Processo nº 5104805-35.2025.8.21.7000
ID: 292328815
Tribunal: TJRS
Órgão: Gab. Des. Cláudio Luís Martinewski
Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO
Nº Processo: 5104805-35.2025.8.21.7000
Data de Disponibilização:
09/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
DANIELA RAQUEL DA SILVEIRA
OAB/RS XXXXXX
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Agravo de Instrumento Nº 5104805-35.2025.8.21.7000/RS
TIPO DE AÇÃO:
Dívida Ativa
RELATOR
: Desembargador CLAUDIO LUIS MARTINEWSKI
AGRAVADO
: DAGOBERTO HOCHSCHEIDT MOURA
ADVOGADO(A)
: DANIELA RAQUEL …
Agravo de Instrumento Nº 5104805-35.2025.8.21.7000/RS
TIPO DE AÇÃO:
Dívida Ativa
RELATOR
: Desembargador CLAUDIO LUIS MARTINEWSKI
AGRAVADO
: DAGOBERTO HOCHSCHEIDT MOURA
ADVOGADO(A)
: DANIELA RAQUEL DA SILVEIRA (OAB RS117388)
EMENTA
agravo de instrumento. direito tributário. execução fiscal. penhora de valores em contas bancárias. reconhecimento de impenhorabilidade. não comprovação de que os bloqueios de valores tenham atingido salário. inaplicabilidade do art.
833,
X, do CPC às contas-correntes. nova orientação do
stj
. REsp n. 1.677.144/RS. decisão reformada.
1. ante a inexistência de comprovação de que os bloqueios de valores atingiram salário, descabe invocar a impenhorabilidade prevista no art. 833, IV, do CPC.
2. de acordo com a orientação recentemente firmada pelo stj, a impenhorabilidade de valores inferiores a 40 salários mínimos (art. 833, X, do CPC) apenas tem aplicação automática às quantias mantidas em contas-poupança. Na hipótese de quantias mantidas em contas-correntes e em outras aplicações financeiras, cabe à parte demonstrar que os valores constituem reserva de patrimônio para adversidades ou montante imprescindível à garantia do mínimo existencial, o que não ocorreu.
recurso provido.
DECISÃO MONOCRÁTICA
Trata-se de agravo de instrumento interposto pelo MUNICÍPIO DE SANTA CRUZ DO SUL / RS em face da decisão que, nos autos da ação de execução fiscal por ele ajuizada contra
DAGOBERTO HOCHSCHEIDT MOURA
, deferiu o pedido de reconhecimento da impenhorabilidade de valores, nos seguintes termos (
44.1
):
[...]
2.
Foi penhorado via SISBAJUD o seguinte valor do executado: R$7.426,88 (Caixa Econômica Federal) (
evento 37, SISBAJUD1
).
Aduz a parte executada que a sua citação foi inválida, pois assinada por terceiro. Refere que a quantia bloqueada é oriunda de verba salarial, bem como da venda de um imóvel, sendo que não ultrapassa o montante de 40 salários mínimos. Postula a imediata liberação dos valores constritos (
evento 33, IMPUGNAÇÃO1
).
Oportunizado o contraditório, o exequente (
evento 42, PET1
) argumenta que não merece prosperar a alegação de que a quantia constrita era verba salarial, pois o extrato juntado pelo executado demonstra que a remuneração foi recebida em conta bancária diversa. Aduz que não houve a comprovação adequada para a alegação de que o valor constrito não atinge o teto de 40 salários mínimos.
Veio o feito concluso para apreciação.
É o breve relatório.
Decido.
No que tange à alegação de invalidade da citação do executado, cumpre destacar que a citação recebida por terceiro, nas execuções fiscais, é considerada regular se recebida no endereço constante da CDA.
Por fim, tenho que merece ser acolhida a pretensão do executado, uma vez que o STJ sedimentou o entendimento de que são impenhoráveis as quantias inferiores a 40 salários mínimos, não importando à natureza da verba.
Nesse sentido, entende a jurisprudência do TJ/RS:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. CRÉDITO INFERIOR A
40
SALÁRIOS
MÍNIMOS
EM CONTA CORRENTE.
IMPENHORABILIDADE
RECONHECIDA.
Uma vez que o valor bloqueado judicialmente é inferior ao equivalente a quarenta
salários
mínimos
, é devida a proteção da
impenhorabilidade
, ainda que o valor esteja em conta corrente. Proteção prevista no art. 833, X, do CPC estendida à conta corrente e aplicações financeiras
. Precedentes do
STJ
.
Impenhorabilidade
mantida. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. UNÂNIME.(Agravo de Instrumento, Nº 53569271220238217000, Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carmem Maria Azambuja Farias, Julgado em: 16-11-2023)
Ante o exposto,
reconheço a impenhorabilidade dos valores bloqueados.
Preclusa a matéria,
expeça-se alvará eletrônico automatizado em nome do executado, para fins de levantamento do valor bloqueado (
evento 37, SISBAJUD1
), inclusive correção, observando os dados bancários constantes no
evento 33, EXTRBANC4
.
Intimação eletrônica.
D.L.
Em suas razões recursais (
1.1
), a parte agravante sustentou que o executado não teria apresentado documentação para comprovar sua alegação de impenhorabilidade, o que lhe seria exigido pelo art. 854, § 3º, inciso I, do CPC.
Alegou que a quantia bloqueada seria a única existente em contas do agravado, que possuiria bens e renda satisfatória para a subsistência de sua família.
Asseverou que, de acordo com o STJ, a hipótese de impenhorabilidade prevista no art. 833, X, do CPC, seria seria relativa, de modo que exigiria a comprovação de que os valores constrictos constituem reserva de patrimônio destinada a assegurar o mínimo existencial.
Fez referência à jurisprudência.
Requereu o provimento do recurso para que a decisão seja reformada.
Em suas contrarrazões recursais (
12.1
), a parte agravada requereu o desprovimento do recurso.
Nos termos do Enunciado nº. 189 da Súmula do STJ, foi dispensada a intervenção do Ministério Público.
Vieram os autos conclusos.
É o relatório.
Decido.
Preenchidos os requisitos de admissibilidade, bem como verificada a orientação jurisprudencial dominante acerca da matéria no âmbito deste Tribunal de Justiça e no STJ, conheço do recurso interposto e passo ao exame do mérito recursal monocraticamente, nos termos do art. 932, inc. VIII, do CPC, c./c. o art. 206, inc. XXXVI, do RITJRS.
O MUNICÍPIO DE SANTA CRUZ DO SUL, nos autos da ação de execução fiscal por ele ajuizada contra
DAGOBERTO HOCHSCHEIDT MOURA
, interpôs o presente agravo de instrumento para reformar a decisão de primeiro grau que deferiu o pedido de reconhecimento da impenhorabilidade de valores bloqueados em contas bancárias pertencentes ao executado, no montante total de R$7.739,22 (
37.1
).
O Ente Público recorrente sustenta, em síntese, a inexistência de comprovação de que os valores bloqueados seriam impenhoráveis, especialmente sob a perspectiva do inciso X do art. 833 do CPC.
Analisados os argumentos recursais, conclui-se que a r. decisão exige reforma.
O art. 833
,
incisos IV e X, do CPC, ao tratar das hipótese de impenhorabilidade, dispõe:
Art. 833. São impenhoráveis:
[...]
IV
-
os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações,
os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2º ;
[...]
X - a quantia depositada
em caderneta de poupança
, até o limite de 40 (quarenta) salários-mínimos; (Grifei)
No que se refere à configuração da impenhorabilidade prevista no art. 833, IV, do CPC, em consulta aos autos, observa-se que, apesar das alegações do executado, inexiste comprovação de que as quantias atingidas pelo bloqueio tenham origem em salário.
Especificamente, os extratos bancários das contas-correntes do Banco Banrisul e da Caixa Econômica Federal (
33.4
;
33.5
), nas quais ocorreram os bloqueios, limitam-se a registrar o valor das constrições, sem expor as movimentações financeiras anteriores e as quantias mantidas na instituição bancária. Assim, não foi demonstrado que os valores bloqueados digam respeito ao recebimento de salário.
No ponto, evidentemente, a simples juntada de comprovante de recebimento de salários pelo banco Banrisul (
33.3
) não é suficiente para a comprovação de que os valores constrictos originam-se da remuneração mensal.
Ademais, de acordo com o STJ, as sobras remuneratórios mantidas em contas-correntes não são protegidas pela impenhorabilidade prevista no art. 833, IV, do CPC. Vejam-se os seguintes precedentes do STJ:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. SÚMULA 182/STJ. NÃO INCIDÊNCIA. RECONSIDERAÇÃO DA DECISÃO DA PRESIDÊNCIA. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA PARA COBRANÇA DE HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 489 E 1.022 DO CPC/2015. NÃO OCORRÊNCIA. PENHORA SOBRE SALDO EM CONTA CORRENTE. VALORES REMANESCENTES DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS DEPOSITADOS EM MESES ANTERIORES. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO STJ. BLOQUEIO DE VEÍCULOS. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO INTERNO PROVIDO. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO.
1. Não se verifica a alegada violação aos arts. 489 e 1.022 do CPC/2015, na medida em que a eg. Corte de origem dirimiu, fundamentadamente, a questão que lhe foi submetida, não sendo possível confundir julgamento desfavorável, como no caso, com negativa de prestação jurisdicional ou ausência de fundamentação.
2. "A Segunda Seção pacificou o entendimento de que a remuneração protegida pela regra da impenhorabilidade é a última percebida - a do último mês vencido - e, mesmo assim, sem poder ultrapassar o teto constitucional referente à remuneração de Ministro do Supremo Tribunal Federal. Após esse período, eventuais
sobras
perdem tal proteção" (EREsp 1.330.567/RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, DJe de 19/12/2014).
3. Hipótese em que, a teor do consignado nos autos, os valores penhorados nas contas bancárias do devedor correspondem ao saldo remanescente dos proventos de aposentadoria recebidos em meses anteriores, razão pela qual não se cogita de sua impenhorabilidade.
4. Relativamente ao bloqueio de veículos para a garantia do procedimento executivo, o Tribunal de origem, examinando as circunstâncias da causa, consignou não haver cerceamento ao direito de locomoção do devedor. A alteração de tal premissa demandaria o revolvimento de suporte fático-probatório dos autos, o que é inviável na via estreita do recurso especial, a teor do que dispõe a Súmula 7 do STJ.
5. Agravo interno provido para conhecer do agravo e negar provimento ao recurso especial.
(AgInt no AREsp n. 1.665.649/SP, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 26/10/2020, DJe de 24/11/2020.)(Grifei)
PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. PENHORA DE SALÁRIO. ART. 649, IV, DO CPC. ACÓRDÃO ESTADUAL QUE CONCLUIU PELA INEXISTÊNCIA DE PROVA DE QUE OS VALORES BLOQUEADOS ERAM DESTINADOS AO SUSTENTO. SÚM. 7/STJ. SOBRAS. POSSIBILIDADE DE PENHORA. AGRAVO NÃO PROVIDO.
1. O Tribunal estadual concluiu que inexistem provas de que os valores bloqueados eram destinados à subsistência da família, bem como de que o valor de uma das contas bancárias eram originados de pagamento de pensão alimentícia. Incidência da Súmula 7/STJ.
2. "A Segunda Seção pacificou o entendimento de que a remuneração protegida pela regra da impenhorabilidade é a última percebida - a do último mês vencido - e, mesmo assim, sem poder ultrapassar o teto constitucional referente à remuneração de Ministro do Supremo Tribunal Federal. Após esse período, eventuais
sobras
perdem tal proteção" (EREsp 1330567/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 10/12/2014, DJe 19/12/2014).
3. Agravo regimental não provido.
(AgRg no AREsp n. 632.739/SP, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 24/3/2015, DJe de 30/3/2015.)(Grifei)
Desse modo, é inviável o reconhecimento da impenhorabilidade estabelecida no art. 833, IV, do CPC.
No que se refere à impenhorabilidade constante do inciso X do art. 833 do CPC, igualmente, é inviável o seu reconhecimento no caso concreto.
Conforme recente orientação firmada no STJ, a impenhorabilidade de valores inferiores a 40 salários mínimos, previstas no art. 833, X, do CPC, apenas tem aplicação automática às quantias mantidas em contas-poupança.
Na hipótese em que o bloqueio de valores atinge quantias mantidas em contas-correntes e em outras aplicações financeiras, como ocorre neste processo, cabe à parte executada demonstrar que os valores se referem a reserva de patrimônio, com características e objetivos similares aos da conta-poupança (isto é, reserva contínua e duradoura de numerário destinada a conferir proteção individual ou familiar, em caso de emergência ou imprevisto), ou a montante imprescindível à garantia do mínimo existencial.
Veja-se o entendimento estabelecido no STJ:
PROCESSUAL CIVIL. BLOQUEIO DE DINHEIRO VIA BACEN JUD. DINHEIRO DISPONÍVEL EM CONTA-CORRENTE, NÃO EM CADERNETA DE POUPANÇA. IMPENHORABILIDADE ABSOLUTA. ART. 833, X, DO CPC (ANTIGO ART. 649, X, DO CPC/1973). NORMA RESTRITIVA. INTERPRETAÇÃO AMPLIATIVA. IMPOSSIBILIDADE. PRESTÍGIO À JURISPRUDÊNCIA FIRMADA NESSE SENTIDO. AUSÊNCIA DE JUSTIFICATIVA EXCEPCIONAL OU RELEVANTES RAZÕES PARA ALTERAÇÃO. DEVER DOS TRIBUNAIS SUPERIORES DE MANTER SUAS ORIENTAÇÕES ESTÁVEIS, ÍNTEGRAS E COERENTES. DELIMITAÇÃO DA CONTROVÉRSIA 1. A controvérsia cinge-se ao enquadramento das importâncias depositadas em conta-corrente até 40 (quarenta) salários mínimos na impenhorabilidade prevista no art. 649, X, do CPC/1973, atual art. 833, X, do CPC/2015.
2. O Tribunal de origem reformou a decisão de primeiro grau para considerar impenhorável o valor de R$ 15.088,97 depositado em conta-corrente do executado, pois tal garantia "pode ser estendida a outras formas de reserva financeira além da poupança" (fl. 127, e-STJ). JURISPRUDÊNCIA DO STJ A RESPEITO DA QUESTÃO CONTROVERTIDA 3. A orientação cediça do STJ, desde a introdução do instituto no Código de Processo Civil de 1973, sempre foi no sentido de que a disposição contida no art. 649, X, do CPC/1973 - atual art. 833, X, do CPC/2015 - era limitada aos valores depositados em caderneta de poupança, consoante dicção expressa da lei. Por todos: "O art. 649, X, do CPC, não admite intepretação extensiva, de modo a abarcar outras modalidades de aplicação financeira, de maior risco e rentabilidade, que não detêm o caráter alimentício da caderneta de poupança" (REsp 1.330.567/RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, DJe 27.5.2013). No mesmo sentido: AgRg no REsp 1.371.567/SP, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, DJe 12.6.2013; AgRg no AREsp 385.316/RJ, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Terceira Turma, DJe 14.4.2014; AgRg no AREsp 511.240/AL, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 30.3.2015; AgInt no AgInt no AREsp 886.532/SP, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, DJe 14.6.2017.
4. Vale acrescentar que, nos casos em que os depósitos realizados eram utilizados mais para fins de movimentação financeira do que de poupança, o entendimento jurisprudencial era de que estava descaracterizada a proteção conferida pela regra da impenhorabilidade, pois destinada a conferir segurança alimentícia e familiar, o que deixava de ocorrer no caso de uso como fluxo de caixa para despesas diversas.
5. Esse posicionamento começou a sofrer alteração a partir de alguns julgados do STJ que passaram a adotar posição diametralmente oposta, no sentido de que "a impenhorabilidade da quantia de até quarenta salários mínimos poupada alcança não somente as aplicações em caderneta de poupança, mas também as mantidas em fundo de investimentos, em conta-corrente ou guardadas em papel-moeda, ressalvado eventual abuso, má-fé, ou fraude, a ser verificado de acordo com as circunstâncias do caso concreto" (REsp 1.582.264/PR, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, DJe 28.6.2016).
No mesmo sentido: REsp 1.230.060/PR, Rel. Ministra Isabel Gallotti, Segunda Seção, DJe 29.8.2014; AgRg no REsp 1.566.145/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 18.12.2015; e REsp 1.666.893/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 30/6/2017.
6. O acórdão a quo se baseou em precedente da Segunda Seção, firmado por maioria, no REsp 1.230.060/PR, DJe 29.8.2014, Rel. Ministra Isabel Gallotti, para desbloquear as verbas penhoradas da conta-corrente do executado. INTERPRETAÇÃO DO ART. 833, X, DO CPC À LUZ DA CF/1988 E DO ART. 5º DA LINDB 7. Originalmente, o voto apresentado aplicava solução coerente com a posição jurisprudencial que vinha sendo aplicada pacificamente no STJ até 2014, isto é, restringindo a impenhorabilidade do montante de até quarenta (40) salários mínimos para o dinheiro aplicado exclusivamente em cadernetas de poupança, com lastro na interpretação literal das normas do CPC/1973 e do atual CPC.
8. Não obstante, dado o brilhantismo dos fundamentos lançados no Voto-Vista divergente apresentado pelo Ministro Luis Felipe Salomão, pedi Vista Regimental para sobre eles refletir e apresentar solução intermediária.
9. Saliento, conforme exposição abaixo, que a modificação adequada e ora submetida ao colegiado possui abrangência menor do que a veiculada na proposta do eminente par.
10. Primeiramente, reitero, com base nos precedentes acima citados, que o STJ procedeu à alteração jurisprudencial acerca do tema no ano de 2014, situação que não pode ser desconsiderada no julgamento da presente causa.
11. Em segundo lugar, tem-se como claro e incontroverso, pela leitura dos dois votos até aqui apresentados, que a redação literal do Código de Processo Civil (tanto o de 1973 - art. 649, X - como o atual - art. 833, X) sempre especificou que é absolutamente impenhorável a quantia de até quarenta (40) salários mínimos aplicada apenas em caderneta de poupança.
12. Sucede que não é despropositado observar que realmente houve alteração na realidade fática relativamente às aplicações financeiras.
13. Na cultura generalizada vigente nas últimas décadas do século passado, o cidadão médio, quando pensava em reservar alguma quantia para a proteção própria ou de sua família, pensava naturalmente na poupança.
14. Hoje em dia, não é incomum verificar a grande expansão de empresas especializadas em atender a um crescente mercado voltado ao investimento no mercado financeiro, sendo frequente que um segmento social (ainda que eventualmente pequeno) relativamente privilegiado sabe muito bem que, atualmente, a poupança é a aplicação que dá menor retorno.
15. Exatamente por essa razão é que se entende, após melhor ponderação sobre o tema, que o nome da aplicação financeira, por si só, é insuficiente para viabilizar a proteção almejada pelo legislador. Em outras palavras, a se considerar que a reserva de numerário mínimo, destinada a formar patrimônio necessário ao resguardo da dignidade da pessoa humana (aqui incluída a do grupo familiar a que pertence), constitui o fim social almejado pelo legislador, não seria razoável, à luz da Constituição Federal e do art. 5º da LINDB, consagrar entendimento no sentido de proteger apenas a parte processual que optou por fazer aplicação em "cadernetas de poupança", instituindo tratamento desigual para outros que, aplicando sua reserva monetária em aplicações com características e finalidade similares à da poupança, buscam obter retorno financeiro mais bem qualificado.
16. No sentido acima, chama-se atenção para o fato de que a hipótese não é de interpretação ampliativa - incabível em relação às normas de exceção em um microssistema jurídico -, mas de sua exegese à luz da Constituição Federal de 1988 e do art. 5º da LINDB.
17. Não sensibiliza, todavia, a genérica menção à ampliação da impenhorabilidade, que passaria a ser geral e irrestrita, a todo e qualquer tipo de aplicação financeira de até quarenta salários mínimos, com amparo na necessidade de se proceder à exegese da norma em conformidade com outros valores prestigiados constitucionalmente.
18. Isso porque, embora, evidentemente, as normas não possam ser interpretadas contra outros valores constitucionais, a ciência jurídica impõe o acato e a observância à rigorosa técnica da hermenêutica e de ponderação de valores de normas aparentemente conflitantes. Assim, a menção abstrata a outros valores de estatura constitucional, por si só, é insuficiente para justificar, como resultado exegético, interpretação que entre em atrito com outras máximas, ou princípios e fundamentos técnico-jurídicos, como os de que a lei não contém palavras inúteis, ou de que as normas de exceção devem ser interpretadas restritivamente.
19. Dito de outro modo, o que se tem por razoável é considerar, na melhor das hipóteses, que a norma sobre a impenhorabilidade deve ser interpretada, à luz da CF/1988, sob a perspectiva de preservar direitos fundamentais, sem que isso autorize, entretanto, a adoção de interpretação ampliativa em relação a normas editadas com finalidade eminentemente restritiva (já que a impenhorabilidade, como se sabe, constitui exceção ao princípio da responsabilidade patrimonial), pois, em tal contexto, não haveria interpretação buscando compatibilizar normas jurídicas, mas construção de um ordenamento jurídico sustentado por sistema hermenêutico autofágico, em que uma norma aniquilaria o espírito e a razão de existir de outra.
20. É precisamente por esse motivo que merece reprodução o seguinte excerto lançado no próprio Voto-Vista do Ministro Luis Felipe Salomão, o qual se reporta à "lapidar lição de Fredie Didier Jr" (destaques meus, em negrito): "(...) a restrição à penhora de certos bens apresenta-se como uma técnica processual tradicional e bem aceita pela sociedade contemporânea. Mas essas regras não estão imunes ao controle de constitucionalidade in concreto e, por isso, podem ser afastadas ou mitigadas se, no caso concreto, a sua aplicação revelar-se não razoável ou desproporcional."
21. Como base no acima exposto, à luz do princípio da proporcionalidade e da razoabilidade, é absolutamente inadequado formar-se posicionamento jurisprudencial que consubstancie orientação no sentido de que toda aplicação de até quarenta 40 (quarenta), em qualquer tipo de aplicação bancária ou financeira, estará sempre enquadrada na hipótese do art. 833, X, do CPC.
22. A partir do raciocínio acima, a melhor interpretação e aplicação da norma é aquela que respeita as seguintes premissas:
a) é irrelevante o nome dado à aplicação financeira, mas é essencial que o investimento possua características e objetivo similares ao da utilização da poupança (isto é, reserva contínua e duradoura de numerário até quarenta salários mínimos, destinada a conferir proteção individual ou familiar em caso de emergência ou imprevisto grave) - o que não ocorre, por exemplo, com aplicações especulativas e de alto risco financeiro (como recursos em bitcoin, etc.);
b) não possui as características acima o dinheiro referente às sobras que remanescem, no final do mês, em conta-corrente tradicional ou remunerada (a qual se destina, justamente, a fazer frente às mais diversas operações financeiras de natureza diária, eventual ou frequente, mas jamais a constituir reserva financeira para proteção contra adversidades futuras e incertas);
c) importante ressalvar que a circunstância descrita no item anterior, por si só, não conduz automaticamente ao entendimento de que o valor mantido em conta-corrente será sempre penhorável. Com efeito, deve subsistir a orientação jurisprudencial de que o devedor poderá solicitar a anulação da medida constritiva, desde que comprove que o dinheiro percebido no mês de ingresso do numerário possui natureza absolutamente impenhorável (por exemplo, conta usada para receber o salário, ou verba de natureza salarial);
d) para os fins da impenhorabilidade descrita na hipótese "a", acima, ressalvada a hipótese de aplicação em caderneta de poupança (em torno da qual há presunção absoluta de impenhorabilidade), é ônus da parte devedora produzir prova concreta de que a aplicação similar à poupança constitui reserva de patrimônio destinado a assegurar o mínimo existencial ou a proteger o indivíduo ou seu núcleo familiar contra adversidades
. SÍNTESE DA TESE OBJETIVA AQUI APRESENTADA 23. A garantia da
impenhorabilidade
é aplicável automaticamente, no patamar de até 40 (quarenta), ao valor depositado exclusivamente em caderneta de poupança. Se a medida de bloqueio/penhora judicial, por meio físico ou eletrônico (Bacenjud), atingir dinheiro mantido em conta-corrente ou quaisquer outras aplicações financeiras, poderá eventualmente a garantia da
impenhorabilidade
ser estendida a tal investimento - respeitado o teto de quarenta salários mínimos -, desde que comprovado, pela parte processual atingida pelo ato constritivo, que o referido montante constitui reserva de patrimônio destinada a assegurar o mínimo existencial.
HIPÓTESE DOS AUTOS 24. No caso concreto, conforme descrito pela parte recorrida, a penhora incidiu sobre numerário em conta-corrente, constituindo-se, em tese, verba perfeitamente penhorável.
25. Superada a exegese adotada na Corte regional, devem os autos retornar para que esta, em respeito ao princípio da não supressão de instância, prossiga no julgamento do Agravo de Instrumento, no que concerne aos demais argumentos veiculados pela parte contrária, isto é, de liberação da penhora em razão de: a) o débito se encontrar parcelado (importante identificar se eventual parcelamento foi concedido antes ou depois da medida constritiva); e b) necessidade de utilização dos valores para sobrevivência da parte devedora.
26. Recurso Especial provido.
(REsp n. 1.677.144/RS, relator Ministro Herman Benjamin, Corte Especial, julgado em 21/2/2024, DJe de 23/5/2024.)(Grifei)
Sobre a matéria, esta 21ª Câmara Cível tem decidido no seguinte sentido:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. BLOQUEIO DE VALORES.
IMPENHORABILIDADE
.
1. OS SALÁRIOS SÃO IMPENHORÁVEIS (CPC, ART.
833
, I
V)
, CABENDO AO DEVEDOR O ÔNUS DE DEMONSTRAR A ORIGEM DAS QUANTIAS TORNADAS INDISPONÍVEIS EM CONTA CORRENTE (CPC, ART. 854, § 3º, I), ÔNUS DO QUAL NÃO SE DESINCUMBIU A PARTE EXECUTADA. 2. NO CASO, IGUALMENTE, O LIMITE DE 40 (QUARENTA) SALÁRIOS MÍNIMOS COMO CRITÉRIO ABSOLUTO PARA DECLARAÇÃO DE
IMPENHORABILIDADE
DE VALORES É DESTINADO, EXCLUSIVAMENTE, ÀQUELES LOCALIZADOS EM CADERNETA DE POUPANÇA (CPC, ART.
833
, INCISO
X
), DE MODO QUE, ENCONTRANDO-SE O NUMERÁRIO EM CONTA CORRENTE OU QUALQUER OUTRA FORMA DE APLICAÇÃO FINANCEIRA, DEVERÁ SER DEMONSTRADO PELA PARTE EXECUTADA QUE O MONTANTE CONSTITUI RESERVA FINANCEIRA, O QUE NÃO OCORREU NO CASO CONCRETO.
RECURSO DESPROVIDO.(Agravo de Instrumento, Nº 53794014020248217000, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Cláudio Luís Martinewski, Julgado em: 09-01-2025)(Grifei)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. PENHORA VIA SISBAJUD.
IMPENHORABILIDADE
. INOCORRÊNCIA.
PARA VER-SE PROTEGIDO PELA REGRA DA
IMPENHORABILIDADE
PREVISTA NO ARTIGO
833
,
X
, CPC, DEVE O EXECUTADO PRODUZIR PROVA CONCRETA DE QUE A APLICAÇÃO SIMILAR À POUPANÇA CONSTITUI RESERVA DE PATRIMÔNIO DESTINADO A ASSEGURAR O MÍNIMO EXISTENCIAL OU A PROTEGER O INDIVÍDUO OU SEU NÚCLEO FAMILIAR CONTRA ADVERSIDADES.. PROVA AUSENTE NO CASO.
RECURSO DESPROVIDO.(Agravo de Instrumento, Nº 53796785620248217000, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liselena Schifino Robles Ribeiro, Julgado em: 06-01-2025)(Grifei)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. ALEGAÇÃO DE IMPENHORABILIDADE DE VALOR BLOQUEADO VIA SISBAJUD. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA ORIGEM SALARIAL DO MONTANTE. INAPLICABILIDADE DO ART.
833
,
IV
, DO CPC. QUANTIA INFERIOR A 40 SALÁRIOS MÍNIMOS DEPOSITADA EM CONTA BANCÁRIA. ART.
833
,
X
, DO CPC. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE QUE O MONTANTE CONSTITUI RESERVA DE PATRIMÔNIO DESTINADA A ASSEGURAR O MÍNIMO EXISTENCIAL. IMPENHORABILIDADE REJEITADA. PREFERÊNCIA DA PENHORA DE DINHEIRO.
Caso em que não foi demonstrada a origem salarial dos valores, não incidindo na espécie o art.
833
,
IV
, do CPC. A respeito do art.
833
,
X
, do CPC, muito recentemente o Superior Tribunal de Justiça modificou em parte o seu posicionamento sobre a matéria, passando a entender que "A garantia da
impenhorabilidade
é aplicável automaticamente, no patamar de até 40 (quarenta) salários mínimos, ao valor depositado exclusivamente em caderneta de poupança. Se a medida de bloqueio/penhora judicial, por meio físico ou eletrônico (Bacenjud), atingir dinheiro mantido em conta-corrente ou quaisquer outras aplicações financeiras, poderá eventualmente a garantia da
impenhorabilidade
ser estendida a tal investimento - respeitado o teto de quarenta salários mínimos -, desde que comprovado, pela parte processual atingida pelo ato constritivo, que o referido montante constitui reserva de patrimônio destinada a assegurar o mínimo existencial" (REsp n. 1.660.671/RS, relator Ministro Herman Benjamin, Corte Especial, julgado em 21/2/2024, DJe de 23/5/2024). Consoante extrato juntado aos autos, o valor mantido em uma das instituições financeiras estava depositado em conta corrente. Acerca do valor mantido na outra instituição, não há qualquer indicativo, e a parte sequer fez tal alegação, de que o bloqueio tenha ocorrido em conta poupança. Portanto, não se pode chancelar, de modo automático, a
impenhorabilidade
. A ausência da apresentação dos extratos referentes a uma das contas em que realizado o bloqueio impede o reconhecimento de que a quantia constrita constitui reserva de patrimônio destinada a assegurar o mínimo existencial, situação que deve ser comprovada pelo devedor.
A indicação de imóvel à penhora não veda a realização da penhora de dinheiro, que, aliás, é preferencial na ordem legal (art. 11 da LEF e art. 835 do CPC). AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO.(Agravo de Instrumento, Nº 52030926720248217000, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marcelo Bandeira Pereira, Julgado em: 21-11-2024)(Grifei)
PROCESSUAL CIVIL. BLOQUEIO DE VALORES. CADERNETA DE POUPANÇA E CONTA BANCÁRIA. DISTINÇÃO. LIMITE DE ATÉ 40 SALÁRIOS MÍNIMOS. IMPENHORABILIDADE E ALCANCE. ARTIGO
833
,
X
, CPC/15. ORIENTAÇÃO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. RESP Nº 1.677.144/RS, HERMAN BENJAMIN. ARTIGO
833
, IV, CPC. AUSÊNCIA DE PROVA DA ORIGEM DO VALOR CONSTRITO.
A
impenhorabilidade
de valores em conta bancária é assegurada tanto para os de natureza salarial, assim como até o limite de 40 salários mínimos, previsto no artigo
833
,
X
, CPC/15, para aqueles depositados em caderneta de poupança, de acordo com decisão unificadora traçada no REsp nº 1.677.144/RS, HERMAN BENJAMIN, superado anterior entendimento, cumprindo ao devedor nas demais situações, ou seja, quando o bloqueio incidir sobre conta corrente ou quaisquer outras aplicações financeiras, comprovar que o montante constitui reserva de patrimônio destinada a assegurar o mínimo existencial, o que não se verifica na hipótese dos autos. Tampouco há alguma evidência de que a quantia efetivamente seja proveniente de eventual remuneração percebida pelo agravante, inexistindo algum elemento informativo que revele a origem do valor constrito, a também afastar, assim, a incidência da regra do artigo
833
,
IV
, CPC.
AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO.(Agravo de Instrumento, Nº 53207017120248217000, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Armínio José Abreu Lima da Rosa, Julgado em: 21-11-2024)(Grifei)
No caso em exame, entretanto, a parte executada não apresentou elementos de prova que comprovem que os valores bloqueados constituam reserva de patrimônio protegida pelo art. 833, X.
Ademais, o exame do único extrato bancário juntado aos autos (
33.4
) revela constantes movimentações financeiras na conta-corrente, o que descaracteriza os valores ali mantidos como patrimônio destinado a conferir proteção individual ou familiar, em caso de emergência ou imprevisto grave.
Nesse contexto, impõe-se dar provimento ao recurso para, com a reforma da decisão recorrida, afastar-se o reconhecimento da impenhorabilidade dos valores bloqueados.
Por fim, registra-se que o prequestionamento de normas constitucionais e infraconstitucionais foi atendido nas razões de decidir, o que dispensa a manifestação pontual acerca de cada artigo ventilado, tendo em vista que o julgador não é obrigado a se manifestar sobre todas as teses legais suscitadas pelas partes, mas somente aquelas suficientes a confortar o seu convencimento.
Ante o exposto, nos termos do art. 932, inc. VIII, do CPC, c./c. o art. 206, inc. XXXVI, do RITJRS, dou provimento ao agravo de instrumento, conforme a fundamentação acima explicitada.
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