Oliria Fernandes x Banco Pan S.A.
ID: 339463812
Tribunal: TJMT
Órgão: 3ª VARA CÍVEL DE SINOP
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 1003159-32.2025.8.11.0015
Data de Disponibilização:
31/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ROBERTO DOREA PESSOA
OAB/BA XXXXXX
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DENNER DE BARROS E MASCARENHAS BARBOSA
OAB/MT XXXXXX
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GUSTAVO PINHEIRO DAVI
OAB/GO XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO 3ª VARA CÍVEL DE SINOP SENTENÇA Processo: 1003159-32.2025.8.11.0015. AUTORA: OLIRIA FERNANDES REU: BANCO PAN S.A. OLÍRIA FERNANDES ajuizou Ação de Nulidade Cont…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO 3ª VARA CÍVEL DE SINOP SENTENÇA Processo: 1003159-32.2025.8.11.0015. AUTORA: OLIRIA FERNANDES REU: BANCO PAN S.A. OLÍRIA FERNANDES ajuizou Ação de Nulidade Contratual cumulada com Repetição de Indébito e Indenização por Danos Morais em face do BANCO PAN S.A, na qual alegou, em síntese, que firmou contrato de empréstimo consignado em seu benefício previdenciário, contudo foi surpreendida com empréstimo via cartão de crédito com reserva de margem consignável (RCC/RMC), em que é descontado apenas o valor mínimo da fatura em seu benefício, de modo que o débito se tornaria perpétuo. Pugnou pela aplicação do Código de Defesa do Consumidor para inverter o ônus da prova, notadamente para que o requerido apresente os documentos referentes ao contrato. Ao final, postulou pela declaração de nulidade do contrato ou que seja convertido à modalidade almejada (empréstimo consignado), com aplicação de correção monetária e juros pela média estabelecida pelo Banco Central para empréstimos consignados; pela restituição em dobro dos valores pagos em excesso e condenação do réu ao pagamento de indenização por danos morais (evento 183554708). Recebida a inicial (ID 188656096), foram concedidos os benefícios da justiça gratuita à autora. Em audiência de conciliação, as partes não chegaram ao acordo (ID 197878407). O banco réu apresentou contestação (ID 197738264), em que alegou, preliminarmente, falta do interesse de agir devido o inesgotamento da seara administrativa; inépcia da inicial por ausência de documentos imprescindíveis para comprovação do direito, de comprovante de residência e procuração válidos; conexão com os autos 1003165-39.2025.8.11.0015 e 1004435-98.2025.8.11.0015; e impugnou o pedido de justiça gratuita. No mérito, sustentou a regularidade e validade da contratação, porquanto a autora tinha ciência do produto financeiro adquirido, tanto que recebeu o cartão de crédito e realizou saques. Sustentou a ausência de violação ao dever de informação, pois repassou todos os termos do contrato. Salientou a impossibilidade de substituição da obrigação (conversão do cartão de crédito em empréstimo consignado) e a possibilidade de cancelamento administrativo do cartão, bem como do pagamento do valor integral do empréstimo por meio da fatura do cartão. Postulou pela improcedência do pedido deduzido na inicial e, na eventualidade de procedência, que os valores sejam restituídos de forma simples. Ao final, a instituição financeira requerida postulou pela intimação da autora para ser ouvida em audiência a fim de confirmar a legitimidade da procuração outorgada (ID’s 198102954 e 198113465). Vieram os autos conclusos para deliberação. É o relatório. Decido. Inicialmente, impende acentuar que se configura absolutamente desnecessária a produção de prova testemunhal ou a realização de perícia técnica na hipótese ‘sub judice’, pois não se revelam imprescindíveis, para efeito de equacionamento/resolução do litígio. Logo, à luz destes balizamentos, procedo ao julgamento antecipado da lide, na forma do que preconiza o comando normativo preconizado no art. 355, incisos I do Código de Processo Civil. Sob outro prisma de enfoque, quanto à preliminar de carência da ação, por ausência de interesse de agir, reputa-se que está fada ao insucesso. É que, como forma de dar vazão ao princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário — que apregoa que não subsiste a obrigação de promover-se o prévio exaurimento da instância administrativa para que a parte interessada possa ter acesso à prestação jurisdicional, desprezando-se a imprescindibilidade da jurisdição condicionada ou instância administrativa de curso forçado e, ao mesmo tempo, também eliminando a possibilidade de imposição de obstáculos ao acesso ao Poder Judiciário por intermédio da definição de regras lastreadas em lei infraconstitucional [art. 5.º, inciso XXXV da CRFB/88] — deflui-se, por força de proposição lógica, que a falta de tentativa de resolução amigável do conflito ou o atendimento do pedido na esfera pré-processual, não se revela condição indispensável para a caracterização do interesse de agir, que se evidencia/implementa por efeito da influência da resistência oferecida, pela parte adversa, à pretensão deduzida. Num segundo quadrante, no que tange à preliminar de inépcia da petição inicial, penso que está fadada ao insucesso. Ocorre que, de acordo com a norma de regência, a apresentação de comprovante de endereço da autora não constitui requisito da petição inicial [art. 319 do Código de Processo Civil]. A exigência de juntada de comprovante de residência, com a petição inicial, configura-se como medida incompatível com o princípio da instrumentalidade do processo [cf.: TJRS, Apelação Cível n.º 70068730977, 15.ª Câmara Cível, Rel.: Des. Otávio Augusto de Freitas Barcellos, j. 08/06/2016; TJRS, Agravo de Instrumento n.º 70054956990, 9.ª Câmara Cível, Rel.: Des. Eugênio Facchini Neto, j. 11/06/2013; TJRS, Apelação Cível n.º 70055394837, 10.ª Câmara Cível, Rel.: Des. Paulo Roberto Lessa Franz, j. 01/08/2013]. Ademais, a autora apresentou o documento ao evento nº 183554716. Por outro vértice, a dicção da petição inicial, a causa de pedir (fundamentos de fato e jurídicos do pedido), que dá sustentáculo jurídico ao pedido formulado foi deduzida na petição inicial, ainda que de maneira superficial/perfunctória, e se concentra, essencialmente, na existência de cláusulas abusivas insertas no contrato entabulado, cuja comprovação mínima foi feita pela autora por meio dos documentos arquivados aos eventos nº 183554718 e 183554719. Para além disso, segundo o teor da petição inicial, há pedido certo e determinado, consistente na declaração de nulidade contratual, restituição do indébito e indenização por dano moral; além do que, de sua eventual deficiência, não restou prejuízo algum à defesa, conforme depreendo do teor da contestação apresentada. Sob outro aspecto, com relação à tese preliminar, que objetiva o reconhecimento da conexão com os autos nº 1003165-39.2025.8.11.0015 e nº1004435-98.2025.8.11.0015, considero que não deva merecer guarida. É que, compulsando os autos, verifica-se que apesar da identidade de partes, a demanda nº 1003165-39.2025.8.11.0015 não possui a mesma causa de pedir, pois a pretensão da autora está pautada em contratos diferentes (nesta ação, o contrato questionado é o nº 759240837-6; enquanto nos autos nº 1003165-39.2025.8.11.0015, o contrato em pauta é o nº 759240713-9), o que descarta a possibilidade de prolação de decisões conflitantes/divergentes. Já no processo n. 1004435-98.2025.8.11.0015, houve a prolação de sentença de reconhecimento da litispendência com os autos nº 1003165-39.2025.8.11.0015, ou seja, o processo foi extinto sem resolução do mérito. A ratificar tal posicionamento, extraem-se da jurisprudência dos Tribunais Estaduais os seguintes arestos, que versam acerca de questões semelhantes: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DECLARATÓRIA CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CONEXÃO RECONHECIDA COM OUTRA DEMANDA. IDENTIDADE DE PARTES. AÇÕES AJUIZADAS COM BASE EM CONTRATOS DISTINTOS. CAUSA DE PEDIR E PEDIDOS DIFERENTES. DECISÃO AGRAVADA REFORMADA.1. Não se vislumbra conexão entre demandas que, apesar da identidade de partes, não possuírem mesma causa de pedir e pedidos, pois pautadas em contratos bancários diferentes.2. Agravo de instrumento conhecido e provido. (TJPR - 15ª Câmara Cível - 0029572-19.2019.8.16.0000 - Londrina - Rel.: DESEMBARGADOR LUIZ CARLOS GABARDO - J. 28.08.2019) – grifos inexistentes no texto original. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO. CONEXÃO COM OUTRA AÇÃO REFERENTE À CONTRATO DISTINTO. INEXISTÊNCIA. AUSÊNCIA DE POSSIBILIDADE DE DECISÕES CONFLITANTES. CONFLITO JULGADO PROCEDENTE. - Quando consideradas ações referentes a contratos distintos, impõe-se reconhecer a inexistência de conexão a ensejar a reunião dos feitos, porquanto diferentes o objeto e os efeitos das decisões em cada relação. - Versando as lides acerca de contratos distintos, não se observam os pressupostos teleológicos para a conexão das ações, não contribuindo a reunião de processos para a economia processual e não havendo risco de decisões conflitantes. (TJMG - Conflito de Competência 1.0000.14.090188-5/000, Relator(a): Des.(a) José Marcos Vieira , 16ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 18/03/2015, publicação da súmula em 27/03/2015) – grifos inexistentes no texto original. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA - AÇÃO DE PROCEDIMENTO COMUM - REVISIONAL - CONTRATO DISTINTO - INEXISTÊNCIA DE RISCO DE DECISÕES CONFLITANTES. Nos termos do Código de Processo Civil reputam-se conexas 2 (duas) ou mais ações quando lhes for comum o pedido ou a causa de pedir. Tratando-se de ações referentes a contratos distintos não há conexão a ser declarada, porquanto inexiste risco de decisões conflitantes quando diferentes o objeto de cada relação controvertida. (TJMG - Conflito de Competência 1.0000.22.076915-2/000, Relator(a): Des.(a) Marcelo Pereira da Silva , 12ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 12/05/2022, publicação da súmula em 13/05/2022) – grifos inexistentes no texto original. Com relação à tese preliminar, que objetiva o reconhecimento de defeito na representação, considero que está fadada ao insucesso. É que, de acordo com a norma de regência, o instrumento de procuração pode ser assinado/firmado de maneira digital [art. 105, § 1.º do Código de Processo Civil] e, não subsiste exigência legal, ou que condicione a validade e regularidade da assinatura eletrônica à empresa certificadora cadastrada pela ICP-Brasil [art. 4.º, incisos II e III da Lei n.º 14.063/2020] ou, ainda, que obstaculize a utilização de outro meio de comprovação de autoria e de integridade de documentos, assinados/firmados de maneira eletrônica, mesmo aqueles que utilizem certificados não-emitidos pela ICP-Brasil [art. 10, § 2.º da Medida-Provisória n.º 2.200-2/2001]. No caso concreto, do exame minucioso do teor do instrumento de procuração e do anexo relatório de assinaturas, é possível divisar que a ferramenta de assinatura eletrônica registra menção expressa à ICP-Brasil e, ainda, à possibilidade de verificação de autenticidade e integridade do documento (evento n.º 183554713). Portanto, à míngua de qualquer elemento mínimo que aponte para fragilidade do instrumento, o qual foi também secundado com a captura de selfie da autora, conclui-se que a assinatura é válida. A jurisprudência dos Tribunais Estaduais, a respeito da temática relacionada à regularidade da assinatura digital, com certificação de autenticidade emitida pela ‘Zapsign’, tem reconhecido a sua validade [cf.: TJSP, Apelação Cível n.º 10120844020228260068, 23.ª Câmara Cível, Rel.: Des. José Marcos Marrone, j. em 28/07/2023; TJGO, Apelação Cível n.º 54061250320218090087, 3.ª Câmara Cível, Rel.: Des. Gerson Santana Cintra, j. em 14/08/2023]. Nesta linha de raciocínio, indefiro os pedidos constantes nos eventos nº 198102954 e 198113465, pois eventual falsidade ou ausência de validade é matéria de questionamento pela própria autora. Por derradeiro, pertinente à alegação de litigância abusiva (advocacia predatória) importante mencionar ainda, que as Recomendações nº 127, 129 e 159 do Conselho Nacional de Justiça visam compelir a busca predatória de clientes e recomendam aos magistrados/tribunais avaliar a existência ou não dos indícios e aplicar as medidas cabíveis, fornecendo rol exemplificativo de práticas caracterizadoras da conduta. Pois bem. Em detida análise aos elementos informativos produzidos no processo, verifica-se que a procuração é válida e está devidamente assinada pela autora, inclusive com envio de selfie, além disso, foram apresentados todos os documentos de identificação da parte e como alinhavado acima, não há nenhum vício na peça vestibular, de modo que a quantidade de ações distribuídas pelo mesmo advogado/escritório de advocacia, isoladamente, não configuram indício de prova de má-fé do procurador com relação ao caso em tela. Por fim, quanto à impugnação ao pedido de concessão da gratuidade de justiça, reputa-se que deva ser rechaçada de plano. A assistência judiciária gratuita configura-se como direito fundamental, que objetiva concretizar a garantia do direito de acesso à tutela jurisdicional do Estado, para aquele que não dispõe de recursos financeiros para encampar a defesa de direitos/interesses jurídicos e para viabilizar o credenciamento para o exercício básico de direitos e garantias fundamentais, e acarreta, como consequência direta, na desoneração do pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios e periciais. A assistência judiciária gratuita caracteriza-se como direito subjetivo do indivíduo, menos favorecido, sob o ponto de vista financeiro e econômico, e deve ser compreendida como apanágio natural daquele que busca o acesso à Justiça e não incorpora condições mínimas para arcar com as custas processuais, sem prejuízo do sustento próprio ou da entidade familiar da qual faz parte integrante. O fato de tratar-se de pessoa miserável/pobre, na acepção literal da expressão, mostra-se, por conseguinte, totalmente irrelevante, para efeito de concessão do benefício da assistência judiciária gratuita. Interpretação que resulta da exegese do disposto no art. 1.º c/c o art. 4.º, ambos da Lei n.º 1.050/1.960 e art. 5.º, inciso XXXIV, alínea ‘a’ e inciso XXXV da CRFB/88. A concessão da gratuidade da justiça, como fórmula/regra geral, depende da caracterização de fato objetivo, que se limita/contenta a reclamar a existência de afirmação, na petição inicial, de que não reúne condições de arcar com o pagamento das custas do processo e honorários de advogado [cf.: STJ, AgRg no Ag n.º 1.172.972/RS, 5.ª Turma, Rel.: Min. Jorge Mussi, j. em 20/10/2009; STJ, EDcl nos EDcl no AgRg nos EDcl no Ag n.º 952.186/RS, 3.ª Turma, Rel.: Min. Nancy Andrighi, j. em 20/10/2009]. Isso implicar considerar, por inferência racional, que compete ao impugnante o ônus de provar que o beneficiário não se encontra em estado de miserabilidade jurídica [cf.: STJ, AgRg no Ag em REsp n.º 45.932/MG, 3.ª Turma, Rel.: Min. João Otávio de Noronha, j. em 13/08/2013; STJ, AgRg no AREsp n.º 27.245/MG, 4.ª Turma, Rel.: Min. Antônio Carlos Ferreira, j. em 24/04/2012]. Do confronto/cotejo analítico do material cognitivo produzido no processo, depreende-se que não subsistem provas concretas que demonstram que a autora reúna condições financeiras suficientes para arcar com o pagamento das despesas do processo, sem o comprometimento do próprio sustento e da família, ônus que incumbia à embargada/impugnante. A par disso, o próprio débito da presente ação é elemento que, aliado aos documentos arquivados ao evento nº 183554719, comprova a falta de recursos da autora para pagamento das despesas processuais. Portanto, indefiro a impugnação, mantendo os benefícios outrora concedidos. Quanto à aplicação do Código de Defesa do Consumidor ao presente caso, é pacífico o entendimento jurisprudencial de que as operações financeiras estão submissas às normas contidas no CDC. E não poderia ser diferente, ante a regra expressa estabelecida no § 2º do artigo 3º da Lei n° 8.078/90, bem como ao conteúdo da Súmula nº 297 do STJ: O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras. Assim, serão aplicadas na presente decisão as regras previstas no Código de Defesa do Consumidor. Não subsistem outras questões preliminares ou processuais pendentes que exijam exame e, conforme se depreende da análise do processo, os ditames processuais foram observados. Destarte, superada a etapa de realização do exame dos requisitos de admissibilidade da lide (condições da ação e pressupostos processuais), passo a análise da questão de fundo da demanda. A controvérsia dos autos é a suposta falha na prestação do serviço pela ré, devido à falta de informação ao consumidor e ao desvirtuamento da modalidade de empréstimo contratada, porquanto, em tese, a autora queria contratar empréstimo consignado, enquanto contratou cartão de crédito com desconto do valor mínimo em reserva de margem consignável (RMC/RCC). Com efeito, assim como o empréstimo consignado, o contrato de cartão de crédito com autorização de desconto em folha de pagamento ou benefício previdenciário é expressamente previsto na Lei 10.820/2003, em seu art. 6.º, § 5.º, in verbis: Art. 6°. Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão do Regime Geral de Previdência Social poderão autorizar o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS a proceder aos descontos referidos no art. 1° e autorizar, de forma irrevogável e irretratável, que a instituição financeira na qual recebam seus benefícios retenha, para fins de amortização, valores referentes ao pagamento mensal de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil por ela concedidos, quando previstos em contrato, nas condições estabelecidas em regulamento, observadas as normas editadas pelo INSS. § 5.° Os descontos e as retenções mencionados no caput não poderão ultrapassar o limite de 35% (trinta e cinco por cento) do valor dos benefícios, sendo 5% (cinco por cento) destinados exclusivamente para: I - a amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito; ou II - a utilização com a finalidade de saque por meio do cartão de crédito. Por seu turno, a retenção da Reserva de Margem Consignável (RMC) é permitida “desde que expressamente autorizada” [IN/INSS n.º 28/2008, art. 3.º, inciso III]. Em que pese a previsão legal de contratar cartão de crédito com desconto diretamente em folha de pagamento, é imperioso destacar que as instituições financeiras vêm se utilizando dessa espécie de contrato (cartão de crédito consignado com desconto em folha) como forma de burlar a lei, ao se utilizar da adesão ao cartão de crédito para fornecer um mútuo ante a inexistência de margem consignável para empréstimo, desvirtuando a finalidade da Lei n. 10.820/2003 (art. 1°, §1°), que estabelece os limites para cada uma dessas distintas modalidades de negócio. Na prática, ocorre que a liquidação desses contratos desvirtuados configura uma vantagem exagerada ao fornecedor, que é vedado pelo Código de Defesa do Consumidor (art. 51, VI, § 1º, III)[1], em razão de não haver previsão do número de parcelas para o pagamento do mútuo e os descontos mensais se referirem apenas ao valor mínimo da fatura do cartão, que acarreta na perpetuação da dívida. Isto porque o percentual possível de desconto do benefício previdenciário (5%) acaba sendo utilizado para cobrir os juros do rotativo e não alcança o saldo devedor, inviabilizando o pagamento ao longo do tempo. Diante disso, visando melhor regulamentar as modalidades de crédito consignado e diante do termo de Ajustamento de Condutas realizado pelas instituições financeiras afiliadas ao ABECS (Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços) junto ao Departamento de proteção e Defesa do Consumidor da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça, o Instituto Nacional do Seguro Social reformou substancialmente a Instrução Normativa nº 28 de 16/05/2008, por meio da Instrução Normativa nº 100 de 28/12/2018, estabelecendo novas regras para a autorização de descontos decorrentes da celebração de cartão de crédito com reserva de margem consignável, determinando que as instituições financeiras incluam cláusulas específicas, inclusive com a informação da quantidade de meses necessários à liquidação do saldo devedor do cartão em caso de não pagamento espontâneo da fatura pelo contratante, nos seguintes termos: Art. 21-A Sem prejuízo das informações do art. 21, nas autorizações de descontos decorrentes da celebração de contratos de Cartão de Crédito com Reserva de Margem Consignável, o contrato firmado entre o beneficiário do INSS e a instituição consignatária deverá, obrigatoriamente, nos termos da decisão homologatória de acordo firmado na Ação Civil Pública nº 0106890- 28.2015.4.01.3700, ser acompanhado de Termo de Consentimento Esclarecido - TCE, que constará de página única, reservada exclusivamente para tal documento, constituindo-se instrumento apartado de outros que formalizem a contratação do Cartão de Crédito Consignado, e conterá, necessariamente: I - expressão "TERMO DE CONSENTIMENTO ESCLARECIDO DO CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO", inserida na parte superior do documento e com fonte em tamanho quatorze; II – abaixo da expressão referida no inciso I do caput, em fonte com tamanho onze, o texto: "Em cumprimento à sentença judicial proferida nos autos da Ação Civil Pública nº 106890-28.2015.4.01.3700, 3ª Vara Federal da Seção Judiciária de São Luís/MA, proposta pela Defensoria Pública da União"; III - nome completo, CPF e número do benefício do cliente; IV - logomarca da instituição financeira; V - imagem em tamanho real do cartão de crédito contratado, ainda que com gravura meramente ilustrativa; VI - necessariamente como última informação do documento, espaço para preenchimento de local, data e assinatura do cliente; VII - as seguintes inscrições, todas registradas em fonte com tamanho doze e na ordem aqui apresentada: a) "Contratei um Cartão de Crédito Consignado"; b) "Fui informado que a realização de saque mediante a utilização do meu limite do Cartão de Crédito Consignado ensejará a incidência de encargos e que o valor do saque, acrescido destes encargos, constará na minha próxima fatura do cartão"; c) "A diferença entre o valor pago mediante consignação (desconto realizado diretamente na remuneração/beneficio) e o total da fatura poderá ser paga por meio da minha fatura mensal, o que é recomendado pelo (nome da instituição financeira), já que, caso a fatura não seja integralmente paga até a data de vencimento, incidirão encargos sobre o valor devido, conforme previsto na fatura"; d) "Declaro ainda saber que existem outras modalidades de crédito, a exemplo do empréstimo consignado, que possuem juros mensais em percentuais menores"; e) "Estou ciente de que a taxa de juros do cartão de crédito consignado é inferior à taxa de juros do cartão de crédito convencional"; f) "Sendo utilizado o limite parcial ou total de meu cartão de crédito, para saques ou compras, em uma única transação, o saldo devedor do cartão será liquidado ao final de até (número de meses), contados a partir da data do primeiro desconto em folha, desde que: 1. eu não realize outras transações de qualquer natureza, durante todo o período de amortização projetado a partir da última utilização; 2. não ocorra a redução/perda da minha margem consignável de cartão; 3. os descontos através da consignação ocorram mensalmente, sem interrupção até o total da dívida; 4. eu não realize qualquer pagamento espontâneo via fatura; e 5. não haja alteração da taxa dos juros remuneratórios"; g) "Para tirar dúvidas acerca do contrato ora firmado, inclusive sobre informações presentes neste Termo de Consentimento, o cliente poderá entrar em contato gratuitamente com o (nome da instituição financeira) através do Serviço de Atendimento ao Consumidor - SAC (identificar número telefônico) e de sua Ouvidoria (identificar número telefônico)". É fundamental, portanto, que o instrumento contratual seja claro em seus termos, de modo a não gerar dúvida quanto à modalidade de crédito contratada. Tal medida atende o princípio da boa-fé objetiva, eis que garante ao contratante conhecer especificamente dos produtos e serviços postos à disposição no mercado, permitindo-lhe escolher de forma consciente aquele que melhor atende os seus interesses, o que evita, inclusive, eventuais abusos de direito. Sobre o tema, leciona a doutrina especializada: “(...) a boa-fé objetiva é horizontal, concerne às relações internas dos contratantes. Atende ao princípio da eticidade, pois polariza e atrai a relação obrigacional ao adimplemento, deferindo aos parceiros a possibilidade de recuperar a liberdade que cederam ao início da relação obrigacional. Mediante a emanação de deveres laterais - anexos, instrumentais ou de conduta -, de cooperação, informação e proteção, os parceiros estabelecem um cenário de colaboração desde a fase pré-negocial até a etapa pós-negocial, como implicitamente decorre da atenta leitura do art. 422 do Código Civil. Dentro de sua tridimensionalidade (funções interpretativa, integrativa e corretiva), a boa-fé ainda exerce uma função de controle, modelando a autonomia privada, evitando o exercício excessivo de direitos subjetivos e potestativos, pela via do abuso do direito (art. 187, CC)”. (ROSENVALD, Nelson. Dignidade humana e boafé no Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2005, p.89). Estabelecidas tais premissa, passo à análise do caso concreto. Esquadrinhando o material cognitivo produzido no processo, denota-se que o requerido apresentou os contratos entabulados com a autora em que constou a menção TERMO DE ADESÃO AO CARTÃO BENEFÍCIO CONSIGNADO; em que já de início, gera dúvida sobre a modalidade de crédito fornecida, porquanto não há indicação clara de que se trata de um “cartão de crédito” (ID 197738268) em que o valor mínimo será descontado do benefício previdenciário, ficando a cargo do adquirente, efetuar o pagamento integral da fatura, a rigor do disposto no art. 21-A, inciso VII e respectivas alíneas e itens da Instrução Normativa nº 28 de 16/05/2008, com as alterações trazidas pela Instrução Normativa nº 100 de 28/12/2018, supramencionadas. Ainda, em que pese a requerida afirme que alterou a maneira de expressar a cobrança nas faturas, isto ocorreu posteriormente à contratação (09/08/2022 – ID 197738268), conforme se verifica entre pelas faturas emitidas a partir de agosto de 2023 (ID 197738277, pág. 08). Ao examinar o acervo de informações amealhado no processo, verifica-se também que a autora utilizou o cartão apenas para realizar um único saque no valor R$ 1.166,00 (mil cento e sessenta e seis reais) – ID’s 197738270 e 197738277. Assim, diante do conjunto fático-probatório dos autos, bem como que a situação se amolda perfeitamente ao disposto no art. 21-A, VII, f, da Instrução Normativa nº 28 de 16/05/2008 do INSS, alterada pela IN nº 100 de 28/12/2018, supramencionadas, vislumbro a necessidade de declarar a nulidade das cláusulas contratuais que permitem os descontos contínuos do valor mínimo da fatura de cartão de crédito diretamente do benefício previdenciário da autora, diante da desvantagem excessiva ao consumidor. Destaque-se que a nulidade dessas cláusulas não invalida o contrato, por estrita observância ao princípio da função social dos contratos, determinado pelo art. 421 do Código Civil e art. 4º, III, do CDC, privilegiado pela norma maior prevista no art. 170 da Constituição Federal, que norteia toda a atividade econômica, da qual os contratos são instrumentos. Além disso, o art. 51, § 2º do CDC estampa expressamente que “a nulidade de uma cláusula contratual abusiva não invalida o contrato, exceto quando de sua ausência, apesar dos esforços de integração, decorrer ônus excessivo a qualquer das partes”. A conformação dos contratos, portanto, não se restringe e nem se limita à livre negociação de seus termos pelas partes, mas deve, sobretudo, atingir os fins colimados à função social que deles se espera. Oportuna, também, à definição da questão, que as partes contratantes observem, seja quando da constituição, seja quando da execução dos contratos, o princípio da boa-fé objetiva (CC 422, CDC, art. 4º, III), de modo a preservar, tanto quanto possível e em especial na modalidade de contrato de crédito que se questiona (uso de margem consignável), frente ao particular público que emergiu para esses contratos (aposentados e pensionistas), a dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III). Em vista disso e em observância ao princípio da boa-fé objetiva (CC, artigo 422), para que seja evitado o locupletamento das partes, haja vista que o consumidor se beneficiou dos valores dos créditos, mediante depósito de valores em sua conta bancária e houve o desconto efetivo de parcelas mensais de seu benefício previdenciário, imprescindível adequar o contrato convertendo-o à modalidade perseguida pelo autor no ato da contratação, entendimento este consagrado pela jurisprudência pátria: RECURSO DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C NULIDADE CONTRATUAL E RESTITUIÇÃO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – EMPRÉSTIMO BANCÁRIO – CONSUMIDOR QUE, ACREDITANDO ESTAR CONTRATANDO MÚTUO CONSIGNADO, ADERIU A NEGÓCIO JURÍDICO DIVERSO – SAQUE DE LIMITE DE CARTÃO DE CRÉDITO – MODIFICAÇÃO DOS JUROS PARA OPERAÇÃO NA MODALIDADE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO VIGENTE NA DATA DA LIBERAÇÃO DO NUMERÁRIO APENAS PARA OS VALORES “SACADOS” – VIABILIDADE – FALTA DE VÍCIOS NO ACÓRDÃO – REDISCUSSÃO DA MATÉRIA – PRETENSÃO INVIÁVEL PELA VIA RECURSAL ELEITA – RECURSO NÃO PROVIDO. 1. O recurso de embargos de declaração é a ferramenta processual ofertada às partes para impugnar decisão judicial contraditória, obscura, omissa ou com erro material (artigo 1.022 do CPC), no sentido de aclará-la, integrá-la a realidade dos autos, evitando que pontos nucleares ao deslinde restem negligenciados. 2. Restando comprovado que o autor, mediante ardil e violação do dever de transparência por parte de determinada instituição financeira, acreditando ter contratado mútuo consignado, aderiu a cartão de crédito cujo limite foi disponibilizado através de transferência eletrônica disponível e com cobranças realizadas em faturas avulsas, impõe-se a transmudação da avença à modalidade almejada pela consumidora, com a aplicação dos juros remuneratórios da época da negociação. (TJMT, N.U 1003121-80.2021.8.11.0008, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, SERLY MARCONDES ALVES, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 05/10/2022, Publicado no DJE 06/10/2022). Com base nessas considerações e havendo pedido alternativo para readequação do contrato, converto o contrato de cartão de crédito com desconto em margem consignável em contrato de empréstimo consignado com aplicação de juros pela taxa média de mercado para as operações de empréstimo pessoal consignado, segundo os dados divulgados pelo Banco Central do Brasil, à época da contratação. Portanto, o montante recebido à título de crédito pela autora deverá continuar a ser objeto de desconto junto à margem consignável. O desconto, todavia, não se dará sobre o valor mínimo descontado sobre a fatura de cartão de crédito, mas sim pelo saldo residual devedor e no montante fixo definido no extrato RMC, tão somente até a quitação pelo valor nominal, com a incidência dos juros segundo a taxa média prevista na data da contratação sendo essa a consequência do reconhecimento da abusividade da cláusula contratual. Os pagamentos já efetuados serão abatidos de eventual saldo devedor existente, prosseguindo-se os descontos pelo valor fixo já estipulado junto à RMC em tantas parcelas quanto suficientes para alcançar a quitação do valor já recebido pela autora. Ademais, tendo ocorrido descontos de valor superior ao valor do crédito, a quantia deverá ser reembolsada à autora – que deverá se dar na forma simples, por não estar presente, no caso, hipótese de engano justificável (artigo 42, parágrafo único do CDC). Nessa mesma linha de raciocínio, a ratificar tal posicionamento, apanha-se do acervo de jurisprudência dos Tribunais Estaduais os seguintes arestos que versam a respeito de questões que guardam relação de similitude com a que se encontra sob enfoque: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO COMBINADO COM NULIDADE CONTRATUAL E RESTITUIÇÃO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA - CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO - AUTORIZAÇÃO PARA DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO - DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO DO VALOR MÍNIMO DA FATURA - ABUSIVIDADE - AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE UTILIZAÇÃO E DO ENVIO DO CARTÃO - DEVER DE INFORMAÇÃO AO CONSUMIDOR NÃO RESPEITADO - INDUÇÃO A ERRO NA CONTRATAÇÃO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO - CONVERSÃO DO CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO EM EMPRÉSTIMO CONSIGNADO - RESTITUIÇÃO DAS QUANTIAS DE FORMA SIMPLES - AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ DO BANCO RECORRIDO - INEXISTÊNCIA DE DANO MORAL - SENTENÇA REFORMADA - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Configura prática abusiva ao consumidor o induzimento de contratação de empréstimo mediante cartão de credito consignado com aparência de mútuo comum com desconto na folha de pagamento, violando o dever de informação de boa-fé que devem nortear os contratos consumeristas. 2. Comprovado que o consumidor foi induzido a erro, o contrato deve ser convertido para a modalidade de empréstimo consignado, devendo ser adequada a taxa de juros à média de mercado para essa modalidade de empréstimo. 3. A simples constatação de encargos abusivos e a consequente revisão contratual não ensejam danos morais. 4. No caso dos autos, muito embora incida o Código de Defesa do Consumidor, não há nenhuma hipótese de dano in re ipsa, posto que sequer houve inscrição do nome do autor nos órgãos de proteção ao crédito, cabia a parte autora/recorrente comprovar que sofreu os danos morais. 5. Sentença reformada. 6. Recurso parcialmente provido (TJMT, N.U 1002275-61.2021.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, SEBASTIAO BARBOSA FARIAS, Primeira Câmara de Direito Privado, Julgado em 04/10/2022, Publicado no DJE 05/10/2022). APELAÇÃO - AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE/INEXIGIBILIDADE DE DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO/AUSÊNCIA DO EFEITO PROVEITO C.C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E DANOS MORAIS - UTILIZAÇÃO DE SALDO DO CARTÃO DE CRÉDITO (RMC) - VÍCIO DE CONSENTIMENTO - CONVERSÃO DA MODALIDADE CONTRATUAL PARA EMPRÉSTIMO CONSIGNADO - LIMITAÇÃO DA TAXA DE JUROS - RESTITUIÇÃO NA FORMA SIMPLES DOS VALORES DESCONTADOS EM EXCESSO, CASO HAJA COMPROVAÇÃO - DANOS MORAIS NÃO CONFIGURADOS - SENTENÇA REFORMADA - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Configura falha na prestação do serviço a conduta da instituição financeira que induz o cliente a erro ao celebrar contrato de cartão de crédito consignado, quando o consumidor acredita tratar-se de empréstimo pessoal. É caso de conversão da contratação para empréstimo consignado, observada a taxa média de mercado dos juros remuneratórios para operações da mesma natureza, condição que enseja a restituição, na forma simples, de valores descontados em excesso, caso haja comprovação. Se não demonstrados os requisitos da reparação civil, não é cabível a indenização a título de dano moral. (N.U 1005430-87.2020.8.11.0015, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, GUIOMAR TEODORO BORGES, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 05/10/2022, Publicado no DJE 05/10/2022). Em que pese à anulação da forma de pagamento através de desconto em folha do valor mínimo da fatura, ressalta-se que a retenção no benefício previdenciário da autora é devida, tendo em vista se beneficiou do valor creditado em sua conta e das compras efetuadas no decorrer da relação jurídica. Dano moral. Para que fique caracterizado o dano moral é necessário demonstrar de forma concreta o dano sofrido, afinal, o mero dissabor e aborrecimento não constituem causa suscetível de configuração de dano moral, notadamente quando não demonstrados os prejuízos experimentados. A indenização por dano moral não se destina a confortar meros percalços da vida comum, sem dano ao foro íntimo ou a honra do autor, os incômodos decorrentes do caso sub judice, que infelizmente, hoje faz parte da vida do cidadão, não constitui constrangimento capaz de gerar dever de indenizar abalo moral. Nas palavras de Sergio Cavalieri Filho: “... só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústias e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia-a-dia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo”. Nesta mesma toada é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, seguido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso: “No que tange ao pedido de indenização por danos morais, é entendimento do STJ que os dissabores e aborrecimentos ocorridos diante da tentativa de solução do conflito não acarreta danos morais.” (STJ, AgRg no AREsp 704399 / RS, T2, Rel. Min. Herman Benjamin, j. 17.9.2015) “a configuração do dano moral pressupõe uma grave agressão ou atentado a direito da personalidade, capaz de provocar sofrimentos e humilhações intensos, descompondo o equilíbrio psicológico do indivíduo por um período de tempo desarrazoado” (STJ, AgInt no Resp1655465/RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em24/04/2018, DJe 02/05/2018). APELAÇÃO - AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE/INEXIGIBILIDADE DE DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO/AUSÊNCIA DO EFETIVO PROVEITO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E DANOS MORAIS - UTILIZAÇÃO DE SALDO DO CARTÃO DE CRÉDITO (RMC) - VÍCIO DE CONSENTIMENTO - CONVERSÃO DA MODALIDADE CONTRATUAL PARA EMPRÉSTIMO CONSIGNADO - LIMITAÇÃO DA TAXA DE JUROS - RESTITUIÇÃO NA FORMA SIMPLES DOS VALORES DESCONTADOS EM EXCESSO, CASO HAJA COMPROVAÇÃO - DANOS MORAIS NÃO CONFIGURADOS - SENTENÇA REFORMADA - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Configura falha na prestação do serviço a conduta da instituição financeira que induz o cliente a erro ao celebrar contrato de cartão de crédito consignado, quando o consumidor acredita tratar-se de empréstimo pessoal. É caso de conversão da contratação para empréstimo consignado, observada a taxa média de mercado dos juros remuneratórios para operações da mesma natureza, condição que enseja a restituição, na forma simples, de valores descontados em excesso, caso haja comprovação. Se não demonstrados os requisitos da reparação civil, não é cabível a indenização a título de dano moral. (N.U 1007512-28.2019.8.11.0015, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, GUIOMAR TEODORO BORGES, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 14/09/2022, Publicado no DJE 14/09/2022) Sendo assim, a cobrança de valores sem contratação não enseja mais do que mero dissabor, tendo em vista que não causaram quaisquer outros prejuízos à vida da autora, exceto patrimoniais, e tampouco abalo em qualquer face dos seus direitos de personalidade, tal como a inclusão indevida em cadastro de inadimplentes. Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a pretensão exposta nos presentes autos, com resolução do mérito, na forma do art. 487, inciso I do Código de Processo Civil, para o fim de: a) DECLARAR a nulidade das cláusulas contratuais que permitem o desconto contínuo do valor mínimo da fatura do cartão de crédito do benefício previdenciário da autora, referente ao contrato arquivado ao evento nº 197738268. b) CONVERTER a modalidade do contrato para empréstimo consignado, cujas parcelas não excedam o valor fixo já estipulado junto à RMC, em tantas parcelas quanto suficientes para alcançar a quitação do valor recebido pela autora com juros remuneratórios pela taxa média de mercado vigente à época da contratação para a modalidade de empréstimo consignado, decotados os valores efetivamente pagos, devendo informar a quantidade de parcelas que ainda serão objeto de desconto; c) CONDENAR o réu ao pagamento dos valores cobrados eventualmente cobrados em excesso, a serem comprovados em sede de liquidação de sentença, com correção monetária pelo IPC-Fipe e juros de mora de 1% (um por cento) ao mês contados a partir de cada desconto, podendo compensar o valor, caso ainda reste saldo devedor. Pelo princípio da sucumbência, dado à sucumbência parcial [art. 86 do Código de Processo Civil], deverá arcar, a autora, com 70% das custas processuais e o requerido com os demais 30% remanescentes. Com espeque no conteúdo do art. 85, § 2.º do Código de Processo Civil, CONDENO O REQUERIDO no pagamento de honorários advocatícios ao patrono da parte adversa, fixados no percentual de 10% do valor da condenação, observada a mesma proporção acima, considerando-se a natureza da demanda, o trabalho desenvolvido por parte dos advogados e o lapso de tempo em que o processo tramitou. Fica suspensa a exigibilidade do pagamento das custas judiciais e dos honorários de advogado, destinadas ao patrono da parte adversa, infligido à autora, em razão do fato de ter-lhe sido concedido o beneplácito da assistência judiciária gratuita. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Sinop/MT, em 30 de julho de 2025. Cristiano dos Santos Fialho, Juiz de Direito. [1] Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: (...) IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade; (...) § 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que: (...) III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.
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