Facta Financeira S.A. Credito, Financiamento E Investimento x Leandro Flores Da Silva e outros
ID: 335975472
Tribunal: TJRS
Órgão: Secretaria da 19ª Câmara Cível
Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO
Nº Processo: 5205204-72.2025.8.21.7000
Data de Disponibilização:
28/07/2025
Polo Passivo:
Advogados:
PAULO EDUARDO SILVA RAMOS
OAB/RS XXXXXX
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WILLIAM DA FONSECA LEMES
OAB/RS XXXXXX
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CARLA JAMILA LOPES FRANKE
OAB/RS XXXXXX
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CEZAR AUGUSTO JARDIM ZALTRON
OAB/RS XXXXXX
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DEISE ADRIANE ANDRADE DA SILVA
OAB/RS XXXXXX
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ANNA CANDICE WEILER MIRALLES
OAB/RS XXXXXX
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Agravo de Instrumento Nº 5205204-72.2025.8.21.7000/RS
TIPO DE AÇÃO:
Superendividamento
RELATORA
: Desembargadora FABIANA ZILLES
AGRAVANTE
: FACTA FINANCEIRA S.A. CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENT…
Agravo de Instrumento Nº 5205204-72.2025.8.21.7000/RS
TIPO DE AÇÃO:
Superendividamento
RELATORA
: Desembargadora FABIANA ZILLES
AGRAVANTE
: FACTA FINANCEIRA S.A. CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO
ADVOGADO(A)
: PAULO EDUARDO SILVA RAMOS (OAB RS054014)
AGRAVADO
: LEANDRO FLORES DA SILVA
ADVOGADO(A)
: DEISE ADRIANE ANDRADE DA SILVA (OAB RS116687)
ADVOGADO(A)
: CEZAR AUGUSTO JARDIM ZALTRON (OAB RS044965)
ADVOGADO(A)
: CARLA JAMILA LOPES FRANKE (OAB RS057957)
ADVOGADO(A)
: WILLIAM DA FONSECA LEMES (OAB RS090371)
INTERESSADO
: BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL S/A - BANRISUL
EMENTA
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. SUPERENDIVIDAMENTO. TUTELA DE URGÊNCIA. DEFERIMENTO na origem. MANUTENÇÃO. RECURSO DESPROVIDO.
I. CASO EM EXAME
1. Agravo de instrumento interposto contra decisão que deferiu tutela de urgência para limitar descontos e cobranças mensais em conta bancária nos autos de ação de superendividamento.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
2. O julgamento versa sobre: (i) possibilidade de concessão de tutela de urgência em ação de superendividamento antes da realização da audiência de conciliação; (ii) presença dos requisitos do art. 300 do CPC; (iii) aplicação da Lei n.º 14.181/2021 e afastamento do Tema 1085 do STJ; (iv) controle difuso de constitucionalidade do Decreto n.º 11.567/2023.
III. RAZÕES DE DECIDIR
3. Conforme o art. 300 do CPC, são requisitos para a concessão da tutela de urgência, a probabilidade do direito alegado pela parte e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
4. Os descontos referentes aos contratos firmados após a edição da lei n.º 14.131/21 não devem superar o percentual de 35% dos proventos auferidos pelo consumidor, acrescidos de mais 5% se existirem descontos oriundos de cartão de crédito.
5. Caso no qual a parte autora refere a existência de dívidas, que comprometem 80% dos seus vencimentos mensais. Evidenciada suficientemente a probabilidade do direito.
6. Possível a limitação dos descontos também em conta-corrente, com base nos princípios da proporcionalidade, da razoabilidade e da dignidade da pessoa humana.
7. Descontos diretamente em contracheque e conta-corrente que poderão implicar em prejuízo a subsistência da parte autora. Perigo de dano demonstrado.
8. Afastamento do Decreto 11.567/2023, em controle difuso de constitucionalidade, que vem sendo aceito pela presente Corte. Ademais, a 19ª Câmara Cível vem adotando entendimento de que se mostra inaplicável ao caso o disposto no Decreto n° 11.150/2022 e atualizações, o qual restringe a aplicação da Lei do Superendividamento, representando um retrocesso aos direitos assegurados pela Lei n° 14.181/2021.
9. Ausência de risco de irreversibilidade da medida, a qual pode ser facilmente revertida em caso de improcedência dos pedidos postos na petição inicial.
IV. DISPOSITIVO E TESE
10. Recurso desprovido.
11. Teses de julgamento: 1.
São requisitos para a concessão da tutela de urgência, a probabilidade do direito alegado pela parte e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo; 2. Os descontos referentes aos contratos firmados após a edição da lei n.º 14.131/21 não devem superar o percentual de 35% dos proventos auferidos pelo consumidor, acrescidos de mais 5% se existirem descontos oriundos de cartão de crédito; 3. Possível a limitação dos descontos em conta-corrente, com base nos princípios da proporcionalidade, da razoabilidade e da dignidade da pessoa humana; 4. Possibilidade de afastamento do Decreto 11.567/2023, em controle difuso de constitucionalidade.
Dispositivos relevantes citados:
CF/88, art. 93, IX.
CPC, art. 300, 932 e 11.
Lei 14.181/2021, art. 54-A.
Decreto 11.567/2023.
Decreto n° 11.150/2022.
Lei n° 14.181/2021.
Jurisprudência relevante citada
:
TJRS, Agravo de Instrumento, n.º 51742377820248217000, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Fabiana Zilles, Julgado em: 03-07-2024; Agravo de Instrumento, n.º 53423927820238217000, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Amadeo Henrique Ramella Buttelli, Julgado em: 21-06-2024; Agravo de Instrumento, n.º 52339407120238217000, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Antonio Angelo, Julgado em: 07-12-2023; Agravo de Instrumento, n.º 51172652520238217000, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Mylene Maria Michel, Julgado em: 25-09-2023; Agravo de Instrumento, n.º 50185816520238217000, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Eduardo João Lima Costa, Julgado em: 21-07-2023; Agravo de Instrumento, n.º 53105273720238217000, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Amadeo Henrique Ramella Buttelli, Julgado em: 23-02-2024; Agravo de Instrumento, n.º 51940511320238217000, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Antonio Angelo, Julgado em: 07-12-2023; Agravo de Instrumento, n.º 53694277620248217000, Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Roberto José Ludwig, Julgado em: 19-12-2024; Agravo de Instrumento, n.º 51086700320248217000, Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Vinícius Andrade Jappur, Julgado em: 13-07-2024; Agravo de Instrumento, n.º 50946362320248217000, Décima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Amadeo Henrique Ramella Buttelli, Julgado em: 23-06-2024; Agravo de Instrumento, n.º 53609267020238217000, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Amadeo Henrique Ramella Buttelli, Julgado em: 19-04-2024; Agravo de Instrumento, n.º 51001842920248217000, Vigésima Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ana Paula Dalbosco, Julgado em: 23-07-2024; Agravo de Instrumento, Nº 53609267020238217000, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Amadeo Henrique Ramella Buttelli, Julgado em: 19-04-2024; Agravo de Instrumento, Nº 51001842920248217000, Vigésima Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ana Paula Dalbosco.
DECISÃO MONOCRÁTICA
Trata-se de agravo de instrumento interposto pelo BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL S/A - BANRISUL contra decisão proferida pelo Juízo do Projeto de Gestão de Superendividamento, nos autos do processo nº 5089767-28.2025.8.21.0001, que, em ação de repactuação de dívidas ajuizada por
LEANDRO FLORES DA SILVA
, concedeu tutela provisória de urgência.
DECISÃO AGRAVADA (
evento 6, DESPADEC1
):
Passo a decidir na presente data, ressaltando que no mês de junho/2025 tramitam junto ao Projeto de Gestão de Superendividamento mais de 13.200 ações.
Defiro a gratuidade judiciária.
Todavia, ressalvo que a concessão da gratuidade é modulada e restrita a determinados atos processuais, na forma do permissivo legal disposto no parágrafo 5º do artigo 98 do Código de Processo Civil.
A esse respeito, adianto que a vedação imposta pelo parágrafo 3º do artigo 104-B do Código de Defesa do Consumidor poderá ser relativizada, em caso de violação do dever de cooperação e lealdade processual, permitindo-se eventual oneração do credor com relação às despesas necessárias ao procedimento de repactuação, as quais poderão ser incluídas na sucumbência em ação de procedência.
Recebo a inicial com base na tutela legal prevista na Lei 14.181/21, tendo em vista que a causa de pedir noticiando o superendividamento do consumidor.
DA FASE CONCILIATÓRIA:
Observado que a fase conciliatória não ocorreu anteriormente ao ajuizamento da ação, SUSPENDO o feito após o cumprimento da tutela de urgência deferida, se deferida, para DETERMINAR a remessa dos autos ao
CEJUSC
, para realização de audiência de conciliação, fase obrigatória da Lei 14.181/21, artigo 104-A.
Registro que, de fato, a fase consensual do procedimento é compulsória e prévia, de acordo com o artigo 104-A do CDC.
Excepcionalmente, evidenciada a necessidade, este Juízo tem analisado a tutela de urgência como forma de assegurar a preservação do mínimo existencial.
Por essa razão, consigno que É OBRIGATÓRIA A PRESENÇA DO CONSUMIDOR NA AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO/MEDIAÇÃO, pela aplicação do princípio da cooperação, porque fase compulsória do procedimento,
sob pena de reapreciação da tutela de urgência,
uma vez que esta se submete ao "
condicionamento de seu efeitos à abstenção, pelo consumidor, de condutas que importem no agravamento de sua situação de superendividamento
" (art. 104-A,§ 4.º, IV, do CDC).
A ausência deverá ser justificada comprovadamente e de forma prévia ao ato, salvo situação excepcional a ser apreciada.
A AUSÊNCIA INJUSTIFICADA DA PARTE AUTORA IMPORTARÁ NA REVOGAÇÃO DA TUTELA DE URGÊNCIA.
Outrossim, FICAM OS CREDORES ADVERTIDOS, desde já, que a
ausência injustificada
, bem como o comparecimento do representante do credor
sem poderes reais e plenos para transigir
ou, ainda, a
falta de proposta ou de proposta inviável dos credores
, contrariam a finalidade da norma e podem autorizar a aplicação de sanção, em especial e por analogia, do art. 104-A, § 2.º, do CDC, nos termos dos Enunciados n. 36
1
, n. 37
2
, n.º38
3
e n. 39
4
todos do FONAMEC (Fórum Nacional da Mediação e Conciliação).
Para composição, saliento às partes que:
1) A modificação da forma de pagamento pactuada no acordo, com a previsão de desconto em conta-corrente de débitos que foram contratados de forma originária mediante pagamento por consignação em folha de pagamento, altera o equilíbrio da relação originariamente pactuada, ante a possibilidade da incidência do Tema 1085 do STJ.
No entanto, com a concordância expressa o consumidor, na ausência de margem consignável em folha de pagamento, fica autorizado, TEMPORARIAMENTE, o pagamento mediante desconto em conta-corrente, desde que mantida a natureza da obrigação originária.
2) A pactuação deve observar as informações trazidas pela parte demandante no plano preliminar apresentado (e que deve ser apresentado, OBRIGATORIAMENTE, antes da realização da audiência), especialmente, a parcela disponível para pagamento dos credores, observado o mínimo existencial. Eventual modificação nas possibilidades do requerente deverá ser justificada nos autos, sempre que possível, de forma prévia à audiência, com retificação do plano preliminar.
Cite-se a parte demandada para comparecer à audiência de conciliação/mediação.
Não havendo entendimento, deverá apresentar contestação em 15 dias, contados da data da audiência.
Consigno que, nos termos do CPC, a citação será feita preferencialmente por meio eletrônico, no prazo de até 2 (dois) dias úteis, contado da decisão que a determinar, por meio dos endereços eletrônicos indicados pelo citando.
Ainda de acordo com o diploma legal as empresas privadas são obrigadas a manter cadastro nos sistemas de processo em autos eletrônicos, para efeito de recebimento de citações e intimações, as quais serão efetuadas preferencialmente por esse meio.
Ante a ausência de confirmação, no prazo de até 3 (três) dias úteis, contados do recebimento da citação eletrônica, expeça-se Carta AR de citação pelo correio, nos termos do art. 246, §1°-A.
Tendo em vista que se considera ato atentatório à dignidade da justiça, passível de multa de até 5% (cinco por cento) do valor da causa, deixar de confirmar no prazo legal, sem justa causa, o recebimento da citação recebida por meio eletrônico, o réu deverá justificar a falta de confirmação no prazo da contestação.
DA TUTELA DE URGÊNCIA
Consoante determina a Lei 14.181/21, a audiência de conciliação é fase obrigatória, nos termos do artigo 104-A, tratando-se do primeiro ato a ser realizado.
Nada impede, todavia, que o pedido de tutela de urgência possa ser apreciado tão logo distribuída a ação, até porque, a fase consensual é requisito para a fase de mérito, e não para a fase de cognição sumária.
Nesse sentido:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS. SUPERENDIVIDAMENTO. DECISÃO QUE DEFERIU A LIMITAÇÃO DE DESCONTOS EM TUTELA DE URGÊNCIA. PRELIMINAR DE NULIDADE DA DECISÃO POR VIOLAÇÃO AO ART. 489, §1º, III, DO CPC: A decisão agravada apresenta fundamentos que são coerentes e se conectam diretamente com o caso concreto, observando suas particularidades, de modo que não há nulidade a ser reconhecida. POSSIBILIDADE DO DEFERIMENTO DA TUTELA ANTES DA AUDIÊNCIA CONCILIATÓRIA: Uma vez instaurado o processo, não há obstáculo legal ao deferimento da tutelas antecipatória que, no caso concreto, se deu como meio de assegurar a perfeita eficácia da função jurisdicional e a proteção do consumidor em situação de superendividamento (...). AGRAVO DE INSTRUMENTO PARCIALMENTE CONHECIDO E DESPROVIDO.(Agravo de Instrumento, Nº 50725947720248217000, Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Roberto José Ludwig, Julgado em: 18-03-2024)
Na lição de Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero:
"(...) Toda e qualquer providência capaz de alcançar um resultado prático à parte pode ser antecipada. Vale dizer: o pedido de tutela de urgência - satisfativa ou cautelar - não está limitado à proteção de apenas determinadas situações substanciais. A atipicidade da tutela de urgência, como da tutela jurisdicional geral, está ligada à necessidade de se oferecer uma cobertura o mais completa possível às situações substanciais carentes de proteção (...)".
11
Outrossim, incidente o artigo 318 do Código de Processo Civil a autorizar a prestação jurisdicional de cognição sumária no procedimento especial instaurado para tratamento do superendividamento, como forma de assegurar o resultado útil do processo e a preservação do mínimo existencial:
Art.318: Aplica-se a todas as causas o procedimento comum, salvo disposição em contrário deste Código ou de lei.
Parágrafo único. O procedimento comum aplica-se subsidiariamente aos demais procedimentos especiais e ao processo de execução.
Assim, entendo pela possibilidade de análise do pedido de tutela antes da realização da audiência de conciliação, o que passo a fazer, conforme fundamentação supra:
DO CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE - DECRETO 11.567/2023
A leitura do Decreto n. 11.567, de 19 de junho de 2023, confrontou o superprincípio da dignidade da pessoa, cuja função precípua era conferir-lhe unidade material.
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Nessa senda, o princípio da dignidade atua como fundamento à proteção do consumidor superendividado e criador do direito ao mínimo existencial, cuja previsão infraconstitucional foi sedimentada pelo Poder Legislativo na Lei n.14.181/21, que atualizou o Código de Defesa do Consumidor, instalando um microssistema de crédito ao consumo.
Para além da redação do regulamento determinado no Código do Consumidor atualizado, artigo 6
o
, XI, a eficácia horizontal direta dos direitos fundamentais nas relações privadas para a preservação da dignidade da pessoa era avanço doutrinário e jurisprudencial pátrios já reconhecidos, a partir da previsão do art. 5
o
, parágrafo 1
o
da CF/88.
13
A respeito da vigência do Decreto em apreço, duas demandas pendem de julgamento no STF, respectivamente, a ADPF 1.005 e a ADPF 1.006, sob o fundamento da inconstitucionalidade do conteúdo, cuja fundamentação encontra coro na doutrina brasileira e Notas Técnicas elaboradas pelo Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor(Brasilcon), firmada pelo seu diretor-presidente (membro do Ministério Público e professor) Fernando Rodrigues Martins, e do Instituto de Defesa Coletiva, de Belo Horizonte, respectivamente publicadas em 27/7/2022 e 29/7/2022. Afinal, a garantia de R$ 600,00 (seiscentos reais) a qualquer família brasileira, sem considerar a situação sócio-econômica e individualizar as necessidades que comportam as despesas básicas de sobrevivência não representa interpretação harmônica com os valores constitucionais.
Além disso, a lei n. 14. 181/2021 padece de conceito de mínimo existencial, que é um termo indeterminado e amplo, sem regulamentação.
Portanto, passo à análise do caso concreto,
sem incidência do Decreto n.11.567/2023, em controle difuso de constitucionalidade.
CASO CONCRETO:
De acordo com os documentos apresentados pela parte demandante (
evento 1, CHEQ8
e
evento 1, EXTRBANC15
), entendo que o requerimento de tutela de urgência merece acolhimento, pois a demora no recebimento da citação e consequente espera na designação de audiência de conciliação
não pode atuar em prejuízo à parte demandante
.
Além disso, os argumentos expostos pela parte autora (analisados em conjunto com a prova documental) revelam-se coerentes e, em sede de cognição sumária, demonstram a probabilidade do direito afirmado, pois a continuidade dos descontos,
na proporção efetuada atualmente
prejudica a sua própria subsistência, conforme demonstro a seguir:
Dos descontos em folha de pagamento e conta-corrente
Conforme os documentos anexados, observo que a parte demandante contratou empréstimos com modalidade de pagamento mediante desconto direto em folha de pagamento, bem como em conta-corrente (
evento 1, CHEQ8
e
evento 1, EXTRBANC15
).
A Lei n. 10.820/2003 trouxe o patamar dos descontos em folha de pagamento ao montante de 35% (trinta e cinco por cento). Cabe destacar que, nos termos do Art. 1º, §1º da Lei 10.820/2003, dentre o limite de 35% (trinta e cinco por cento) estipulado para o desconto em folha de pagamento, 5% (cinco por cento) deveriam ser destinados exclusivamente para a amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito ou a utilização com a finalidade de saque por meio do cartão de crédito.
Tais limites restaram alterados, acrescendo-se 5% aos percentuais máximos para contratação até então estipulados, consoante a Lei n. 14.131/2021
1
, a qual converteu a Medida Provisória 1.006/2020, autorizando-se, assim, consignações de até 40% quando existente contratação de cartão de crédito:
Art. 1º Até 31 de dezembro de 2021, o percentual máximo de consignação nas hipóteses previstas no
inciso VI do
caput do art. 115 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991
, no
§ 1º do art. 1º
e no
§ 5º do art. 6º da Lei nº 10.820, de 17 de dezembro de 2003
, e no
§ 2º do art. 45 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990
, bem como em outras leis que vierem a sucedê-las no tratamento da matéria, será de 40% (quarenta por cento), dos quais 5% (cinco por cento) serão destinados exclusivamente para:
I - amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito; ou
II - utilização com finalidade de saque por meio do cartão de crédito.
DA NÃO INCIDÊNCIA DO TEMA 1085 DO STJ:
Não desconheço que os descontos em conta bancária de titularidade do consumidor decorrem de cláusula contratual pactuada de forma voluntária, tampouco da formação da tese repetitiva n. 1085 pelo Superior Tribunal de Justiça, com reconhecimento da ausência de analogia capaz de limitar o percentual de desconto em conta-corrente preponderando a autonomia da vontade das partes.
Contudo, o suporte fático descrito não apresenta, salvo melhor juízo, identidade de fundamentos com aquele que motivou a formação da tese repetitiva em comento, porquanto evidenciado que a globalidade das obrigações existentes apresentam como pano de fundo o superendividamento do consumidor, comprometendo o mínimo existencial, direito básico tutelado pelo artigo 6
o
, XI e XII, ambos do Código de Defesa do Consumidor, como outrora tivemos a oportunidade de diferenciar:
“A tese repetitiva proferida pelo STJ foi ao encontro da teoria dos contratos, no berço da autonomia da vontade, na
pacta sunt servanda
, aplicando todo o arcabouço de uma relação contratual sadia, celebrada e executada dentro da normalidade, sem patologia ou necessidade especial das partes envolvidas; é o desconto de parcelas de empréstimos bancários comuns em conta-corrente de correntistas/consumidores saudáveis, os quais se encontram em condições de manter o pagamento das suas contas básicas, como luz, água e alimentação.
Situação diametralmente oposta são dos correntistas/consumidores superendividados, que buscam no Poder Judiciário a reorganização dos descontos efetuados tanto no contracheque como na conta-corrente sob o fundamento do excesso de descontos em detrimento da preservação do mínimo existencial. Neste cenário vem demonstrados descontos acima do limite legal e extrato bancário com saldo negativo, pois todo o valor líquido depositado em sua conta-corrente está sendo utilizado para pagamento de empréstimos bancários comuns, juros do cheque especial, seguro, entre outros. Nas hipóteses relatadas, verifica-se a diversidade do suporte fático daquele submetido à apreciação no julgado que ensejou a formação do convencimento na tese repetitiva nº. 1085, uma vez que não se estava diante de consumidor superendividado, sujeito destinatário da norma que introduziu no país a concreção da dignidade da pessoa com a preservação do mínimo existencial. Aliás, insta destacar, mínimo existencial já assegurado na fase da formação do contrato, quando da análise da capacidade de reembolso pelo concedente de crédito, de acordo com a inteligência do artigo 54-D do Código atualizado. Daí a interpretação sobre a necessidade de limitação dos descontos em conta-corrente quando evidenciada situação de superendividamento do consumidor.” (A repactuação de dívidas do consumidor superendividado e os descontos bancários em conta-corrente, BERTONCELLO, Káren R. D.; RANGEL, Andréia Fernandes de Almeida. Extrato texto encaminhado para publicação no CONJUR, novembro/2022)
Na linha do entendimento que firmo, pertinentes as palavras da respeitável Desembargadora Carmem Maria Azambuja Farias, quando do julgamento do Agravo de Instrumento Nº 5308681-48.2024.8.21.7000/RS, relacionado a caso similar:
A tese do Tema 1.085 do STJ, invocada pelo agravante, refere-se a uma situação jurídica diversa, não aplicável ao caso de superendividamento regulado pela Lei nº 14.181/2021, que possui disposições específicas para proteção do consumidor nesta condição. A decisão agravada observou corretamente que o caso dos autos não se enquadra nos critérios do Tema 1.085, justificando, portanto, a limitação dos descontos de forma abrangente.
Ressalvada a questão sobre os percentuais a serem utilizados como balizadores e não aplicação do Tema 1085 do STJ, saliento que, ainda que respeitados os limites individuais das modalidades acima destacadas, o conjunto dos descontos ultrapassa 50% da remuneração disponível.
Daí porque, necessária a limitação, fins de possibilitar a reestruturação financeira da parte demandante.
Destaco que, a parte reservada ao pagamento das despesas de subsistência encontra identificação na proteção do mínimo existencial, enquanto direito fundamental social de defesa originário do princípio da dignidade da pessoa humana, assegurado na Constituição Federal, art. 1º, inciso III; e no Código de Defesa do Consumidor, artigo 6º, XII,
in verbis:
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
XII - a preservação do mínimo existencial, nos termos da regulamentação, na repactuação de dívidas e na concessão de crédito;
(Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021)
Como tal, o direito fundamental ao mínimo existencial independe de atuação legislativa, uma vez que revestido de eficácia imediata, consoante vasta doutrina de Ingo Wolfgang Sarlet.
Consoante bem delineado pelo douto Desembargador Aymoré Roque Pottes de Mello, quando do julgamento de pretensão similar nos autos do Agravo de Instrumento Nº 51630265020218217000, a manutenção dos descontos "
coloca em risco o postulado constitucional da dignidade da pessoa humana e o princípio de garantia do mínimo existencial, materializados na garantia de subsistência do autor-agravante e de sua família, posto que os valores creditados na sua conta-corrente são utilizados integralmente para abater as suas dívidas, não havendo sobra de qualquer dinheiro para garantir o seu mínimo existencial.
(...)".
Nesta linha de entendimento, situa-se a jurisprudência infra ao preservar a dignidade do consumidor mediante o deferimento da limitação dos descontos:
DIREITO DO CONSUMIDOR. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS. SUPERENDIVIDAMENTO. LIMITAÇÃO DOS DESCONTOS SOBRE PROVENTOS DO CONSUMIDOR. PRESERVAÇÃO DO MÍNIMO EXISTENCIAL. AGRAVO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Agravo de instrumento interposto contra decisão proferida nos autos de ação de repactuação de dívidas, que deferiu parcialmente a tutela de urgência, determinando a limitação dos descontos sobre os comprovados do autor ao percentual máximo de 35%, com acréscimo de 5% para dívidas de cartão de crédito, sob pena de multa, bem como a abstenção de inscrição em cadastros de inadimplentes e protesto de títulos. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há duas questões em discussão: (i) definir se é permitido a limitação dos descontos incidentes sobre os comprovados do consumidor superendividado, incluindo descontos automáticos em conta-corrente, garantindo o mínimo existencial; (ii) avaliar a razoabilidade da multa cominatória aplicada para garantir o cumprimento da tutela de urgência. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A decisão agravada observa os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e do mínimo existencial, previstos no art. 1º, III, da CF/1988, e assegurados pelo art. 6º, inciso XII, do Código de Defesa do Consumidor, com as alterações introduzidas pela Lei nº 14.181/2021 (Lei do Superendividamento). 4. A redução dos descontos em 35% dos rendimentos líquidos do consumidor, acrescidos de 5% para dívidas de cartão de crédito, está em conformidade com a exclusão consolidada e tem por objetivo resguardar a subsistência do consumidor em situação de superendividamento. 5. O suporte fático do caso, caracterizado pelo comprometimento substancial da renda da parte agravada, não guarda com o tema relação com Tema 1.085 do STJ, que trata da liberdade contratual em descontos em conta-corrente, aplicável a consumidores em condições regulares, não a superendividados. 6. A multa cominatória no valor de R$ 500,00 por desconto indevido, limitada ao valor da dívida, é adequada e proporcional, obrigando o cumprimento da decisão judicial sem configurar enriquecimento ilícito. 7. A proteção ao mínimo existencial, fundamentada na preservação da dignidade da pessoa humana, justifica a restrição abrangente dos descontos, inclusive para descontos automáticos em conta-corrente, conforme precedentes do TJRS e STJ. IV. DISPOSITIVO E TESE 8. Recurso desprovido. Tese de julgamento : 1. A redução de descontos a 35% dos rendimentos líquidos, com acréscimo de 5% para dívidas de cartão de crédito, é aplicável às obrigações financeiras que comprometam a subsistência do consumidor superendividado, abrangendo descontos automáticos em conta-corrente. 2. A fixação de multa cominatória é válida, proporcional e visa garantir a efetividade da tutela judicial para resguardar o mínimo existencial do consumidor. Dispositivos relevantes citados : CF/1988, art. 1º, III; CDC, art. 6º, XII; PCC, arts. 300, 537 e 932, VIII; Lei nº 10.820/2003; Lei nº 14.181/2021. Jurisprudência relevante relevante : TJRS, Agravo de Instrumento nº 51553675320228217000, Rel. Des. Aimoré Roque Pottes de Mello, j. 24-03-2023; TJRS, Agravo de Instrumento nº 53445082320248217000, Rel. Des. Roberto José Ludwig, j. 25-11-2024; TJRS, Agravo de Instrumento nº 52789259120248217000, Rel. Des. Carla Patrícia Boschetti Marcon, j. 13-11-2024. (Agravo de Instrumento, Nº 53086814820248217000, Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carmem Maria Azambuja Farias, Julgado em: 16-01-2025)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS. SUPERENDIVIDAMENTO. DECISÃO QUE DEFERIU A LIMITAÇÃO DE DESCONTOS EM TUTELA DE URGÊNCIA. REQUISITOS PARA A CONCESSÃO DA MEDIDA: A decisão agravada se valeu das disposições da Lei nº 10.820/2003 e da Lei nº 14.131/2021 para fundamentar que a ocorrência de descontos em patamar superior a 35% da renda do consumidor comprometeria o seu mínimo existencial. Esse critério vem sendo aceito por esta Câmara no âmbito das ações de repactuação de dívidas, pelo que está presente a probabilidade do direito e a urgência para justificar a concessão da medida. MULTA POR DESCUMPRIMENTO DA MEDIDA: A multa tem caráter coercitivo, incidindo em razão do descumprimento da medida pelo destinatário da ordem. Dessa forma, falar em desnecessidade é desvirtuar o objetivo da previsão legal, que é se adiantar a eventual descumprimento e, sob pena de incidência de multa, obrigar o demandado ao cumprimento da obrigação imposta. No caso, a multa foi arbitrada pelo juízo de origem de forma adequada, tanto no valor, quanto na periodicidade. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO, EM DECISÃO MONOCRÁTICA.(Agravo de Instrumento, Nº 50280125520258217000, Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Roberto José Ludwig, Julgado em: 13-02-2025)
Em vista disso, com base no artigo 300, do Código de Processo Civil
DEFIRO parcialmente a tutela de urgência
a fim de determinar que:
a) A parte ré LIMITE os descontos relativos a todos os empréstimos consignados com desconto em folha de pagamento e empréstimos não consignados com débito automático na conta-corrente da parte autora ao percentual máximo de
35% dos proventos desta (abatidos os valores da previdência, IRPF e pensão alimentícia)
, percentual que pode ser acrescido de
5%, em se tratando de dívida de cartão de crédito cujo pagamento decorre de débito em conta
; dividindo-se o percentual de forma igualitária entre todos os credores demandados até elaboração do plano de pagamento ao final do processo;
b) A limitação aqui determinada é aplicável, inclusive, em se tratando de portabilidade salarial;
c) No caso em discussão, pelas razões já expostas, esta limitação também se aplica aos descontos no cheque especial, dividindo-se o percentual entre todos os credores demandados até elaboração do plano de pagamento ao final do processo.
d) Outrossim, DETERMINO que o (os) credor (res) se abstenha(m) de incluir a parte autora nos cadastros restritivos de crédito ou emitir títulos para fins de protesto, enquanto pendente a lide. Caso já o tenham feito, seja SUSPENSO o efeito da restrição.
A esse respeito, a determinação não se aplica ao Sistema de Informações de Crédito do Banco Central - SCR, o qual, conforme a Resolução CMN n° 5.037 de 29/9/2022, em seu artigo 2º, possui duas finalidades:
Art. 2º O SCR é administrado pelo Banco Central do Brasil e tem por finalidades:
I - prover informações ao Banco Central do Brasil, para fins de monitoramento do crédito no sistema financeiro e para o exercício de suas atividades de fiscalização; e
II - propiciar o intercâmbio de informações entre instituições financeiras e entre demais entidades, conforme definido no art. 1º da Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001, sobre o montante de responsabilidades de clientes em operações de crédito.
Conforme destacou a respeitável Ministra Maria Isabel Gallotti, quando do julgamento do Recurso Especial Nº 1.365.284 - SC (2011/0263949-3), ambas as finalidades do sistema dizem com interesse público:
(...) o interesse público primário, direto, imediato, de viabilizar a supervisão do Sistema Financeiro pelo Banco Central (inciso I do art 2º da Resolução 3658/2008) e o interesse público indireto, consistente em detectar e evitar operações financeiras arriscadas, causadoras de risco bancário sistêmico, protegendo os recursos depositados, tudo consultando o interesse do consumidor bom pagador de obter melhores taxas de juros (inciso II) do art 2º da Resolução 3658/2008 (...)".
Observadas as finalidades supra e considerando as disposições sobre a prevenção do superendividamento trazidas pela Lei 14.181/21, entendo que se trata de ferramenta protetiva, em verdade, que auxilia no controle da concessão de crédito sem capacidade de reembolso, evitando o agravamento da situação do superendividamento da parte consumidora.
Atua como ferramenta consultiva de relevância, visando ao controle das operações de crédito existentes e comprometimento de renda, evitando a concessão de crédito desmedida, penalizada pela legislação protetiva:
Art. 54-D. Na oferta de crédito, previamente à contratação, o fornecedor ou o intermediário deverá, entre outras condutas:
(Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021)
(...)
II - avaliar, de forma responsável, as condições de crédito do consumidor, mediante análise das informações disponíveis em bancos de dados de proteção ao crédito, observado o disposto neste Código e na legislação sobre proteção de dados;
(Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021)
(...)
Parágrafo único. O descumprimento de qualquer dos deveres previstos no caput deste artigo e nos arts. 52 e 54-C deste Código poderá acarretar judicialmente a redução dos juros, dos encargos ou de qualquer acréscimo ao principal e a dilação do prazo de pagamento previsto no contrato original, conforme a gravidade da conduta do fornecedor e as possibilidades financeiras do consumidor, sem prejuízo de outras sanções e de indenização por perdas e danos, patrimoniais e morais, ao consumidor.
(Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021)
Sobre a importância das informações disponibilizadas pelo sistema SCR, ponderou referida Ministra:
Trata-se, como visto, de cadastro público, de consulta restrita, necessário à atividade do BACEN, o qual ficaria seriamente comprometido com sua equiparação à regência legal e jurisprudencial dos cadastros de inadimplentes e mesmo de centrais de risco de crédito privadas.
Não pode, portanto, ser considerado como cadastro restritivo comum, exigindo tratamento diferenciado dos demais cadastros de inadimplentes como SPC e Serasa.
Dessa forma, a exclusão dos dados em relação aos débitos em repactuação não se aplica ao sistema SCR do Banco Central.
ADVIRTO, TAMBÉM a ambas as partes:
1. A tutela de urgência compreende, em cognição sumária, o restabelecimento do mínimo existencial ao consumidor que detem descontos em folha e/ou conta-corrente em percentuais que comprometam sua sobrevivência, na forma da fundamentação supra. Daí por que NÃO abrange eventuais obrigações pendentes, cujo pagamento deva ser efetuado mediante boleto bancário ou outra forma de pagamento voluntária.
2. Em preservação à cooperação das partes e boa-fé dos contrantes, NÃO podem ser abrangidos NO PLANO DE PAGAMENTO JUDICIAL, os contratos celebrados após o ajuizamento da ação, em razão da vedação, ao consumidor, da prática de condutas que importem no agravamento de sua situação de superendividamento, artigo 104-A, § 4º, IV, do CDC.
A esse respeito, pondero que o consumidor que adota tal prática enquadra-se na definição de superendividado ativo, conceito que, conforme a doutrina, pode ser dividido em ativo consciente, assim considerado aquele que agiu com a intenção deliberada de não pagar ou fraudar seu credor (consumidor de má-fé), ou, ativo inconsciente, o qual, ou age de forma impulsiva ou sem formular o cálculo correto no momento da contratação de novas dívidas (consumidor imprevidente e sem malícia).
1
3. Fica a parte demandada, ainda, ADVERTIDA de que a concessão irresponsável de crédito após o ajuizamento da presente ação, será igualmente valorada na decisão final, acarretando, inclusive, a aplicação das penalidades definidas pela lei.
4 Ademais, saliento que a presente decisão NÃO abrange
contratos com garantia real e/ou alienação fiduciária
, visto que não apresentam identidade com os pressupostos contidos no artigo 54-A do CDC.
5. Ainda, INDEFIRO a
suspensão indiscriminada de ações ou atos de constrição patrimonial
, ante a impossibilidade de determinação genérica e desprovida de fundamentação.
6. Fica a parte demandada CIENTIFICADA sobre a impossibilidade de proceder a cobranças de forma abusiva, bem como, PRATICAR CONDUTAS que importem no agravamento da situação de superendividamento da parte demandante.
7. Por fim, fica a parte demandante CIENTIFICADA sobre a vedação da prática de condutas que importem no agravamento de sua situação de superendividamento, sob pena de REVOGAÇÃO DA TUTELA PARCIAL AQUI DEFERIDA.
DO CUMPRIMENTO DA ORDEM JUDICIAL
O DESCUMPRIMENTO desta decisão judicial importará incidência de multa de R$ 500,00 por cada desconto indevido até o limite da dívida pendente. Saliento que a presente decisão, deverá ser cumprida no prazo máximo de 30 dias. A data inicial de contagem do prazo do descumprimento iniciará do protocolo de entrega do ofício/despacho.
Esta decisão vale como ofício, que deverá ser encaminhado pela parte autora de forma pessoal aos credores réus, fins de atender a exigência da Súmula 410 do STJ.
Fica registrado que, em caso de eventual descumprimento de ordem judicial, a cobrança do valor da multa deverá ser promovida em ação autônoma, a fim de evitar tumulto processual.
DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA
Ficam os credores réus intimados a juntar aos autos cópia dos contratos firmados entre as partes e
extratos bancários em formato XLS
, em face da inversão do ônus da prova em favor da parte autora que, desde já determino, nos termos do disposto no artigo 6°, inciso VIII do CDC.
DO MÍNIMO EXISTENCIAL E DA INDICAÇÃO DAS DESPESAS DE SUBSISTÊNCIA
Oriento a parte demandante sobre a importância da descrição da quantia a ser reservada ao mínimo existencial e demonstração,
de forma documental e discriminada
, especialmente com relação às despesas de sobrevivência, fins de possibilitar a elaboração de plano de pagamento viável.
Assim, deverá trazer aos autos, se ainda não o fez, os comprovantes das despesas de subsistência (alimentação, luz, água, etc.), tendo em vista que serão objeto de análise quando da segunda fase do procedimento. Quando da nomeação do administrador, deverá apresentar os comprovantes de rendimentos atualizados.
Consigno que, a omissão da parte demandante quanto à comprovação das despesas de sobrevivência e apresentação dos documentos necessários influirá no plano de pagamento a ser elaborado pelo administrador judicial.
DEPÓSITO JUDICIAL
O rito adotado pela Lei n. 14.181/2021 tem natureza especial e pressupõe a valorização da fase consensual oportunizando a construção do plano de pagamento com foco na globalidade das obrigações do consumidor. Nesta medida, a ausência de previsão da possibilidade de consignação de valores, corresponde ausência de possibilidade de afirmação do montante do valor incontroverso em cognição sumária, notadamente porque a repactuação que ocorrerá ao final da ação pressupõe a aplicação das consequências previstas no artigo 54-D, parágrafo único do CDC (análise das condições de concessão do crédito) e elaboração do plano de pagamento frente às obrigações e ao orçamento do consumidor.
Tratando-se de Juízo 100% Digital e em atenção aos princípios da celeridade e eficiência, as respostas remetidas por carta não serão anexadas ao processo.
Por fim, cabe ressaltar que o sistema E-proc disponibiliza, no menu principal, a opção substabelecimento com reserva ou sem reserva, viabilizando ao procurador a atualização do cadastro de advogados, para recebimento de intimações,
sendo de responsabilidade do procurador tal gerenciamento e cadastro dos profissionais
, na forma do art. 2º da Lei 11.419/2006.
Sendo a parte Entidade, a retificação/alteração dos procuradores cabe apenas à própria, em atualização cadastral, ou ao procurador.
Para maiores informações sobre o rito da Lei n. 14.181/2021, destaco a leitura da Cartilha sobre Superendividamento do Conselho Nacional de Justiça -
CARTILHA SOBRE O TRATAMENTO DO SUPERENDIVIDAMENTO DO CONSUMIDOR
RAZÕES RECURSAIS (
evento 1, INIC1
):
Em suas razões recursais, a agravante sustenta, em síntese, que: a decisão agravada deve ser reformada, pois a limitação dos descontos gera evidente prejuízo à instituição financeira, uma vez que há perda da garantia de adimplemento estipulada no contrato; a regularidade da contratação está demonstrada pela documentação anexa ao processo principal, qual seja: cópia do contrato devidamente assinada, comprovante de formalização e de crédito de valores na conta da parte agravada; a legislação aplicável à matéria é expressa no sentido de que o percentual possível de comprometer-se é de 70%, conforme previsto na Lei Estadual nº 10.098, de 03 de fevereiro de 1994, alterada pelos Decretos Estaduais nº 43.337 de 10 de setembro de 2004, e nº 43.574 de 14 de janeiro de 2005, que dispõe em seu art. 15 que "a soma mensal das consignações facultativas e obrigatórias de cada servidor não poderá exceder a setenta por cento (70%) do valor de sua remuneração mensal bruta"; não é possível a aplicação analógica da Lei Federal nº 10.820/2003, que estabelece o limite de 30% para trabalhadores celetistas, uma vez que existe norma específica aplicável aos servidores públicos estaduais; a limitação dos descontos em 30% gera um círculo vicioso, pois o servidor, após obter a limitação judicial, busca novas instituições financeiras para contratar novos empréstimos, apresentando contracheque com margem consignável disponível de 40%; subsidiariamente, caso seja mantida a limitação dos descontos, requer que estes sejam limitados de forma proporcional a cada uma das entidades credoras; quanto aos contratos firmados para pagamento por débito em conta corrente, não há qualquer legislação que imponha limitação aos descontos realizados nessa modalidade, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça no REsp nº 1.586.910/SP. Por fim, requer a concessão de efeito suspensivo ao recurso e, no mérito, o provimento do agravo de instrumento para que seja revogada a decisão liminar deferida pelo juízo de origem.
É o relatório.
Decido.
POSSIBILIDADE DE JULGAMENTO MONOCRÁTICO:
Nos termos do artigo 932, VIII, do CPC, incumbe ao relator “
exercer outras atribuições estabelecidas no regimento interno do tribunal
”.
No mesmo sentido, o inciso XXXVI do artigo 206 do RITJRS autoriza ao Relator negar ou dar provimento ao recurso quando houver jurisprudência dominante acerca da matéria em discussão no âmbito do STF, do STJ, e do próprio Tribunal:
Art. 206. Compete ao Relator:
(...)
XXXVI - negar ou dar provimento ao recurso quando houver jurisprudência dominante acerca do tema no Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça com relação, respectivamente, às matérias constitucional e infraconstitucional e deste Tribunal;
(...)
Neste contexto, é possível, na hipótese, pronunciamento monocrático, porquanto a matéria objeto da discussão já se encontra com linha de entendimento assentada na 19ª Câmara Cível.
ADMISSIBILIDADE RECURSAL:
O recurso é adequado à hipótese, na forma do art. 1.015, I, do CPC, versando sobre decisão que deferiu tutela de urgência.
É tempestivo (evento 20 dos autos de origem) e o preparo foi recolhido (evento 05 dos autos recursais).
MÉRITO RECURSAL:
O recurso não merece prosperar.
Dita o art. 300 do CPC:
Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
§ 1
o
Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la.
§ 2º A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia.
§ 3º A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão.
Assim, os requisitos essenciais para a concessão da tutela de urgência são (i) a probabilidade do direito alegado pela parte e (ii) o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
Sobre a probabilidade do direito, leciona DONIZETTI
1
:
A probabilidade do direito deve estar evidenciada por prova suficiente, de forma que possa levar o juiz a acreditar que a parte é titular do direito material disputado. Trata-se de um juízo provisório. Basta que, no momento da análise do pedido, todos os elementos convirjam no sentido de aparentar a probabilidade das alegações. Essa análise pode ser feita liminarmente (antes da citação) ou em qualquer outro momento do processo. Pode ser que no limiar da ação os elementos constantes dos autos ainda não permitam formar um juízo de probabilidade suficiente para o deferimento da tutela provisória. Contudo, depois da instrução, a probabilidade pode restar evidenciada, enseja a concessão da tutela requerida.
Pouco importa se, posteriormente, no julgamento final, após o contraditório, a convicção do magistrado seja diferente daquela que se embasou para conceder a tutela. Para a concessão da tutela de urgência não se exige que da prova surja a certeza das alegações, contentando-se a lei com demonstração de ser provável a existência do direito alegado pela parte que pleiteou a medida.
A respeito do perigo de dano, ensina THEODORO JÚNIOR
2
:
[...] refere-se, portanto, ao interesse processual em obter uma justa composição do litígio, seja em favor de uma ou de outra parte, o que não poderá ser alcançado caso se concretize o dano temido. Ele nasce de dados concretos, seguros, objeto de prova suficiente para autorizar o juízo de grande probabilidade em torno do risco de prejuízo grave. Pretende-se combater os riscos de injustiça ou de dano derivados da espera pela finalização do curso normal do processo. Há que se demonstrar, portanto, o "perigo na demora da prestação da tutela jurisdicional" (CPC/2015, art. 300).
Esse dano corresponde, assim, a uma alteração na situação de fato existente ao tempo do estabelecimento da controvérsia - ou seja, do surgimento da lide - que é ocorrência anterior ao processo. Não impedir sua consumação comprometerá a efetividade da tutela jurisdicional a que faz jus o litigante.
De modo que o primeiro deve decorrer das alegações veiculadas pela parte autora na inicial, aliada às provas até então trazidas ao processo, as quais devem corroborar o direito material alegado.
O segundo, por sua vez, deve estar concretamente demonstrado e decorrer de um fundado receio de que o direito alegado pela parte sobre um dano futuramente irreparável ou de difícil reparação.
Por fim, não se defere a tutela provisória quando evidenciada sua irreversibilidade.
No caso em análise, verifico, que ambos os requisitos estão presentes, a fim de justificar a manutenção da decisão agravada.
A Lei nº 14.181/2021, conhecida como Lei do Superendividamento, alterou o Código de Defesa do Consumidor para aperfeiçoar a disciplina do crédito ao consumidor e dispor sobre a prevenção e o tratamento do superendividamento. Entre as inovações trazidas pela referida lei, destaca-se a inclusão do art. 54-A no CDC, que assim dispõe:
Art. 54-A. Este Capítulo dispõe sobre a prevenção do superendividamento da pessoa natural, sobre o crédito responsável e sobre a educação financeira do consumidor.
§ 1º Entende-se por superendividamento a impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial, nos termos da regulamentação.
§ 2º As dívidas referidas no § 1º deste artigo englobam quaisquer compromissos financeiros assumidos decorrentes de relação de consumo, inclusive operações de crédito, compras a prazo e serviços de prestação continuada.
§ 3º O disposto neste Capítulo não se aplica ao consumidor cujas dívidas tenham sido contraídas mediante fraude ou má-fé, sejam oriundas de contratos celebrados dolosamente com o propósito de não realizar o pagamento ou decorram da aquisição ou contratação de produtos e serviços de luxo de alto valor.’
Depreende-se, portanto, que o superendividamento consiste na impossibilidade manifesta de o consumidor - pessoa natural e de boa-fé - pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial.
A referida lei também incluiu o art. 104-A no CDC, que prevê a possibilidade de o consumidor superendividado requerer a instauração de processo de repactuação de dívidas:
Art. 104-A. A requerimento do consumidor superendividado pessoa natural, o juiz poderá instaurar processo de repactuação de dívidas, com vistas à realização de audiência conciliatória, presidida por ele ou por conciliador credenciado no juízo, com a presença de todos os credores de dívidas previstas no art. 54-A deste Código, na qual o consumidor apresentará proposta de plano de pagamento com prazo máximo de 5 (cinco) anos, preservados o mínimo existencial, nos termos da regulamentação, e as garantias e as formas de pagamento originalmente pactuadas.
§ 1º Excluem-se do processo de repactuação as dívidas, ainda que decorrentes de relações de consumo, oriundas de contratos celebrados dolosamente sem o propósito de realizar pagamento, bem como as dívidas provenientes de contratos de crédito com garantia real, de financiamentos imobiliários e de crédito rural.
§ 2º O não comparecimento injustificado de qualquer credor, ou de seu procurador com poderes especiais e plenos para transigir, à audiência de conciliação de que trata o caput deste artigo acarretará a suspensão da exigibilidade do débito e a interrupção dos encargos da mora, bem como a sujeição compulsória ao plano de pagamento da dívida se o montante devido ao credor ausente for certo e conhecido pelo consumidor, devendo o pagamento a esse credor ser estipulado para ocorrer apenas após o pagamento aos credores presentes à audiência conciliatória.
§ 3º No caso de conciliação, com qualquer credor, a sentença judicial que homologar o acordo descreverá o plano de pagamento da dívida e terá eficácia de título executivo e força de coisa julgada.
§ 4º Constarão do plano de pagamento referido no § 3º deste artigo:
I - medidas de dilação dos prazos de pagamento e de redução dos encargos da dívida ou da remuneração do fornecedor, entre outras destinadas a facilitar o pagamento da dívida;
II - referência à suspensão ou à extinção das ações judiciais em curso;
III - data a partir da qual será providenciada a exclusão do consumidor de bancos de dados e de cadastros de inadimplentes;
IV - condicionamento de seus efeitos à abstenção, pelo consumidor, de condutas que importem no agravamento de sua situação de superendividamento.
§ 5º O pedido do consumidor a que se refere o caput deste artigo não importará em declaração de insolvência civil e poderá ser repetido somente após decorrido o prazo de 2 (dois) anos, contado da liquidação das obrigações previstas no plano de pagamento homologado, sem prejuízo de eventual repactuação.
Ainda, conforme entendimento adotado pela 19ª Câmara Cível, os descontos referentes aos contratos firmados após a edição da Lei n.º 14.131/21 não devem superar o percentual de 35% dos proventos auferidos pelo consumidor, acrescidos de mais 5% se existirem descontos oriundos de cartão de crédito.
Ilustro:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER PARA LIMITAR
DESCONTOS
EM CONTRACHEQUE C/C EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS E PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA ANTECEDENTE. TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA. ART. 300 DO CPC. MULTA COERCITIVA.
DESCONTOS
NA CONTA CORRENTE. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. DECISÃO HOSTILIZADA QUE NÃO VERSOU SOBRE A QUESTÃO. MULTA COERCITIVA. PEDIDO DE ALTERAÇÃO DA FORMA DE INCIDÊNCIA DA MULTA, DE "DIÁRIA", PARA "POR EVENTO DE DESCUMPRIMENTO". AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL, PORQUANTO A DECISÃO JÁ FIXOU A MULTA NA MODALIDADE DE COBRANÇA POR EVENTO DE DESCUMPRIMENTO. TUTELA DE URGÊNCIA. EXTRAI-SE DA INTERPRETAÇÃO DO ART. 300 DO CPC QUE A TUTELA DE URGÊNCIA SERÁ CONCEDIDA QUANDO HOUVER ELEMENTOS QUE EVIDENCIEM A PROBABILIDADE DO DIREITO E O PERIGO DE DANO OU O RISCO AO RESULTADO ÚTIL DO PROCESSO. VIGORA O DIREITO DO DEVEDOR DE LIMITAÇÃO DOS
DESCONTOS
CONSIGNADOS. NO CASO EM APREÇO, OS
DESCONTOS
SUPERAM A MARGEM CONSIGNÁVEL. DIREITO À LIMITAÇÃO. MANUTENÇÃO DA DECISÃO QUANTO AO PONTO. CONTRATOS APÓS A
LEI
14.131/21
A LIMITAÇÃO DE 30% DE
DESCONTOS
CONSIGNADOS EM FOLHA DE PAGAMENTO E EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. PREVISÃO NA
LEI
FEDERAL
Nº
10.820/03 FOI ALTERADA PELA
LEI
FEDERAL N.º
14.131/21
, PASSANDO AO PERCENTUAL DE 35% PARA OS CONTRATOS FIRMADOS APÓS A EDIÇÃO DA NOVA
LEI
. CASO EM QUE HÁ CONTRATOS FIRMADOS ANTES E DEPOIS DA VIGÊNCIA DA NOVA
LEI
. NO ENTANTO, A DECISÃO HOSTILIZADA LIMITOU OS
DESCONTOS
CONSIGNADOS EM 30% PARA TODOS OS CASOS. DECISÃO MODIFICADA QUANTO AO PONTO. MULTA COERCITIVA. MULTA FIXADA PARA A HIPÓTESE DE DESCUMPRIMENTO. POSSÍVEL A COMINAÇÃO, A FIM DE CONFERIR EFETIVIDADE À MEDIDA. PRECEDENTE. RECURSO PROVIDO EM PARTE, NA PARTE CONHECIDA.(Agravo de Instrumento,
Nº
51172652520238217000, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Mylene Maria Michel, Julgado em: 25-09-2023)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO ORDINÁRIA DE LIMITAÇÃO DE
DESCONTO
. LIMITAÇÃO DE
DESCONTO
EM FOLHA E DÉBITO EM CONTA. TUTELA DE URGÊNCIA DEFERIDA EM 35%. DECISÃO REFORMADA EM PARTE.
DESCONTOS
EM FOLHA DE PAGAMENTO: O aumento do limite para 35% às operações de empréstimo pessoal consignado e de até 5% às operações de cartão de crédito para
desconto
em folha de pagamento somente tem aplicabilidade aos contratos firmados após promulgação da
Lei
n.
14.131/21
. Há que se observar o momento em que o mútuo foi firmado, pois prevalece a regra da
Lei
Federal
nº
10.820/03, ou seja, o
desconto
não pode exceder 30% do valor do benefício. Recurso provido no ponto para limitar os
descontos
em folha em 30% e não em 35% como constou na decisão recorrida. DÉBITO EM CONTA CORRENTE: Afastou-se a equiparação dos
descontos
realizados em folha de pagamento com os efetuados em conta corrente, uma vez que estes são passíveis de revogação a qualquer momento pelo correntista, segundo orientação do STJ. Não se aplica por analogia a
Lei
nº
10.820/2003, a qual se refere ao percentual de limitação dos
descontos
em folha de pagamento tão somente. Especificamente, não há recurso da parte ré com relação à decisão que deferiu a tutela de limitação em 35%. Contudo, não se mostra viável alterar a decisão para que os débitos em conta sejam limitados em 30%, quando sequer poderia ser limitado em 35%. Agravo desprovido no tópico. DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO.(Agravo de Instrumento,
Nº
50185816520238217000, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Eduardo João Lima Costa, Julgado em: 21-07-2023)
No caso dos autos, é incontroversa a relação jurídica entre as partes.
Ademais, verifico a existência de perigo de dano, diante dos descontos e cobranças, excessivas frente aos limites legais, em princípio, realizadas pelo agravante.
Isso porque, considerando o valor dos rendimentos da parte autora (renda bruta de R$ 15.313,73 -
evento 1, CHEQ6
- antes, ainda, dos descontos legais), bem como os descontos em folha que possui, por empréstimos, no valor de R$ 5.356,81, além de outros com cobranças diretamente em conta bancária, relativas a empréstimos R$ 232,34, R$ 590,36, R$ 3.863,11 e R$ 1.803,99 (
evento 1, EXTRBANC15
), e outros descontos, principalmente relativos a diversos seguros prestamistas relacionados a tais contratos (
evento 1, EXTRBANC16
), que comprometem mais de 80% de sua renda bruta, a manutenção da situação de tais descontos, no patamar contratado, implicará evidentes prejuízos à sua subsistência.
Saliento que a limitação dos descontos é possível também em relação aos débitos diretos em conta corrente, com base nos princípios da proporcionalidade, da razoabilidade e da dignidade da pessoa humana.
Nesse sentido, os precedentes da presente Câmara Cível:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS. SUPERENDIVIDAMENTO. 1. O SUPERENDIVIDAMENTO RESTA CONFIGURADO QUANDO RECONHECIDA A IMPOSSIBILIDADE DE O CONSUMIDOR DE BOA-FÉ ADIMPLIR TODAS AS DÍVIDAS QUE CONTRAIU, SEM COMPROMETER O MÍNIMO EXISTENCIAL ASSEGURADO PARA SUA SOBREVIVÊNCIA. LEI N.º 14.181/2021. 2. CASO CONCRETO EM QUE A SOMA DOS DESCONTOS LEGAIS, DOS DESCONTOS CONSIGNADOS AUTORIZADOS EM FOLHA DE PAGAMENTO E DOS LANÇAMENTOS A DÉBITO EM CONTA-CORRENTE BANCÁRIA ULTRAPASSAM O LIMITE RAZOÁVEL PARA QUE A AUTORA-AGRAVADA MANTENHA SUA SUBSISTÊNCIA, CARACTERIZANDO INEQUÍVOCA SITUAÇÃO DE SUPERENDIVIDAMENTO. 3. A LEI FEDERAL 14.181/2021 INTRODUZ NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR FERRAMENTAS PARA PREVENÇÃO E TRATAMENTO DAS SITUAÇÕES DE SUPERENDIVIDAMENTO. CONCESSÃO DA TUTELA DE URGÊNCIA QUE, NO CASO CONCRETO, E COM SUPORTE NA JURISPRUDÊNCIA DO STJ E DESTA CORTE, VISA ASSEGURAR A DIGNIDADE E SUBSISTÊNCIA PESSOAL E FAMILIAR DO CONSUMIDOR SUPERENDIVIDADO. GARANTIA DE ACESSO A VALORES INDISPENSÁVEIS PARA O CUSTEIO DAS DESPESAS MAIS ELEMENTARES DA SUBSISTÊNCIA, TAIS COMO ALIMENTAÇÃO HABITAÇÃO E SAÚDE. 4. LIMITAÇÃO DE DESCONTOS CONSIGNADOS EM FOLHA DE PAGAMENTO E DE LANÇAMENTOS A DÉBITO EM CONTA-CORRENTE NO PERCENTUAL DE 35% INCIDENTES SOBRE A REMUNERAÇÃO BRUTA DO CONSUMIDOR SUPERENDIVIDADO, DESCONTADOS APENAS OS LANÇAMENTOS RELATIVOS À PREVIDÊNCIA OFICIAL E IMPOSTO DE RENDA RETIDO NA FONTE. MANUTENÇÃO DA DECISÃO RECORRIDA, POIS AMPARADA EM PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DE PRESERVAÇÃO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E GARANTIA DE ACESSO AO MÍNIMO EXISTENCIAL PARA SUBSISTÊNCIA DO DEVEDOR SUPERENDIVIDADO. PRECEDENTES DESTA CORTE E DO STJ. 5. ASTREINTES.O ART. 537 DO CPC AUTORIZA A FIXAÇÃO DE MULTA COERCITIVA PARA FORÇAR O DEVEDOR A CUMPRIR A OBRIGAÇÃO DE FAZER OU DE NÃO FAZER, MESMO NA FASE DE CONHECIMENTO.FIXAÇÃO DE MULTA DIÁRIA, COM LIMITAÇÃO DO PRAZO DE INCIDÊNCIA, ASSEGURA A PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE DA PENA DE MULTA APLICADA. MANUTENÇÃO DA MULTA, NOS TERMOS DA DECISÃO RECORRIDA. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO.(Agravo de Instrumento, Nº 53105273720238217000, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Amadeo Henrique Ramella Buttelli, Julgado em: 23-02-2024)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA. DÉBITO EM CONTA-CORRENTE. Em tese, são lícitos os descontos de parcelas de empréstimos bancários comuns em conta-corrente, ainda que utilizada para recebimento de salários, desde que previamente autorizados pelo mutuário e enquanto esta autorização perdurar, não sendo aplicável, por analogia, a limitação prevista no § 1º do art. 1º da Lei n. 10.820/2003, que disciplina os empréstimos consignados em folha de pagamento. REsp n. 1.863.973 (Tema 1085-STJ). RETENÇÃO INTEGRAL DO SALÁRIO. Por outro lado, resulta abusiva a retenção integral do salário do correntista com o propósito de honrar débito com a instituição financeira. Precedentes do STJ e desta Corte estadual. CASO CONCRETO. No caso, para pagamento dos débitos decorrentes de contratações pretéritas, o Banco agravante reteve, em dois meses consecutivos, a integralidade do salário da autora logo que creditado em sua conta corrente. Ora, os vencimentos do servidor servem para assegurar a sua própria subsistência e a da sua família. Veja-se que - malgrado o reconhecimento da inaplicabilidade , por analogia, da Lei Federal n. 10.820/2003 para as hipóteses de descontos de parcelas de empréstimos bancários comuns em conta-corrente -. no caso, especificamente, a pretensão de limitação dos descontos vem amparada na justa ponderação de interesses que, inobstante a ausência de previsão expressa no direito pátrio, traduz concreção aos princípios da proporcionalidade, da razoabilidade e da dignidade da pessoa humana. Com efeito, a garantia primordial concernente à dignidade da pessoa, associada à preservação do mínimo existencial, prevalece sobre o direito da instituição financeira na obtenção de seu crédito, mormente quando - no caso concreto e no que é possível compreender a partir de uma análise perfunctória -, nada vem aos autos capaz de infirmar suficientemente os fundamentos da decisão agravada. Assim, pertinente sua manutenção quanto à limitação dos descontos no percentual máximo de 30%. MULTA (ASTREINTE). Tratando-se de obrigação de fazer e de não fazer, resulta viável juridicamente a imposição de multa (art. 537 do CPC/15). No caso concreto, o valor das astreintes fixado pelo juízo de origem afigura-se suficiente e compatível com a obrigação determinada. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO. (Agravo de Instrumento, Nº 51940511320238217000, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Antonio Angelo, Julgado em: 07-12-2023)
Consigno que o afastamento do Decreto 11.567/2023, em controle difuso de constitucionalidade, vem sendo aceito pela presente Corte, conforme colaciono:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS.
SUPERENDIVIDAMENTO
. DECISÃO QUE DEFERIU A LIMITAÇÃO DE DESCONTOS EM TUTELA DE URGÊNCIA. PRELIMINAR DE NULIDADE DA DECISÃO POR VIOLAÇÃO AO ART. 489, §1º, III, DO CPC: A decisão agravada apresenta fundamentos que são coerentes e se conectam diretamente com o caso concreto, observando suas particularidades, de modo que não há nulidade a ser reconhecida. POSSIBILIDADE DO DEFERIMENTO DA TUTELA ANTES DA AUDIÊNCIA CONCILIATÓRIA: Uma vez instaurado o processo, não há obstáculo legal ao deferimento da tutelas antecipatória que, no caso concreto, se deu como meio de assegurar a perfeita eficácia da função jurisdicional e a proteção do consumidor em situação de
superendividamento
. REQUISITOS PARA A CONCESSÃO DA MEDIDA: A decisão agravada afastou a incidência do Decreto n.11.567/2023, em
controle
difuso
de constitucionalidade, e se valeu das disposições da Lei n. 10.820/2003 e da Lei n. 14.131/2021 para fundamentar que a ocorrência de descontos em patamar superior a 35% da renda do consumidor comprometeria o seu mínimo existencial. Esse critério vem sendo aceito por esta Câmara no âmbito das ações de repactuação de dívidas, pelo que está presente a probabilidade do direito e a urgência para justificar a concessão da medida, ainda que a parte agravada tenha renda líquida superior a R$ 600,00. LIMITAÇÃO DE DESCONTOS PARA SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL: Ainda que o empréstimo tenha sido contratado por servidor público estadual, possível a limitação dos descontos no patamar de 35%, considerando a ausência de antinomia entre a norma Estadual e Federal, bem como por se tratar de decisão proferida no âmbito de ação de repactuação de dívidas por
superendividamento
, a qual clama pela observância de critérios específicos e possibilita mesmo a imposição de um plano judicial compulsório caso necessário. LIMITAÇÃO DE DESCONTOS EFETUADOS EM CONTA-CORRENTE: O Tema 1085/STJ não se aplica aos contratos discutidos no âmbito de ação de repactuação de dívidas por
superendividamento
, a qual clama pela observância de critérios específicos e possibilita mesmo a imposição de um plano judicial compulsório caso necessário, de modo que é possível a limitação dos descontos efetuados na conta-corrente da parte agravada. IMPUGNAÇÃO DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA: O pedido para revogar a gratuidade de justiça deferida ao agravado não comporta conhecimento, sob pena de violação ao duplo grau de jurisdição, pois tal pleito não foi objeto de apreciação pelo juízo a quo. AGRAVO DE INSTRUMENTO PARCIALMENTE CONHECIDO E DESPROVIDO.(Agravo de Instrumento, Nº 53694277620248217000, Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Roberto José Ludwig, Julgado em: 19-12-2024)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS COM BASE NA LEI DO
SUPERENDIVIDAMENTO
. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO E CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO CONTRATADOS COM A INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. ALEGAÇÃO DE INOBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA NÃO SURPRESA AFASTADO. AUSENTE PREJUÍZO, NÃO HÁ FALAR EM NULIDADE. DECRETO N. 11.567/2023.
CONTROLE
DIFUSO
DE CONSTITUCIONALIDADE. PODER DE CAUTELA DO MAGISTRADO QUANDO SE DEPARA COM SITUAÇÃO QUE PODERÁ SE TORNAR IRREVERSÍVEL SE NÃO ESTANCADA DESDE O INÍCIO, QUANDO ESTA DENOTAR PODER DE CONCRETIZAR DANO IRREPARÁVEL OU DE DIFÍCIL REPARAÇÃO, SEJA IMEDIATO, SEJA EM FUTURO PRÓXIMO. ANTE UMA SITUAÇÃO DE
SUPERENDIVIDAMENTO
, DEVE SER MANTIDA A DECISÃO, EM RAZÃO DA PROBABILIDADE DO DIREITO DA PARTE AUTORA. AUSÊNCIA DE VEDAÇÃO À CONCESSÃO DE MEDIDA ANTECIPATÓRIA, AINDA QUE SE DESDOBREM EM DUAS FASES AS AÇÕES DE
SUPERENDIVIDAMENTO
, PRINCIPALMENTE QUANDO ESTA SE MOSTRAR IMPRESCINDÍVEL PARA GARANTIR O MÍNIMO NECESSÁRIO À SOBREVIVÊNCIA DA PARTE AUTORA, DEVENDO SER OBSERVADO O PRINCÍPIO NORTEADOR DA NORMA ACRESCENTADA AO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, QUE TEM POR ESCOPO A PRESERVAÇÃO DOS DIREITOS BÁSICOS DOS CIDADÃOS. APESAR DA LIBERDADE DE CONTRATAR, CONSIDERANDO-SE A NECESSÁRIA GARANTIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA PARTE DEMANDANTE, EM CONSONÂNCIA AO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, IMPOSITIVA A LIMITAÇÃO DOS DESCONTOS. MÉRITO. NÃO OBSTANTE OS LIMITES ESTABELECIDOS PELA LEI N.º 14.131/2022 (QUE ALTEROU A REDAÇÃO DA LEI N.º 10.820/2003), NO CASO, SENDO A DEMANDANTE SERVIDORA PÚBLICA DO MUNICÍPIO DE ALVORADA, O DECRETO Nº 119/2020 (ART. 5º, §§ 1º E 2º), AUTORIZOU A CONSIGNAÇÃO DE 50% DE SUA REMUNERAÇÃO MENSAL (VANTAGENS PERMANENTES), SENDO 30% REFERENTE A EMPRÉSTIMOS CONSIGNADOS EM FOLHA DE PAGAMENTO (REMUNERAÇÃO BRUTA) E 10% ORIUNDOS DE CARTÕES DE CRÉDITO (REMUNERAÇÃO BRUTA), LIMITES A SEREM OBSERVADOS, EM RELAÇÃO AOS DESCONTOS EFETUADOS EM FOLHA DE PAGAMENTO PELA MUNICIPALIDADE, QUANTO AOS CONTRATOS DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO E CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO FIRMADOS PELA PARTE AUTORA COM A INSTITUIÇÃO FINANCEIRA AGRAVANTE. TEMA 1085 DO STJ. POSSIBILIDADE DE SEREM DESCONTADAS PARCELAS DE EMPRÉSTIMOS BANCÁRIOS COMUNS EM CONTA CORRENTE. HIPÓTESE QUE NÃO AMPARA A PARTE RECORRENTE, VISTO QUE OS CONTRATOS FIRMADOS ENTRE AS PARTES SÃO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO E CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO, CUJOS DESCONTOS SÃO REALIZADOS DIRETAMENTE NA REMUNERAÇÃO DA AUTORA. MULTA. ADEQUAÇÃO DO QUANTUM E DA PERIODICIDADE ESTABELECIDAS NA DECISÃO RECORRIDA. ONEROSIDADE EXCESSIVA NÃO VERIFICADA. SANÇÃO QUE SOMENTE OCORRERÁ EM CASO DE EVENTUAL DESCUMPRIMENTO DA ORDEM JUDICIAL PELA PARTE AGRAVANTE, BASTANDO QUE CUMPRA A DETERMINAÇÃO LIMINAR PARA EVITAR SUA INCIDÊNCIA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.(Agravo de Instrumento, Nº 51086700320248217000, Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Vinícius Andrade Jappur, Julgado em: 13-07-2024)
Ademais, a presente Câmara vem adotando entendimento de que mostra-se inaplicável ao caso o disposto no Decreto n° 11.150/2022 e atualizações, o qual restringe a aplicação da Lei do Superendividamento, representando um retrocesso aos direitos assegurados pela Lei n° 14.181/2021.
Nesse sentido, colaciono:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS.
SUPERENDIVIDAMENTO
. PRELIMINARES: (...) 1. O
SUPERENDIVIDAMENTO
RESTA CONFIGURADO QUANDO RECONHECIDA A IMPOSSIBILIDADE DE O CONSUMIDOR DE BOA-FÉ ADIMPLIR TODAS AS DÍVIDAS QUE CONTRAIU, SEM COMPROMETER O MÍNIMO EXISTENCIAL ASSEGURADO PARA SUA SOBREVIVÊNCIA. LEI N.º 14.181/2021. 2. CASO CONCRETO EM QUE A SOMA DOS DESCONTOS CONSIGNADOS AUTORIZADOS EM FOLHA DE PAGAMENTO E DOS LANÇAMENTOS A DÉBITO EM CONTA-CORRENTE BANCÁRIA ULTRAPASSAM O LIMITE RAZOÁVEL PARA QUE O AUTOR-AGRAVADO MANTENHA SUA SUBSISTÊNCIA, CARACTERIZANDO INEQUÍVOCA SITUAÇÃO DE
SUPERENDIVIDAMENTO
. 3. A LEI FEDERAL 14.181/2021 INTRODUZ NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR FERRAMENTAS PARA PREVENÇÃO E TRATAMENTO DAS SITUAÇÕES DE
SUPERENDIVIDAMENTO
. CONCESSÃO DA TUTELA DE URGÊNCIA QUE, NO CASO CONCRETO, E COM SUPORTE NA JURISPRUDÊNCIA DO STJ E DESTA CORTE, VISA ASSEGURAR A DIGNIDADE E SUBSISTÊNCIA PESSOAL E FAMILIAR DO CONSUMIDOR
SUPERENDIVIDADO
. GARANTIA DE ACESSO A VALORES INDISPENSÁVEIS PARA O CUSTEIO DAS DESPESAS MAIS ELEMENTARES DA SUBSISTÊNCIA, TAIS COMO ALIMENTAÇÃO HABITAÇÃO E SAÚDE. 4. LIMITAÇÃO DE DESCONTOS CONSIGNADOS EM FOLHA DE PAGAMENTO E DE LANÇAMENTOS A DÉBITO EM CONTA-CORRENTE NO PERCENTUAL DE 35% INCIDENTES SOBRE A REMUNERAÇÃO BRUTA DO CONSUMIDOR
SUPERENDIVIDADO
, DESCONTADOS APENAS OS LANÇAMENTOS RELATIVOS À PREVIDÊNCIA OFICIAL E IMPOSTO DE RENDA RETIDO NA FONTE, QUANDO HOUVER. MANUTENÇÃO DA DECISÃO RECORRIDA, POIS AMPARADA EM PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DE PRESERVAÇÃO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E GARANTIA DE ACESSO AO MÍNIMO EXISTENCIAL PARA SUBSISTÊNCIA DO DEVEDOR
SUPERENDIVIDADO
. PRECEDENTES DESTA CORTE E DO STJ. (...).(Agravo de Instrumento, Nº 50946362320248217000, Décima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Amadeo Henrique Ramella Buttelli, Julgado em: 23-06-2024)
Destaco, por fim, que não há falar em irreversibilidade da tutela concedida, considerando que com a eventual improcedência dos pedidos, os descontos poderão ser retomados pela parte requerida.
Assim, cabível a manutenção da tutela de urgência deferida pelo juízo de origem, que determinou a limitação dos descontos.
RESULTADO:
Destarte, é caso de ser desprovido o agravo de instrumento, em decisão monocrática, nos termos da fundamentação.
Intimem-se as partes da presente decisão.
Tratando-se de processo eletrônico, a comunicação do Juízo de origem será realizada, de forma automática, pelo Sistema Eproc.
1. DONIZETTI, Elpídio. Curso Didático de Direito Processual Civil. 20 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2017. p. 430/431
2. JÚNIOR, Humberto Theodoro. Curso de Direito Processual Civil - volume III. 57 ed. rev, atual. e rev. Rio de Janeiro: Forense, 2024. p. 600/601
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