESSOAL. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA PARA LIMITAR OS JUROS REMUNERATÓRIOS AO DOBRO DA TAXA MÉDIA DE MERCADO E DETERMINAR A REPETIÇÃO DO INDÉBITO NA FORMA SIMPLES. INSURGÊNCIA DA PARTE AUTORA. 1 - JUROS REMUNERATÓRIOS. PARTE AUTORA QUE PLEITEIA A MINORAÇÃO À TAXA MÉDIA DO BACEN À ÉPOCA DA CONTRATAÇÃO. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO PESSOAL. TAXAS EXPRESSAMENTE PACTUADAS EM PERCENTUAIS SIGNIFICATIVAMENTE SUPERIORES À TABELA DO BACEN, PARA OPERAÇÕES DA MESMA ESPÉCIE. ABUSIVIDADE CONFIGURADA. SENTENÇA QUE LIMITOU OS JUROS AO DOBRO DA TAXA MÉDIA DE MERCADO DIVULGADA PELO BACEN. ABUSIVIDADE QUE SE MANTEVE COM A NOVA DEFINIÇÃO ESTABELECIDA NO DECISUM. NECESSIDADE DE LIMITAÇÃO À TAXA MÉDIA DE MERCADO. PRECEDENTES DESTA CORTE. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PROVIDO NO PONTO. [...] RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESTA EXTENSÃO, PROVIDO. (TJSC, Apelação n. 5004630-82.2021.8.24.0018, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Dinart Francisco Machado, Terceira Câmara de Direito Comercial, j. 23-06-2022).
APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO REVISIONAL. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DE AMBAS AS PARTES. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA. JUROS REMUNERATÓRIOS. PRETENDIDA A LIMITAÇÃO À TAXA MÉDIA DE MERCADO. ACOLHIMENTO. EXISTÊNCIA DE ABUSIVIDADE NA TAXA DE JUROS REMUNERATÓRIOS PACTUADA. SENTENÇA QUE LIMITOU A TAXA CONTRATADA AO DOBRO DAQUELA DIVULGADA PELO BACEN. REFORMA DA SENTENÇA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. PLEITO DE MAJORAÇÃO. ACOLHIMENTO. VALOR ARBITRADO NA SENTENÇA CONSIDERADO MÓDICO. VERBA HONORÁRIA MAJORADA PARA R$ 1.000,00 (MIL REAIS). HONORÁRIOS RECURSAIS. DESCABIMENTO. CRITÉRIOS CUMULATIVOS ESTABELECIDOS PELO STJ NÃO ATENDIDOS (AGINT NOS ERESP N. 1539725/DF). RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. APELAÇÃO DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. JUROS REMUNERATÓRIOS. PLEITO DE MANUTENÇÃO DA TAXA CONTRATADA. PREJUDICADA. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. CABIMENTO NA FORMA SIMPLES. SENTENÇA MANTIDA. HONORÁRIOS RECURSAIS. CRITÉRIOS CUMULATIVOS ESTABELECIDOS PELO STJ ATENDIDOS (AGINT NOS ERESP N. 1539725/DF). NECESSIDADE DE MAJORAÇÃO. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJSC, Apelação n. 5004483-56.2021.8.24.0018, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Salim Schead dos Santos, Segunda Câmara de Direito Comercial, j. 14-06-2022).
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL. CÉDULAS DE CRÉDITO BANCÁRIO. TOGADA A QUO QUE JULGOU PARCIALMENTE PROCEDENTES OS PEDIDOS DEDUZIDOS NA PETIÇÃO INICIAL. INCONFORMISMO DA AUTORA. DIREITO INTERTEMPORAL. DECISÃO PUBLICADA EM 30-11-21. INCIDÊNCIA DO CPC/15. JUROS REMUNERATÓRIOS. SENTENÇA QUE REDUZIU AS TAXAS PACTUADAS PARA O EQUIVALENTE AO DOBRO DO ÍNDICE MÉDIO VEICULADO PELO BACEN. DELIBERAÇÃO EM DESCOMPASSO COM O ENTENDIMENTO DESTE COLEGIADO, QUE RECONHECE A ABUSIVIDADE QUANDO ULTRAPASSADA A MARGEM DE 10% (DEZ POR CENTO) DA TAXA MÉDIA DE MERCADO. REFORMA DA DECISÃO NESSE VIÉS. ÔNUS SUCUMBENCIAIS. MODIFICAÇÃO DE PARTE DA SENTENÇA. RECALIBRAGEM IMPERATIVA. AUTORA QUE DECAIU DE PARTE MÍNIMA DOS PEDIDOS. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA QUE DEVERÁ RESPONDER, POR INTEIRO, PELAS CUSTAS PROCESSUAIS. EXEGESE DO ART. 86, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC/15. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. FIXAÇÃO QUE DEVE OBEDIÊNCIA AO CRITÉRIO OBJETIVO DO ART. 85, § 2º, DO CPC/15, OBSERVADO O TRABALHO REALIZADO PELO CAUSÍDICO FAVORECIDO AO LONGO DE TODA A MARCHA PROCESSUAL. RECURSO PROVIDO. (TJSC, Apelação n. 5003909-33.2021.8.24.0018, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. José Carlos Carstens Kohler, Quarta Câmara de Direito Comercial, j. 19-04-2022).
APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO REVISIONAL. EMPRÉSTIMO PESSOAL. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DE AMBAS AS PARTES. INSURGÊNCIA COMUM. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA QUE DEFENDE A REFORMA DA SENTENÇA PARA MANTER A TAXA DE JUROS REMUNERATÓRIOS PACTUADOS. PARTE AUTORA, POR SUA VEZ, QUE ARGUMENTA QUE A SENTENÇA MERECE REPAROS POIS RECONHECEU A ABUSIVIDADE DAS TAXAS DE JUROS, MAS DETERMINOU SUA LIMITAÇÃO NO DOBRO DA MÉDIA DE MERCADO CORRESPONDENTE. TAXA DE JUROS ESTIPULADAS EM AMBOS OS CONTRATOS QUE SE MOSTRAM ABUSIVAS, EIS QUE SUPERAM VÁRIOS PONTOS PERCENTUAIS À TAXA MÉDIA DE MERCADO. NECESSIDADE DE LIMITAÇÃO, TODAVIA, À MÉDIA DE MERCADO CORRESPONDENTE PARA OPERAÇÃO E DATA, SEM QUALQUER ACRÉSCIMO. RECURSO DA PARTE AUTORA ACOLHIDO. [...] RECURSO DA CASA BANCÁRIA CONHECIDO E DESPROVIDO. RECURSO DA PARTE AUTORA CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (TJSC, Apelação n. 5004187-34.2021.8.24.0018, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Mariano do Nascimento, Primeira Câmara de Direito Comercial, j. 04-11-2021).
E, desta Câmara:
APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO REVISIONAL. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. RECURSOS DE AMBAS AS PARTES. RECURSO DA CASA BANCÁRIA.
PLEITO DE AUSÊNCIA DE ABUSIVIDADE DOS JUROS REMUNERATÓRIOS. CRÉDITO PESSOAL NÃO CONSIGNADO. NECESSIDADE DE AFERIÇÃO BASEADA NA OBSERVÂNCIA DAS PARTICULARIDADES DO CASO CONCRETO (SITUAÇÃO DA ECONOMIA À ÉPOCA, GARANTIAS OFERECIDAS, PERFIL DO CONTRATANTE E RISCOS DA OPERAÇÃO). TAXA MÉDIA DITADA PELO BANCO CENTRAL (BACEN) QUE INDICA, TÃO SOMENTE, UM CRITÉRIO ÚTIL DE AFERIÇÃO CONSIDERANDO AS PARTICULARIDADES DO CASO CONCRETO. TAXA PRATICADA MUITO SUPERIOR À MÉDIA DE MERCADO. AUSÊNCIA DE JUSTIFICATIVAS PARA A ELEVADA TAXA DE JUROS, MUITO SUPERIOR A MÉDIA DE MERCADO QUE, APESAR DE NÃO SER UM LIMITADOR, SERVE COMO REFERENCIAL. PRECEDENTES. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA QUE NÃO SE DESINCUMBIU DO ÔNUS DE DEMONSTRAR O RESULTADO DA ANÁLISE DE PERFIL DO MUTUÁRIO CAPAZ DE JUSTIFICAR A ADOÇÃO DA ELEVADA TAXA PRATICADA. ENCARGO ABUSIVO.
RECURSO DA PARTE AUTORA. PLEITO DE INCIDÊNCIA DA TAXA MÉDIA DE MERCADO DO BACEN SEM ACRÉSCIMO DO PERCENTUAL DE 50%. ABUSIVIDADE DOS JUROS REMUNERATÓRIOS. RECONHECIMENTO DA ILEGALIDADE NA ORIGEM, COM A LIMITAÇÃO DOS JUROS REMUNERATÓRIOS À TAXA MÉDIA DE MERCADO, ACRESCIDOS DE 50%. JURISPRUDÊNCIA QUE NÃO IDENTIFICA OBJETIVAMENTE QUALQUER PORCENTAGEM DETERMINADA DE VARIAÇÃO ADMITIDA E, PERANTE A ABUSIVIDADE VERIFICADA IN CONCRETO, EFETIVAMENTE SUBSTITUI O ENCARGO CONTRATUAL PELO ÍNDICE MERCADOLÓGICO. RECURSO PROVIDO NO PONTO. PEDIDO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO NA FORMA DOBRADA. DESCABIMENTO. AUSÊNCIA DE DEMOSNTRAÇÃO DE MÁ-FÉ DA CASA BANCÁRIA. TESE AFASTADA.HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS RECURSAIS CABÍVEIS APENAS EM FAVOR DO CAUSÍDICO DA PARTE AUTORA. HIPÓTESE QUE AUTORIZA A MAJORAÇÃO PREVISTA NO ART. 85, § 11, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. PRESENÇA CUMULATIVA DOS REQUISITOS FIXADOS PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.RECURSO DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA CONHECIDO E DESPROVIDO. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA CONHECIDA E PARCIALMENTE PROVIDA. (TJSC, Apelação n. 5000503-61.2022.8.24.0020, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Silvio Franco, Quinta Câmara de Direito Comercial, j. 21-03-2024) - grifou-se.
Diante desse quadro, inviável o provimento do recurso da ré no tocante à pretensão de reforma da sentença para manutenção das taxas de juros nos termos pactuados.
Por outro lado, acolhe-se o recurso da autora para limitar os juros remuneratórios pactuados à média de mercado, sem quaisquer acréscimos.
3. Recurso exclusivo da parte autora
3.1 Majoração dos honorários sucumbenciais
Primeiramente, faz-se necessário a redistribuição dos ônus sucumbenciais, tendo em vista o acolhimento da insurgência da parte autora e, por conseguinte, o resultado da demanda.
Desse modo, fica desde já consignado que caberá exclusivamente à parte ré a responsabilidade pelo pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios.
Quanto aos honorários sucumbenciais, verifica-se que o Juízo
a quo
arbitrou em 15% sobre o valor da condenação.
Sem desmerecer a importância do trabalho e do papel que desenvolvem os advogados na defesa de seus clientes, entende-se que o valor arbitrado no presente caso encontra-se de acordo com os ditames estabelecidos no art. 85 do Código de Processo Civil, sobretudo porque o contrato possui valor considerável que permite o arbitramento da verba honorária no percentual especificado (R$ 63.378.24).
Nesse viés, não há justificativa para elevação do
quantum
arbitrado, posto que "o exame atento dos elementos contidos nestes autos revela que a quantia arbitrada no primeiro grau [...] é suficiente e necessária à digna remuneração da advogada, nada justificando a interferência da Câmara numa atividade que é marcada pelo poder discricionário atribuído pelo legislador ao juiz da causa, não se podendo ignorar a singeleza e a ausência de complexidade dos atos processuais praticados" (Apelação n. 5001878-88.2020.8.24.0175, rel. Jânio Machado, Quinta Câmara de Direito Comercial, j. 17-02-2022).
Ademais, considerando a baixa complexidade da demanda, a tramitação abreviada e o processo ter natureza eletrônica, conclui-se que o valor arbitrado no
decisum
deve ser mantido.
4. Honorários recursais
Por derradeiro, tendo em vista o desprovimento do recurso da parte ré, cabíveis os honorários recursais em favor do procurador da parte autora, dado que se encontram presentes os requisitos cumulativos estabelecidos pelo Superior Tribunal de Justiça (EDcl no AgInt no REsp n. 1.573.573/RJ). A saber:
É devida a majoração da verba honorária sucumbencial, na forma do art. 85, § 11, do CPC/2015, quando estiverem presentes os seguintes requisitos, simultaneamente: a) decisão recorrida publicada a partir de 18.3.2016, quando entrou em vigor o novo Código de Processo Civil; b) recurso não conhecido integralmente ou desprovido, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente; e c) condenação em honorários advocatícios desde a origem no feito em que interposto o recurso (AgInt nos EREsp n. 1539725/DF, rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Segunda Seção, j. 9/8/2017)
Dessa maneira, a verba é majorada em 3% (três por cento), tendo em vista o trabalho adicional realizado em grau recursal, nos termos do art. 85, §11, do CPC.
5. Conclusão
Ante o exposto, com fundamento no art. 932, VIII, do CPC c/c art. 132, XV, do RITJSC, (i) conheço do recurso da parte autora e dou-lhe parcial provimento, para limitar os juros remuneratórios à média de mercado, sem qualquer acréscimo e redistribuir os ônus sucumbenciais; e (ii) conheço do recurso da parte ré e nego-lhe provimento.
Intimem-se.
Transitada em julgado, devolvam-se os autos à origem.
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